Resumo: Direito autoral é a denominação dada ao rol de direitos dos autores em relação às suas obras criadas, sejam elas de cunho artístico, literário ou científico. Assim, o direito autoral é o conjunto de direitos que visam resguardar a expressão de ideias e preserva para os autores o exclusivo direito de reprodução dos seus trabalhos. Destina-se este estudo ao exame dos Direitos Autorais, seu histórico, leis internacionais e a legislação atualmente em vigor no Brasil, para em seguida analisar-se o autor frente ao contexto revolucionário atual e sua função social.
Palavras-chave: Direito Autoral. Legislação Autoral. Função Social do Autor.
Abstract : Copyright is the name given to the roster of authors’ rights in relation to their created works, whether of nature artistic, literary or scientific. Thus, copyright is the set of rights designed to protect the expression of ideas and preserves for the author the exclusive right of reproduction of their work. It is designed this study to a review of the Copyright, its history, international law and the legislation currently in force in Brazil, then to analyze whether the author against the current revolutionary context and its social function.
Keywords: Copyright. Copyright Law. Social Function of the Author.
Sumário: 1. considerações iniciais; 2. o arcabouço histórico do direito do autor; 3. os direitos do autor no domínio internacional; 4. a questão legislativa dos direitos autorais no brasil; 4.1 a constitucionalização do direito autoral brasileiro; 4.2 a lei 9.610/98: a atual legislação dos direitos autorais; 5. direitos autorais: conceitos e análises; 5.1 mas quem é o autor?; 5.2 direitos patrimoniais e morais do autor; 5.3 a função social do direito de autor; 6. conclusão; referências
1 Considerações Iniciais
Os chamados Direitos Autorais se configuram como direitos que o indivíduo possui sobre sua criação ideológica, perfazendo o direito patrimonial e o direito moral que detém ante a sua obra. Desta forma, os direitos autorais são direitos presentes em todas as áreas de criação da sociedade – artísticas, culturais, científicas e industriais.
É compreensível, portanto, como versa Gandelman, que o direito autoral seja “um dos ramos da ciência jurídica que, desde seus primórdios, e até na atualidade, sempre foi e é controvertido, pois lida basicamente com a imaterialidade característica da propriedade intelectual” (GANDELMAN, 2007, p. 24). Somando-se a este panorama, o desenvolvimento tecnológico impulsionado pela informática – e principalmente com o surgimento da Internet – tornou os processos de criação ainda mais complexos e seus meios de produção simplistas, enveredando-se na problemática de controle das obras e no distanciamento desta em relação a seu autor.
E foi justo na explosão da Internet que a problemática da proteção aos Direitos Autorais ganhou nova força, já que, segundo trata Nigri,
“A Internet é hoje um emaranhado de redes espalhadas pelo mundo que possibilita uma enorme capacidade de troca de informações, além de proporcionar a união, ou a reunião de sons, imagens, movimento, texto, vídeo e interatividade entre as diversas mídias, todas convergindo para um só objetivo, qual seja, o de fornecer informações e conteúdo de ótima qualidade e a custos muito razoáveis aos seus usuários” (NIGRI, 2006, p.04).
Sendo assim, é salutar a tentativa de se fazer o sopesamento entre Direitos Autorais e Direitos à Informação, especificadamente, o Direito à Informação na Rede. É concordável que exista a necessidade de uma proteção aos direitos do autor na rede mundial de computadores. O que questionamos é a aplicação da legislação brasileira vigente, sem um estudo aprofundado e coerente do comportamento dos Direitos Autorais no campo da Internet, visto suas particularidades e sua extensão como difusora de informações e conhecimentos.
Neste diapasão, a Internet é vista como “terra de ninguém”, onde tudo seria permitido e não há responsabilização por danos causados. Trazendo à baila dos Direitos Autorais, o senso comum conclui que qualquer indivíduo, querendo, pode publicar, disponibilizar, divulgar e difundir uma obra de terceiros na Internet, sem qualquer autorização e ressarcimento ao autor. Nada mais precipitado, visto que há “numerosas tentativas de auto-regulamentação que prevêem a obrigação do usuário de pedir a autorização do autor em todos os casos de cópia ou distribuição” (PAESANI, 2006, p.67).
Neste sentido, Internet e Direito Autoral são conceitos que podem ser perfeitamente equilibrados, no sentido de “harmonizar os direitos individuais dos autores, artistas, intérpretes ou executantes, produtores, fonográficos, organismos de radiofusão, entre outros, em face dos direitos dos usuários, um interesse público de obter informação” (NIGRI, 2006, p. 58).
2 O Arcabouço Histórico do Direito do Autor
Os direitos do autor são decorrência da Modernidade. Apesar de o homem ser naturalmente um produtor, um criador, um inventor, e possuir desde a Antiguidade obras glorificadas[1], foi somente depois de um longo decorrer histórico, já após o Renascimento, que os direitos autorais foram inseridos nos sistemas legislativos ao redor do mundo (BARROS, 2007).
Na Grécia, um dos berços da cultura ocidental – com suas manifestações criativas no teatro, na literatura, nas artes plásticas e no próprio Direito, não se conheceu os direitos de autor como são previstos hoje. Em sua cultura, já havia a idéia de titularidade e o plágio era repudiado, porém sem muito aprofundamento dessas questões. Interessante é a possibilidade que se tinha de negociar a autoria da obra, assim, poderia se vender a titularidade da obra por inteiro, incluindo-se aí o direito moral do autor.[2]
Em Roma, com a figura dos copistas – profissionais remunerados que reproduziam as obras por meio de cópias manuscritas – o direito autoral ganhou uma primitiva forma jurídica, pois “passava a obra […] a ter duas conotações em termos de propriedade: a moral, de quem desenvolvia a atividade criadora em si, e a econômica, exclusiva daquele que se investia no mero trabalho de reproduzi-la” (BARROS, 2007, p. 468). Desta forma, quem recebia a pecúnia eram os copistas, enquanto aos autores só eram reconhecidas as honras e a glória, isto quando lhes respeitavam a paternidade ao texto original (GANDELMAN, 2007).
Na Idade Média, com a União de Estado e Igreja, toda a produção intelectual era controlada pelo poder eclesiástico, sendo a figura dos copistas substituída por religiosos isolados do secularismo e com a função de trabalhar sobre as obras que passavam pelo crivo da Igreja, sendo todas as outras consideradas profanas e censuradas.
Nesse sentido, versa Barros:
“Passava, então, a Igreja a tutelar rigorosamente a produção intelectual, o que muito agravou a desculturação da Europa, ou seja, o esquecimento de grande parte do legado cultural romano, repudiando obras e restringindo o acesso das pessoas às que acolhia” (BARROS, 2007, p.468).
Tinha-se, portanto, um monopólio do direito sobre as obras pela Igreja e um rígido controle de tudo o que era produzido e de quem produzia. A economia era pautada pela venda desses manuscritos, tendo a Igreja ainda o comando de quem comprava estes textos escritos, não permitindo a livre circulação de informações e idéias, como uma forma de preservar seu poder. Foi com uma invenção que este panorama sofreu uma ruptura e “mudou a história do pensamento e do conhecimento humanos pela possibilidade de multiplicação dos escritos: a imprensa” (ABRÃO, 2002, p. 27).
Foi com a imprensa que os direitos autorais[3] começaram a se delinear na sociedade. Ao Gutenberg inventar a impressão gráfica com tipos móveis na metade do século XV, tornou-se possível a grande capacidade de reprodução de um mesmo texto, produzindo livros em séries e a custos mais baixos, se perdendo a função do copista e nascendo a figura do editor. É o que mostra Gandelman, quando diz:
“Com Gutenberg, que inventou a impressão gráfica com os tipos móveis (século XV), fixou-se de maneira definitiva a forma escrita, e as idéias e suas diversas expressões puderam finalmente, e aceleradamente, atingir divulgação em escala industrial. Aí, sim, surge realmente o problema da proteção jurídica do direito autoral, principalmente no que se refere à remuneração dos autores e do direito de reproduzir e de utilizar suas obras. Começa então a surgir também uma certa forma de censura, pois os privilégios em relação a assuntos autorais concedidos por alguns governantes (e por prazos determinados) estavam sujeitos a ser revogados, de acordo com os interesses dos próprios concedentes. Cumpre ainda assinalar que os privilégios, quase sempre, eram concedidos aos editores e não aos autores” (GANDELMAN, 2007, p.26).
Nesta vereda, observamos os grandes privilégios que contavam os editores e livreiros, sem haver uma proteção contundente aos direitos dos autores, tendo-se a idéia que os frutos da obra pertenciam aos que as editavam. Raramente se concedia direitos a um individuo sobre sua própria obra, pois autor e editor eram figuras distintas.
Paralelamente ao monopólio dos livreiros e editores, a classe dominante – Igreja e Monarquia – temia pela livre propagação de idéias e informações, de modo a enfraquecer seu poder. Somando-se a este panorama, os autores das obras começaram a perceber que eram os verdadeiros retentores dos direitos sobre suas obras, ao mesmo tempo em que a insatisfação dos livreiros em verem suas obras copiadas por terceiros, sem um controle estatal de seus direitos[4]. A esta idéia do amadurecimento dos direitos autorais frente a este cenário histórico, nos falam Paranaguá & Branco:
“Claramente, o alvorecer do direito autoral nada mais foi que a composição de interesses econômicos e políticos. Não se queria proteger prioritariamente a “obra” em si, mas os lucros que dela poderiam advir. É evidente que ao autor interessava também ter sua obra protegida em razão da fama e da notoriedade de que poderia vir a desfrutar, mas essa preocupação vinha, sem dúvida, por via transversa” (PARANAGUÁ & BRANCO, 2009, p.16).
