O presente artigo tem como escopo, desenvolver uma reflexão sobre o processo de flexibilização do Direito do Trabalho Brasileiro frente à exclusão social na sociedade contemporânea. Num primeiro momento, discute-se algumas causas que contribuíram para a modificação do conceito de emprego – o avanço tecnológico como causador do desemprego e a conseqüente criação de um contingente de “excluídos” ou como responsável pela criação de novos postos de trabalho não subordinados e despersonalizados.
Posteriormente, passa-se a analisar a flexibilização das condições de trabalho proposta sob a égide do falacioso argumento de que normas mais flexíveis implicariam menores custos e aumento do postos de trabalho. Todavia é imperioso considerar que a negociação entre empregadores e trabalhadores vê-se ameaçada, na medida em que um exército de excluídos se rende à precariedade de qualquer condição de trabalho.
Num último momento, estabelecem-se as considerações finais nas quais se procura não fixar um conceito rígido, pois se assim fizesse, estaria atestando que problemas globais e complexos poderiam ser solucionados de uma única forma.
1. O paradoxo do mercado de trabalho frente à globalização
“Depois da exploração do homem pelo homem em nome do capital, o neoliberalismo e seu braço operacional, que é a globalização, criaram mantêm e ampliam, em nome da sacramentalização do mercado, a exclusão de grande parte do gênero humano. O próximo passo será a eliminação? Caminhamos para o holocausto universal, quando a economia modernizada terá repugnância de custear a sobrevivência de quatro quintos da população mundial? Depois de explorados e excluídos, bilhões de seres humanos, considerados supérfluos, serão exterminados?…” (Carlos Heitor Cony).
A questão que escolhemos abordar refere-se ao seguinte tema: com o irrefreável progresso tecnológico, nos direcionamos a uma redefinição do conceito de empregado, diverso daquele utilizado pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), qual seja: “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”[1]. O que nos remonta ao desemprego ou a informalidade do emprego. Na realidade, procuramos compreender como se comporta o Direito Trabalhista ante o “vir a ser” das relações de trabalho ou mais especificamente das novas relações de trabalho produzidas por um mundo globalizado.
É valido destacar que a tecnologia e o processo de globalização influenciam também as relações de trabalho e as normas jurídicas, uma vez que atuam na produção de novos sentidos, novos hábitos e costumes que atuam no campo da cultura.
Para a reflexão dessa realidade, partimos do pressuposto que a globalização constitui um fenômeno complexo, cuja dimensão mais visível é a econômica.
Nesse espaço, econômico, o processo de globalização traz em seu bojo a subproletização do trabalhador face à chamada precarização do trabalho e valorização do uso da tecnologia avançada. Esse fenômeno de natureza estrutural vem tendo efeitos significativos sobre o mercado de trabalho. As reiteradas demissões nos setores de produção que se utilizam da robótica, não geram um contingente de desempregados, mas de excluídos, pois a máquina substituiu definitivamente o homem nesta atividade.
A extinção dos postos de trabalho sem perspectivas próximas de reaproveitamento de trabalhadores em novos afazeres acaba gerando o que denominamos “excluídos”. Anteriormente, o trabalhador que fosse demitido de uma empresa poderia procurar outra e desenvolver o seu trabalho, porém o que se vê hoje é a exclusão, já que perdem o emprego não conseguem mais exercer aquela atividade novamente.
Em sendo um processo relativamente rápido, o desaparecimento de vagas ocorre, quase ao mesmo tempo, na maior parte das empresas, tendo em vista a necessidade da concorrência pela produção mais eficiente. Então, há uma falta generalizada de vagas, que não serão substituídas; daí a característica de permanência e velocidade do desemprego estrutural.
Como observado por Forrester[2]: “o emprego, tal qual concebemos juridicamente, tornou-se um anacronismo”, ou seja, para que se caracterize legalmente o emprego, ele deve ser subordinado, personalizado, oneroso e não eventual. Contudo, constata-se que a subordinação jurídica do empregado vem sofrendo uma certa mitigação, que redunda numa “nova forma de vínculo”, diverso do subordinado.
1.1 O declínio do emprego formal e o crescimento da informalidade
Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) do Ministério do Trabalho, no setor formal de mercado do trabalho, onde estão os trabalhadores protegidos por contratos de trabalho e estatutos públicos, foram eliminados cerca de 2,5 milhões de empregos, entre janeiro de 1990 e dezembro de 1997. Cerca de 60% desses empregos situaram-se na indústria de transformação. O volume e a rapidez do declínio do número de postos de trabalho originam-se da substituição da produção doméstica nacional de alguns bens pelo produto importado, do processo de abertura comercial e da terceirização dos serviços pela indústria que, no contexto de uma ampla reestruturação produtiva, conduziu à transferência de postos de trabalho do setor formal para o informal.
