Resumo: Este estudo levará em conta a contempornea preocupação filosófica e jurídica em relação à definição de quem é o ser humano; partindo-se para a indagação quanto aos direitos da pessoa. Em especial dar-se-á atenção à situação de extrema vulnerabilidade em que se encontram as crianças indígenas enfermas no Brasil. Buscar-se-á no Estatuto do Índio Lei N. 6.001 de 19 de dezembro de 1973 a definição de quem são os indígenas e será apresentado o rol dos direitos dos índios brasileiros encontrados especialmente nos arts. 231 e 232 da Constituição Federal não olvidando outros dispositivos que fazem referência aos índios nesta Constituição. As peculiaridades em termos de atenção à saúde a que as crianças indígenas têm direito serão destacadas tanto pelo aspecto cultural quanto pelo fato de serem crianças baseando-se no Estatuto da Criança e do Adolescente Lei N. 8.069 de 13 de julho de 1990.
Sumário: 1. Introdução. 2. O indígena brasileiro: generalidades 2.1. Estatuto do Índio 2.2. Raízes históricas. 2.3. Direitos reconhecidos aos indígenas. 2.3.1. Na Constituição Federal 2.3.2 No Estatuto do Índio 2.4. A saúde dos indígenas 2.5. Fundação Nacional do Índio FUNAI 3. A saúde da criança indígena 3.1. Direito à saúde 3.2. Estatuto da Criança e do Adolescente 3.3. A saúde na Constituição Federal. 3.4. Organizações de saúde indígena no Brasil. 4. Conclusão. Referências.
1 Introdução
As questões que envolvem os indígenas brasileiros serão tratadas na pesquisa, sendo evidenciados, primeiramente, seus direitos como seres humanos.
A necessidade de restauração do estado de dignidade destas pessoas será demonstrada a partir da descrição das situações sanitárias vividas. O que, agregando-se ao reconhecimento do estado vulnerável da criança, evidencia a fragilidade da criança indígena.
Será examinado o contexto histórico que deu origem à evolução da consciência social no século XX, fundamentando a indagação sobre quais são os direitos das pessoas.
Far-se-á referência à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, elaborada a partir da percepção de que a manutenção da paz e segurança mundiais exige a proteção aos direitos humanos.
Na sequência, será analisado o surgimento do direito à igualdade, abordado como princípio essencial para a definição daqueles direitos.
O trabalho enfocará o direito humano à saúde, classificado como de segunda geração pela disciplina de Direitos Humanos, por necessitar de prestações estatais – e não abstenções – para que seja materializado.
Dar-se-á ênfase ao direito à saúde da criança indígena no Brasil, apresentando-se, inicialmente, a definição constante no Estatuto do Índio sobre quem são os indígenas.
Adiante, tratar-se-á do processo de colonização do território brasileiro, com destaque às consequências provenientes das doenças trazidas pelos europeus, devido à ausência de resposta imune pelos indígenas.
Serão descritos aspectos da cultura indígena e a influência que a forma de colonização adotada pelos portugueses e a vida contemporânea tiveram sobre ela; levando ao desaparecimento de muitas línguas nativas e de outras manifestações culturais.
Abordar-se-ão as políticas designadas aos indígenas na segunda metade do século XX, tendo sido o modelo protecionista estabelecido pelo Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon e a política de integração, implantada pelo Regime Militar com a finalidade de satisfazer a ideologia desenvolvimentista do Governo. Neste último período situa-se a criação da Fundação Nacional do Índio e do Estatuto do Índio, ambos promovendo as intenções do Estado.
A saúde será tratada, de início, conforme as disposições constitucionais que a asseguram a todas as pessoas.
Há características que fazem com que o paciente, em geral, necessite de atenção especializada, como o caso da criança indígena. Logo, para o intuito principal deste estudo, dar-se-á relevância ao direito à saúde destas crianças.
Apresentar-se-ão os direitos reconhecidos aos indígenas na Constituição Federal de 1988, assim como será analisado o conteúdo do Estatuto do Índio (Lei nº. 6001, de 19 de dezembro de 1973).
Tratar-se-á das questões ligadas à saúde que estão ocorrendo nas aldeias indígenas atualmente, cuja abordagem chegará à questão alimentar, que é de suma importância para o desenvolvimento físico e psíquico, principalmente nos primeiros anos de vida e durante a gestação.
Considerando-se que o Estatuto do Índio reconhece à criança indígena os mesmos direitos que são conferidos a quaisquer outras crianças, abordar-se-ão tais direitos com base na Constituição Federal.
2 O indígena BRASILEIRO: Generalidades
A contemporânea preocupação teológica e filosófica relaciona-se à definição de quem é o ser humano – observando-se que esta pesquisa não tem a intenção de abordar os aspectos teológicos, mas apenas de ressaltar a dimensão da importância que as questões antropológicas passaram a ter a partir do último século. Tanto que, para o teólogo Wolfhart Pannenberg, o mundo encontra-se na “era da antropologia”[1].
Segundo o autor, a antropologia teológica do século XX pode ser dividida em duas etapas: a clássica, que se desenvolveu na época da Primeira e Segunda Guerra Mundial, durante a primeira metade do século; e a humanista, após a Segunda Guerra, com o surgimento de movimentos que buscavam a reconstrução dos direitos humanos[2].
Este último período foi marcado por acontecimentos que evidenciaram a natureza humana: atribuiu-se aos direitos humanos a condição de fundamentos éticos da ordem internacional e destacaram-se as palavras “humanismo” e “humanização” no Relatório da Conferência de Genebra.
Estas novas questões que passaram a ser abordadas pela humanidade foram o princípio das preocupações sobre quais são os direitos das pessoas; sendo que, para o jusnaturalismo, o fato de ser humano é a única condição para que se seja sujeito de direitos[3].
Fábio Konder Comparato, na seguinte exposição, faz referência à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que consiste em uma Resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas, tratando-se, portanto, de uma declaração de princípios. A Declaração faz parte de um dos três documentos da Carta Internacional dos Direitos Humanos, cujo principal objetivo é a manutenção da paz e segurança internacionais. Contudo, no período pós Segunda Guerra Mundial, quando foi criada a Organização das Nações Unidas, com o intuito de evitar uma terceira grande guerra, percebeu-se que a paz e a segurança internacionais pressupõem a proteção dos direitos humanos:
“[…] foi durante o período axial da História que despontou a idéia de uma igualdade essencial entre todos os homens. Mas foram necessários vinte e cinco séculos para que a primeira organização internacional a englobar a quase totalidade dos povos da Terra proclamasse, na abertura de uma Declaração Universal de Direitos Humanos, que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos” [4].