Neste contorno, na Inglaterra do século XVI, os comerciantes livreiros, amparados da proteção governamental, detinham monopólio sobre todos os escritos impressos, manipulando-os de acordo com o interesse real, exercendo assim verdadeira censura sobre as obras que não fossem favoráveis à monarquia. A essa vantagem deu-se o nome de copyright, direito posto aos editores e não aos autores. Com este privilégio exclusivo de cópias de escritos surgiu também o monopólio sobre as próprias máquinas de impressão. “Com esse vínculo, governo e editoras (publishers) lucravam também economicamente: o governo por intermédio do recebimento de rendimentos (royalties) devidos pela concessão do monopólio, e da cobrança de impostos, e os livreiros, com a garantia de lucro certo” (ABRÃO, 2002, p. 28).
Como já citado, os editores estavam insatisfeitos com as cópias feitas por terceiros, que praticavam uma concorrência desleal, ao reproduzir e imprimir obras com baixo valor de custo. Desta forma, com o objetivo de coibir esta prática, obtiveram o Licensing Act, decreto que conferia ainda mais poderes aos livreiros, proibindo a impressão de qualquer livro que não fosse licenciado ou registrado devidamente, onde a censura vigorou de modo pleno, tanto na imprensa quanto em obras oriundas de outras nações, passíveis de críticas à realeza. Deste modo, “à realeza não interessava tanto o copyright como valor econômico, mas como instrumento de censura. Livros piratas ou censurados eram queimados em praça pública, misturando-se os conceitos porque não havia interesse de lado nenhum em separá-los” (ABRÃO, 2002, p. 29).
No fim do século XVII – precisamente em 1964 – o monopólio dos editores na Inglaterra conheceu seu fim, com a censura, por conseqüência, também sofrendo um fenecimento, abrindo portas às obras estrangeiras em território britânico. Ao assistirem seu poder econômico diminuindo, os livreiros passaram então a defender uma proteção dos direitos dos próprios autores, dos quais ambicionavam uma cessão dos direitos sobre as obras. Deste fato nasceu, em 1710, o Statute of Anne, ou como ficou mais conhecido, o Copyright Act, “uma lei para o encorajamento da aprendizagem, através da concessão das cópias dos livros impressos aos autores ou compradores de tais cópias, durante os tempos mencionados” (apud ABRÃO, 2007).
O Ato da Rainha Ana I da Grã-Bretanha, reconhecia a titularidade dos autores sob suas obras. Se existissem cópias impressas das obras, a titularidade era de 21 anos; se não houvesse cópias, o direito era concedido por 14 anos. Contudo, a cessão dos direitos do autor aos editores era necessária para a posterior publicação da obra. Eliane Abrão, acerca das inovações trazidas pelo Copyright Act, diz:
“a) transformou o direito de cópias dos livreiros (monopólio e censura) em um conceito de regulação comercial, mais voltado à promoção do conhecimento e à diminuição dos respectivos poderes (limitação no tempo, liberdade de cessão do copyright e controle de preços; b) criou o domínio público para a literatura (cada livro poderia ser explorado por 14 anos, podendo esse prazo ser prorrogado por uma única vez) acabando com a perpetuidade, porque, no velho sistema, toda a literatura pertencia a algum livreiro para sempre, e somente a literatura que se enquadrasse nos padrões censórios deles poderia ser impressa; c) permitiu que os autores depositassem livros em seu nome pessoal, tirando-os, por um lado, do anonimato e por outro criando a memória intelectual do país com a doação de livros às universidades e bibliotecas públicas” (2002, p. 30).
Desta forma, os direitos autorais, mesmo ainda engessados aos direitos de edição, sofreram um grande avanço em sua esfera regulamentadora, ampliando os privilégios dos autores em equilíbrio com os dos editores. Pela primeira vez abriu-se a possibilidade de fomentação de conhecimento e informação, papel importante para as revoluções que o mundo veio a conhecer.
Destaque entre as revoluções sociais, a revolução francesa trouxe importantes acréscimos à matéria de direitos autorais, dando contornos a estes até os dias atuais. A França trouxe o papel moral do autor à tona, através de regras até então inéditas relativas à propriedade de obras literárias, musicais e de artes plásticas. A inalienabilidade dos direitos autorais – como a integridade e o ineditismo – foi a grande novidade trazida no bojo da revolução. Neste entorno, ainda que o autor ceda todos os seus direitos patrimoniais atinentes à sua obra, ele não pode ceder seus direitos morais, ou seja, os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis, podendo ser protegidos até mesmo após a morte deste autor, com a transferência desses direitos para os herdeiros e sucessores legais.
Nesta medida, o modelo francês foi o grande influenciador da proteção ao direito do autor em todo o continente europeu. Como demonstra Nigri, o sistema europeu
“[…] passou a ser conhecido como direito de autor, tutelando o criador da obra, contrapondo-se e ao mesmo tempo convivendo com o sistema anglo americano do copyright, cuja tutela se assenta na materialidade da obra. Quanto aos direitos morais de autor, sua tutela independia do privilégio concedido” (NIGRI, 2006, p.15).
Alocamos aqui uma comparação pertinente, no que se refere à legislação norte-americana. No modelo estadunidense do copyright, diretamente derivado do molde britânico, a prioridade é a materialidade do objeto de proteção. O critério da imaterialidade, ou seja, o critério moral do ato de criar, que no sistema francês já gera direitos, não é vislumbrado formalmente no direito do autor americano, onde a flexibilidade é aplicada caso a caso.
Nesse avançar histórico, em 1886, em Berna – Suíça, ocorreu uma reunião gerida pelos países europeus, a fim de regularem a matéria de direitos autorais de uma forma mínima, de forma geral e internacional, visando a proteção de obras cientificas, artísticas e literárias e seus respectivos autores. Nascia a primeira Convenção Internacional sobre direitos autorais, a semente de todas as legislações nacionais posteriores (ABRÃO, 2002).
Acerca da convenção de Berna, versam Paranaguá & Branco:
“A convenção impôs verdadeiras normas de direito material, além de instituir normas reguladoras de conflitos. Mas o que de fato impressiona é que, apesar das constantes adaptações que sofrem em razão de seu texto […], a Convenção de Berna, passados mais de 120 anos de sua elaboração, continua a servir de matriz para a confecção das leis nacionais (entre as quais a brasileira) que irão, no âmbito de seus Estados signatários, regular a matéria atinente aos direitos autorais. Inclusive no que diz respeito a obras disponíveis na internet” (PARANAGUÁ & BRANCO, 2009, p. 17).
Dessa forma, podemos considerar a Convenção de Berna verdadeiro marco para o desenvolvimento dos direitos relativos ao autor, com a adoção constitucional no âmbito jurídico de vários países, favorecendo a expansão cultural, a disseminação do conhecimento e o acesso às informações de cunho intelectual, artístico e cientifico.
Neste percurso histórico, é realizada, em 1952, a Convenção de Genebra, conhecida como “Convenção Universal sobre Direitos de Autor”. O principal objetivo da Convenção de Genebra foi adequar as duas correntes já citadas anteriormente: a francesa que prioriza os direitos de autor, e a anglo-saxã, que se baseia no copyright.
Conforme preleciona Abrão:
“A quase totalidade dos países do mundo aderiu aos dois instrumentos. Dessa simbiose, e da vocação cada vez mais internacionalizada dos direitos de autor, surgiram as mais díspares definições e entendimentos acerca de um e de outro instituto, o sistema do copyright e o dos direitos de autor. A uma, porque é inegável a influência da indústria estadunidense na produção e difusão das suas obras, e das que elege nos países onde tem filiais. A duas, porque a informação jornalística sobre esses mesmos sistemas, também originada de gerências internacionais, caminham numa velocidade muito maior que a da própria informação legislativa nacional. O resultado é que os conceitos, muitas vezes, se confundem, a ponto de divulgar como cogentes, informações de conteúdo puramente mercadológico, desconhecidos do sistema e da hierarquia legislativa interna” (ABRÃO, 2007, p.33).
Importante se mostra, pois, verificar as diretrizes históricas que explicam as origens dos conceitos em tela, de forma a abarcar suas diferenças e aplicar suas semelhanças. Desta forma, é possível compreender o alargamento que esses conceitos sofreram, determinando uma aplicação erga omnes, ou seja, gerando um vínculo indissolúvel do autor com a obra criada, contraponto seu direito de uso a todas as demais pessoas.
3 Os Direitos do Autor no Domínio Internacional
Com o avançar histórico diretamente proporcional ao crescimento tecnológico, a criação de normas internacionais para a proteção dos direitos do autor se tornou atividade constante. Desta forma, as disposições criadas em convenções internacionais, as quais fazem gerar um direito recíproco mundial, direito este que visa dar a mesma proteção legal, em qualquer país participante de determinado convênio, para um titular de uma obra, tal como estivesse em seu próprio país, respeitadas algumas diferenças legislativas próprias.
As normas internacionais de Direito Autoral se consubstanciam em tratados internacionais, “com vistas tanto à proteção da integridade, quanto à garantia dos direitos de exploração econômica, das obras literárias, artísticas e cientificas, a seus legítimos titulares” (ABRÃO, 2002, p. 43).
A primeira convenção propriamente dita, que visou medidas estritamente voltadas à proteção dos direitos autorais foi a Convenção Internacional para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas – Convenção de Berna, em 1886. A Convenção de Berna preconizava a regra de proteção mínima nas normais autorais internacionais, ficando a cargo de cada país participante o disciplinamento destas, respeitando seus costumes e seu sistema jurídico. Para isto, Berna legou três princípios: Princípio do tratamento nacional ou assimilação, onde os Estados participantes da convenção devem dispensar, aos autores dos demais, proteção idêntica à dispensada aos seus nacionais; Princípio da proteção automática, que não pode depender de qualquer exigência, como registros, depósitos, fiscalizações etc.; Princípio da independência da proteção, segundo o qual a proteção dispensada em cada país é autônoma, ou seja, não depende da existência de proteção idêntica no país de origem da obra, desde que haja a circulação desta pelos outros países membros (BARROS, 2007).
