Resumo: Quanto à proteção da privacidade humana, nosso conjunto legal ainda não oferece boa segurança no desempenho das relações jurídicas havidas por intermédio da Internet. E muitas são as maneiras de se provocar prejuízos aos usuários da Rede. É neste cenário que se desenvolve a discussão desta pesquisa, especialmente quanto à questão indenizatória.
Sumário: 1 Considerações Iniciais. 2 Internet: Conjuntura Social e Jurídica. 3 Responsabilidade Civil Informática? 3.1 Os Provedores de Acesso à Internet 3.2 Os Provedores de Serviços da Internet 3.3 Os Hackers ou Crackers. 4 Considerações Finais. Referências
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Na década de 1990 houve a explosão da rede mundial de computadores – a Internet – antes utilizada somente pelo exército norte-americano em manobras para a defesa de sua soberania e táticas de guerra.
Sobre este acontecimento vem surgindo uma imensa preocupação no campo do direito à privacidade das pessoas, que têm sofrido alguns abalos em sua intimidade, causados via rede mundial de computadores.
Quanto às vítimas, o assunto comporta dúplice análise: por um lado, informações e figuras que se encontram em algum site da Internet estão sujeitas a inúmeros tipos de violação e a sua má-utilização pelos usuários, podendo ensejar ofensa ao direito de autor, ao direito de imagem ou à honra etc. De outro lado, aquele anônimo usuário da Web igualmente poderá ter sua privacidade dissecada através de meios e métodos hoje existentes (como os cookies, trojans e rastreadores de emails), ou ainda ver suas caixas postais infestadas de propagandas que não sabe de onde vieram, ou onde foi descoberto o seu endereço (os chamados spams), além de sofrerem outras espécies de infortúnios advindos da utilização aparentemente inocente da Rede (como as páginas de relacionamento).
Há, assim, os mais diversos aspectos e agentes passivos de danos quando se trata da Internet e do direito à privacidade, tanto de quem tem fatos de sua vida ou a sua imagem nela retratada, quanto quem dela se utiliza para trabalho, lazer, comunicação ou para outro fim.
Deste panorama até chegar-se a um ideal de fiscalização e punição – bem como de reparação nos moldes civis – será uma longa jornada que só a Ciência do Direito poderá mapear… e à frente de tantas dúvidas e diante de uma encruzilhada infinita de opções, há, necessariamente, que haver uma profunda meditação e um firme estudo sobre o assunto.
2 INTERNET: CONJUNTURA SOCIAL E JURÍDICA
Ao contrário dos direitos de personalidade, estudados e tutelados há séculos, a Internet, ou rede mundial de computadores somente foi criada recentemente, adquirindo enorme importância em quase todas as searas da sociedade, mas ainda pendente de legislação.
Assim, o que há para se estudar sobre a Internet é razoavelmente atual, sendo que é este ainda um instituto em construção, estando em permanente mutação, dificilmente conseguindo-se abranger na totalidade quaisquer de seus setores, seja a comunicação, a transmissão de dados, a divulgação, dentre inúmeros outros…
É papel do Direito regular essas novas situações[1], seja através de uma releitura de suas regras, seja por meio da edição de normas que permitam lidar satisfatoriamente com esta nova realidade.
É inquestionável que a Rede é uma das locomotivas da economia mundial e um dos meios de comunicação em massa. A economia digital vem crescendo assustadoramente e passando por incessantes transformações. A criação da NASDAQ – bolsa de valores digital – é um exemplo disto.
Por outro lado, a Internet também está amadurecendo e humanizando-se, uma vez que também aproxima as pessoas, fazendo parte do seu cotidiano, além de ser meio de difusão de conhecimento através de teleconferências, telemedicina, teletrabalho, educação à distância, comércio eletrônico, leilões, investimentos on line em ações, conjugação com telefones celulares, dentre outros.
