Resumo: o presente trabalho visa discutir o direito à saúde previsto na Constituição Federal e sua efetividade, à luz do pensamento doutrinário dos autores Roberto Barroso, Ingo Sarlet e Germano Schwartz, sobretudo em referência à distinção entre fundamentação e aplicação desse direito no caso concreto.
INTRODUÇÃO
Um dos principais debates que permeia o mundo jurídico é a questão envolvendo a aplicação do Direito, principalmente no tocante a sua forma de efetivação. Neste trabalho trataremos de um tema de grande relevância: a efetivação da saúde como direito do cidadão e dever do Estado. Para isto, apresentaremos os pensamentos de grandes doutrinadores brasileiros que se debruçaram sobre o tema.
Inicialmente, abordaremos o pensamento de Luis Roberto Barroso, contido no texto-base deste trabalho, que, em síntese, afirma que apesar de a saúde ser um dever do Estado e uma garantia fundamental, a interferência judicial deve ser balizada pelo equilíbrio, uma vez que sua atuação despropositada na efetivação desse direito poderá provocar um desarranjo institucional e uma desorganização administrativa.
Na outra esfera, compilamos o pensamento do professor Ingo Sarlet, o qual afirma ser a saúde um direito fundamental, sublinhando a obrigação precípua do poder público na efetivação desse direito. Assegura, ainda, que ao deparar-se com um prestação (positiva) de cunho emergencial, em se tratando de direito à saúde, haverá o Juiz de reconhecer o direito subjetivo do particular à prestação reclamada em Juízo.
Em seguida, trazemos à baila, o pensamento do doutrinador Germano Schwartz, cujo argumento central está no entendimento de que a saúde como direto fundamental é autoaplicável, não cabendo sua efetivação ao talante do legislador. Argumenta, ainda, que não há de se falar em carência de recursos financeiros para prestação de tal direito, visto que a tutela judicial busca a prestação sanitária em si, e não espécie pecuniária.
Por final, apresentamos nossas impressões sobre o tema tendo por ponto de partida as discussões travadas pelos ilustres doutrinadores, ao tempo que propugnamos a necessidade de elaboração de Plano Nacional de Saúde que terá por desiderato estabelecer as ações prioritárias a partir do diagnóstico da realidade da saúde pública no país.
1. DA RESENHA DO ARTIGO “DA FALTA DE EFETIVIDADE À JUDICIALIZAÇÃO EXCESSIVA: DIREITO À SAÚDE, FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS E PARÂMETROS PARA A ATUAÇÃO JUDICIAL”, de Luís Roberto Barroso:
O Autor destaca, inicialmente, que nos últimos anos, no Brasil, a Constituiçãoconquistou, verdadeiramente, força normativa e efetividade. Acrescenta que as normas constitucionais deixaram de ser percebidas como integrantes de um documento estritamente político, mera convocação à atuação do Legislativo e do Executivo, e passaram a desfrutar de aplicabilidade direta e imediata por juízes e tribunais. Nesse contexto, a intervenção do Poder Judiciário, mediante determinação à Administração Pública para que forneça medicamentos em uma variedade de hipóteses, procura realizar a promessa constitucional de prestação universalizada do serviço de saúde.
Em seguida, chama a atenção para as chamadas decisões extravagantes ou emocionais que condenam a Administração ao custeio de tratamentos irrazoáveis. Destaca também a ausência de critério para a aferição de qual entidade estatal – União, Estados e Municípios – deve ser responsabilizado pela entrega da prestação pleiteada. Argumenta, ato contínuo, que tais excessos põem em risco a própria continuidade das políticas de saúde pública, desorganizando a atividade administrativa e impedindo a alocação racional dos escassos recursos públicos. Finaliza o raciocínio afirmando que o excesso de judicialização das decisões políticas pode levar à não realização prática da Constituição Federal.
Seguindo sua análise, o autor pontua que o Judiciário não pode ser menos do que deve ser, deixando de tutelar direitos fundamentais que podem ser promovidos com sua atuação. Entretanto, não deve ser mais do que pode ser, presumindo demais de si mesmo e, a pretexto de promover os direitos fundamentais de uns, causar grave lesão a direitos da mesma natureza de outros tantos.