Comparato defende que a lei escrita é o fundamento da convicção de que todos os seres humanos têm direito à igualdade pelo fato de serem humanos; pois, a Lei consiste em uma “regra geral e uniforme, igualmente aplicável a todos os indivíduos que vivem numa sociedade organizada” [5].
O precitado autor conclui que foi a partir da concepção adotada por Santo Tomás de Aquino na Summa Theologica – de que o ser humano se compõe de substâncias espiritual e corporal[6] – que surgiu o princípio da igualdade entre as pessoas, independentemente de suas diferenças biológicas ou culturais. Considerando-se a igualdade sob este ponto de vista, o núcleo conceitual dos direitos humanos[7].
Esta idéia é projetada por Regis de Morais através da afirmação de que o ser humano em seu todo e todos os seres humanos devem ser contemplados para se criar uma definição atual destes direitos[8].
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi o ponto de partida da internacionalização dos Direitos Humanos, com a ambição apenas de nortear a comunidade internacional através de princípios éticos e não de regrar os Estados.
Posteriormente, partiu-se para a idéia de um instrumento mais vinculante: um tratado. Ocorre que, em decorrência do contexto histórico da época, marcado pelas divergências entre o bloco capitalista e o bloco socialista, que culminaram com a Guerra Fria, só foi possível realizá-lo mediante dois pactos internacionais, no ano de 1966.
Para contemplar o bloco capitalista, foi elaborado o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Os direitos tutelados neste documento são classificados pela disciplina dos Direitos Humanos como de primeira geração, cujo cumprimento pressupõe abstenções por parte do Estado.
E, a fim de se contemplar o bloco socialista, firmou-se o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, correspondente aos direitos classificados como de segunda geração, que pressupõem a atuação do Estado para terem efetividade.
Em 1992, após o processo de redemocratização do Estado, o Brasil ratificou os dois pactos; assumindo, assim, os compromissos estabelecidos em ambos.
A saúde trata-se de um direito de segunda geração, devendo ocorrer a incidência de ações estatais para que seja efetivo. As questões ligadas a esta área são geralmente tratadas no âmbito das relações entre médicos e pacientes, porém a busca pela ampla proteção da pessoa leva à esfera jurídica[9].
Nesse aspecto, ao se tratar das sociedades indígenas no Brasil, a problemática acerca de seus direitos envolve, além da dimensão jurídica, as dimensões históricas, antropológicas e sociais. Assim, para que seja analisada a legislação relativa a estas sociedades, é necessário um estudo conjugado[10].
Na legislação brasileira é utilizada a terminologia “comunidades indígenas”; entretanto, de acordo com Orlando Villas Bôas Filho, este termo pode "sugerir a idéia de uma organização social menos complexa" [11].
2.1 ESTATUTO DO ÍNDIO
Durante a segunda metade do século XX, no Brasil, a relação entre o Estado e os indígenas foi pautada entre dois modelos: o protecionista, fundamentado no pensamento do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, de que o Poder Público deveria ser protetor de suas sociedades; e o modelo integracionista, oriundo do Regime Militar e cujo pressuposto era a rápida integração econômica destas pessoas pelo trabalho para, em consequência, integrarem-se às regiões mais desenvolvidas, servindo, assim, à estratégia de desenvolvimento do Governo, que visava prioritariamente ao crescimento econômico do País.
Neste contexto desenvolvimentista, patrocinado pelo Estado, ocorreu a promulgação do Estatuto do Índio (Lei nº. 6.001 de 19 de dezembro de 1973), manifestando as intenções de integração das sociedades indígenas[12] “e os interesses econômicos e políticos sobre os territórios indígenas” [13].
A definição de quem são os indígenas é, também, uma questão legal, devido ao fato de serem estabelecidas diferentes legislações aplicáveis aos mesmos[14].
O Estatuto do Índio define Índio ou Silvícola como sendo “[…] todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional” [15]. São considerados:
1. Isolados: quando vivem em comunidades desconhecidas ou de que se há vaga informação[16];
2. em vias de integração:
“[…] quando, em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservam menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento”[17];
3. e, integrados: quando, mesmo conservando usos, costumes e tradições característicos de sua cultura, estão incorporados à sociedade e gozam plenamente de seus direitos civis[18].
Destaque-se que toda e qualquer distinção não abrangerá a complexidade da natureza do indígena e sua riqueza étnica.
2.2 Raízes Históricas
Os indígenas que vivem na América do Sul descendem de povos caçadores que vieram da América do Norte há milhares de anos; no entanto, não existe consenso acerca do período exato em que ocorreu esta ocupação.
Entre eles, desenvolveram-se distintas formas de organização social e diferentes modos de uso dos recursos naturais.
No ano de mil e quinhentos, portugueses chegaram ao litoral brasileiro, iniciando uma migração que se estenderia até o início do século XX, estabelecendo-se nas terras que eram ocupadas pelos indígenas.
Muitas de suas sociedades foram extintas em decorrência dos conflitos travados com os colonizadores, que utilizavam armamentos; bem como, do contágio por doenças como gripe, sarampo e coqueluche, que nunca haviam antes ocorrido neste território, não tendo, os nativos, imunidade natural a elas; e da aplicação de políticas que visavam sua assimilação à sociedade implantada[19].
A questão relacionada à imunidade ocorreu em razão do isolamento geográfico do continente americano, tendo em vista que a ativação de uma resposta imune apenas ocorre quando há contato com agentes agressores. Assim, depois de ativada, a capacidade de reconhecimento e combate ao microorganismo poderá ser transmitida às gerações seguintes. Contudo, os ameríndios apresentavam respostas imunes aos agentes agressores próprios de seu meio[20].
Outra medida adotada foi a cristianização dos nativos, através do que se buscava a submissão à fé Católica e à Corte portuguesa, o que possibilitava que fossem controlados.