A convenção de Berna foi pioneira ainda ao elencar um rol das obras nas quais deveriam recair a proteção devida. Apontou como detentoras de proteção: as produções de domínio literário, tais como livros, brochuras e outros escritos; as obras dramático-musicais; as conferências, sermões, outras obras de mesma natureza; obras coreográficas; composições musicais; obras cinematográficas; desenhos, pinturas; obras de arquiteturas, de escultura, de litografia; obras fotográficas; mapas geográficos; esboços relativos às ciências, dentre outros. Nota-se que o rol era tipicamente exemplificativo, cabendo aos países signatários o ampliarem em sua livre iniciativa.
Berna trouxe duas limitações aos direitos exclusivos do autor. A primeira limitação diz respeito à necessidade de acesso à cultura e à informação pela sociedade, permitindo que a obra seja utilizada em alguns casos sem a expressa autorização do autor ou titular, e gratuitamente. A segunda limitação diz respeito aos interesses das empresas de difusão de obras literárias, artísticas e cientificas, que dispensam em certos casos a autorização prévia dos autores, sem prejuízo de suas remunerações, em virtude da velocidade que marca a atividade. Deste fato, Carboni (2008) conclui que “(…) a convenção de Berna permite aos Estados adotarem limitações que possam ter impacto negativo no direito de autor, desde que tais limitações sejam socialmente justificáveis e não tenham escopo de lucro” (p. 106).
Outra convenção internacional de suma importância aconteceu em Genebra, em 1952. Conhecida como Convenção Universal sobre Direitos de Autor, tratava essencialmente em harmonizar dois posicionamentos legislativos, as dos “direitos de autor” e a do copyright.
A convenção foi conduzida pelos Estados Unidos, tendo a UNESCO como organizadora, adotando dois princípios básicos, a saber:
“o do tratamento nacional, ou o princípio da assimilação das obras estrangeiras às nacionais; o da formalidade mínima indispensável, segundo o qual entender-se-á como protegida a obra, independentemente da existência ou não das exigências internas dos países signatários, que desde a primeira publicação consentida, traga impresso o símbolo © (copyright) acompanhado do nome do titular do direito de autor, seguido da indicação do ano da primeira publicação” (ABRÃO, 2002, p. 46, grifos da autora).
Nesta seara, tivemos um retrocesso na Convenção de Genebra, no sentido em que enquanto a Convenção de Berna garantiu que qualquer autor de qualquer nação tivesse protegida sua obra desde o momento em que é criada, independente de publicação, enquanto Genebra só traz a garantia de proteção se a obra for publicada e tiver em sua primeira edição o símbolo ©, juntamente com o nome do titular e o ano da publicação.
Sendo assim, explica Eboli
“Ademais, como os níveis mínimos de proteção da Convenção de Berna são superiores aos da Convenção de Genebra, os titulares de direitos autorais preferem obter proteção através dos dispositivos de Berna. E, de maneira geral, quase todas as nações ratificaram Berna, tanto que esta conta atualmente com mais de 160 retificantes, contra apenas 61 da Convenção Universal” (EBOLI, 2006, p.24).
Tanto a Convenção de Berna, quanto a Convenção de Genebra foram revisadas em 1971, em Paris, sendo aquela promulgada pelo Brasil em 06 de março de 1975, através do Decreto nº 75.699 e esta promulgada em 24 de dezembro de 1975, pelo Decreto nº 76.906.
A particularidade de intérpretes, artistas, executantes, que aplicam seu talento através de gravações, interpretações, perpassando por novas formas de aplicar os direitos relativos à autoria, levou à Convenção Diplomática de Roma, convocada pela UNESCO, pela OIT e por membros da União de Berna, que resultou na proteção de intérpretes, produtores de fonogramas e organismos de radiodifusão. Neste sentido, explicita Abrão (2002, p. 47):
“A explicação histórica para o ajuntamento dessas três diferentes categorias de difusores das obras “autorais” num mesmo lado, estaria nessa própria condição de difusores da mesma matéria prima, no desemprego crescente dos artistas em virtude do avanço da tecnologia de gravação de sons e imagens e na pouco expressiva consciência de classe. A fraqueza econômica dos artistas encontrou nos prósperos produtores de fonogramas o apoio necessário à tese da remuneração de suas atuações gravadas, como compensação pela diminuição das apresentações ao vivo, tendo os empresários, de seu turno, utilizado dessa conveniente parceria para também obter o reconhecimento para si de uma remuneração equivalente. Essa remuneração constitui os chamados direitos patrimoniais conexos” (ABRÃO, 2002, p.47).
Desta forma, se firmou os chamados direitos conexos, que artistas, intérpretes e executantes possuem em analogia aos direitos do próprio autor, criador da obra, sendo esta difundida através dos seus respectivos talentos. Tais direitos foram consagrados nos princípios do tratamento nacional, da reserva mínima, da remuneração equitativa e o da adesão parcial.
Princípio do tratamento nacional é aquele em que cada país participante da Convenção empenha-se em aplicar aos sujeitos dos direitos conexos o mesmo tratamento dado aos seus nacionais. A reserva mínima requer que a nação que adotar o critério de formalidades do tratado, para a proteção dos direitos, deve estampar o símbolo significativo de “performer” (P) nos exemplares das obras publicadas. O princípio da remuneração equitativa diz respeito à obrigatória remuneração correspondente aos artistas pelos detentores da radiodifusão. E, por derradeiro, o princípio da adesão parcial, segundo o qual o país pactuante tem livre arbítrio para aderir apenas parcialmente à Convenção, podendo ponderar o princípio da remuneração equitativa e os critérios de definição e nacionalidade do produtor de fonogramas.
A Convenção de Roma foi promulgada no Brasil em 19 de outubro de 1965, através do Decreto nº 57.125. Conveniente observar que a promulgação desta convenção se deu 10 anos antes das promulgações das Convenções de Berna e Genebra, sendo que já trazia em seu bojo algumas regras autorais presentes naquelas convenções.
Cabe adicionar dois tratados essenciais sobre Direito de Autor: O “WIPO[5] Copyright Treatt” – WCT, sobre o Direito do Autor, e o “WIPO Performances and Phonograms Treaty” – WPPT, sobre Interpretações e Execuções e Fonogramas, ambos de 1996. O objetivo destes dois tratados é atualizar e complementar as duas convenções realizadas anteriormente pela OMPI, a “Convenção Fonogramas”, de 1971 e a “Convenção Satélites”, de 1974, envolvendo direitos de autor e direitos conexos. Desde as Convenções de Berna, Genebra e Roma e suas revisões, surgiram novos tipos de obras, novos mercados, novos métodos de utilização e difusão, desta forma, os Tratados WCT (TODA, em português) e WPPT (TOREF, em português) reagem aos desafios provocados pelas tecnologias digitais, em especial a propagação de conteúdos protegidos através de redes digitais, como a Internet.
Os referidos tratados dispõem que as partes contratantes poderão ampliar, aplicar e criar novas limitações e exceções, em suas legislações interiores, aos direitos de autor, no que concerne às obras digitais, devendo seguir os termos da Convenção de Berna. Apesar do caráter atual dos tratados, o Brasil não aderiu a nenhum deles até o momento.
Por derradeiro, é concerto versar sobre o acordo TRIPS, oriundo das tendências assentadas nas relações entre comércio internacional e propriedade intelectual. Como Berna e Genebra foram motivadas a conservar a importância das legislações internas e a soberania dos Estados aderentes, alguns países (em especial os Estados Unidos da América) economicamente fortes, compelidos pela crescente indústria de propagação cultural e pelo comércio mundial de marcas e patentes, buscando preservar e impor suas soberanias deram início à Rodada Uruguai do GATT[6], culminando em 1994, com a criação da OMC – Organização Mundial do Comércio, que se tornou responsável em ajustar o comércio internacional de bens imateriais através do Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio – (ADPIC – TRIPS[7]).
Segundo o artigo 7º do acordo TRIPS a proteção e a aplicação dos direitos de propriedade intelectual devem colaborar para o acesso às inovações tecnológicas e para a transferência e propagação de tecnologia, em benefício em comum de produtores e usuários de conhecimento tecnológico, de modo a promover o bem-estar social econômico e a um equilíbrio entre direitos e obrigações.
Explica Carboni:
“Verifica-se, portanto, que o TRIPS traz um dispositivo prevendo expressamente a função social dos direitos de propriedade intelectual (e, consequentemente, do direito de autor), qual seja: a promoção da inovação tecnológica, bem como a transferência e a difusão de tecnologia, em beneficio, inclusive, dos usuários de conhecimento tecnológico” (CARBONI, 2008, p. 108).
Entretanto, o acordo TRIPS favoreceu a crescente proteção à Propriedade Intelectual por parte dos Países de Primeiro Mundo com o objetivo de subordinar os Países Emergentes em seus interesses comerciais. Desta alçada, as regras jurídicas que protegem os Direitos Autorais acabam firmemente entrelaçadas com uma política de expropriação patrimonialista, no qual o capitalismo contemporâneo prima pela privatização dos conhecimentos, monopolizando o que deveriam ser bens sociais e públicos.