E como não poderia deixar de ser, a digitalização penetrou no campo das relações jurídicas modificando sobremaneira o dia-a-dia de todos os profissionais da área do Direito.
Por aqui, o que já existe são algumas disposições normativas esparsas e vários projetos de lei, em trâmite no Congresso Nacional, que se referem, direta ou indiretamente, ao assunto[2], mas geralmente as pessoas ficam a mercê da posição jurisdicional para apontar soluções aos problemas que surgem no âmbito da Internet.
3 RESPONSABILIDADE CIVIL INFORMÁTICA?
Inegável que a vida em comunidade ainda não encontrou nada mais perfeito para embasar a tábua axiológica da responsabilidade civil que a máxima romana neminem laedere, traduzida para o vernáculo como dever geral de não lesar ninguém.
Essa expressão fundamenta tanto os limites impostos pela moral e bons costumes, quanto pelo próprio Direito, objetivando sempre uma convivência saudável e harmônica dentro do contexto social e, diante disto, quando qualquer componente da sociedade transgride essa linha axiológica e normativa, turba a ordem social e ingressa na seara da responsabilidade jurídica.
O que não pode ser deslembrado é que, genericamente, a responsabilidade civil implica em “violação de dever jurídico, através da prática do ato ilícito, e a ocorrência, é importante frisar, do correlato dano, material ou moral”[3], e que, desde que percebida uma ligação entre causa e efeito entre esses aspectos e não hajam excludentes, surge o dever de indenizar, objetivando-se dentro do possível, restabelecer o equilíbrio material e imaterial do ofendido.
Como já noticiado alhures, no âmbito da Internet muitos danos podem ser causados tanto aos seus usuários quando àqueles que nela ficam expostos, atingindo o patrimônio material e o imaterial destas pessoas.
Na esfera patrimonial, sites de compra e venda de produtos de qualquer natureza podem ser veículos para inúmeras fraudes que possam atingir os direitos de personalidade, o plágio e a contrafação afrontam os direitos autorais, além da reprodução de obras pode transformar a Internet em uma enorme máquina xerocopiadora.
Quanto aos danos imateriais, surge uma dúplice faceta a ser analisada: a das pessoas com notoriedade e os anônimos internautas.
Exemplos neste sentido são inúmeros, podendo-se citar uma famosa cantora adolescente que teve seu direito de imagem aviltado em virtude de fotomontagem envolvendo pornografia; um dirigente de instituição de classe que foi injuriado pela sua ex-esposa através de e-mail, causando-lhe danos à honra e fama, ou ainda de uma famosa apresentadora de televisão citada em sites de prostituição como uma das eventuais acompanhantes pagas.
Já quanto aos usuários anônimos da rede, surge a pedofilia, redirecionamento de home page para sites pornográficos, invasão de privacidade pelos rastreadores de emails, a má utilização de dados pessoais colhidos através de spams, cookies, trojans, perfis colhidos de páginas de relacionamento e pop ups, dentre outros métodos de inserir na navegação daquele que utiliza a Internet propagandas não solicitadas, visualização de páginas não desejadas, inserção de programas que lhe causam danos no hardware ou no software, ou que violam a segurança de seu PC e a incolumidade pessoal do seu usuário.
O que vale ressaltar é que, ao que tudo indica, a responsabilidade civil aplicada a relações advindas ou criadas através da Internet deve receber substancialmente a mesma abordagem da teoria geral da responsabilidade civil contemporânea, respeitando-se a especificidade do instrumento usado pelo ofensor.
E nesse diapasão, não se pode olvidar que as noções e conceitos de tempo e espaço precisam ser revistas por qualquer pessoa após o seu contato com a rede mundial de computadores: pessoas em locais mais remotos e distantes entre si conseguem comunicar-se instantaneamente, efetuar negócios, participar de conferências, congressos, cursos, assistir a espetáculos, enfim…
A Internet é um novo instrumento, eis que os danos têm a mesma natureza de quando perpetrados através de jornal, revista, televisão ou rádio. O seu agente complicador é o alcance e a amplitude das relações geradas e efetuadas através da Rede.