Como forma de sustentar seus argumentos, o autor prefacia seu artigo tratando sobre o reconhecimento da força normativa às normas constitucionais. Expõe que no Brasil tal reconhecimento se desenvolveu no âmbito de um movimento jurídico-acadêmico conhecido como doutrina brasileira da efetividade. A essência de tal movimento foi tornar as normas constitucionais aplicáveis direta e imediatamente, na extensão máxima de sua densidade normativa.
Assegura, também, que as normas constitucionais, tal como as normas jurídicas, são dotadas do atributo da imperatividade, portanto, contêm comandos. Sua violação enseja a adoção de meios jurídicos – ação e jurisdição – como forma de restaurar a ordem jurídica. Nesse contexto, o Poder Judiciário passa a ter um papel ativo e decisivo na concretização da Constituição. Acrescenta, ademais, que a doutrina da efetividade serviu-se de uma metodologia positivista: direito constitucional é norma; e de um critério formal para estabelecer a exigibilidade de determinados direitos: se está na Constituição é para ser cumprido. Chama atenção, nesse ínterim, para a necessidade da ponderação para resolver situações de colisões entre direitos fundamentais, sob a égide da percepção de conceitos do mínimo existencial e fundamentalidade material dos direitos.
Na sequência, faz a distinção entre regras e princípios. As regras são mandados ou comandos definitivos. Uma regra somente deixará de ser aplicada se outra regra excepcionar ou se for inválida; já os princípios abrigam um direito, um valor, um fim. Por isso, se diz que os princípios são mandados de otimização: devem ser realizados na maior intensidade possível, à vista dos demais elementos jurídicos e das ponderações a partir da situação fática a ser resolvida.
Continuando sua linha de raciocínio, o autor trata de constitucionalismo e democracia. Afirma que o Estado Constitucional de Direito gravita em torno da dignidade da pessoa humana e da centralidade dos direitos fundamentais. Assegura que a dignidade da pessoa humana é centro de irradiação dos direitos fundamentais, sendo frequentemente identificada como núcleo essencial de tais direitos, os quais incluem a liberdade, a igualdade e o mínimo existencial.
O princípio democrático, segundo o autor, se expressa na idéia de soberania popular: todo poder emana do povo. Dessas ponderações surge o questionamento do autor sobre a legitimidade de juízes e tribunais na interferência sobre as políticas adotadas no Legislativo e Executivo. Afirma ser legítima quando o Judiciário estiver atuando para preservar um direito fundamental previsto na Constituição ou para dar cumprimento a alguma lei existente, nunca podendo expressar tão somente vontade própria do órgão julgador.
Na seqüência de seu texto, faz uma exposição histórica sobre a trajetória da saúde pública no Brasil, desde a vinda da Corte Portuguesa até os nossos dias. Destacam-se, mormente, as modificações trazidas pela Constituição de 1988, nascendo, a partir daí, o SUS, cuja concepção atende aos princípios da universalidade, da subsidiariedade e da municipalização. Chama atenção para o fato de que a Lei8.080/90 disciplina a participação dos três entes – União, Estados e Municípios – no financiamento do Sistema.
No tocante à questão específica da distribuição de medicamentos, o autor chama atenção para o fato de que a competência dos entes federativos não está explicitada no texto constitucional. Todavia, acrescenta que tal imbróglio deve ser resolvido pelos entes federativos, sem prejuízo ao direito subjetivo dos cidadãos. Trata, também, sobre a legislação que estabelece as listas de medicamentos e sua área de competência.
Avança sua análise para o contexto da interferência do Poder Judiciário em relação ao direito à saúde e ao fornecimento de medicamentos gratuitos. Alega que o controle jurisdicional em matéria de entrega de medicamentos deve ter por fundamento uma norma jurídica, fruto da deliberação democrática. Ressalvada essa hipótese, a atividade judicial deve guardar parcimônia e, sobretudo, deve procurar respeitar o conjunto de opções legislativas e administrativas formuladas pelos órgãos institucionais competentes.