Desta forma, tratando sobre o TRIPS, diz Abrão:
“Na prática estenderam a aplicação dos princípios básicos do comércio anteriormente praticados pelo GATT às convenções e acordos internacionais em matéria de propriedade intelectual (direitos de autor, dos produtores de software e titulares de bases de dados, direitos da propriedade industrial e práticas anticompetitivas)” (ABRÃO, 2002, p. 50).
O Brasil promulgou o acordo TRIPS em 15/4/94, através do Decreto 1.355 de 31/12/94. Faz parte do Acordo de Marraquesh que instituiu a OMC, entrando em vigor no Brasil em 1998, esgotados os prazos transitórios.
4 A Questão Legislativa dos Direitos Autorais no Brasil
As primeiras normas voltadas para a proteção do direito autoral no Brasil foram consubstanciadas na Lei nº 496, de 1º de agosto de 1898. Seu teor era basicamente o amparo dado aos autores de obra literária, científica ou artística para fazerem uso de sua criação, assim como serem detentores de reproduções, tendo a faculdade de autorizar a publicação, representação, execução ou qualquer outro modo de expressão da obra.
Entretanto, a Lei nº 496/1898 foi revogada pelo Código Civil de 1916, que
“classificou o direito de autor como bem móvel, fixou o prazo prescricional da ação civil por ofensa a direitos autorais em cinco anos e regulou alguns aspectos da matéria nos capítulos “Da propriedade literária, artística e cientifica”, “Da edição” e “Da representação dramática” (PARANAGUÁ & BRANCO, 2009, p. 18).
Sendo que este
“já se preocupava com a indenização cabível em face da violação dos direitos do autor, ao atribuir ao contrafator a obrigação de pagar ao autor o valor da edição “[…] ao preço por que estiverem à venda os genuínos ou em que forem avaliados” (BARROS, 2007, p. 492).
Nessa conjuntura, o direito autoral brasileiro obteve um progresso em sua composição, mesmo sendo considerando apenas uma espécie de propriedade (literária, artística e cientifica), perdendo sua autonomia legislativa.
Em 1973, foi aprovada no Congresso Nacional a Lei nº 5.988, considerada o segundo grande estatuto brasileiro privativo de direito autoral, trazendo ainda mais inovações e conceitos para a matéria, conforme aponta Barros:
“A preocupação com o primor legislativo já se percebe no quarto artigo da lei, em que se relacionam conceitos de 12 termos e expressões atualmente importantes em sede de direitos autorais, desde publicação, edição, contrafação até transmissão, fonograma, produtor cinematográfico, produtor fonográfico, artista, videofonograma etc. O mesmo se dá em relação aos tipos de obras intelectuais, relacionando-se desde livros, brochuras, cartas-missivas e outros escritos, até obras musicais, cinematográficas, desenhos, pinturas e assemelhados, cartas geográficas, adaptações e traduções de obras, etc”. (BARROS, 2007, p.495).
Dessa forma, a Lei de 1973 tornou mais abrangente a proteção das obras de criação da mente humana, abarcando várias áreas em seu bojo normativo. Trouxe expressa a diferenciação do binômio dos direitos autorais, qual seja: direitos morais e direitos patrimoniais, estes relativos ao direito de uso, utilização, fruição, disposição e cessão que o autor possui sobre sua obra, aqueles concernentes à “paternidade” da obra, sendo inalienáveis e irrenunciáveis. Trouxe ainda a implantação do CNDA – Conselho Nacional do Direito Autoral, imputando-lhe a qualidade de órgão fiscalizador, consultor e assistencial em tudo referente aos direitos do autor e aos direitos conexos relativos a estes.
4.1 A Constitucionalização do Direito Autoral brasileiro
A Constituição da República Federativa do Brasil traz no seu Título II os Direitos e Garantias fundamentais da pessoa humana, pautados num amplo rol de proteção. Dando destaque ao artigo 5º da Lei Magna, temos que:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]”
Prosseguindo-se nos incisos:
“XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos interpretes e às respectivas representações sindicais e associativas.”
A Lei Maior traz no caput do artigo 5º os chamados direitos individuais invioláveis nos termos dos incisos que dele se seguem. O direito à propriedade é dito como uma garantia ornada de inviolabilidade, tendo em vista que a propriedade é ligada à própria dignidade da pessoa humana, esta eivada de proteção pétrea. A doutrina tradicional entende que o conceito de propriedade previsto no texto constitucional é estendido à Propriedade Intelectual, domínio de criação humana, da qual é categoria o Direito Autoral.
Reportando-se ao inciso XXVII, tratando sobre a Propriedade Intelectual, assim considera Silva:
“A matéria consta do art. 5º, XXVII, que contém duas normas bem distintas. A primeira e principal confere aos autores o direito exclusivo de utilizar, publicar e reproduzir suas obras, sem especificar, como faziam as Constituições anteriores; mas, compreendidos e, conexão com o disposto no inciso IX do mesmo artigo, conclui-se que são obras literárias, artísticas, científicas e de comunicação. Enfim, aí se asseguram os direitos do autor de obra intelectual, reconhecendo-lhe, vitaliciamente, o chamado “direito de propriedade intelectual”, que compreende direitos morais e patrimoniais […]” (SILVA, 2007, p. 119, grifos do autor).
Desta forma, trata a norma constitucional do Direito à Propriedade Intelectual, que é o direito que tem o autor sobre a sua obra, abrangendo aqui tanto as obras de direito do autor (literárias, artísticas, culturais etc.), quanto a propriedade industrial, abrangendo patentes, marcas, desenho industrial, dentre outros.
Trazendo uma crítica ao conceito tradicional de Propriedade Intelectual, nos diz Vianna:
“A obra intelectual, como seu próprio nome indica (lat. opèra,ae ‘trabalho manual’), não é, pois, uma espécie de propriedade, mas simplesmente “trabalho intelectual”. A invenção da “propriedade intelectual” nas origens do sistema capitalista teve a função ideológica de encobrir esta sua natureza de “trabalho”. Enquanto o trabalho manual modifica a matéria prima, produzindo perceptíveis variações nos objetos trabalhados e com isso aumenta seu “valor de uso” naturalmente vinculado ao objeto corpóreo, o trabalho intelectual não tem necessariamente seu “valor de uso” vinculado a qualquer objeto, pois as idéias são, por natureza, entes incorpóreos. Assim, ainda que o “trabalho intelectual” tenha um imenso “valor de uso” em qualquer sociedade, seu “valor de troca” estará sempre condicionado a uma “venda casada” de produtos (o pergaminho, o papel) e serviços (a cópia manual, a cópia impressa). Uma idéia, quando reproduzida oralmente, por maior “valor de uso” que tenha, não possui qualquer “valor de troca” pelo simples fato de poder ser reproduzida infinitamente sem estar limitada pelo problema fundamental da economia: a escassez” (VIANNA, 2006, p.935-936)
Nesta vereda, é consubstancial ter em foco a forma de desenvolvimento histórico do Direito da Propriedade Intelectual, que se confunde inicialmente com o próprio avançar do Direito de Autor, conforme visto no tópico 2.1. O monopólio e a censura trazidos pela invenção da Imprensa transcorreram até o molde do atual conceito de Propriedade Intelectual, conforme será visto mais adiante.
No que tange ao inciso XVIII, o constituinte se preocupou em abordar dois âmbitos do direito autoral, protegendo tanto obras organizadas por uma pessoa física ou jurídica, resultado de fusões de obras individualizadas, como obras de artistas e intérpretes, portadores dos chamados direitos conexos aos de autor, tendo os intérpretes uma referência própria, crescendo do conceito de mero coadjuvante e colocando o artista em um patamar de proteção equiparado aos autores (ABRÃO, 2006).
O inciso fala ainda do direito que as organizações sindicais apresentam para fiscalizarem o aproveitamento econômico das obras criadas pelos seus associados, destoando da linha de pensamento tradicional que diferenciava o trabalho por si só, ainda que artístico, da atividade de criação em si, objeto do direito autoral, adotando assim a idéia do aspecto patrimonial da obra em detrimento do ato de criação, ou seja, seu aspecto moral. Neste sentido, expõe Abrão (2006, p. 67):
“O papel dos sindicatos incide na proteção à pessoa física do trabalhador artista ou intelectual durante a confecção do trabalho. A partir daí, as sociedades de autores de gestão coletiva iniciam o seu, afastando a legitimidade de sindicato ou associações de caráter trabalhista, posto que seu papel é dirigido exclusivamente à fiscalização e cobrança dos rendimentos da obra em suporte mecânico” (ABRÃO, 2006, p.67).
Neste contexto, a Constituição Brasileira não trouxe uma proteção tão intensa ao princípio da paternidade da obra, dando preferência ao abrigo do direito de propriedade, em suas dimensões social e solidária (segunda e terceira dimensão dos direitos fundamentais, respectivamente). Aqui encontramos a convergência da Teoria das gerações dos direitos fundamentais com a proteção constitucional do direito de autor.
Por tal teoria, tradicionalmente os direitos fundamentais são classificados em primeira, segunda e terceira gerações (ou dimensões), tendo em vista a ordem histórica em que foram constitucionalmente concebidos. Explicando em que consiste cada uma delas, diz Mello:
“Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” (MELLO apud MORAES, 2003, p.59).
Neste mote, os direitos autorais se inserem como direitos pertencentes à segunda e à terceira geração, tendo em vista seus aspectos quanto a direito econômico, social e cultural, e quanto ao princípio da solidariedade. Porém, o constituinte brasileiro atribuiu tal noção preferencialmente aos direitos de propriedade, em tolhimento ao direito do autor.
Com efeito, devido à própria natureza jurídica do direito de autor, agregando direitos morais e direitos patrimoniais, e de sua evolução histórico-cronológica como direito predominantemente individual, não foi positivado pela Constituição Federal as suas dimensões social e solidária. Desta forma, apontamos que existe em nossa legislação uma compreensão subjetiva do direito do autor, remetendo ainda aos direitos de primeira dimensão, demonstrando clara involução, se levarmos em consideração outros direitos fundamentais e seu desenvolvimento (CARBONI, 2008).