Quanto aos eventuais responáveis pela indenização por danos à privacidade praticados através da Internet, encontra-se os provedores de acesso e os provedores de serviços e os usuários da rede, nominados de hackers ou crackers, conforme a situação em que se enquadrem, como será diferenciado:
3.1 Os Provedores de Acesso à Internet
Sem dúvida uma das atividades mais rentosas – e ainda em franca ascensão – é a dos provedores de acesso da Internet. A atividade dos provedores de acesso à Internet consiste em disponibilizar aos usuários a possibilidade de se conectar à Rede. E essa conexão é feita por intermédio dos servidores.
O artigo 2°, letras l, do Projeto de Lei n° 1.713/96 define provedor de acesso como “entidade responsável pela oferta de serviços de informações ou de acesso à base de dados”.
Assim, “[…] os usuários somente têm acesso à Internet através de computadores chamados servidores, os quais são de propriedade de uma empresa que lhes fornece determinados serviços e produtos”[4]. Essa empresa é nominada provedora.
Os provedores são vinculados ao Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGIB e, uma vez conectado à Rede, o usuário poderá fazer uso da visitação de sites e também cadastrar e utilizar um endereço eletrônico (e-mail).
Esse serviço é estabelecido e regrado pela Norma do Ministério das Comunicações n°. 004/1995, subitem 4.1. E esta mesma Norma também prevê regras acerca do uso de meios da rede pública de telecomunicações por provedores pelas Entidades Exploradoras de serviços Públicas de Telecomunicações em seu subitem 5.1[5].
Simplificando: os provedores de acesso “reformatam os dados de maneira que se tornem aceitáveis pelo sistema que os receberá”[6], tratando-se, portanto, de uma espécie de elo entre a Internet e um computador pessoal.
Para tanto, o usuário da Internet deve possuir um modem conectado e um programa cliente (geralmente chamado de browser). Uma vez possuindo esses dois dispositivos, ele poderá passar a ser um nó da Rede, unindo-o a uma de suas “espinhas dorsais” (chamadas backbones).
Fazendo parte desta “rede”, e usando ferramentas disponíveis e adequadas, o internauta acessa a Internet e está autorizado a utilizar o correio eletrônico (enviando e recebendo e-mails), participar de grupos de discussão e bate-papo, ingressar em bancos de dados, visitar portais, entre outras tantas atividades.
Do ponto de vista do usuário da Internet, o provedor de acesso participa de uma relação jurídica de consumo, na qualidade de prestador de serviços, sendo o usuário o consumidor.
Essa afirmativa é lastreada no artigo 3o, do Código Consumerista, bem como no Projeto de Lei n° 1.589/1999, anexo ao Projeto de Lei n° 1483/1999, que prevê em seu artigo 13 que “aplicam-se ao comércio eletrônico as normas de defesa e proteção ao consumidor”.
E na qualidade de consumidor, o usuário busca segurança, estabilidade, conteúdo, serviços e outros aspectos gerais de uma relação desta natureza, sendo que o fornecedor de serviços, nesta qualidade, responde objetivamente[7] pelos danos causados ao consumidor, nos termos do artigo 14 daquele Diploma legal citado.
A teoria adotada é a do risco do empreendimento[8], e diante disto, eventuais cláusulas abusivas ou impostas no contrato de adesão firmado com o provedor de acesso devem ser declaradas nulas, conforme o artigo 6o, inciso VI, do Estatuto Consumerista.
Depreende-se, então, que o provedor tem a função de disponibilizar o acesso à Rede[9], e responderá perante o usuário quando não o fizer (chamado down time), o que ocorre quando o provedor fica fora da Rede (e, por exemplo, o usuário perde um negócio), com exceção dos fortuitos.