Aduz, ainda, o autor, que a normatividade e a efetividade das disposições constitucionais, como fenômenos consagrados no constitucionalismo brasileiro, não tornam a intervenção judicial imune a objeções diversas, sobretudo quando excessivamente invasiva da deliberação dos outros poderes, constituindo-se em um ativismo judicial despropositado.
Argui, em seguida, que são muitas as críticas formuladas no âmbito da intervenção judicial no tocante ao tema abordado. Destacam-se como pontos divergentes: a) o que trata o dispositivo constitucional do art. 196 da CF como norma programática; b) a crítica às decisões judiciais que determinam a entrega de medicamentos gratuita pelo poder público malferindo o arranjo constitucional c) e por fim, a ausência de legitimidade democrática do judiciário frente a legitimidade dos demais poderes formuladores das políticas públicas.
Alegou, ademais, que as decisões sobre a entrega gratuita de medicamentos pelo Estado mais serviria à classe média que aos pobres, além de provocar uma desorganização administrativa que privaria a capacidade de planejamento da Administração, comprometendo a eficiência administrativa no atendimento ao cidadão. Isso sem se falar na repercussão no âmbito da análise econômica do direito.
Por final, o autor propõe a utilização da via das ações coletivas para correção das listas de medicamentos, visando complementá-las no que for necessário, podendo tal expediente ser discutido no âmbito judicial, dado caráter erga omnes da decisão, o que importaria em melhor planejamento estatal. Assegura, entretanto, a necessidade do judiciário, em suas decisões, optar pela inclusão na lista de medicamentos de eficácia comprovada, de substâncias disponíveis no Brasil, de medicamentos genéricos e indispensáveis à manutenção da vida. As ações individuais, por sua vez, deveriam ser utilizadas relativamente aos medicamentos presentes nas listas.
2. DO PONTO DE VISTA DE OUTROS AUTORES SOBRE O TEMA:
2. 1. DO PENSAMENTO DE INGO WOLFGANG SARLET, retratado no artigo “Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do Direito à Saúde na Constituição de 1988”
O autor inicia seu artigo afirmando que a saúde ocupa destaque no ordenamento jurídico pátrio, na condição de direito e dever fundamental positivado na Constituição de 1988. Assegura que a nossa Carta de Estado consagrou expressamente a saúde como direito fundamental da pessoa humana, outorgando-lhe uma proteção jurídica diferenciada no âmbito da ordem jurídico-constitucional pátria. Destaca, ademais, que a saúde comunga, na nossa ordem jurídico-constitucional da dupla fundamentalidade: formal (direito constitucional positivo) e material (relevância do bem jurídico tutelado). Ressalta, por conseguinte, que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam diretamente as entidades estatais e os particulares, consoante está expresso no parágrafo 1.º, do art. 5.º da Constituição Federal.
Após divagar sobre a positivação do direito fundamental no âmbito internacional, o autor traz o debate ao nosso país e afirma que a Constituição Federal de 1988 foi a primeira Constituição Brasileira a reconhecer o direito à saúde expressamente como direito fundamental. Cita o dispositivo genérico do art. 6.º, bem como os artigos especificadores 196 a 200 da Carta Magna vigente.
Continuando seu arrazoado afirma que a saúde, além de sua condição de direito fundamental, é também dever. Tal afirmativa decorre da dicção do texto constitucional, no art. 196. Sublinha-se a obrigação precípua do Poder Público para com a efetivação deste direito. Importa considerar que sem o reconhecimento de um correspondente dever jurídico por parte do Estado, o direito à saúde restaria fragilizado, especialmente no que diz respeito à sua efetivação.
Ao reportar-se sobre o direito à saúde como um direito social, o autor traça um paralelo sobre a evolução do Estado Liberal para o Estado Social. Afirma que tal direito é denominado de segunda geração. Aduz ainda que partindo da classificação dos direitos fundamentais em direitos de defesa (negativos) e direitos a prestações (positivos), o direito à saúde se coloca nessas duas vertentes. No âmbito de defesa, se posiciona no sentido de impedir ingerências indevidas por parte do Estado em prejuízo da saúde do cidadão, impondo ao ente federativo a realização de políticas públicas que busquem a efetivação deste direito para a população. Por sua vez, no âmbito prestacional há de se destacar a efetivação de tal direito, que se consubstancia nas prestações materiais como fornecimento de medicamentos, realização de exames, enfim, toda e qualquer prestação indispensável a sua concreção.