4.2 A Lei 9.610/98: a atual legislação dos Direitos Autorais
Hoje no Brasil, a Lei dos direitos autorais vigente é a 9.610 de 1998, conhecida como Lei de Direitos Autorais – LDA, mais objetiva e, de certa forma, mais moderna que a Lei 5.988/73, pois abrangeu novas mídias oriundas da expansão tecnológica, inserindo-se em uma nova realidade social. Alguns preceitos tomados pelos tratados internacionais da OMPI, como o WPPT e o WCT, foram inseridos e ampliados pela LDA,
“alcançando, assim, as novas mídias, tais como a Internet e o CD-ROM, tendo inclusive ampliado o escopo de proteção anterior para incluir os programas de computador, ainda que remetendo para legislação específica […] A LDA dispõe sobre a utilização de Bases de Dados, novo conceito adaptado do tratado sobre propriedade intelectual firmado pelos países da Comunidade Econômica Européia, que confere proteção, sob manto do direito autoral patrimonial a compiladores de bases de dados” (NIGRI, 2006, p.19).
O caráter sancionatório também foi previsto na LDA, porém apenas no campo civil, visto que o Código Penal de 1940 trata dos Crimes contra a Propriedade Intelectual, nos artigos 184 e 186, no Capítulo I, do Título III. Pela legislação vigente, mesmo que a violação do direito autoral não tenha como base o lucro, o agente que comete a infração pode ser responsabilizado tanto no âmbito civil, quanto no domínio penal.
Mesmo com certa observância ao avanço tecnológico no final do século XX, a Lei 9.610 não é suficiente para a resolução dos problemas práticos trazidos pelas relações da tecnologia digital e suas constantes atualizações. O uso da razoabilidade e proporcionalidade e a análise constitucional se fazem necessários ao caso concreto, além de uma legislação atualizada, que aprecie novas relações surgidas no seio social-tecnológico. Mostrando que o direito deve avançar juntamente com seu contexto[8], no caso, o tecnológico, Nigri descreve:
“Tendo em vista que o direito não pode e nem deve permanecer estanque às evoluções tecnológicas, o aparecimento das novas mídias e a conseqüente integração dos computadores via Internet, bem como a convergência de mídias, constituem, hoje, um grande desafio para os juristas, em especial os autoralistas. Ao mesmo tempo que se alarga o universo de usuários/consumidores dos produtos culturais, agigantam-se os problemas e os questionamentos quanto ao escopo da proteção jurídica e seus meios de controle” (NIGRI, 2006, p. 22).
E se posiciona quanto ao impacto que as novas tecnologias trazem para o direito de autor:
“Enquanto existir a dicotomia entre o “corpus mysticum” e o “corpus mechanicum”, haverá sempre a necessidade de proteção do criador intelectual e a garantia de existência de um direito voltado, essencialmente, ao amparo do criador/autor, independentemente de novas mídias ou de novas formas de fixação da expressão intelectual “(NIGRI, 2006, p. 22).
Data vênia ousamos discordar de alguns pontos do pensamento da citada autora. É bem verdade que deva existir um equilíbrio entre o direito do criador e a veiculação da obra na sociedade, porém, não é viável afirmar que as novas mídias devam ser enquadradas em normas engendradas em realidades diferentes e com interesses diversos. Nesse sentido, em relação à questão digital[9], temos um fenômeno de grande desigualdade entre as camadas sociais, e é esta relação entre o rigorismo do direito de autor e a questão digital que Carboni aborda, quando diz:
“Para nós, a exclusão digital vai além da privação de computador, de linha telefônica, de provedor de acesso e mesmo de conhecimento para utilizar esses equipamentos e “navegar” na internet. A nosso ver, a exclusão digital também diz respeito à necessidade de maior liberdade de criação e fruição de bens intelectuais, o que remete à questão da rigidez na estruturação do direito de autor. É por essa razão que a questão da exclusão digital está relacionada com o tema da função social do direito de autor” (CARBONI, 2008, p. 91).
Deste modo, o rigor jurídico presente na LDA obsta o desenvolvimento cultural e a um livre acesso à informação pela sociedade, sendo primordiais novas normas que busquem os direitos individuais dos autores em face dos direitos dos usuários, que detêm o interesse público de obter informação.
5 Direitos Autorais: Conceitos e Análises
Cabe agora destacar as conceituações e análises pertinentes aos chamados direitos do autor, além da função social que detêm.
Direito de Autor, no seu conceito clássico, é o direito extrapatrimonial que se vincula à própria pessoa do autor da criação, tendo por objeto um direito imaterial, que é a própria ‘idéia” e caracterizado pela temporalidade da proteção que lhe é conferida, ao encontrar um limite no direito da coletividade de gozar livremente da criação artística, científica ou técnica (PAESANI, 2006).
5.1 Mas Quem é o Autor?
A Lei 9.610/98 (LDA) traz um conceito bem resumido da figura do autor, quando define no seu artigo 11 que “autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica”. Deste modo, o autor será sempre uma pessoa física, pois somente à pessoa humana é dada a capacidade de criação, mesmo no caso de pessoas jurídicas, cujo cerne criativo será sempre das pessoas físicas que a compõem. Nesta acepção:
“O sujeito de direito autoral criador de uma obra estética é sempre uma pessoa física, não importando sua condição pessoal, social, política ou jurídica, ou sua crença espiritual. O titular do direito deverá ser uma pessoa física ou jurídica, que adquiriu essa condição por transferência contratual ou decorrência natural (morte do autor). Autor como pessoa jurídica originária, é qualidade adquirida por presunção legal, caso da obra coletiva”(ABRÃO, 2002, p. 17).
Neste viés, cabe a diferenciação entre autor e titular dos direitos autorais. Ao autor incumbe somente a pessoalidade física, não cabendo a autoria fora da concepção humana de criação. Já a titularidade diz respeito aos direitos inerentes ao objeto de criação, que podem ser transferidos para qualquer terceiro, seja pessoa física ou jurídica. “Nesse caso, ainda que a pessoa física seja para sempre a autora da obra, o titular legitimado a exercer os direitos sobre esta pode ser uma pessoa jurídica ou física distinta do autor” (BRANCO; PARANAGUÁ, 2009, p.39). Os direitos econômicos de uma obra, por exemplo, podem sem transferidos a pessoa diversa do autor, que continuará exercendo a autoria da obra, mas esta será explorada economicamente por um terceiro assim definido por meio de um contrato.
Cabe ainda destacar, que segundo o Art. 12 da LDA, o autor pode se identificar pelo seu nome civil, seja de forma completa ou abreviada, pseudônimo ou qualquer outro sinal convencional, bastando se apresentar como criador de certa obra, sem haver prova em contrário, para assim ser considerado seu autor. É isto que afirma Paranaguá & Branco:
“Para se identificado como autor de determinada obra, basta que o artista assim se apresente. De acordo com o art. 13 da LDA, considera-se autor da obra, não havendo prova em contrário (e aí o registro como um fato relevante), aquele que, por uma das modalidades de identificação referidas anteriormente, tiver, em conformidade com o uso, indicado ou anunciado essa qualidade na sua utilização” (PARANAGUÁ & BRANCO, 2009, p. 40-41).
É fundamental notar que o conceito atual de autoria nem sempre se configurou desta forma. Na Antiguidade, as obras eram desvinculadas de um autor, estando passíveis de constantes interações entre os seus usuários, que podiam agregar valores a estas.
Neste mote, Cavalheiro expressa:
“Se hoje, ao nos referirmos a uma obra, estabelecer a relação com a instância autoral é inelutável, outrora não foi assim. Na Antiguidade até o início da Idade Média, não havia a preocupação de estabelecer a responsabilidade pelo fechamento da obra, as histórias estavam em contínuo processo de criação, os contadores tinham o direito de decidir, segundo a sua própria vontade, o que acrescentar, melhorar ou modificar. As narrativas, tragédias, comédias, epopéias – textos, hoje denominados de literatura – eram postas em circulação e valorizadas sem que se colocasse em questão a autoria, já que o anonimato não constituía um empecilho, a sua própria antiguidade era uma garantia suficiente de autenticidade” (CARVALHEIRO, 2008, p.67).
A subjetividade, portanto, era o cerne da questão da criação intelectual. Era no ato de pensar que a obra se configurava, revelando assim a interatividade individual do homem com a obra. Esta subjetividade dizia respeito a como cada individuo se comportava e o que acrescentava àquela obra, separando assim o sujeito do objeto, este sendo representado por aquele, que lhe confere um sentido. Era o humanismo se configurando como movimento.
Conforme visto anteriormente neste trabalho, na Renascença e na Idade Média surgiram os primeiros movimentos identificatórios do autor, como resultado de uma censura das autoridades religiosas e políticas, buscando punir as pessoas que agiam contra a vontade dos que estavam no poder. Desta forma, o conceito de autor foi sendo definido até chegar ao conceito atualmente descrito. O humanismo foi deslocado como preceito, ao ter seus princípios derrubados pela sociedade tecnológica, pautando o racionalismo e a objetividade como valores supremos de uma nova ordem. Nascia a sociedade pós-moderna.
Carboni (2008) traz a idéia de autor em alguns pensadores contemporâneos, como Barthes, que trata o autor como um coadjuvante, pois defende a idéia que é o leitor/crítico quem dá um sentido a determinada obra, sendo produtores de significados. Este aumento do poder do leitor reside na diferenciação defendida por Roland entre autor e escritor[10].
