Direito disciplinar militar: do dever de obediência ao abuso de poder

Resumo: Este artigo contém quatro tópicos que retrata sobre a problemática do assédio moral e do abuso de poder dentro do âmbito militar, causas e efeitos. Trata também do mau uso da hierarquia e disciplina como instrumento do assédio moral e da noção de dever de obediência que o militar deve primar. Visa, ainda, esclarecer para o leitor a difícil análise comportamental do ser militar no Brasil, os atos administrativos emitidos pelos comandantes e seus remédios jurídicos atuantes em caso de ilegalidade.

Palavraschave: Disciplina e Hierarquia; Assédio Moral; Dever de obediência; Código Penal Militar.

Abstract: This article contains four topics that portrays the problem of harassment and abuse of power within the military sphere, causes and effects. It also deals with the misuse of hierarchy and discipline as an instrument of moral harassment and of the notion of duty of obedience that the military should prevail. It also aims to clarify for the reader the difficult behavioral analysis of the military being in Brazil, the administrative acts issued by the commanders and their legal remedies acting in case of illegality.

Key words: Discipline and Hierarchy; Moral Harassment; Duty of obedience; Military Penal Code

Sumário:  Introdução – 1. Vida na caserna: Análise da Disciplina e Hierarquia – 2.  Justiça Militar, Natureza jurídica do servidor e sua análise comportamental – 3. Dever de Obediência, Abuso de Poder e Assédio Moral dentro da esfera militar– 4. Conclusão. Referências

INTRODUÇÃO

Valores como hierarquia e disciplina serão analisados com detalhe neste artigo, até a prova do limite do dever de obediência, bem como o ato de assédio moral não raras vezes objeto de discursões e controvérsias jurídicas.

Na expressão “Direito Militar” existe um arcabouço legislativo que está ligado de uma forma ou de outra ao sistema que envolve tanto as Forças Armadas Brasileiras, como aquelas consideradas suas Forças Auxiliares: as polícias militares e os corpos de bombeiros militares dos Estados e do Distrito Federal.

Até mesmo pela ausência de estudos mais aprofundados sobre o tema, costuma-se ter a idéia de que a expressão estaria referindo-se apenas ao Direito Penal Militar e ao Direito Disciplinar Militar implicando restrição no seu conceito.

O Direito Disciplinar Militar, acepção do Direito Militar que cuida da Disciplina como um todo, nunca foi tratado adequadamente pela comunidade jurídica nacional. Com a Constituição de 1988 iniciou-se uma maior divulgação sobre os direitos dos militares, da caserna ao mundo externo. O que se passa dentro da caserna e nos cursos de formação militares por muita das vezes está sob silêncio e talvez, esse é o objetivo. A metodologia adotada neste artigo é de um perfil dogmático-sociológico que foi concebido através do procedimento lógico-sistemático pautado através de pesquisas com alunos, praças e oficiais da polícia militar, além de livros e da internet.

Mas até que ponto uma simples determinação de um superior pode atacar a personalidade ou até mesmo menoscabar a dignidade de um subalterno dentro da esfera militar? Os que obedecem dizem que por muitas vezes existem tais abusos, frutos da formação militar antiga dos que determinam e se acostumam em repassar (naturalmente) tais tratamentos que já sofreram no passado. Os que determinam acham que não existem abusos e que cada determinação é em detrimento do interesse público, sendo que muitas atitudes e decisões têm que ser tomadas, mesmo que enérgicas para os que merecem, pois segundo o jargão: “comandar é contrariar interesses, satisfazer necessidades e não vontades”.

A Disciplina e a Hierarquia, como serão mostradas a posteriori, são pilares básicos da instituição militar. Tais pilares, em caso mau uso, podem simplesmente virar instrumentos usados na coerção e no abuso de autoridade dentro da esfera interna (relações de funcionalidade no âmbito militar).

Como nada escapa ao poder Judiciário, em face do princípio do acesso à justiça, existem instrumentos, garantias e remédios jurídicos tendentes a fulminar tais atos como: o mandado de segurança e as ações ordinárias de nulidade de ato disciplinar militar, além das apurações internas no que concerne ao assédio moral, entre outros.