Retoma, em seguida, a discussão sobre a efetividade da aplicação dos direitos fundamentais, assegurando sua aplicação imediata e que tal formulação, contida no § 1.º, do art. 5.º da CF, traduz uma decisão inequívoca de nosso constituinte no sentido de outorgar às normas de direitos fundamentais uma normatividade reforçada e, de modo especial, revela que as normas de direitos e garantias fundamentais não mais se encontram na dependência de uma concretização pelo legislador infraconstitucional, para que possam vir a gerar a plenitude de seus efeitos. Vale dizer, em outras palavras, que das normas definidoras de direitos fundamentais, podem e devem ser extraídos diretamente, mesmo sem uma interposição do legislador, os efeitos jurídicos que lhe são peculiares e que, nesta medida, deverão ser efetivados, já que, do contrário, os direitos fundamentais acabariam por se encontrar na esfera de disponibilidade dos órgãos estatais. Daí por que constatar que os direitos fundamentais sociais não podem se considerados meros enunciados doutrinários sem força normativa.
Na sequência do texto, o autor aborda a dimensão positiva do direito à saúde, isto é, a dimensão prestacional. Afirma que com base nas normas constitucionais, o titular do direito à saúde tem assegurado o direito de exigir do poder público alguma prestação material, tal como um tratamento médico, uma cirurgia, um medicamento, enfim, qualquer serviço ou benefício ligado à saúde.
Confidencia, no segundo instante, a dificuldade que se revela no enfrentamento do problema, tendo em vista que a nossa Constituição não define em que consiste o objeto do direito à saúde, limitando-se a uma referência genérica. Afirma, ainda, que quem vai definir o que é o direito à saúde é o legislador. Todavia, será o Poder Judiciário, quando acionado, que irá interpretar as normas da Constituição e as normas infraconstitucionais que a concretizarem. Permanece, entretanto, para o autor, a indagação se o Poder Judiciário está autorizado a atender essas demandas e conceder aos particulares, via ação judicial, o direito à saúde como prestação positiva do Estado.
Dando resposta a essa indagação, o autor afirma que os argumentos que se contrariam ao papel prestacional (positivo) do Estado, prendem-se ao fato de que se cuida de direito que, por sua dimensão econômica, implica alocação de recursos materiais e humanos, encontrando-se, por esta razão, na dependência da efetiva disponibilidade destes recursos, estando, portanto, submetido a uma reserva do possível. Com base nessa premissa, argumenta-se, ainda, que é apenas o legislador democraticamente legitimado que possui competência para decidir sobra a afetação destes recursos.
Pondera, ainda, o autor que embora reconheça a existência de limites fáticos (reserva do possível) e jurídicos (reserva parlamentar em matéria orçamentária), seu entendimento é de que sempre ao nos encontrarmos diante de prestações de cunho emergencial, cujo indeferimento acarretaria o comprometimento irreversível ou mesmo o sacrifício de outros bens essenciais, notadamente – em se cuidando de saúde – da própria vida, integridade física e dignidade da pessoa humana, haveremos de reconhecer um direito subjetivo do particular à prestação reclamada em Juízo. Argumentos em contrário não podem se sustentar com base numa alegada insuficiência de recursos, se acabem virtualmente condenando à morte a pessoa cujo único crime foi o de ser vítima de um dano à saúde e não ter condições de arcar com o tratamento.
Propõe, ao final, que a solução está na compatibilização e harmonização dos bens em conflito, processo este que inevitavelmente passa por uma interpretação sistemática, pautada pela necessidade de hierarquização dos princípios e regras constitucionais em rota de colisão, fazendo prevalecer os bens mais relevantes.
2.2. DO PENSAMENTO DE GERMANO SCHWARTZ, retratado na obra “Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica”
Ao tratar do tema, objeto de nossa discussão, o autor afirma que a saúde é um direito fundamental positivado em nossa Carta Magna. Acrescenta, ainda, que apesar da relevância este bem não é tutelado efetivamente como deveria, sendo notória a problemática da saúde pública no Brasil.