Também interessante ressaltar que os provedores de acesso gratuito (IG, BOL e outros), não têm sido considerados prestadores de serviço para fins de responsabilização perante o CDC. E neste diapasão, caso haja prejuízo ao usuário, o espeque legal será o Código Civil, como admoesta Alcântara Pereira[10].
O que mais comumente ocorre é o provedor de acesso disponibilizar além do efetivo acesso aos usuários, a possibilidade destes encaminharem e receberem e-mails. Neste caso, ele responderá por danos morais causados aos usuários por defeito no serviço, não quanto ao conteúdo dos e-mails que possibilita o internauta ler (salvo se proibido judicialmente de permitir o envio e, mesmo assim, o fizer). É que, para que o provedor possa “filtrar” o que chega aos usuários de e-mail, teria que efetuar o rastreamento dos mesmos, o que somente se permite por ordem judicial[11].
Assim, não há como responsabilizar o provedor pela viabilização do recebimento do e-mail com conteúdo ofensivo ao usuário, posto que não pode tomar ciência do seu conteúdo, sob pena de responder por invasão de privacidade do usuário/cliente[12].
Do prisma dos personagens que efetivamente estão na Rede (as celebridades), os provedores de acesso não teriam relação jurídica de natureza indenitária, eis que, como dito, são apenas veículo de acesso e utilização da Rede.
3.2 Os Provedores de Serviços da Internet
No que pertine aos provedores de serviços da Internet, na esfera jurídica o prisma modifica-se. Pois o artigo 2°, letra j, do Projeto de Lei n° 1.713/96 define provedor de serviço como “entidade responsável pela oferta de valor adicionado”.
Assim, a atividade desenvolvida pelos provedores de serviços da Internet é a de hospedar home pages. E, ao contrário dos provedores de acesso, há um serviço virtual prestado: o provedor de serviços viabiliza o equipamento imaterial para o uso da Internet pelo internauta.
Portais ou provedores de serviços da Internet são “… websites corporativos/institucionais, com uma grande infra-estrutura por trás do empreendimento. Assim, são portais os grandes sites de notícias, de busca, dos Internet bankings, das corretoras de valores, dos leilões etc”[13].
Nesta esfera da responsabilidade civil por danos morais, há a seguinte relação: aquela havida entre o provedor de serviço e a vítima (famosa ou anônima) de danos causados através dos conteúdos de sites.
Quando assume face de portal de informações e notícias o provedor de serviços poderá ter responsabilidade civil se hospedar páginas que disseminem crimes de qualquer natureza, violação de direitos autorais, danos à honra, pedofilia, racismo, tóxicos, terrorismo ou que aviltem qualquer preceito ético ou moral (mormente quando notificados judicialmente para deixar de fazê-lo e mesmo assim, continuarem a prática) e que ofendam algum direito de personalidade do usuário.
Imperioso destacar que acerca do conteúdo dos sites das espécies citadas acima, a tese majoritária adotada pela jurisprudência é a de que são responsáveis os seus titulares e os portais, que de regra podem filtrar e controlar o conteúdo das páginas que veiculam.
Ainda dentro deste aspecto (do foco do usuário da Internet), cumpre sublinhar que a obrigação do portal não é de meio, mas sim de resultado, pois “… deve garantir a veiculação do site num ambiente seguro, de forma que um determinado objetivo seja atingido”[14], sendo este objetivo não só o acesso, mas um acesso que não causará prejuízos aos usuários.
Impende salientar que existem decisões que prevêem que o provedor de serviços somente responderá[15] por defeito no serviço que presta e não pelo conteúdo disseminado através do seu serviço pelos usuários, embora esta, como dito, não seja a tese majoritária que se utiliza do fator hipossuficiência do consumidor do serviço prestado para fundamentar a sua argumentação. Tanto o é, que o mencionado Projeto de Lei n° 1.713/1996, dispõe em seu artigo 8° que há solidariedade entre o administrador da rede e o provedor.