Com a democracia reinante em nosso ordenamento é importante a sociedade e o Ministério Público tomar conhecimento ou inspecionar com mais ênfase se há casos ou não de abusos ocorridos no âmbito militar (Forças Armadas e Auxiliares) a fim de evitar as possíveis arbitrariedades decorridas do abuso de poder. Cabe salientar a grande dificuldade que existe em obter meios de se comprovar tais abusos, seja pela obtenção do meio de prova testemunhal, seja pela representação do ofendido.

Será visto também que o assédio moral por muitas das vezes é imperceptível por aquele que sofre e nas variadas vezes pelo aquele que o faz. Muitas das vezes o sujeito ativo age com naturalidade e pensa que é normal tal tratamento e que por vezes se coaduna e mantém relação firme provinda de uma educação familiar sem sustentação.

Todo ordenamento jurídico deve estar amoldado às regras da Constituição da República Brasileira de forma que conhecê-lo é efetuar uma passagem pela Carta Magna, identificando os dispositivos que se referem às instituições militares.

Espera-se que o artigo tenha uma abrangência satisfatória. Todos os temas são analisados paralelamente, tendo em vista os regulamentos Disciplinares das Forças Armadas e também das Polícias Militares dos estados.

1. VIDA NA CASERNA: ANÁLISE DA DISCIPLINA E HIERARQUIA

Todo aquele que ingressa no mundo da caserna aprende desde cedo que a base de sustentação do militarismo é a Hierarquia e a Disciplina. Dois fundamentos existentes não só no mundo militar, mas em qualquer relação de trabalho e em qualquer empresa que queira sobreviver.

     O aluno quando inicia qualquer curso de formação seja para oficial ou para praça aprende que sem disciplina, sua vida não será organizada e terá êxito no mundo da caserna. Os metódicos por natureza logo se sobressaem dos demais, o que já é um grande passo para aqueles que nunca entenderam, até sequer viveu a vida castrense.

É uma máxima no militarismo de que aquele que é educado é disciplinado e esta disciplina começa na relação entre colegas, sendo que o respeito entre eles é fundamental.

A criticidade por muitas vezes é deixada de lado, o que facilita, pois, os críticos sofrem muito mais durante o curso, pois tendem a debater (ponderação) com seus superiores, não entendendo a causa de muitas das determinações e sendo por muitas vezes taxados ou estereotipado como RECAUCITRANTE, TEIMOSO, PONDERADOR, etc.

Da mesma forma que a vocação religiosa implica em sacrifício pessoal e amor próprio (poucos são os que a têm por temperamento natural), a vocação militar requer, em alguns lugares, a obediência inconteste e a subordinação confiante às determinações superiores. Princípios como os da isonomia e da inafastabilidade do poder judiciário têm pouco peso e visibilidade quando se adentra mais profundamente aos rincões dessa instituição total.

Atualmente se discute muito a idade em que são formados alguns militares. Os das Forças Armadas são formados cedo, entre 18 e 21 anos, excetuando o Quadro Complementar, por isso pode facilitar uma influência mais rápida e sem muitos esforços, diferentemente da formação policial militar que tem seus integrante na maioria das vezes já com o intelecto formado devido a idade avançada de alguns e uma consolidada formação educacional (muitos já com nível superior).

 A partir de agora, se verá qual o conceito básico dos dois pilares básicos, oriundo do Estatuto dos Militares, cerne deste artigo científico.

“Disciplina[1]– é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis , regulamento, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo.

A Hierarquia [2]militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antigüidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à seqüência de autoridade.”

A natureza da função militar requer que o superior conte com poderes e faculdade que compreende ao mesmo tempo, o direito de ordenar e a faculdade de punir os atos que julgue contrários à disciplina.

Referindo-se a hierarquia, José Luis Dias Campos Junior4[3], em preciosa monografia perante a escola superior do Ministério Publico Paulista aduziu que “aliás não é por outro motivo, portanto que a obediência hierárquica é, no consenso geral, o principio maior da vida orgânica e funcional das forças armadas”.