Inicialmente, o autor chama a atenção para o fato de, pela primeira vez na história brasileira, a Constituição Federal (1988) estabelecer que a saúde é direito de todos e dever do estado (art. 196 da CF). Nesse ínterim, o autor afirma que passados anos, não se verificou a efetivação de tal princípio constitucional.
Aduz, em seguida, que a Constituição Federal ao tratar de saúde preocupou-se com a cura, com a proteção, ou seja, prevenção e ainda com a promoção, neste caso, com a qualidade de vida, frisando que a saúde vai além de simplesmente ausência de doença.
Destaca que a Constituição Federal, ao adotar o Estado Democrático de Direito, que se funda nos princípios do constitucionalismo, organização democrática da sociedade, sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos, justiça social, igualdade, criou um Estado que procura transformar a realidade, um Estado que tem o compromisso com a justiça social, a qualidade de vida, logo a saúde.
Deixa claro o autor que o direito à saúde é auto-aplicável, exigível, independente da lei, visto tratar-se de direito fundamental, cumprindo ao Poder Judiciário um papel decisivo nesse sentido. Ademais, esclarece, que os direitos sociais estão inseridos no capítulo que se situam os direitos e garantias fundamentais, sendo obviamente os direitos sociais, e assim o direito à saúde, fundamentais; frisando, por conseguinte, que a saúde protege o bem mais relevante, a vida, e assim, não como questionar sua aplicabilidade.
Nesse aspecto afirma que por ter a Constituição Federal estabelecido a saúde como um direto de todos e dever do Estado, tornou-o um direito subjetivo, oponível contra o Estado, a fim de obrigá-lo a prestá-lo, independentemente de legislação infraconstitucional.
Demonstra, ainda, o autor que o direito à saúde poderá ser alvo de tutela judicial ou administrativa, quando o Estado não desempenhar seu papel, sendo legitimado para tal defesa o indivíduo e as instituições com competência para tanto, especialmente o Ministério Público.
Afirma que não há de se alegar carência de recursos financeiros para prestação de tal direito, visto que a tutela judicial busca a prestação sanitária em si, e não espécie pecuniária. Destaca que sempre que estiver em perigo a preservação da vida, a dignidade da pessoa humana, o Estado há de garantir o direito à saúde, destacando que não se pretende um alargamento da tarefa estatal, mas sim a justiça social, de forma que o abastado que possui recursos para cuidar de sua saúde, deve fazê-lo sem recorrer ao Estado.
Aponta o autor que o caráter fundamental da saúde, a relevância pública que ele encerra é justificada pelo fato de que o indivíduo só possa acessar outras oportunidades que o Estado lhe proporcione quando goze de saúde.
Finalizando, o autor afirma que há um flagrante desrespeito à previsão constitucional do direito à saúde, uma vez que os gastos destinados à saúde são insuficientes, o que exige uma intervenção do Poder Judiciário, quando provocado, com o desiderato de corrigir tal distorção, bem como evitar eventuais omissões. Não há de se falar aqui em ferimento de harmonia entre os poderes, pois a Constituição Federal obriga o Judiciário a assegurar o cumprimento dos direitos fundamentais. Com esse posicionamento, o autor mais uma vez destaca que o Ministério Público tem o dever de defender o direito à saúde, não obstante a participação da sociedade civil organizada.
3. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a análise do ponto de vista dos três autores, podemos concluir que o debate sobre a efetivação do direito à saúde é bastante polêmico e ainda há de requerer, por parte da doutrina, um maior aprofundamento e uma permanente discussão a fim de que ao final não se tenha a supremacia do ativismo judicial despropositado, na tomada de decisões judiciais desarrazoadas ou a ineficácia da tutela judicial, sob o argumento da carência de recursos dos entes estatais.
Inicialmente destacamos que não há mais controvérsia, frente ao constitucionalismo vigente em nosso país, sobre a autoaplicabilidade do direito à saúde. Remonta ao passado a discussão de que as normas referentes à saúde, expressas no texto constitucional, são de cunho programático. Tal argumento não mais prospera, uma vez que a saúde é um direito constitucionalmente assegurado a todos, inerente à vida, bem maior do homem, portanto o Estado tem o dever de prover condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
Nesse contexto, o direito à saúde deve ser visto em nosso ordenamento constitucional como um direito social fundamental, público, subjetivo e universal, possuindo uma dimensão positiva, que é o direito a prestações materiais, além de uma dimensão negativa, caracterizada pela proteção contra qualquer agressão de terceiros, seja do Poder Público ou de particulares.