Tomando por base o pensamento de Barthes, Carboni afirma que
“[…] o autor é uma figura moderna, um produto da nossa sociedade, que surgiu na Idade Média com o empirismo inglês, o racionalismo francês e a fé na Reforma, os quais descobriram o prestígio da pessoa humana. Portanto, seria bastante lógico que, na literatura, o autor estivesse relacionado à ideologia capitalista, que ressaltou a importância do “indivíduo-autor”. A imagem da literatura está tiranicamente centrada na pessoa do autor, bem como em sua vida, seus sabores, suas paixões […]. As explicações de uma obra são sempre centradas em quem as produziu, como se sua voz nos confidenciasse algo” (CARBONI, 2008, p. 42).
De modo diverso, Barthes identifica o escritor moderno como algo que nasce ao mesmo de seu texto, não o precedendo, sendo a escrita necessariamente coincidente com o momento em que o escritor o realiza. O leitor torna-se mais destacado com esta diminuição do poder de autoria. Desta forma, o leitor se aproxima do escritor ao fato de que tanto este quanto aquele são produtores do texto, pois os dois podem ter diferentes leituras acerca do mesmo texto.
Para Foucault, o autor, indivíduo responsável pela obra, seria um ente juridicamente prescrito, não sendo um ser humano necessariamente, mas somente uma idéia, um escritor.
Carboni versa que:
“A lei e a cultura usam a idéia de “autor”, ainda que se trate simplesmente de um nome próprio ou algo que diz respeito a uma rede complexa de atividades e julgamentos sobre titularidade, poder, conhecimento, especialidade, repressão, obrigação, penalidades e retribuição. Assim, Foucault definiu o “autor” de acordo com a sua função jurídica e cultural, como alguém importante para a manipulação da cultura por meio de textos” (CARBONI, 2008, p.45).
Assim, em Foucault, o autor não é um “cargo” exclusivo, pois pode ser exercido por indivíduos diferentes. É sua função que adquire importância na sociedade, ao permitir que sua obra, ao ser disponibilizada no seio social, promova o acesso ao conhecimento, à cultura e à informação.
Deste modo,
“[…] o autor é importante pela sua função no âmbito da cultura e não necessariamente com relação a quem ele representa. Dessa forma, Foucault despersonaliza o autor em uma “função-autor”, que pode ser entendida como “característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade”, com quatro aspectos importantes: (i) estar ligado a um sistema jurídico que regula o discurso no âmbito da cultura; (ii) operar diferentemente em culturas diversas; (iii) o “autor” não precede uma obra, mas vem a ser apenas a sua função em um ambiente jurídico e cultural; e (iv) representa não apenas um verdadeiro ser humano identificável, mas talvez identidades diversas, independentes, contraditórias ou até mesmo conflitantes” (CARBONI, 2008, p.46).
Percebemos então o conceito trazido por Foucault da função social que o autor exerce no meio social em que está inserido, tendo como principal objetivo a livre veiculação de idéias e informações, possibilitando à coletividade o acesso às obras postas em circulação, conforme será visto mais adiante.
Cabe destacar um fenômeno recente no mundo contemporâneo correlato ao desaparecimento do autor na sociedade da informação. Por um lado temos a tecnologia avançando para a realização de obras por meio unicamente de máquinas, como por exemplo na arte gráfica, na arte musical, dentre outras, por outro encontramos a questão das obras colaborativas em rede, como as obras literárias escritas em colaboração de usuários conectados de todas as partes do mundo. Neste sentido, nos dizem Paranaguá & Branco:
“É a partir dessa atuação conjunta que surge a de obras colaborativas. O conceito não é novo. No entanto, o princípio agora é sobretudo uma emanação do avesso do conceito de autor: o direito do autor fica em segundo plano, e muitos participam de obras colaborativas “porque consideram esta atividade divertida, outros o fazem porque acreditam estar retribuindo conhecimento à sociedade, e outros ainda porque passam a se sentir parte de uma iniciativa global, que pode beneficiar diretamente centenas de milhares de pessoas, se não a humanidade como um todo” (PARANAGUÁ & BRANCO, 2009, p.45-46).
É seguindo essa direção que muitos projetos se desenvolvem na rede através de inserções colaborativas pelos usuários, onde a figura do autor singular dá espaço à colaboratividade e ao livre expressar de pensamento e expansão informacional.
Como exemplo deste fenômeno, apontamos a experiência realizada pelo site de vídeos YouTube, que abriu espaço para que seus usuários gravassem em mídias de vídeo, trechos dos momentos de suas vidas a fim de ser realizado um filme global[11] sobre o dia 24 de julho de 2010. Segue a descrição do projeto:
“A vida em um dia” é uma experiência global histórica para criar um filme gravado pelos usuários para documentar um único dia na Terra. No dia 24 de julho, pessoas do mundo inteiro gravaram um momento de suas vidas e enviaram ao YouTube. Mais de 80.000 vídeos foram enviados de 197 países diferentes (LIFE IN A DAY, 2010).
Ademais, percebemos como o conceito de Autor não pode estar adstrito em uma realidade rudimentar, devendo evoluir juntamente com o meio em que possa estar inserido, como é o caso da autoria no meio virtual.
5.2 Direitos Patrimoniais e Morais do Autor
Apresentam-se duas vertentes decorrentes dos direitos autorais, que estão intimamente entrelaçadas entre si: os chamados direitos patrimoniais e os direitos morais do autor da obra.
Os direitos patrimoniais são referentes ao aspecto pecuniário e econômico do direito do autor, que podem ser cedidos, de forma onerosa ou gratuita, a terceiro interessado, facultado a este explorar a obra através de qualquer meio existente ou que venha a existir, tendo esculpo legal no artigo 28 da LDA que determina que “cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.”
Neste sentido traz Nigri, versando sobre os direitos patrimoniais do autor:
“Tendo em vista ser um direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra é que depende de autorização prévia e expressa do autor sua utilização por terceiros, por quaisquer modalidades (artigo 29 da LDA). Assim sendo, os direitos patrimoniais de autor podem ser por ele transferidos, total ou parcialmente, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou outros meios admitidos em direito (artigo 49). A cessão de direitos é sempre feita por escrito e presume-se onerosa (artigo 50), mas nada impede que seja gratuita. Sem a devida autorização do autor (ou do titular do direito) nenhuma obra ou conteúdo protegido pode ser utilizado sob qualquer forma, através de qualquer meio ou modalidade” (NIGRI, 2006, p. 25).
Tratando da natureza destes direitos, o artigo 3º da Lei de Direitos Autorais brasileira profere que estes se reputam, para os efeitos legais, em bens móveis. Desta forma, o direito patrimonial de autor é um direito de cunho real, marcando-se por sua alienabilidade, penhorabilidade, prescritibilidade, temporalidade e transmissibilidade (por via contratual e/ou sucessória).
O objetivo da lei de proteção do direito de autor no Brasil, a Lei 9.610/98, é a proteção da figura do autor, e não da obra intelectual. Desta forma, os chamados direitos morais do autor seriam reconhecidos como direitos da personalidade, encontrando forte respaldo na atual lei brasileira. Nestes moldes, estes direitos seriam personalíssimos, inalienáveis, irrenunciáveis, impenhoráveis e absolutos, surgidos no momento da criação da obra e não tendo qualquer relação econômica ou pecuniária a eles atrelada. A LDA enumera em seu artigo 24 os direitos morais de autor, quais sejam:
“Art. 24. São direitos morais do autor:
I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;
III – o de conservar a obra inédita;
IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;
V – o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
VI – o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;
VII – o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado” (NIGRI, 2006, p.28).
Observando o artigo supracitado, podemos reunir os direitos morais em: (a) direito de paternidade [incisos I e II]; (b) direito à integridade e à não modificação da obra [incisos IV e V]; (c) direito de não publicação e de retirada da obra de circulação [inciso III e VI]; e (d) direito a exemplar único e raro da obra [inciso VII] (CARBONI, 2008).
O direito de paternidade (a) é referente ao direito do autor ter sempre seu nome vinculado à obra, podendo reivindicar sua autoria em qualquer tempo. Portanto, mesmo que os direitos patrimoniais sejam cedidos a terceiros, sempre se terá a obrigatoriedade de ter o nome daquele autor vinculado àquela obra.
O direito à integridade (b) diz respeito à faculdade do autor de modificar sua obra sempre que lhe for conveniente e/ou proibir qualquer modificação a ela. Desta forma, somente o autor pode alterar sua obra, vedando qualquer alteração por outrem na mesma.
O direito à circulação da obra (c) é relativo ao direito que o autor tem de tanto manter sua obra inédita quanto de retirar a mesma de circulação, de modo que cabe ao autor decidir se uma obra será disponibilizada ao público, ou, estando esta já disponível, a retirar de circulação.
O direito a exemplar único e raro da obra (d) é o direito que o autor tem de acessar exemplar único e raro (termos constantes da lei) com a finalidade de preservar sua memória, por meio de processo fotográfico ou audiovisual, quando este se encontrar em poder de outrem, de forma a causar o menor inconveniente possível ao seu possuidor.
Neste escopo, a lei brasileira está em consonância com o que dispõe a Convenção de Berna, em seu art. 6º, alínea 1, quando diz que:
“independentemente dos direitos patrimoniais do autor, e mesmo após a cessão desses direitos, o autor conserva o direito de reivindicar a paternidade da obra e de se opor a qualquer deformação, mutilação ou outra modificação dessa obra ou qualquer atentado à mesma obra, que possam prejudicar a sua honra ou a sua reputação” (CONVENÇÃO DE BERNA, 2010).
Tendo em vista a legislação brasileira, a doutrina majoritária classifica os direitos morais do autor como direitos de personalidade, atrelando os direitos morais às características gerais de direitos de personalidade, os quais têm fundamento nas obrigações da natureza das coisas, em outras palavras, fundamento no direito natural.