E prosseguiu lembrando Luna Paulino[4], para quem  

“A hierarquia é a base da instituição, e o mais graduado comanda tão somente porque se preparou e revelou qualidades de chefe. É tão nobre obedecer quanto comandar. O superior só conseguirá subordinação voluntária coincidente e completa se for disciplinado, imparcial, sereno e enérgico: tornando-se exemplo pelas suas qualidades morais.”

Importante a passagem de Tomás Pará atinente a serenidade e à energia, pois aquela nada mais é que o bom-senso que todo comandante deve ter e à energia se refere ao tipo de atitude na tomada de decisões. Tal comando não se pode valer do atributo hierárquico para abusar dos seus subalternos e prevê também que o disciplinado não pode ser considerado como um ser impensável, mero executor de ordens.

Aquele que obedece, o faz por dever e por obrigação que se resume no dever de obediência, atributos pautados nos pilares da disciplina e a hierarquia.

2. Justiça Militar, Natureza jurídica do servidor militar e análise comportamental

Os militares são servidores públicos lato sensu. Por ocasião da CF/88 , o constituinte originário consignou em seu texto a clássica distinção , prevendo no art 39 uma seção tratando dos servidores públicos civis e no art.42, a existência dos servidores públicos militares distinguindo-os inclusive em duas espécies servidores militares federais e servidores militares dos Estados.

Importa-nos a natureza jurídica dos integrantes das instituições armadas, que é peculiar. Nesse sentido a Constituição consignou no seu art. 142 que os membros das forças armadas denominados militares, fixando garantias e deveres além de dispor que Lei especial deisporá sobre o ingresso das forças armadas, os limites de idade, a estabilidade entre outros.

A própria Carta Magna que remete para Lei Estadual  a mesma competência da Lei Federal referida no inc.X do art.142. Portanto a natureza jurídica dos membros das Instituições armadas brasileiras é a de categoria especial de servidores da Pátria, não só as forças armadas ,mas se inclui às policias militares de todos os Estados e Territórios.

No dia 1º de abril de 2017, se comemorou 209 anos da instalação da Justiça Militar no Brasil. A Justiça Militar brasileira sempre tinha como uma de suas peculiaridades a severidade de suas penas, tanto é verdade que constantemente é alvo de acusações de afronta à Nova Ordem Constitucional de 1988 (CR/88), possuindo alguns dispositivos de sua legislação declarados inconstitucionais pela corte suprema que é o  Supremo Tribunal Federal. Como diz Jorge César de Assis6

“Todo o rigor da justiça penal militar se atribui, ainda que indiretamente, a um alemão militar reformado do exército britânico, Wilhelm Lippe, também conhecido como o Conde de Schaumbourg, encarregado de reestruturar o exército português a convite do Rei de Portugal D. José I. À guisa de exemplificação, o militar que demonstrara fraqueza era punido com a morte, e todo militar que, estando em batalha, partisse em fuga por medo do inimigo, poderia ser morto sumariamente pela espada de qualquer Oficial, sem qualquer chance de defesa. Segundo informa a obra de Carvalho (2007), "A Tutela Jurídica da Hierarquia e da Disciplina Militar", o Regulamento do Conde de Lippe vigorou no Exército brasileiro até 1907, quando o então Ministro da Guerra Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca fez uma reforma na sua força militar terrestre (págs. 60-61). Nota-se, claramente que tamanha severidade aplicada naquela época refletiu, de certa forma, na elaboração da legislação militar brasileira, tendo sempre como pano de fundo os basilares princípios constitucionais de hierarquia e disciplina. Entretanto, a família real portuguesa, no ano de 1808, em rota de fuga do imperador francês Napoleão Bonaparte, trouxe para o Brasil não apenas suas riquezas e costumes na sua bagagem, mas também a sua justiça.”[5]

A Justiça Militar, seja no âmbito estadual ou federal, também é conhecida como Justiça Castrense. A palavra "castrense", segundo o dicionarista Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, é um adjetivo que se refere à casa militar ou acampamento militar. Derivada do latim castrorum, remissivo ao período romano, onde falhas no campo de batalha e coisas do cotidiano militar eram sumariamente julgados por aquele que tinha o poder de impérium, por essa razão é conhecida como Justiça Castrense.