Após ser instalado o Governo Geral no ano de 1549, foram enviados os jesuítas, cabendo-lhes a responsabilidade da evangelização. Estes padres, percebendo que a finalidade de sua missão poderia ser alcançada através de uma convivência próxima com os indígenas, deram origem aos chamados “aldeamentos”, formados por nativos recrutados, que ficavam sob os cuidados dos evangelizadores. A localização era situada no meio do sertão, a fim de proteger seus habitantes dos colonizadores, que intuíam escravizá-los[21].
As condições de higiene nos aldeamentos eram precárias e os nativos ficavam à mercê de doenças infectocontagiosas. A ausência de profissionais da saúde fez com que os padres tivessem que assumir a responsabilidade pelos cuidados médicos[22].
Para o tratamento, ainda com a ausência de profissionais, os missionários utilizavam-se dos conhecimentos da Medicina européia e das terapias utilizadas pelos indígenas[23].
Entretanto, ocorriam muitas mortes nos aldeamentos; o que era visto positivamente pelos padres como um meio de romper costumes dos nativos, como a liberdade, a nudez e a antropofagia[24].
Os óbitos levaram a um decréscimo considerável da população indígena. Proporção que, para alguns estudiosos, entre os anos de 1492 a 1650, foi de 25% e, para outros, de 95% a 96%[25].
Estas incertezas levam à improbabilidade de se saber quantas sociedades indígenas existiam no Brasil à época da chegada dos europeus, mas algumas estimativas sobre o número de habitantes nativos variam de um milhão a dez milhões de pessoas[26].
A partir disso, observa-se a grande quantidade de indivíduos e grupos que foram exterminados em consequência da ausência de imunidade aos agentes agressores transmitidos pelos europeus e, ainda, pela forma como o Brasil foi colonizado[27].
A conjuntura que envolvia as epidemias, a diferença cultural e a divergência de interesses entre os indígenas e os missionários, tornou cada vez mais difícil o recrutamento dos nativos para os aldeamentos, acarretando no fracasso deste sistema[28].
Notadamente, a vida humana indígena foi a principal vítima das conquistas portuguesas. Tanto que, setenta anos após a chegada dos colonizadores, a primeira tribo encontrada por eles deixou de existir[29].
2.3 DIREITOS RECONHECIDOS AOS INDÍGENAS
2.3.1 Na Constituição Federal
Na Constituição Federal, o rol dos direitos dos indígenas brasileiros encontra-se no Capítulo VIII; reconhecendo-lhes sua organização social, costumes, línguas e crenças; além dos direitos sobre as terras que ocupam, cuja proteção e respeito competem à tutela da União.
Estende-se-lhes o direito de litigar em defesa de seus direitos e interesses; podendo ser exercido individualmente ou através de suas sociedades e organizações, com a intervenção do Ministério Público em todos os atos processuais[30]. Visando-se, com esta última medida, à prevenção do desrespeito às peculiaridades que são a eles reconhecidas em lei, conforme se verá adiante.
Faz-se referência aos índios em outros dispositivos da Constituição de 1988, são eles:
1. Artigo 20, XI: classifica as terras ocupadas tradicionalmente por eles como “bens” da União[31]; cuja finalidade é protegê-los de eventuais situações que os levem à perda da posse; o que tem fundamento no fato de os indígenas terem a cultura baseada na tradição, de forma que não existem documentos que registrem a propriedade em relação às terras que ocupam.
2. Artigo 22, XIV: delega à União a competência privativa de legislar sobre suas populações[32]. Não havendo, assim, distinção de tratamento em Lei nos diferentes Estados e o Distrito Federal.
3. Artigo 49, XVI: indica o Congresso Nacional como organismo a que compete com exclusividade a autorização para exploração, aproveitamento de recursos hídricos, pesquisa e lavra de riquezas minerais, em suas terras[33]. Através do que se tenta conciliar diferentes interesses por meio do Congresso Nacional, pois é formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, compostos, respectivamente, por representantes do povo e representantes dos Estados.
4. Artigo 109, XI: trata das disputas sobre os seus direitos, cuja competência por processar e julgar é dos juízes federais[34].
5. Artigo 129, V: diz respeito à defesa judicial dos interesses de suas populações, função que compete, institucionalmente, ao Ministério Público[35].
6. Artigo 215, 1º: incumbe ao Estado, a proteção das manifestações da sua cultura[36], com o intuito de proteger seus costumes, tanto em relação à intolerância cultural, quanto ao desaparecimento em função da imposição da cultura dominante.
Estas medidas representam uma sensibilização quanto aos direitos indígenas, observando-se especificidades no tratamento legal que visam superar as desventuras por que passaram desde a chegada dos europeus.
2.3.2 No Estatuto do Índio
A Lei nº. 6.001, de 19 de dezembro de 1973, dispõe sobre o Estatuto do Índio, que vem a regular “a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional” [37] – intuito, como já visto, oriundo da política de integração adotada pelo regime militar, com vistas à exploração da mão-de-obra indígena para contribuição do desenvolvimento do País.
O Estatuto estende-lhes a proteção das leis nacionais, resguardando seus usos, costumes e tradições, assim como suas peculiaridades reconhecidas na mesma Lei[38]. Devendo a União, os Estados, os Municípios e os órgãos das respectivas administrações indiretas, nos limites da sua competência, “para a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos” [39], observarem os seguintes procedimentos:
1. Aplicar aos indígenas os benefícios da lei comum[40];
2. prestar-lhes assistência quando não integrados[41];
3. proporcionar-lhes meios ao seu desenvolvimento[42];
4. assegurar-lhes a liberdade de escolha em relação a seus meios de vida e subsistência[43];
5. garantir-lhes a permanência em seu habitat[44];
6. respeitar seus valores culturais, tradições, usos e costumes, no processo de integração[45];
7. procurar executar as ações em prol das sociedades indígenas, mediante a colaboração de seus membros[46];
8. “utilizar a cooperação, o espírito de iniciativa e as qualidades pessoais do índio” [47], visando à sua integração no processo de desenvolvimento e a melhores condições de vida[48];
9. garantir aos indígenas e às suas sociedades a posse definitiva das terras que habitam e o direito ao usufruto das riquezas naturais e demais utilidades oriundas dessas terras[49];
10. e garantir-lhes, também, o pleno exercício dos direitos civis e políticos que lhes couberem[50].