Daí tem-se que, a responsabilidade é solidária entre portal e titular da página[16] que causar danos a usuários da Rede, embora a tarefa de fiscalização das home pages não seja, a princípio, da alçada do provedor de serviços, estando pendente a determinação de competência para tanto.
Ocorre que se passa a utilizar a tese do risco do empreendimento também para essa situação, uma vez que os portais auferem vantagens com publicidade e visitação, cabendo a eles a eventual reparação por danos causados e advindos de sua atividade.
Doutro lado, quanto às pessoas famosas, estas podem sofrer afronta moral em razão da veiculação de páginas através dos provedores de serviços. Seriam eles – os provedores – responsáveis pela reparação?
A responsabilização civil poderá dar-se tanto pela (má) utilização dos direitos autorais e direitos à imagem dos publicamente conhecidos, bem como por notícias desairosas ou informações privadas que tenham sido veiculadas pelos portais.
Mas, como o provedor de serviços da espécie “portal de busca” (como o Altavista e o Cadê-Yahoo, Google, por exemplo) não tem controle sobre o conteúdo das páginas eletrônicas, seria pouco coerente defender a tese de seria ele responsável por indenizações aos ofendidos[17].
Entretanto, existem portais temáticos (como os Portais Terra e Uol, por exemplo) que fornecem notícias, editoriais, artigos, dentre outros ou administradores de sites (como a Google do Brasil), que administra e representa o Orkut. Esses, por terem conhecimento do conteúdo do material que veiculam, seriam co-responsáveis por eventuais danos causados à personalidade de pessoas públicas[18].
Ora, sabe-se que a utilização de obras de qualquer natureza, bem como da própria figura humana prescindem de autorização, o mesmo ocorrendo quanto às informações privadas que são tornadas conhecidas do público por determinado veículo de comunicação. E, em não havendo a devida autorização, surge a responsabilidade indenitária nos termos do Código Civil e da Lei de Direitos Autorais do provedor e do autor da página que estiver contendo informações, má utilização dos direitos dos notórios, causando-lhes prejuízos imateriais.
Por fim, no que pertine às notícias publicadas pela Internet, especialmente se afrontarem os direitos de personalidade do ser humano envolvido, e por poderem os provedores de serviço efetuar um certo controle sobre o que vai nelas inserido, ensejam o dever do provedor de serviços e do autor da página pela reparação do ofendido por aplicação não só do Diploma Civil, mas também pela adoção dos princípios e dispositivos da Lei de Imprensa.
3.3 Os Hackers ou Crackers
Foi na década de 50 que surgiu, na Massachussetts Institute of Tecnology, em um grupo de estudantes de tecnologia, o chamado “Movimento Hacker”.
Hoje, o conceito de hacker desdobrou-se, sendo também conhecida da figura do cracker, sendo que ambos ainda se utilizam de práticas de alta técnica na área de computadores para variados e diversos fins.
Rosa[19] discerne um tipo do outro de forma bem simplificada, como hacker “o que tem conhecimentos profundos de sistemas operacionais e linguagens de programação e invade sistemas pelo prazer de provas a si mesmo que é capaz, sem alterar nada”; já o cracker utiliza seu conhecimento para o “mal”.
Assim, embora as duas condutas sejam ilícitas, eis que vilipendiam a privacidade do usuário e por vezes daquele que figura na Rede, é certo que a atividade do cracker é bem mais perigosa e danosa que a do hacker.
Também é certo que hoje se usa o termo hacker como gênero, ou seja, para representar as duas atividades acima conceituadas, mas, de fato, o hacker não tem o condão principal de lesar o outro.
É importante ressaltar que em muito já contribuíram os hackers para o desenvolvimento da tecnologia computacional, uma vez que divulgam o conhecimento, tornando conhecidos do público os avanços da ciência cibernética. Entretanto, este fato não os abona da responsabilidade por danos advindos de sua atuação.