Até hoje se vê no cotidiano militar esse ato de império que por muitas das vezes se transparece no abuso de autoridade, nas relações internas, praticado por superiores hierárquicos através de determinações sem escrúpulos, podendo ainda ultrapassar o ambiente castrense e chegar no mundo civil.

O Processo Disciplinar e a Sanção é uma arma a serviço do órgão correicional e, se usada de forma imparcial, transparente para todos os destinatários, mostra-se um importante instrumento para atingir várias finalidades, como: esclarecimento do fato,  correção no desempenho da função, facilitação do controle administrativo, poder retributivo etc.

Os processos disciplinares são garantias aos acusados estabelecidos por parâmetros de legalidade prévios, oportunizando o contraditório e ampla defesa durante a apuração, cujo desfecho é o julgamento da conduta violadora ou não da disciplina do serviço , mais especificamente militar(caso o seja) que reflete na expedição de um ato administrativo punitivo ou absolutório.

No entanto, durante o viés da apuração ou por ocasião do julgamento disciplinar, vários vícios podem co-existir para impedir a correta aplicação da lei: podem ser incorreções quanto ao desenvolvimento da própria apuração ou julgamento mal feito ou inadequado para a situação em questão. Em outras palavras, a irregularidade pode ser de cunho processual (não atingimento das formalidades, suspeição ou impedimento do encarregado) ou de cunho material, relativo ao mérito da questão discutida. É justamente nesses pontos que surgirão as possibilidades de o acusado interpor recursos disciplinares.

Obedecendo ao principio do duplo grau de jurisdição, os recursos disciplinares são interpostos após o julgamento nos procedimentos administrativos para uma  nova apreciação da matéria por outro órgão ou autoridade, normalmente superior , a fim de desconstituir  ou modificar a punição aplicada por uma decisão que seja mais favorável ao recorrente, quer pela supressão da possibilidade de punir, quer pela redução da pena. Este é o interesse de qualquer recorrente que demonstra interesse no processo e que vê uma desproporção no julgamento de seu feito.

Portanto, situam-se os recursos disciplinares no bojo do controle interno da Administração Pública, como forma sucessiva ao processo administrativo disciplinar, tendo em vista a não aceitação pelo administrado da solução originária. Ao instituto aplicam-se as normas de direito administrativo e, mais particularmente, do direito disciplinar, na sua vertente processual.

Na seara militar, os regulamentos disciplinares das respectivas corporações delineiam as regras básicas dos processos e recursos disciplinares. Além das normas administrativas convencionais, outros princípios e regras constitucionais se imbricam nesse contexto, dada a peculiaridade da atividade militar. O princípio constitucional da hierarquia e disciplina militar  é o mais claro exemplo da especialidade do tema.

Reitere-se que o processo disciplinar, nos seus atributos recursais, obedece a variadas feições que se coaduna com características da corporação a que se destinam, seja na esfera federal, ou no âmbito estadual, através das Polícias e dos Corpos de Bombeiros Militares. Assim, os regramentos dos processos ou dos recursos disciplinares são feitos e executados com amplas variações. Algumas corporações militares estaduais adotam o RDE como regulamento básico da disciplina ou utilizam-no subsidiariamente. Outras utilizam seus próprios estatutos e Regulamentos disciplinares afim de abordar as questões de modo à realidade de cada Força.

Preconiza  GARRIDO

“Com efeito para ser um militar é preciso que acima de tudo seu comportamento seja condigno com seu status, ele espelha sua vida dentro e fora da caserna.Tem influencia inclusive no processo penal castrense servindo de atenuante genérica a ser considerada quando da aplicação da pena”.[6]

Sendo assim para a caracterização deste meritório comportamento do réu militar não basta o recebimento de elogios ou medalhas, devendo presumir-se a atenuante na ocorrência de condutas excepcionais àquela do dia-a-dia.