Respeitando, em todas as situações acima dispostas, as peculiaridades e as escolhas do indivíduo ou da sociedade indígena.
A Lei em questão garante-lhes a aplicação dos princípios da nacionalidade e da cidadania[51]. Tendo o exercício de seus direitos políticos e civis condicionados às especialidades nela previstas[52].
Estão sujeitos ao seu regime tutelar os indígenas e as sociedades indígenas não integradas[53], sob a tutela da União, através do órgão federal competente[54]. Podendo, qualquer indígena com, no mínimo 21 anos de idade, conhecimento da língua portuguesa, habilitação para exercer a atividade civil e compreensão dos usos e costumes da sociedade; requerer ao Poder Judiciário a concessão da liberação deste regime e ter reconhecida sua capacidade civil plena[55].
De outra forma, o requerimento de emancipação de uma sociedade indígena integrada plenamente, pela maioria de seus membros, pode ser concedido pelo Presidente da República mediante decreto[56].
2.4 A Saúde dos Indígenas
A problemática a cerca da saúde indígena decorre do modelo de desenvolvimento e de dominação civilizacional que existe no Brasil. A estratégia para a Reforma Sanitária brasileira deve se situar na compreensão do que é saúde e de que um sistema universal e equânime de atenção à saúde como direito de todos é fundamental[57].
Entre os indígenas da etnia xavante, os casos de obesidade e de doenças como anemia, diabetes e hipertensão arterial aumentaram a ponto de causar preocupação nas aldeias.
Constatou-se, a partir de estudos da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) junto aos líderes xavante, que as aldeias estão passando por uma transição nutricional e epidemiológica. O que é consequência da inclusão de alimentos industrializados na dieta nutricional, pois este tipo de alimentação antes não era utilizado. Além das grandes quantidades de sal, óleo e açúcar e do sedentarismo.
Esses hábitos decorrem da introdução de novas fontes de renda nas aldeias e da redução do espaço de coleta de alimentos e caça[58]. O que encontra conformidade com o que afirma Sereburã, antigo líder de uma tribo xavante, que associa a atual situação de saúde ao direito que possuem de terem suas terras ampliadas, tendo em vista que são originariamente nômades[59].
Esta realidade tem origem no colonialismo, no imperialismo, na exploração e na exclusão econômica e social, que impõem, além de novas atividades econômicas, a migração e a mudança na produção agrícola, reduzindo-se a produção dos alimentos tradicionais, substituindo-os por alimentos que têm origem nos vieses econômicos e culturais das classes dominantes, sendo que, na maioria das vezes, fazem parte das imposições trazidas pelo racionamento da renda[60].
Destinados à pesquisa sobre a relação entre a dieta nutricional, a estratificação socioeconômica e as enfermidades crônicas não transmissíveis, existem dois projetos em curso nas aldeias xavante localizadas nas cidades de Pimentel Barbosa e Etenhiritipa. O primeiro, enfatizando a ligação entre obesidade e doenças relacionadas e o processo de diferenciação socioeconômica; e o segundo, investigando epidemiológica e antropologicamente, a influência da estratificação econômica e social no processo transitório de saúde indígena[61].
Muitos indígenas têm optado por tratamentos de saúde distintos dos que originariamente eram utilizados em suas sociedades, substituindo-os por práticas comuns à parcela da população não-indígena.
Maria Gizele da Silva afirma que dados da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), apontando que a opção pela cesariana entre as mulheres indígenas no Paraná, no ano de 2009, foi de 20%; maior do que a proporção recomendada pela Organização Mundial de Saúde de, no máximo, 15%.
A precitada jornalista citou o chefe do Distrito Sanitário Especial Indígena da FUNASA, no Paraná, Paulo Camargo, que lhe contou que “[…] hoje o desejo de ter filhos dentro do hospital, com direito à anestesista, é unânime entre as mulheres da aldeia” [62].
Tratando da necessidade de políticas de saúde nesse sentido, apresentou-se a Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras (ABENFO), que vem realizando ações junto ao Ministério da Saúde com o intuito de incentivar o parto normal entre as brasileiras.
No referido depoimento, além de salientar a retomada de valorização ao parto normal pelas indígenas, o presidente nacional da ABENFO, Valdecyr Herdy Alves, chamou a atenção à necessidade de planejamento familiar nas aldeias indígenas.
Observando-se, sobretudo, que a Fundação Nacional da Saúde reconhece que a prática da cesariana é indicada em casos de necessidade. Tendo como principal objetivo, a preservação da saúde da gestante e da criança, para tanto, procedendo-se da seguinte maneira:
“O órgão elaborou um documento que focaliza a saúde da mulher indígena. Entre as diretrizes do programa estão a manutenção de hábitos culturais indígenas associados ao parto comum, o incentivo ao parto normal, a manutenção da cultura indígena, com o uso de plantas e ervas curativas, e a organização das redes de referência para atendimento à mulher e à criança”[63].
Analisando-se o que foi abordado até agora, percebe-se que as sociedades indígenas foram compelidas à assimilação da cultura dominante e as mudanças que advieram levaram suas populações a situações extremamente prejudiciais.
2.5 FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI
No ano de 1967 foi autorizada, através da Lei nº. 5371, a instituição da Fundação Nacional do Índio. Por meio da qual, o Governo Federal foi liberado a instituir uma fundação com as seguintes finalidades[64]:
a) Estabelecer uma política indigenista e garantir seu cumprimento[65];
b) conservar, ampliar e valorizar o Patrimônio Indígena[66];
c) responsabilizar-se por promover pesquisas sobre os indígenas e seus grupos sociais[67]; bem como a educação de base apropriada, com vistas à integração na sociedade de forma progressiva[68];
d) despertar o interesse coletivo à esta causa[69];
e) e, nas áreas e matérias concernentes à proteção dos indígenas, exercitar o poder político[70].
Esta Fundação responsabilizar-se-á, também, pelas Rendas oriundas do patrimônio indígena[71], dirigidas à “emancipação econômica das tribos” [72], ao “acréscimo do patrimônio rentável[73]”, bem como, ao “custeio dos serviços de assistência ao índio[74]”; sob o dever de prestação de contas ao Ministério do Interior[75].