A informalidade que abarca os trabalhadores sem carteira assinada tem crescido ao longo desses anos e, a despeito dos direitos consagrados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), está caindo o grau de proteção aos trabalhadores brasileiros, contribuindo assim para a formação de um grupo de excluídos. Conforme o Juiz Trabalhista, Augusto Cesar Ramos,[3] de Santa Catarina “há no mundo, cerca de 1,1 bilhão de pobres e 850 milhões de desempregados, o que equivale dizer que um terço da população planetária está à margem dos falaciosos benefícios da globalização”.Segundo Márcio Pochamnn[4]: “o cenário brasileiro deteve em 1999, a terceira maior quantidade de desempregados em 141 países pesquisados”.
Descomprometido com os novos tempos de globalização, Fernando Henrique Cardoso comenta: “a realidade é que a economia globalizada cria pessoas dispensáveis no processo produtivo, que são ‘inempregáveis’.” O Excelentíssimo Presidente esqueceu que tornar os cidadãos aptos a exercer um de seus direitos sociais é tarefa do Estado.
Como está posto na Lei: “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho…” (Artigo 6º da CF/88), ou seja, todo cidadão tem direito ao trabalho e para tanto deve ser adequadamente preparado, fator que não se vislumbra, uma vez que a maior parte da nossa população é composta por analfabetos. Como enfrentar essa situação? Como garantir um Direito Constitucional ante as “leis do mercado”?
2. Repensando o direito do trabalho
“Quem não vive o espírito do seu tempo, do seu tempo aproveita apenas os males” (Voltaire)
2.1 O duro caminho da flexibilização
A disciplina jurídica das relações de trabalho acompanha a evolução social e econômica dos tempos, desta feita, atualmente, com a formação da economia, a organização do modo de produção e as circunstâncias sócio-econômica apontam a necessidade da adequação da tutela jurídica do trabalho, através da quebra da rigidez quase absoluta de suas normas, o que vem sendo denominado flexibilização.
O termo “flexibilizar” significa tornar algo “maleável, complacente, submisso”.[5]
No âmbito do Direito do Trabalho, segundo Nelson Mannrich, a flexibilização apresenta-se como um processo de ajustamento das instituições jurídico-trabalhistas à nova realidade capitalista, constituindo-se muito mais em “uma postura de reação a alguma prática ou comportamento rígido do que em um conceito ou ação positiva” e configurando-se como meio pelo qual “a empresa ajusta sua produção, mão-de-obra e condições de trabalho às flutuações do sistema econômico”[6].
Neste quadro, um dilema se apresenta. Como compatibilizar a proteção ao trabalhador? Como determinar a prevalência da norma a ele mais favorável ante a flexibilização das normas trabalhistas?
Uma forma de flexibilização das condições de trabalho consiste na alteração in pejus do contrato de trabalho. Os doutrinadores dividem-se entre os que propõem um modelo individualista, de retorno a autonomia da vontade e do contrato individual, e aqueles que defendem um modelo coletivista, em que a autonomia privada-coletiva predominaria sobre o Estado como fonte normativa. Neste último, que tem a preferência dos doutrinadores, poderiam ser estabelecidas condições de trabalho menos favoráveis do que as previstas em lei, convenção ou acordo anterior, por meio de negociação coletiva, o que fere categoricamente um dos princípios do direito do trabalho, qual seja o da aplicação da norma mais favorável. Dado princípio é enunciado por Américo Plá Rodriguez[7], da seguinte forma: “não se aplicará a norma correspondente dentro de uma ordem hierárquica predeterminada, mas se aplicará, em cada caso, a norma mais favorável ao trabalhador.”
“Pondere-se, neste passo, que vem se desenvolvendo a tese da flexibilização, que a Constituição Brasileira adotou, ainda que timidamente, capaz de proporcionar a adaptação de condições de trabalho, mediante tutela sindical, a situações conjunturais ou exigências de nova tecnologia, assim como a peculiaridades regionais, empresariais ou profissionais.”[8]
O Juiz do Trabalho, Francisco Jucá[9], estabeleceu que é preciso reconceituar a favorabilidade e que a determinação deste favorável precisa ter a percepção do tempo. Para ele, a fórmula encontrada pelo constituinte, neste ponto, tem levado em conta um dos princípios básicos que o direito do trabalho exportou para outros ramos do atuais do direito,
qual seja o de que nenhum interesse individual ou de classe deve ou pode prevalecer sobre os interesses gerais, e legitimou para essa escolha exatamente a entidade de representação dos trabalhadores, o Sindicato.