A depender do número de punições que o militar tenha sofrido em um determinado lapso temporal seu comportamento militar será classificado em, ‘excepcional’ ‘ótimo’, ‘bom’ , ‘regular’ e  “insuficiente’.

Curial que se diga que ao ingressar na vida militar o cidadão classifica-se naturalmente no comportamento ‘bom’ e  dali sofre modificação para cima ou para baixo, marcando através de suas condutas positiva ou negativamente sua vida na carreira militar.

Tal análise comportamental abrange todas as patentes e graduação do militar desde do inicio de sua carreia e o acompanha até a sua inatividade

Assim Justiça Militar é uma justiça especial com normas especiais e deve-se ter um julgador que tenha o equilíbrio, bem como o bom-senso na tomada de decisões nas questões atinentes a essa seara.

3. Do Dever de Obediência, Abuso de poder e assédio moral dentro da esfera militar

“PODER- (O conceito adotado que mais se aproxima deste trabalho é de Webber). Max Weber conceituou poder como sendo “a probabilidade de certo comando com um conteúdo específico a ser obedecido por um grupo determinado”. A concepção weberiana de poder parte da visão de uma sociedade-sujeito, resultado dos comportamentos normativos dos agentes sociais. Do conceito de Weber sobre o poder emergem as concepções de “probabilidade” e de “comando específico[7]”.

 O exercício do poder impõe a vontade do outro se utilizando dele daí decorre o conceito de abuso de poder e como diria o finado processualista baiano Calmon de Passos 8, “quem diz o Direito é quem tem o poder.Um poder de transformar o uso da força bruta em uma força legitimada[8]”.

É disso que se utilizam os que comandam para afetar os seus subalternos, uma síndrome do pequeno poder e que serve para coagir impondo através de determinações a sua vontade pessoal. Isso se dá porque por trás desse poder existe todo um instrumento de coerção, principalmente no que se atine a simples ameaça de prisão por cometimento de transgressão disciplinar o que desmoraliza qualquer militar, oficial ou praça, vindo a manchar a ficha dos mesmos com uma diminuição do conceito e podendo ainda em muitos estatutos de Polícia perder até sua licença-prêmio.

Ao analisar o dever de obediência, primeiramente há de se ter em vista que somente à lei é que se deve a verdadeira obediência, ela é a única autoridade impessoal à qual o homem pode se submeter sem constrangimento à sua dignidade pessoal, todavia existem circunstâncias que decorrem da hierarquia e disciplina em que a obrigação de obediência não se esgota na lei e se prolonga na ordem do superior hierárquico.  Aquele que recebe a ordem tem o dever de analisá-la se o autor tem um poder de superioridade e tal ordem é manifestamente legal.

Se a ordem contrariar preceito regulamentar ou legal, o executante pode solicitar sua confirmação por escrito de cumprimento, o que não é tão fácil na prática. Além da Disciplina e Hierarquia, a LEGALIDADE é também um pilar fundamental para o sucesso da missão constitucional atribuída às Forças Armadas e às Forças Auxiliares, devendo ser executada em conjunto com as virtudes militares, tais como: Respeito, Urbanidade, Probidade, Honra, Equilíbrio, Respeito, Caráter,  etc.                       

 Aliás, em toda e qualquer empreitada no mundo do trabalho se não houver Hierarquia e Disciplina, certamente o fracasso não tardará. No entanto, o emprego de tais fatores deve ser realizado com bom-senso e equilíbrio, sem os quais as bases da carreira militar estariam fracassadas. O acatamento das determinações de superiores, a dedicação exclusiva para o devotamento à nobre missão atribuída aos militares, é o indicativo de sublimação do ser humano militar. Mesmo porque, as características que envolvem a carreira intensificam ainda mais a estrutura hierárquica, de forma que, do soldado menos graduado ao Oficial Superior de mais alto posto, não há hipóteses em que possamos dispensar da obediência hierárquica e da disciplina, no entanto, o status de militar não é suficiente para despir o ser humano de  seus defeitos.Como em qualquer grupo social sempre existem pessoas que não se adequam eticamente e efetivamente às relações  humanas, seja extravasando seus desvios de conduta, seja prejudicando e perseguindo CONTINUAMENTE com severidade os seus subalternos.