É relevante considerar que, atualmente, a Fundação Nacional do Índio está em processo de reorganização; cujos motivos encontram-se no momento histórico de sua criação – bem como, da criação do Estatuto do Índio – à época em que predominava a noção evolucionista sobre o desenvolvimento da humanidade.
As sociedades indígenas eram consideradas retrogradas; razão pela qual a Constituição vigente naquele período qualificava os indígenas como relativamente incapazes, de forma que a FUNAI foi estabelecida para tomar conta de sua tutela. O intuito do governo autoritário implantado pela Ditadura Militar era possibilitar a evolução das sociedades para que fossem integradas à comunhão nacional. E era através da política paternalista e intervencionista que se mantinha a submissão destas sociedades e não se permitia sua independência em relação ao Estado.
A redemocratização da nação brasileira possibilitou o debate da questão indígena e, durante as discussões sobre a elaboração da Constituição Federal de 1988, intensificaram-se as participações de grupos dedicados a esta causa. Assim, a nova Constituição reconheceu a heterogeneidade cultural indígena e alterou a ideologia adotada anteriormente, exigindo uma reformulação das políticas públicas relacionadas às populações indígenas[76].
A FUNAI conta com a Procuradoria Federal Especializada da Fundação Nacional do Índio, órgão responsável pela defesa dos direitos e interesses dos indígenas e da Fundação quanto às esferas fundiária, administrativa e contenciosa[77] – não se confundindo com os interesses da União. Entretanto, se estes interesses coexistirem, tanto a Procuradoria Federal Especializada da FUNAI, quanto a Procuradoria-Geral Federal da Advocacia-Geral da União deverão ingressar no feito[78], sendo que o órgão em questão está integrado a este último, possuindo trinta e oito Procuradores Federais, distribuídos em sua sede em Brasília/DF e nas Administrações Regionais.
A instituição deste departamento específico é fundamental para que sejam atendidas as prerrogativas dos indígenas, devido às peculiaridades que estas causas apresentam.
3 A SAÚDE DA CRIANÇA INDÍGENA
3.1 DIREITO À SAÚDE
O caput do artigo 5° da Carta Magna de 1988 garante a inviolabilidade do direito à vida, que é classificado pelo artigo 6º como direito social.
As problemáticas jurídicas aparecem, muitas vezes, quando há insatisfação perante os resultados obtidos pelo tratamento, pelos mais diferentes motivos, desde o insucesso do tratamento, com o agravamento dos sintomas, até aos casos de iatrogenia[79] e morte[80].
Estabelece a Constituição Federal que "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer" [81]. Em função de a saúde ser um dever do Estado, o exercício profissional na área da saúde possui exigências maiores, sendo deslegitimado o empirismo.
Considerando que existem pessoas que se encontram na situação de paciente, cumpre destacar que, no sentido corrente, paciente é aquele que se encontra sob tratamento médico, de natureza terapêutica ou cirúrgica. O tratamento médico, na maioria dos casos, é terapêutico, vale dizer, utilizando remédios, exercícios físicos, mudanças de hábitos alimentares etc; ou cirúrgico quando a enfermidade é incurável apenas pelos meios terapêuticos.
Existem tipos de pacientes que têm características relevantes para terem necessidade de atenção especial. Em relação à criança indígena, são muitos os casos de dificuldades enfrentadas ao se tratar da saúde. O seguinte exemplo ilustra esta situação: segundo Carlos Everaldo Álvaro Coimbra Junior, pesquisador da saúde dos índios xavante desde os anos de 1990, as doenças que mais afetam as crianças menores de cinco anos são as diarréias, causadas por vírus ou bactérias, associadas às condições ambientais de saúde; nestes casos, o uso do sal hidratante não funciona, tendo em vista que ao receber o pó do soro, a orientação é de dissolvê-lo em um litro de água, levando à problemática de litro ser uma unidade que pode ser desconhecida por eles, além da dificuldade em ser encontrada água que tenha qualidade para o seu preparo[82].
As crianças indígenas, conforme o Estatuto do Índio, são sujeitas aos mesmos direitos reconhecidos às demais[83]. Desta forma, ao se tratar da sua saúde, abordam-se os direitos relacionados a todos os infantes; de modo que, cada um, deverá ser tratado de acordo com sua situação – como a ocorrência de alguma deficiência física ou psíquica, enfermidade, falecimento dos pais, abandono, miséria etc.
As condições relacionadas à alimentação são de suma importância para uma formação saudável. Tanto que a desnutrição pode causar danos irreversíveis à estrutura orgânica, ao tamanho, à diferenciação de funções, ao desenvolvimento e à maturação funcional e fisiológica do Sistema Nervoso Central.
Estas manifestações podem ter maior gravidade se a desnutrição ocorrer entre o segundo trimestre da gestação e os dois anos de idade, período de desenvolvimento do Sistema Nervoso Central.
Os estudos clínicos e epidemiológicos apontam que a desnutrição grave leva a significativas alterações nesse sentido, a tal ponto que a maioria destas crianças não chega a ir à escola, por motivos de óbito precoce, quadros clínicos graves de distúrbios cognitivos ou pela situação de miséria absoluta em que se encontram.
Mesmo que as lesões não cheguem a tal ponto, às pessoas desnutridas são gerados quadros de apatia, alterações afetivas e no humor e diminuição da atividade física e psicomotora, o que as leva a ficar à margem da sociedade. Além das alterações nos sistemas de defesa do organismo, que levam à fragilidade em relação a agressões biológicas; e do aumento da sensibilidade a agressões físicas, como mudanças de temperatura; e psíquicas, sendo exemplo, o afastamento dos pais.
Assim, entende-se a essencialidade da nutrição adequada, principalmente nos primeiros anos de vida, para que haja um desenvolvimento pleno das capacidades físicas, psíquicas e intelectuais[84].
Além de que toda criança merece cuidados especiais no tratamento à sua saúde, previstos na Constituição da República, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Resolução n° 42/95 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e em demais dispositivos internacionais.
Consta no Estatuto da Criança e do Adolescente o direito de proteção à vida e à saúde da criança. Sendo, o atendimento ao paciente infantil assegurado pelo Sistema Único de Saúde. De maneira que o Poder Público deve fornecer de forma não onerosa todos os recursos para a recuperação de sua saúde.