Eximiu-se o magistrado de esclarecer se os entes sindicais encontram-se efetivamente preparados e em condições de celebrarem ajustes flexibilizadores, que não coloquem em risco a pacificação social e a própria harmonia entre o capital e o trabalho.
Com efeito, objetiva-se com a flexibilização nas relações de trabalho, propiciar novos métodos opcionais ou flexíveis de estipulação das condições de trabalho, alicerçado única e exclusivamente nos aspectos econômicos e exigências do mercado globalizado e competitivo, sem a preocupação com o lado social. Busca-se o aumento da produtividade, a redução dos custos, a implantação da tecnologia, deixando à margem dessa conquista a garantia Constitucional de direito ao trabalho e à legislação de proteção aos trabalhadores.
É de se ressaltar que, os meios pelos quais se persegue a flexibilização dos direitos trabalhistas variam desde os instrumentos da negociação coletiva, na qual exige-se a presença do sindicato profissional (art. 8.º, inc/. VI da CF/88), até a conveniência e interesse do empregador, passando pelo ajuste firmado entre os agentes da relação laboral, via acordo individual de trabalho.
Deste modo, concluímos que ainda que se argumente a necessidade de flexibilização como forma de manter a empresa em condições de competitividade, inclusive como “fator de sobrevivência”, são inquestionáveis os riscos de tal prática, posto que acarretam prejuízos para a classe trabalhadora, na medida em que pode minorar, via negocial, a remuneração e alterar o tempo de trabalho.
2.2 A flexibilização já existente na seara do direito do trabalho
Apesar da alegação que o ordenamento trabalhista, composto pela Consolidação das Leis do Trabalho, das Leis Esparsas e previsões Constitucionais, retarda o desenvolvimento empresarial, não se deve olvidar que tais asseguram os direitos sociais básicos do trabalhador, ressaltando-se que muitos dos seus dispositivos não são sequer cumpridos, mesmo por parte do Governo Federal – como é o caso do salário mínimo previsto no art. 7º, inciso IV da CF/88, cuja previsãoelenca que tal deveria atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família.
O nosso ordenamento contempla normas flexibilizadoras como: a lei n. 6-19/74, que regula o Trabalho Temporário; a Lei n 9.601/98, que disciplina o contrato por prazo determinado e cria o banco de horas; a medida provisória n 1.952-20/2000, dispondo primordialmente acerca do trabalho a tempo parcial e da suspensão temporária do contrato de trabalho e ainda, a Constituição Federal de 1988, no art. 7º incisos VI, XIII e XIV.
Conclui-se assim, que já existem regramentos que possibilitam flexibilização do direito do trabalho, inclusive para questões primordiais como: salário, jornada de trabalho, forma de contratação. Contudo, é importante destacar que a flexibilização é fundamental para a viabilização de algumas relações de trabalho, todavia, não deve desconsiderar o princípio da proteção do trabalhador.
Considerações finais
O que se deseja de uma conclusão? Um resumo do que já foi dito? Uma crítica das idéias já tratadas no decorrer do artigo?
A conclusão aqui esboçada está apresentada em forma de itens, e nestes o discurso se mistura aos já tratados no decorrer do trabalho, tornando-o plural e não conclusivo.
Convém salientar que as conclusões obtidas nada têm de definitivas, pois o definitivo se constitui na negação da possibilidade de evolução do saber. O conhecimento nunca pode ser visto como final, isso o tornaria conservador. Pelo contrario, deve ele estar sempre em estado de alerta, à procura dos sinais do novo.
São elas:
a) As novas formas de produção industrial que usam a robótica têm formado um contingente de excluídos, e não de desempregados, uma vez que eles não encontraram em outro lugar um espaço para desempenhar a mesma atividade, pois ela desapareceu quase por completo.
b) O direito ao trabalho é um direito social de todo cidadão. Quando o Estado descumpre o seu papel de garantidor desse direito, há uma flagrante violação à ordem constitucional, que inclui dentre suas cláusulas pétreas, os direitos e garantias individuais. Na qualidade de direitos constitucionais fundamentais, os sociais são intangíveis e irredutíveis, sendo proibidos qualquer ato que tenda a restringi-los ou aboli-los.
c) A flexibilização pode gerar um retrocesso social, na medida em que o contrato de trabalho pode ser realizado entre trabalhador e empregador mediante livre negociação, ou seja, sendo as partes tão desiguais, não há que se falar em igual capacidade de negociação e nem em conservação de uma relação minimamente justa de trabalho.
É imprescindível que, ante o imperativo da eficácia econômica a flexibilização deve estar atrelada a exigência de uma ética de justiça social, inspirada em uma ordem democrática que conserve o exercício de direitos fundamentais e não colabore para a formação de um grupo de excluídos.
Acadêmica de Direito
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