Desta forma, quando nos deparamos com tal ato, certamente o caminho estará aberto à analise deste perfil que desaguará no chamado processo de assédio moral.

O assédio deve ser avaliado com muita prudência.  Vamos ao conceito dado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) :

Entende-se por assédio moral toda conduta abusiva, a exemplo de gestos, palavras e atitudes que se repitam de forma sistemática, atingindo a dignidade ou integridade psíquica ou física de um trabalhador. Na maioria das vezes, há constantes ameaças ao emprego e o ambiente de trabalho é degradado. No entanto, o assédio moral não é sinônimo de humilhação e, para ser configurado, é necessário que se prove que a conduta desumana e antiética do empregador tenha sido realizada com frequência, de forma sistemática. Dessa forma, uma desavença esporádica no ambiente de trabalho não caracteriza assédio moral.”(grifo nosso).

Aquele que comanda uma instituição ou é gestor da unidade ou de um batalhão militar possui responsabilidades neste contexto, e se caso exista o processo de assédio moral na sua gestão e chegue até o mesmo o conhecimento de tal fato,o comandante tem a obrigação de esclarecer a situação vigente e punirá, se for o caso, os autores do fato em questão e ainda mais se  o militar que se valeu de mentiras para tirar da linha os fatos e induzir a erro o apurador terá  agravante na aplicação da pena  que ensejaram o assédio.

O Código Penal Militar em vigor não atende totalmente ao processo de assédio moral. Muito embora não exista previsão diretamente ao sujeito ativo do processo, tem previsibilidade em alguns tipos penais que podem perfeitamente se coadunar a algumas condutas para se referir ao aludido processo. Assim, o Código Penal Militar não sanciona o assédio moral, enquanto processo complexo, mas faz previsão de tipos penais coligados a determinas condutas que direcionam, no caso concreto, o processo.

O artigo 174 [9]do Código Penal Militar prevê o chamado de “Rigor Excessivo”,. O art. 176  nos traz  a chamada “Ofensa aviltante a inferior”. Estes servem e estão coadunados com o princípio da urbanidade ao subalterno que nada mais é que o respeito que o subordinado hierárquico tem que ter, tais tipos penais podem ser aplicados na ocorrência do ato do abuso. É de bom alvitre salientar que o Código Penal Militar ainda abarca os principais tipos penais também previstos na legislação comum ligados ao trato e a honra, que podem estar intimamente ligados ao assédio moral, como o crime de Maus Tratos , além dos crimes contra a Honra, todos também previsto no Código Penal Militar.

É de grande importância corroborar que as alegações de prática do assédio moral por si só não devem ser manipuladas de forma negligente e irresponsável, como condutoras de vinganças pessoais ou arma para menoscabar a honra de outros militares. Desta forma, assim como caberá do Comando, frente a indícios de prática de determinado ato de assédio moral, instaurar o competente inquérito policial militar, fins de apurar os fatos e punir o infrator; caso se conclua que as acusações de assédio moral não tiveram materialidade suficiente para a conclusão do processo deverá o parquet denunciar aquele que de forma desidiosa e leviana causou a instauração de IPM, sabendo que o indiciado era inocente. É preciso também cuidado e convicção para denunciar tal ato, além  de grande lastro probatório, para  que esta denúncia não se paute em um meio de prova somente (na atualidade, há vários meios para colheita dessas provas) e seja fadada ao arquivamento.

4. CONCLUSÃO

Como vimos inicialmente a base da instituição militar é a Disciplina e a Hierarquia, eles são os alicerces do militarismo, tais instrumentos se utilizados de forma errônea ou por pessoas despreparadas podem servir como arma de coerção de subalternos para atender interesses pessoais ou até mesmo político.