Tratando-se da criança hospitalizada, seus direitos estão positivados na Resolução n° 42, de 13 de outubro de 1995 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. São eles:
1. à proteção, à saúde e à vida;
2. à hospitalização quando necessária e o direito de não permanecer hospitalizado quando não for este o melhor tratamento;
3. ao acompanhamento por algum dos pais ou responsáveis durante todo o internamento;
4. ao recebimento de visitas;
5. a não ser separado da mãe ao nascer;
6. ao aleitamento materno;
7. a não sentir dor quando houver meios de evitá-la;
8. à informação, estendida aos pais, sobre sua enfermidade, cuidados terapêuticos, diagnósticos que serão utilizados e prognóstico;
9. ao amparo psicológico quando necessário;
10. a alguma forma de recreação;
11. a programas de educação para saúde;
12. a acompanhamento do currículo escolar;
13. a receber apoio espiritual e religioso conforme as práticas familiares;
14. a não ser submetido a ensaio clínico, provas diagnósticas e terapêuticas, sem o consentimento dos pais ou responsáveis;
15. a receber todos os recursos terapêuticos disponíveis para a sua cura, reabilitação e prevenção secundária e terciária;
16. à proteção contra discriminação, negligência e maus-tratos;
17. a ter sua integridade física, psíquica e moral, respeitadas;
18. a ter sua imagem respeitada, bem como, sua identidade, autonomia de valores, espaços e objetos pessoais;
19. a não ser utilizado pelos meios de comunicação sem expressa vontade dos pais ou responsáveis, sendo resguardada a ética; à confidência dos seus dados clínicos; a ter seus direitos constitucionais e contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente respeitados pelos hospitais;
20. e a ter uma morte digna, junto a seus familiares, quando esgotados todos os recursos terapêuticos disponíveis[85].
Como se vê, são os pais ou responsáveis que exercem o direito de consentir. Quando ocorre divergência entre as decisões, prevalece a vontade compatível com a dos profissionais[86].
O Ministério Público é o órgão legítimo a propor Ação Civil Pública decorrente de responsabilidade por ofensa aos direitos da criança[87].
3.2 Estatuto da Criança e do Adolescente
O Estatuto da Criança e do Adolescente corresponde à Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990, que, levando em conta a situação peculiar relacionada à fase de desenvolvimento em que se encontram[88], dispõe a respeito da proteção integral das crianças[89] – consideradas para os efeitos desta Lei como sendo as pessoas de até doze anos de idade incompletos[90]; bem como, dos adolescentes[91] (pessoas entre doze e dezoito anos de idade[92]).
O Estatuto assegura aos seus tutelados, os direitos fundamentais reconhecidos à pessoa humana, sem redução da proteção nele estabelecida[93]. De modo que as ações ou omissões que ofenderem os referidos direitos serão punidas conforme as previsões legais[94].
À criança e ao adolescente devem ser asseguradas, de forma facilitada, as oportunidades para seu desenvolvimento físico, psíquico, moral, social e espiritual[95]. Sendo dever do Poder Público e de toda a sociedade, além da família, garantir-lhes a concretização “dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” [96], com total preferência – o que consiste na precedência na proteção, no socorro, nos atendimentos de serviços públicos, na elaboração das políticas sociais públicas e privilégios na proteção por recursos públicos[97].
Através de políticas sociais públicas, devem ser protegidas a saúde e a vida destas pessoas; possibilitando-lhes o nascimento e o desenvolvimento com dignidade[98].
O bem-estar da gestante assegura o nascimento em condições sadias; em razão disto, o Estatuto assegura-lhes atendimento pré e perinatal pelo Sistema Único de Saúde – SUS[99], além dos seguintes direitos:
1. Ao encaminhamento aos diferentes níveis de atendimento médico, conforme necessidade[100].
2. Ao atendimento preferencialmente pelo mesmo profissional que acompanhou a gestação[101].
3. Ao fornecimento pelo Estado de apoio alimentar, caso necessário[102]; bem como, de assistência psicológica, inclusive no período pós-natal, a fim de evitar os efeitos do estado puerperal[103].
4. Às condições apropriadas para a amamentação, até mesmo nos casos em que as mães estiverem sob medida privativa de liberdade[104].
5. E, sob a responsabilidade dos estabelecimentos de saúde: a serem mantidos durante dezoitos anos todos os registros das atividades desenvolvidas[105]; a ter o filho recém-nascido reconhecido através de sua impressão digital e impressão digital e plantar do neonato[106]; a serem realizados os exames necessários para diagnosticar irregularidades no organismo da criança e à orientação sobre os mesmos[107]; ao recebimento de declaração de nascimento constando as ocorrências do parto e do desenvolvimento do recém nascido[108]; e à possibilidade de permanecer alojada junto ao bebê[109].
O acesso às medidas para promoção, proteção e recuperação da saúde das crianças e dos adolescentes também é garantido, universal e igualitariamente, mediante o SUS[110]. De modo que as pessoas com deficiência têm direito a atendimento especializado e o Poder Público deve fornecer de forma não onerosa os recursos necessários para tratamento a todos que necessitarem[111].
Fica a cargo do Sistema Único de Saúde a promoção de ações de assistência médica e odontológica para prevenção contra doenças que comumente afetam as crianças; e de campanhas educativas sobre saúde, destinadas aos responsáveis, professores e estudantes[112].
É importante destacar que, de acordo com a Lei, a vacinação é obrigatória para todos os infantes nos casos indicados pelas autoridades da área da saúde[113]. De maneira que, nas circunstâncias cujo motivo envolver a saúde pública, esta questão não cabe à faculdade dos pais.
O Estatuto reconhece às crianças e aos adolescentes os direitos civis, humanos e sociais afirmados na Constituição e em demais leis e declara-os como sujeitos das prerrogativas de liberdade, dignidade e respeito[114]; constituindo-se em dever de toda a sociedade protegê-los “de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” [115].
As situações que envolvem a criação e a educação devem ser perpetradas no ambiente familiar[116]; proibindo-se qualquer discriminação aos filhos não oriundos da relação matrimonial[117].
O conceito de família abrange a família natural e a família extensa ou ampliada. Entendendo-se “por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes” [118] e “por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade” [119].