Deve-se acrescentar que a elevação da dignidade da pessoa humana a princípio maior da nossa Carta de Estado, fez ratificar a importância da efetivação do direito à saúde, como premissa para o gozo dos demais direitos constitucionais. Cabe ao Estado a adoção de políticas públicas que consubstanciem tais direitos, sob a égide da universalidade.
Importa destacar que a discussão dos três autores tem em comum a problemática da carência de recursos para efetivação do direito à saúde. Todavia, deve prosperar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade frente aos conflitos gerados pela colisão de direitos fundamentais. De um lado está a proteção à vida; de outro, a reserva orçamentária do Estado.
Nesse contexto, a vida é o bem jurídico mais precioso e deve ser tutelado, uma vez que não se conceberia a criação de um Estado senão para proteger seus cidadãos, através da garantia de seus direitos. Todavia, tal argumento dever ter sua baliza na reserva do possível, destacando que tal reserva não deve estar adstrita ao talante do administrador, pois seria falaciosa e se constituiria num instrumento de negação do direito fundamental, o que conspurcaria o Estado Democrático do Direito.
É importante salientar que o fenômeno do protagonismo judicial tem sido motivo de questionamentos por parte da doutrina, mais particularmente no tocante as decisões que tutelam direitos constitucionais, como por exemplo, a distribuição gratuita de medicamentos. A nosso ver não prospera a tese da falta de legitimidade do Judiciário, se comparada aos demais poderes, na efetivação de direitos que exigem a prestação positiva do Estado. Esse nosso entendimento se consubstancia no fato de que o magistrado detém uma legitimidade institucional, já que a investidura no cargo obedece aos princípios constitucionais mais relevantes, não carecendo, portanto, da legitimidade natural e legal.
Por outro lado, afirmar que uma decisão judicial em desfavor do Estado, no tocante à prestação positiva, poderá causar um desarranjo institucional é a nosso ver precipitada, uma vez que há uma flexibilidade orçamentária, possível de adequação, mormente em se tratando de interesses protegidos constitucionalmente. Além do fato de não acreditarmos em decisões judiciais teratológicas que ponham em risco a saúde financeira do ente estatal. Para isto, há a via do recurso como mecanismo restaurador da ordem legal.
O argumento de que tais decisões causam desorganização administrativa é insustentável uma vez que a Administração Pública está inserida em contexto maior de Estado, o que perpassa pela elaboração de uma política de planejamento e adequação das demandas sociais, importando-se precipuamente em garantir aos seus cidadãos uma vida digna, o que compreende o direito à saúde. Sem tal entendimento, faleceria do Estado sua razão de ser, seu objetivo e sua missão.
Entendemos, entretanto, que não se deve falar em negativa das ações individuais no tocante à efetivação dos direitos à saúde, mas deve prevalecer o entendimento preferencial pelas ações coletivas, mormente pelo seu caráter erga omnes, e, sobretudo pelo fato de que tais ações são mais legítimas e permitem um espaço de discussão que culminaria na correção ou adequação das políticas públicas efetivadas pelos entes administrativos.
Não obstante nossa linha de pensamento sustentar-se na autoaplicabilidade do direito à saúde, por tratar-se da proteção do bem jurídico mais valioso, temos como importante uma reflexão relativamente ao tema em debate. Trata-se da necessária adequação das políticas de saúde às demandas sociais, partindo-se da elaboração de Plano Nacional de Saúde com a participação dos poderes constituídos e da sociedade civil organizada, como forma de identificar os reclames da população, as demandas que exigem o aporte de maiores recursos. Essa sintonia nos levaria a evitar a intervenção do Poder Judiciário como forma de garantir a efetivação do Direito à saúde.
bacharel em Direito com especialização em Direito Processual Civil. Servidor do Poder Judiciário do Ceará há quase 20 anos e professor no Curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão-FLF
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