Alcântara Pereira[20], inclusive, afirma que “[…] é um fato historicamente aceito, tendo em vista que grandes nomes da cultura digital foram Hackers, no sentido filosófico do termo, se é que pode dizer assim”.
No caminho inverso estão os crackers, que são reconhecidamente delinquentes digitais. Estes usam a Rede para fazer apologia do terrorismo e drogas, praticar espionagem, furtar dados, lesar sistemas, prejudicar e causar danos de ordem financeira dentre outros inúmeros atos possíveis, mas inimagináveis para os seres humanos comuns e dotados de média inteligência.
Assim, quando se fala em responsabilidade civil, por serem usuários de computador de forma não autorizada, tanto o hacker quanto o cracker são sujeitos ativos causadores de danos, e, portanto, guardam para si a obrigação de indenizar aqueles por eles ofendidos. O que variará, conforme a conduta, será o montante da indenização.
Juridicamente, considere-se que o Projeto de Lei no. 84/1999 tipifica várias condutas praticadas na área de informática. E neste sentido, em havendo uma sentença condenatória na área criminal, faz esta coisa julgada no cível, sendo possível e aconselhável a ação de indenização tendo como objeto o valor dos danos, vez que a conduta, o nexo de causalidade e a culpa já reatarão decididos pela outra seara.
Por outro ângulo, mesmo que a sentença criminal seja absolutória, ainda assim o ofendido poderá acionar o causador do dano para ver-se indenizado pelos prejuízos que tenha sofrido, nos termos dos artigos 64 do Código de Processo Penal e 935 do Código Civil.
Quanto à capacidade, cada vez mais a idade destes ofensores vem diminuindo, chegando a patamares muito baixos. E, caso haja a prática de delito através da Internet por quem incapaz, afirma-se sem dúvida que os pais, em sendo responsáveis pela vigilância de seus filhos, também respondem pelos mesmos em caso de prejuízos causados por intermédio de sistemas de informação.
Neste caso, importante a medida didática da condenação, aconselhando-se, inclusive, a determinação para que o menor, usando de sua especificidade e conhecimento técnico, utilize-os em favor da comunidade.
Quanto à possibilidade do ofendido ser ou não conhecido do público não altera a responsabilidade dos hackers e crackers, eis que neste caso, a causa da responsabilidade se dá pela conduta ilícita dos ofensores e os prejuízos do ofendido, seja a qual casta pertença.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A responsabilidade civil por danos à privacidade por intermédio e através do uso da Internet surte uma imensa gama de indagações, conjecturas, considerações, sugestões e propostas. E uma proposta hermética não é o caminho mais adequado para se encontrar respostas ou soluções para os problemas que surgem durante os estudos.
Entretanto, algumas constatações surgem e devem ser motivo de destaque:
Primeiramente, deve-se dar relevo para o tratamento da privacidade para com o advento e disseminação de métodos e programas pela Rede mundial de computadores. Essa ganhou novas nuances e facetas, assim como também alterou-se o tratamento das tecnologias em razão da crescente preocupação dos ordenamentos jurídicos – e da sociedade – com os direitos civis, especificamente aqueles ligados à personalidade: não há limite territorial, temporal ou social para a Rede, com a única exceção dada pelos excluídos digitais. Esses, que são preocupação nova da maioria dos chefes de nação, são os que ainda não se vêem atingidos pela atividade cibernética mundial, seja ela danosa ou não.
Por outro lado, esses mesmos participantes do mundo digitalizado também podem ser vítimas do mesmo mecanismo que lhes traz tantas benesses… daí surgindo a necessidade de um limite para a Rede: o limite jurídico.
É certo que a Internet não está em um lugar. Também não se pode mensurar o tempo como dantes, em que era considerado o período entre dois fatos. Com a Rede esse contexto se alterou, assim como também mudou a sociedade, outrora dividida em territórios ou nações separados por milhas de terra ou mar, hoje pessoas de lugares muito distantes podem comunicar-se em tempo real.