Discordamos de tal classificação, pois entendemos que os direitos de personalidade devem estar adstritos à lei tão somente e não ligados ao costume e ao direito natural. No caso dos direitos autorais, estes só surgem com a criação da obra e não com o indivíduo. Desta forma, assim diz Paranaguá & Branco:
“Há, entretanto, que se fazer distinção entre direitos autorais e os demais direitos da personalidade. De modo geral, os direitos de personalidade – nome, imagem, dignidade, honra etc. – nascem com o indivíduo e são desde logo exercíveis. Por outro lado, os direitos de personalidade relacionados aos direitos autorais só são exercíveis se o indivíduo criar algo” (PARANAGUÁ & BRANCO, 2009, p. 50).
Dessa forma, “a afirmação de que tais direitos seriam “inatos” porque nasceriam com a pessoa também não é apropriada, pois os direitos morais de autor nascem somente com a exteriorização da criação intelectual e não com o nascimento da pessoa (Carboni, 2008, p. 61). O direito da personalidade adstrito ao direito moral do direito de autor, portanto, deve ter um aspecto legal, e mais que isso, deve ter um aspecto constitucional ligado à proteção desta personalidade, não cabendo uma natureza de direito natural a estes direitos.
Destarte, o direito de personalidade encontra amparo no princípio supremo do qual decorre, qual seja a dignidade da pessoa humana, que é hoje um dos princípios basilares que regem o ordenamento jurídico brasileiro, tendo o escopo de proteger integralmente o indivíduo, sendo observada em toda a hierarquia normativa do país. E esta proteção jurídica à pessoa humana perpassa pelo meio social, visto que ao homem é necessária a inserção social para exercer seus direitos e cumprir seus deveres, como mostra Moraes (2003, p. 168) quando versa:
“Ao contrário do que pode parecer, elevar a dignidade da pessoa humana (e o desenvolvimento de sua personalidade) ao posto máximo de ordenamento jurídico constitui opção metodológica oposta a do individualismo das codificações. A pessoa humana no que se refere diametralmente da concepção jurídica de indivíduo, há de ser apreciada a partir da sua inserção no meio social, e nunca como uma célula autônoma, um microcosmo cujo destino e cujas atitudes pudessem ser indiferentes às demais” (MORAES, 2001, p.168).
Desta forma, o indivíduo social é um verdadeiro espaço limitador ao estágio atual dos direitos da personalidade e especificamente aos direitos morais de autor, quando o interesse social deva sopesar o interesse individual. Destarte, a importância dos direitos patrimoniais vem crescendo em face dos direitos morais de autor, observado, por exemplo, a inserção dos direitos autorais em tratados internacionais sobre comércio internacional[12], além da flexibilização da idéia de “imoralidade” que se reveste a cópia não autorizada no âmbito da tecnologia digital (CARBONI, 2008).
Correligionários do posicionamento de Carboni, entendemos que o direito de autor, mais especificamente ao direito moral de autor deva ser relativizado no direito brasileiro, não tendo apenas como finalidade proteger um valor individual referente à relação autor-obra e sim um interesse social ao considerar a autoria de uma obra intelectual, tendo o cuidado de ter-se sempre o reconhecimento da figura do autor como forma de referência.
É neste sentido que diz Carboni:
“[…] o núcleo essencial do direito moral de autor – e que, portanto, não poderia sofrer limitações, exceto quanto ao seu exercício, como, por exemplo, a não necessidade de indicação do nome do autor da obra em determinadas circunstâncias – diz respeito à atribuição da paternidade da obra a uma outra pessoa que não o próprio autor, seria um desvirtuamento da própria realidade, o qual, evidentemente, não poderia ser amparado pelo Direito” (CARBONI, 2008, p.67).
Entendemos, pois, que a paternidade da obra, respeitando as devidas exceções, não poderá ser relativizada, pois é ponto de referência da obra no tempo e no espaço, sendo importante para a coletividade, pois traz uma segurança social, e mais importante, colabora para o desenvolvimento de um espaço público democrático, com referências claras da fonte da informação e conhecimento, ressalvadas as obras de cunho colaborativo.
Desta forma, é clara a relação da paternidade de uma obra com sua função social e pública, e dilatando estes conceitos, podemos aferir que a relação entre direito de autor e sociedade é intrinsecamente relacionada com a acessibilidade do corpo social ao conhecimento e à informação.
5.3 A Função Social do Direito de Autor
Historicamente, a propriedade era um instituto privado, onde quem exercia seu direito cumpria também o completo domínio sobre a coisa em uso como melhor lhe apetecesse. No entanto, no mundo contemporâneo, observamos uma crescente preocupação em tornar a coletividade usuária isonômica de tudo que ela mesma produz. Desta forma, a propriedade passou a cumprir uma função social, sendo esta inclusive prevista no âmbito constitucional brasileiro, onde a Carta Magna afirma no seu artigo 5º, inciso XXIII que “a propriedade atenderá a sua função social” e no seu artigo 170, diz que:
“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[…] III – função social da propriedade;
Como da propriedade em conceito amplo se infere o conceito de propriedade intelectual, e como esta é gênero do qual o direito autoral é espécie, não é difícil aferir que cabe ao direito autoral, como ramo autônomo que é, a mesma funcionalização social inerente à propriedade constitucionalmente amparada. Sendo assim, a função social do direito autoral configura-se como verdadeira pedra fundamental ao entendimento do das relações entre direito de autor e internet.
Em primeiro lugar, a função social do direito do autor perpassa pela importância em estimular a criação intelectual na coletividade, para tanto, a função do direito de autor é promover o desenvolvimento cultural, científico, artístico e proporcionar à sociedade acesso às obras autorais.
Para Carboni (2008, p. 73) este estímulo tem amparo constitucional, quando versa:
“Podemos dizer que a função de estímulo à criação intelectual – do direito de autor – encontra respaldo no art. 216, § 3º, da Constituição Federal, que diz que “a lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais”. […] o termo “incentivo” não deve abranger apenas os fiscais, voltados para a produção de bens culturais, mas também, os direitos de uso exclusivo sobre tais bens, constituídos pelo direito de autor” (CARBONI, 2008, p.73).
Deste direito exclusivo, observamos na atual legislação brasileira a rígida proteção dada ao direito de autor, que se caracteriza pelo tempo de proteção. O tempo dado, na legislação brasileira é relativamente alto para que as obras caiam em domínio público[13], tendo por base os artigos 41-45 da Lei 9.610/1998[14]. Para que não se obste o acesso à cultura e à informação, este tempo deveria ser diminuído e relativizado, conforme será discutido mais adiante. Quanto ao aspecto pecuniário dado ao direito de autor, este pode configurar-se como verdadeiro incentivo à produção intelectual, pois
“Para alguns, os incentivos pecuniários são os melhores estímulos para o comportamento desejado do cidadão, que, no presente caso, é a criação intelectual, visando o interesse social no desenvolvimento técnico e cultural. É evidente, porém, que muitos criadores são motivados a criar, independentemente de uma motivação financeira, tal como ocorreu em grande parte da história e ocorre ainda hoje. Alguns criam estimulados apenas pelo prazer de proporcionar alegria à platéia. Outros se vêem como simples transmissores de conteúdo. O desejo pela fama e respeito também estimula muitos criadores. Há os que até mesmo pagam para terem o seu livro publicado ou a sua música gravada em CD, ainda que tais produtos não venham a ser comercializados posteriormente” (CARBONI, 2008, p. 75).
Desta forma, a vantagem econômica trazida ao autor pela criação da obra, ou mesmo o reconhecimento por si só, gera o empenho e a estimulação para que se crie, e conseqüentemente se veicule obras, idéias, informações, possibilitando um acesso à cultura e conhecimento para a coletividade.
Por outro lado, pode ocorrer que altos retornos financeiros ao criador impliquem numa menor produção de trabalho criativo realizado, em parte pela fama adquirida, em parte do retorno financeiro de serviços acessórios decorrentes de obras já criadas, que não estimulam a livre criação inédita. Tais serviços subsidiários encontram forte abrigo na tecnologia digital, onde não é majoritária a venda de bens culturas diretamente, mas sim a prestação de serviços decorrentes deste.
Deste aspecto, decorre a função econômica do direito autoral, que se refere ao papel do direito de autor e das obras intelectuais na sociedade capitalista. Na sociedade atual, todo o valor laboral deve ser, em tese, remunerado. A força de trabalho torna-se uma mercadoria, sujeita aos movimentos de mercado e economia. Não é diferente quanto às obras intelectuais, que agregadas do conceito de informação, passam a ser vistas como passíveis de comercialização.
É mister o entendimento de Carboni, que diz:
“Na economia capitalista, é evidente que há todo um interesse no aprisionamento da informação e na sua manutenção enquanto mercadoria, o que é garantido pelos direitos de propriedade intelectual e, mais especificamente, pelo direito de autor. É esse direito que transforma a informação em algo apropriável em regime de exclusividade, com a proibição da sua reprodução e da exploração, sem a devida autorização do titular. E a razão para tanto é muito simples: como o valor da informação é de difícil mensuração, conforme exposto acima, o poder de barganha dos agentes envolvidos na comercialização da informação depende da obtenção de algum tipo de monopólio, que garanta a exclusividade na sua exploração. Esse monopólio é constituído pelos direitos de propriedade intelectual” (CARBONI, 2008, p. 83).