Quando necessário, será realizado o estabelecimento de família substituta por meio de guarda, tutela ou adoção, de acordo com os requisitos e procedimentos constituídos em lei[120].
É estabelecido que o pai e a mãe serão detentores do poder familiar, sem distinção entre um e outro; devendo, as controvérsias existentes a cerca de situações envolvendo este instituto, serem solucionadas junto ao Poder Judiciário.[121]. Cabendo-lhes, também, o ensino, a guarda e o sustento dos filhos menores[122].
A inobservância imotivada destes deveres pode levar, através de determinação judicial, à suspensão e até à perda do poder familiar[123].
Assegura-se à criança e ao adolescente o direito à educação tendo em vista o desenvolvimento, o preparo para a vida profissional e para o exercício da cidadania[124].
O Estado tem o dever de fornecer atendimento de ensino adequado às necessidades das pessoas com deficiência – de preferência no sistema regular de educação[125].
Todavia, a matrícula de qualquer criança ou adolescente na rede de ensino consiste em obrigação dos pais ou responsáveis pelo indivíduo[126].
De suma importância para a questão educacional das crianças indígenas é o dispositivo que declara que no processo de ensino devem ser respeitados os valores culturais, artísticos e históricos do educando[127].
O Estatuto proíbe o trabalho, mesmo na condição de aprendiz, aos menores de quatorze anos[128]. A partir do que se extrai que nenhuma criança, sob nenhuma hipótese, pode trabalhar.
Estabelecendo-se a prevenção de ameaça ou violação dos direitos das pessoas de até dezoito anos como dever de todos os cidadãos[129].
São reconhecidos às crianças e adolescentes os direitos à informação, à cultura, ao lazer, ao esporte, à diversão, a espetáculos, a produtos e a serviços[130] – com as restrições e formas determinadas em lei.
Orientar, respeitar e denunciar maus tratos são maneiras de proteger as crianças. Em cada cidade deverá haver um Conselho Tutelar, que é o órgão a que compete zelar pelos direitos da criança e do adolescente[131]. As denúncias podem ser feitas até mesmo por telefones de contato.
Observa-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente não menciona os indígenas nestes dispositivos. Assim, esta Lei assegura-lhes os mesmos direitos, sem atender suas peculiaridades.
Esta análise possibilita perceber a despreocupação que existe com a criança indígena. Contudo, este estudo, permite a noção de que, diante das condições históricas de dominação cultural e os aspectos prejudiciais refletidos até hoje, a infância indígena necessita de atenção especial para ter efetivados os direitos reconhecidos na Lei.
Sendo assim, os objetivos buscados com este documento não abrangem os indígenas de maneira igualitária. Pois, para que assim ocorresse, a abordagem deveria ser de acordo com o Princípio da Equidade, a partir do qual as pessoas com desigualdades, para terem as mesmas oportunidades, devem ser tratadas conforme suas dessemelhanças, afim de que estas sejam afastadas.
A Lei nº. 12.010/2009 acrescentou ao Estatuto da Criança e do Adolescente as seguintes condições para a adoção de crianças indígenas:
1. Respeito aos seus costumes, tradições, instituições e à sua identidade sócio-cultural, salvo se inconciliáveis com os direitos fundamentais[132].
2. Prioridade de estabelecimento em famílias da mesma sociedade ou da mesma etnia[133].
3. E intervenção de antropólogos e da subdivisão federal competente pela política indigenista, no processo[134].
Estas medidas buscam a preservação da cultura de origem, o que é fundamental para o desenvolvimento da criança.
3.3 A SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO federal
Em termos gerais, perante a Constituição Brasileira:
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”[135].
Segundo Maria da Glória Lins da Silva Colucci, o direito à saúde é derivado do direito mais fundamental de todos, o direito à vida, consagrado no artigo 5° desta Constituição. A tutela jurídica da vida abrange não apenas seu aspecto biológico, mas, também, sua "qualidade", que pressupõe dignidade. Trata-se de uma vida digna e sadia[136]. À criança, os direitos à vida e à saúde devem ser assegurados com prioridade por toda a sociedade, pela família e pelo Estado, este, com o dever de promover programas de assistência integral à sua saúde, admitindo-se a participação de entidades não governamentais. Os direitos à saúde e à infância são classificados, entre outros, como direitos sociais, no artigo 6°.
É reconhecido um mínimo essencial quanto à saúde, o que se trata de prestações mínimas que devem ser concedidas pelo Poder Público, sem o qual haverá violação da dignidade da pessoa, de forma a ser exigível pelo Judiciário com fundamento na Constituição. Além do mínimo necessário, o Estado tem a opção de escolher outras formas de tornar efetivo o que se propõe no artigo 196, no sentido da preservação, manutenção e restabelecimento da saúde.
No sentido da proteção em relação ao Poder Público, estão as normas de modalidade negativa, interpretativa e vedativa de retrocesso, sendo elas: o impedimento de atitudes prejudiciais à saúde da população (negativa), a consideração da interpretação mais benéfica aos cidadãos a respeito de um ato normativo sobre saúde coletiva ou individual (interpretativa), bem como, a proibição de se extinguirem medidas benéficas ou prestações nesta área (vedativa de retrocesso).
Ao contrário do que ocorre em relação ao mínimo essencial, o Judiciário não pode determinar o fornecimento da prestação de saúde para os casos que não estão nesse conjunto; salvo as opções do Estado que tiverem tomado forma de lei. Por outro lado, cabe-lhe zelar, também, pelas eficácias negativa, interpretativa e vedativa de retrocesso.
O problema encontra-se no fato de que a busca através do Judiciário da prestação de saúde, leva à autoridade pública eximir-se da obrigação constitucional e esperar as decisões de âmbito judicial. Sendo que a saúde básica é que menos chega ao Judiciário, mesmo não sendo realizada pelo Estado, a quem compete o dever para tanto, imposto pela Constituição.
Outra dificuldade está no âmbito da definição de um mínimo que seja essencial, já que é equivocado pensar que este se relaciona com a situação do indivíduo. Todavia, diz respeito às prestações de saúde que se encontram disponíveis, podendo, portanto, serem exigidas judicialmente. Cabendo destacar que caso o Poder Público não possa prestá-las diretamente, poderá custeá-las ao particular.