Não se pode generalizar, mas o abuso de poder latente nas instituições militares ainda é uma realidade existente no país e não existe ainda uma fiscalização efetiva por parte de órgão que tem por função fazer o controle externo para averiguar essas situações. Todavia, tal fato se dificulta, pois, a maioria desses tipos penais dependem da representação do ofendido.

Vimos também que assédio moral é um tema bastante complexo que não se exaure neste artigo específico e não é este o objetivo. Porém, ainda se pode lembrar a constatação de ser o assédio moral uma realidade ainda muito atuante ao ambiente de trabalho especificamente militar (matéria deste artigo). Com efeito, em razão das bases constitucionais, nos quais se assentam as Forças Armadas e às Polícias Militares é de bom alvitre também a análise de que caso haja um suposto caso de assédio moral deve ser dada a máxima atenção. Também não se pode transformar o fenômeno aqui tratado, real e com potencial extremamente vitimizador, em argumento para acusações sem causalidade nem conexão, tendentes a desestruturar as bases institucionais.

Para que esse fator de cuidado seja efetivado, é imperioso que os Comandantes não esmoreça na medida de se esforçar para apurar rigorosamente e de forma equilibrada as informações acerca de existência do ato de assédio moral no âmbito de seus respectivos comando; destinando aos culpados as punições regulamentares ou remetendo a questão à Justiça Militar, ante a ocorrência de indícios de crime militar.

Convém salientar que, muito embora possamos utilizar, no âmbito da Justiça Militar, os tipos penais punindo o assediador penalmente e administrativamente temos um viés apenas para determinados tipos de condutas que compõem o processo de assédio moral ou para as conseqüências por este geradas, não existindo lei abrangente que guarneça de forma nítida e específica o fenômeno como um todo, no âmbito federal. Igualmente, sempre é bom alertar que, defronte a hipótese de se aplicar, por exemplo, um dos tipos penais concernentes ao Código Penal Militar não estará sendo punido o assédio moral propriamente dito, mas sim uma ou algumas das condutas que integram o processo vitimizador.

 Impende-se, ainda, que os aludidos tipos penais são autônomos em relação ou assédio moral, ou seja: sobrevivem por si. Pretendemos ainda  em outras oportunidades complementar o estudo do assédio moral destinado para o ambiente castrense, uma vez que consideramos o tema de grande utilidade sendo bastante atual a sua discussão e de alto relevo no âmbito das relações humanas  e porque não dizer no âmbito de gestão.

 

Referências
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BRASIL. Lei nº. 4.898, de 9 de dezembro de 1965. Regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 13. dez.1965.
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Machado, Raul. Direito. Penal Militar .Rio de Janeiro: I.Briguet e Cia
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
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SILVA, Moab Valfrido da. A imprescindibilidade da autuação em flagrante nas situações de prisão cautelar administrativa, na Polícia Militar de Alagoas, em observância à ordem constitucional vigente. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3024, 12 out. 2011. .
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Notas
[1] Estatuto dos Militares, art. 14 § 1º
[2] Estatuto dos Militares, art. 14 § 2º
[3] CAMPOS JUNIOR, José Luis Dias. Direito Penal e Justiça Militar: inabaláveis princípios e fins. Curitiba: Juruá, 2001.p.132-133.
[4] LUNA PAULINO, Luis A. Derecho Penal MilitarParte General.Santo Domingo:Burgorana,1998.
6Assis, Jorge César de. A Reforma do Poder Judiciário e a Justiça Militar. Breves considerações seu alcance. Revista Jurídica Consulex.Brasília,n 194,15 fev.2005
[6] Garrido, Antonio Millán. Régimen Disciplinario de La Guardia Civil. Madrid. Trota, 1992
[7] Webber, Max. A Ética protestante e o Espírito do Capitalismo. Alemanha. 1905.
[9] Código Penal Militar

Informações Sobre o Autor

Iordan Trindade Silva

1 Tenente da Polícia Militar da Bahia; Especialista em Ciências Criminais pela Universidade Católica do Salvador;Especialista em Direito Administrativo r; Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador;Bacharel em Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar do Estado da Bahia. Docente na Academia de Polícia Militar


Equipe Âmbito Jurídico

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