Por conseguinte, a função econômica do direito de autor permite a apropriação da informação como mercadoria, o que permite que o direito sobre a obra funcione como ferramenta de exclusividade para a comercialização de idéias e informações. Contudo, o excesso de monopólio privado acaba por descaracterizar o atendimento da função social do direito autoral, levando a uma diminuição da circulação de informações e de recursos culturais. Neste âmbito, observamos a crescente proteção à Propriedade Intelectual por parte dos Países de Primeiro Mundo com o objetivo de subordinar os Países Emergentes em seus interesses comerciais. As regras jurídicas que protegem os Direitos Autorais estão firmemente entrelaçadas com uma política de expropriação patrimonialista, no qual o capitalismo contemporâneo prima pela privatização dos conhecimentos, monopolizando o que deveriam ser bens sociais e públicos.
Corroboramos aqui com o posicionamento que deva ser procurado um equilíbrio entre os direitos de autor e o âmbito comercial[15], sendo necessária a busca por um meio entre o estímulo da circulação cultural, que é vital para a continuidade civilizatória, e a economia global.
Neste juízo, tratam Paranaguá & Branco (2009, p. 70):
“Entendemos que o meio termo deve ser buscado […] os direitos autorais não podem ser impeditivos do desenvolvimento cultural e social. Conjugar os dois aspectos numa economia capitalista, globalizada e, se não bastasse, digital é uma função árdua a que devemos, porém, nos dedicar” (PARANAGUÁ & BRANCO, 2009, p. 70).
E complementam:
“É na interseção dessas premissas, que devem abrigar ainda os interesses dos grandes grupos capitalistas e dos artistas comuns do povo, bem como dos consumidores de arte, independentemente de sua origem, que temos que acomodar as particularidades econômicas dos direitos autorais e buscar sua função social.”
Sob essa perspectiva de busca de equilíbrio entre direitos de autor e direitos comerciais é que os direitos autorais foram insertos nos grandes acordos contemporâneos de comércio internacionais, conforme já relatados neste trabalho. É o que nos mostra Carboni ao expressar o pensamento Ascensão, referência no tema:
“Dessa forma, diz Ascensão, a propriedade intelectual e, mais especificamente, o direito de autor, permite o estabelecimento de relações de troca entre os países, que consolidaram posições de domínio dos titulares dos direitos. Como é natural, acrescenta ele, as posições atribuídas são favoráveis aos países industrializados. Com efeito, até pouco tempo atrás, a sua aceitação pelos países em desenvolvimento era penosa e demorada, pois resultava de um exercício de pressão econômica e diplomática que só produziu efeitos em longo prazo. E as convenções internacionais neste domínio estavam sujeitas a um processo lento de adesão, que criava assimetrias grandes e lhes retirava em grande medida a eficácia. Mas, alerta Ascensão, a situação altera-se radicalmente com a constituição da OMC, cujo acordo contém o TRIPS. Isso porque os países têm que aceitar o TRIPS para participarem do comércio internacional. Como se torna quase impossível a um país não participar do comércio internacional, a submissão às regras do TRIPS é fatal, seja qual for o conteúdo” (CARBONI, 2008, p.97).
Neste mote, as regras internacionais de comércio, que acabaram por abranger os direitos autorais, funcionam como niveladoras entre a circulação das obras intelectuais pelo mundo, ao versarem sobre regras de conteúdo isonômico e vinculante aos países que façam parte dos acordos firmados. No contexto brasileiro, as normas internacionais referentes aos direitos de autor são incorporadas ao sistema jurídico quando ratificadas.
Neste viés do aspecto econômico do direito de autor, talvez a função primordial deste esteja em seu papel como instrumento de política social e cultural, no sentido de que as normas relativas a direito autoral, quando versam sobre o emprego e a criação econômica de obras intelectuais, acabam sendo iniciativas da promoção, distribuição e incentivo da cultura[16]. Este incentivo era corroborado no apoio estatal através deste instrumento de política cultural, conforme preleciona Teixeira Coelho:
“[…] a política cultural apresenta-se assim como o conjunto de iniciativas tomadas por esses agentes, visando promover a produção, a distribuição e o uso da cultura, a preservação e divulgação do patrimônio histórico e o ordenamento do aparelho burocrático por elas responsável” (COELHO, 1997, p. 293).
E conclui afirmando que “sem uma política cultural adequada, a dinâmica social é deficitária e precisa ser corrigida uma vez aceita a premissa de que as práticas culturais são uma complementação do ser humano” (COELHO, p. 294, 1997). Porém, no mundo contemporâneo percebemos que o Estado, infausto de atividades que demandam mais urgência e aplicações executivas, está perdendo espaço no gerenciamento de políticas culturais[17], além do que, não deve ser o único porta-voz cultural na coletividade, por causa do caráter subjetivo da criação, tendo por escopo a não monopolização cultural.
Na medida em que as políticas culturais devam permitir que um maior número de indivíduos possa participar do processo cultural, sendo receptores ou criadores de obras intelectuais, cabe ao domínio do direito do autor o estímulo a este processo cultural. Em decorrência disto
“[…] é que o direito de autor, enquanto instrumento que tem por função promover o desenvolvimento cultural, econômico e tecnológico, deve ser entendido como uma política de liberalismo cultural, pois, apesar de imposta pelo Estado, a proteção autoral recai sobre todas e quaisquer obras intelectuais que atenderem aos requisitos legais, sem qualquer juízo de valor, o que é bastante louvável. Se assim não fosse, cairíamos em uma situação de o Estado ditar as obras protegidas de acordo com o interesse nacional, o que só se justificaria em regimes totalitários “(CARBONI, 2008, p. 89).
Portanto, a função político-social do Direito de Autor diz respeito à promoção do desenvolvimento cultural do país e perpassa pelo crescimento da nação em suas várias áreas de atuação. Tendo isto em foco, esta política cultural deve atingir também o âmbito digital, tal como se mostra fomentador de informações e conhecimentos, atrelando o direito do autor a este movimento de criações, ascensões e circulação de idéias no meio virtual.
Diante deste panorama supra descrito e convergindo todos os aspectos da função social do direito do autor inferimos que esta ateia o equilíbrio entre o desenvolvimento cultural, econômico e tecnológico e o direito exclusivo de exploração e utilização de algumas obras, as quais, depois de decorrido certo período de tempo, passam a ser de domínio público.
Tal equilíbrio pode ser alcançado pelas restrições impostas aos direitos de autor, dividindo-se em restrições intrínsecas[18] e extrínsecas. Aquelas dizem respeito às limitações instituídas em lei, assim como ao período de tempo em que dura o direito de autor, já estas devem ser entendidas como a “aplicação ao direito de autor da função social da propriedade e dos contratos, da teoria do abuso de direito e das regras sobre desapropriação para reedição ou divulgação da obra intelectual” (CARBONI, 2008, p. 98). Assim, as restrições (intrínsecas e extrínsecas) são limitações ao autor sobre o seu direito, em determinados casos, de modo a definir quais – e por quanto tempo – obras estarão contidas no domínio de proteção autoral, conforme preleciona Carboni:
‘A definição das obras que devem estar dentro ou fora dessa esfera de proteção e os prazos a serem aplicados sobre as mesmas têm fundamental importância para o exame do cumprimento da função social do direito de autor, pois é do confronto desses elementos com as situações concretas que se poderá auferir se o direito de autor de fato está contribuindo para o desenvolvimento econômico, cultural e tecnológico” (CARBONI, 2008, p. 98).
Portanto, com o Direito dado ao autor sobre sua obra deve vir adstrito uma vinculação social. Em decorrência do interesse coletivo, o autor deve consentir que haja certas restrições aos seus direitos, direitos estes que já nascem caracterizados pela limitação em decorrência da supremacia do interesse público[19]. Aplicando esta lógica na seara da Internet, conjeturamos na idéia de que o interesse público também se aplica em seu âmbito, na medida em que a rede possibilita a livre circulação de idéias, a veiculação de informações e o acesso da coletividade ao conhecimento.
Nesta medida, os direitos autorais se mostram em linha de frente de batalha – em um mundo cada vez mais globalizado e tecnológico – contraposto imediatamente pelo direito da liberdade à informação. Este embate não precisa terminar com a derrota de um dos oponentes. É necessária uma grande tarefa conciliatória com o fim precípuo de atingir um equilíbrio que não importe prejuízo a nenhuma das partes e contribua para a satisfação de seus interesses até onde começarem os interesses do outrem.
6 CONCLUSÃO
Os direitos autorais são os direitos defendidos ao autor de uma obra intelectual para preservar sua obra, tirando dela possíveis vantagens sociais e econômicas. Desde o seu surgimento, tais direitos foram também adquiridos pelos intermediários das relações entre o autor e a sociedade, onde na maioria das vezes eram principais interessados em sua preservação. No contexto atual, os direitos autorais estão sendo atrelados aos interesses comerciais – como se pode notar pelos acordos internacionais, em especial a OMC, que obriga os participantes a tornaram-se pactuantes também de acordos referentes à propriedade intelectual de modo a favorecer os detentores dos direitos de obras intelectuais, não os autores em si, mas os países mais ricos e as grandes indústrias. Neste feitio, os direitos de autor são usados como escusa para favorecer os interesses das grandes indústrias em busca de lucro e do monopólio político.
Mas o que é o autor? O autor é fruto de um meio. Toda criação intelectual – artística, científica, literária – por mais exclusiva e inédita que seja, é influenciada pelo contexto social em que está inserida. Ao autor é dada não a capacidade una de criar algo a partir do zero. O que ocorre é que ele tem a iniciativa de transformar influências e obras anteriores em novas obras, aplicando não apenas sua visão enquanto pessoa, ma uma visão coletiva. Assim, uma obra não pertence exclusivamente ao seu autor. Antes disso, pertence ao meio da qual foi extraída. É uma troca de favores. A sociedade permitiu, a sociedade requer.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. Advogado.
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