Na medida em que se percebe como é dramático o estabelecimento de um mínimo, sendo que, desta forma, às pessoas que têm necessidades maiores para sua saúde, serão negadas as prestações neste sentido. Revela-se a gravidade da falta de assistência básica à saúde[137].
As principais prioridades de saúde estabelecidas pela Constituição são as seguintes:
1. Prestação do serviço de saneamento[138];
2. atendimento materno-infantil[139];
3. ações de medicina preventiva[140];
4. e ações de prevenção epidemiológica[141].
A importância do atendimento materno-infantil é dada pelo fato de que o parto e os primeiros anos de vida se constituem em um período em que as condições de saúde da pessoa estão se formando, que terão relevância por toda a vida[142].
3.4 Organizações de Saúde Indígena no Brasil
O dever de atenção à saúde indígena cabe à União, no âmbito do Sistema Único de Saúde[143] – devendo prestá-la de acordo com a Constituição Federal e com a Lei nº. 8080, do ano de 1990[144], observando os Princípios da Universidade, da Integralidade e da Equanimidade[145].
Para tanto – com a intenção de promover, proteger e recuperar a saúde dos indígenas, a fim de se conquistar o equilíbrio bio-psico-social, reconhecendo o valor e a complementariedade de suas práticas medicinais e levando em conta as particularidades de cada sociedade, o perfil epidemiológico e as condições sanitárias – a direção dos esforços deve ser nos seguintes sentidos[146]:
1. De se contribuir para o equilíbrio econômico, político e social[147].
2. Da redução da mortalidade[148].
3. Da interrupção da transmissibilidade de doenças[149].
4. Do controle nutricional e do controle da saúde dentária[150].
5. Da recuperação de condições prejudicadas por problemas sanitários[151].
6. Da assistência tanto médica, quanto odontológica, de forma integral[152].
7. Da garantia, aos indígenas, de acesso a todas as ações do Sistema Único de Saúde[153].
8. Da participação das sociedades indígenas nos programas destinados à sua saúde[154].
9. Da valorização dos seus costumes, idiomas, crenças e tradições.
10. E do reconhecimento de sua organização político-social[155].
As ações para promoção, prevenção e recuperação da saúde dos indígenas cabem à Fundação Nacional da Saúde (FUNASA), que possui Distritos Sanitários Especiais Indígenas destinados às prestações sanitárias[156], estando cada um responsável por determinado território indígena[157]. Devendo, a Fundação Nacional do Índio, informar a FUNASA sobre a existência de sociedades indígenas isoladas que necessitem de programas específicos para o atendimento à sua saúde[158].
A atuação do Distrito Sanitário Especial Indígena, além da atuação da FUNASA, em Barra do Garça, no Estado do Mato Grosso, é criticada por um ancião representante dos índios da etnia xavante, alegando que apenas existem técnicos em suas equipes e que nenhum convênio com as instituições teve consequências. E o vice-cacique da aldeia aponta como prejudicial o fato dos profissionais irem até às sociedades apenas para fornecer medicamentos[159].
Na reserva indígena da etnia Guarani, localizada em Rio d’Areia, mora um representante da FUNAI, cuja função é solucionar os problemas da aldeia, junto ao Poder Público e orientar os indígenas. Existe, ainda, um posto de saúde, com a presença de profissional da área de enfermagem e com serviço odontológico. Além de haver um carro disponível ao transporte das pessoas quando precisam de atendimento de saúde em outro local.
4 CONCLUSÃO
Na elaboração do trabalho foram abordados os movimentos antropológicos pré e pós Segunda Guerra Mundial, correspondendo, respectivamente, à antropologia clássica e à antropologia humanista.
A partir do que se tratou como a principal indagação presente na atualidade, cuja questão corresponde a quem é o próprio ser humano.
Observou-se que esta especulação tem fundamento na busca pela reconstrução dos direitos humanos diante da catástrofe gerada pela Segunda Grande Guerra.
Neste contexto, tratou-se da instituição da Organização das Nações Unidas – cujo principal objetivo foi a busca pela paz e segurança internacionais a fim de se evitar a possibilidade de ocorrência de uma terceira guerra – e da criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) a partir da percepção de que o meio para a conquista destes propósitos implica na proteção aos direitos humanos.
Oportunamente, passou-se a analisar o direito humano à saúde e as dimensões da problemática que envolve as sociedades indígenas neste sentido.
Foram exploradas suas raízes históricas, de modo que se compararam as situações de saúde nas sociedades nativas anterior e posteriormente à chegada dos portugueses ao território em que hoje é o Brasil.
Tratou-se do intercâmbio cultural entre estes povos e a política de dominação imposta pela colonização portuguesa; por meio de que se observou que foram subtraídos dos nativos seu modo de vida, suas crenças e sua saúde.
Explicou-se, ainda, a falta de imunidade apresentada pelos ameríndios perante as doenças trazidas pelos europeus.
Diante da Constituição Federal e do Estatuto do Índio foram mencionados os direitos reconhecidos às sociedades indígenas e aos indivíduos.
A saúde destas pessoas foi avaliada através das situações que ocorrem nas aldeias; cuja conclusão permitiu a percepção de que os hábitos prejudiciais predominam entre as tribos analisadas.
Conjugando-se as questões históricas, os aspectos biológicos e a realidade indígenas, constatou-se o contexto nocivo à saúde em que se encontram.
Foram explicadas as finalidades da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e passou-se a tratar do paciente infantil.
Partiu-se do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8069 de 13 de julho de 1990), cujos dispositivos levaram à compreensão de que as crianças se encontram em situação de vulnerabilidade, necessitando de zelo e orientação.
Observou-se que o Estatuto tratou particularmente da criança indígena apenas em um artigo, relacionado à adoção. No entanto, seus aspectos peculiares necessitam de atenção especial nos diversos setores da vida cotidiana, baseando-se no Princípio da Equidade.
Também, com muita importância, foi compreendido através da disposição dos direitos das crianças hospitalizadas que, acima de tudo, deve lhes ser respeitada a condição de seres-humanos em desenvolvimento.
Diante do exposto, notou-se a despreocupação com a infância indígena e percebeu-se a dedicação especial que lhe deve ser concedida a fim de possibilitar-lhe todas as condições para seu desenvolvimento e preparação para o futuro.
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