Assim, o que resta – e que precisa ter efetividade – é o limite jurídico, como já aduzido alhures, seja de forma micro social (normatização interna das nações) ou globalizada (uma codificação firmada por todos os países do globo).
No que pertine à esfera jurídica, a tese que se defende é a de que não há necessidade da criação de um Direito extremamente específico para o ramo. O que prescinde é a adequação dos suportes legais já disponíveis ao advento da Internet, fazendo com que as Leis já existentes ganhem eficácia também nesta seara.
Aqui, combate-se a idéia da criação de um direito informático, ou cibernético, com o seguinte argumento: se todas as vezes que algo novo surgir na sociedade ter-se-á que criar um ramo novo do Direito para regrá-lo? Se assim fosse, já teríamos o direito da eletricidade, direito da telefonia, direito da genérica, direito do jornalismo, direito do cinema, direito da radiação, e assim por diante…
Este tipo de afirmação, faz com que alguns doutrinadores[21], também partidários da mesma tese, até afirmem que a Internet é um novo meio para a realização de velhos delitos.
Imperioso, sim, que seja efetuada uma flexibilização ou complementação das normas já existentes (somente a título de exemplo, a Lei dos Direitos Autorais, a Lei de Imprensa, a legislação acerca das comunicações, a Lei de Registros Públicos, o Código de Defesa do Consumidor) para fazer com que se abranja as relações cibernéticas.
A criação de um chamado direito próprio somente atingiria, por um curtíssimo espaço de tempo, algumas poucas das inúmeras situações que podem surgir ao se utilizar da Internet.
O fato é que as normas legais acerca da Internet não podem ser casuísticas. Devem, sim, ter caráter aberto de forma que lhe garantam a permanência e longevidade, aspectos que a extrema especificidade prejudicará em muito pouco tempo, ficando relegada à legislação extravagante apenas aspectos pontuais e cuja extrema especificidade exigiriam uma norma específica.
Nossa sociedade não precisa de um Direito da Informática. Precisa de adequação aos institutos já existentes e uma legislação específica a ponto de os amparar e esclarecer alguns aspectos pontuais e inerentes ao assunto, quando necessário.
Isto se dá, mormente quando se trata da Internet e as relações pessoais, não se deslembrando da abordagem bidimensional da relação humana através da Internet.
Que dupla dimensão seria esta?
Primeiro, o ponto de vista do usuário do computador ligado à Rede. Segundo, o prisma daquele notório, que tem a sua imagem e notícias a seu respeito veiculados pela Web. Aqui o mote foi abranger horizontalmente as modalidades de afronta que pode sofre quaisquer um desses participantes da Internet: tanto o anônimo quanto o publicamente conhecido.
É certo que qualquer uma das formas prejudiciais da privacidade humana abordados poderiam suscitar um pequeno tratado, mas, como afirmado, o objetivo da pesquisa foi buscar uma visão ampla de quantas possibilidades existem e quais os riscos que sofre o internauta na atualidade e trazer o que já há de efetivo em termos de jurisprudência pátria e legislação disponível.
Ademais, para que não se fique com a impressão de que o caos reinará em pouco tempo em matéria de privacidade e Internet, eis que a evolução tecnológica em muito ultrapassa a velocidade da criação dos veículos de proteção jurídica, parte do texto trata do que já há de disponível para a preservação e prevenção contra as afrontas ao patrimônio imaterial das pessoas quando se trata da Rede. Instrumentos jurídicos já existem. Basta que se aplique-os efetivamente.
Advogada. Professora de Direito Civil e Metodologia da Pesquisa Jurídica dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Estadual de Ponta Grossa-UEPG. Líder do Grupo de Pesquisa em Direito Obrigacional (http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhepesq.jsp?pesq=5471268018863867). Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – PR.
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