Normas de Ordem Pública
O direito do trabalho, hodiernamente, está longe de ser o “subdireito” que muitos tentaram rotular enquanto puderam. É imensamente comprovado que após a Emenda Constitucional n. 45 de 2004 e a ampliação da competência da Justiça Especializada do Trabalho, houve profunda reformulação e readequação dos procedimentos trabalhistas para causas cada vez mais complexas.
Não se esqueça que a Justiça do Trabalho é um braço do Poder Judiciário Federal, portanto, a Justiça do Trabalho está vinculada diretamente à União.
É comum, chegarmos a conclusões precipitadas quanto a adoção total e irrestrita de institutos civilistas no seio da Justiça Obreira após a citada Emenda, como se a Justiça do Trabalho tivesse que se atualizar e andar com ares modernos em virtude da ampliação de sua competência, ocorre que, os arts. 8° e 769 da CLT, continuam em pleno vigor.
O que diz o art. 8° da CLT:
Art. 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
O artigo 8° da CLT, indica que o Direito do Trabalho contém normas de ordem publica, ou seja, é de interesse fundamentalmente público que o próprio trabalhador não possa abrir mão de direitos alimentares em qualquer tipo de negociação fora do âmbito de proteção da CLT.
Ora, é interessante parar com esse pensamento retrógrado, onde existe ainda uma proteção a uma CLT velha, imprestável, onde o país vive momento econômico sem igual, com investimentos de bilhões de dólares, alcançando o grau de investimento por agências internacionais, onde há recordes de exportações, onde há investimentos financeiros de transnacionais em solo brasileiro, dirão muitos.
No entanto, o paradoxo da realidade brasileira é extremamente cruel, todo o avanço tecnológico para a produção do Biodiesel, por exemplo, toda a estruturação da colheita de cana, têm levado trabalhadores a condição análoga a de escravo e a morte por exaustão.
Vejamos pequeno trecho de artigo pelo ilustre escritor Francisco Alves, sob o título Porque morrem os cortadores de cana?:
“(…) Eu comparo o cortador de caba a um corredor fundista, porque os trabalhadores com maio produtividade não são necessariamente os que têm maior massa muscular, são os que têm maior resistência física para a realização de uma atividade repetitiva e exaustiva, realizada a céu aberto, sob o sol, na presença de fuligem, poeira e fumaça, em alguns casos, e por um período que varia entre 8 a 12 horas de trabalho diário.
Um trabalhador que corte 6 toneladas de cana, num talhão de 200 metros de comprimento, por 8,5 metros de largura, caminha, durante o dia uma distância de aproximadamente 4.400 metros, despende aproximadamente 50 golpes com o podão para cortar um feixe de cana, o que equivale a 183.150 golpes no dia (considerando uma cana em pé, não caída e não enrolada e que tenha uma densidade de 5 a 10 canas a cada 30 cm.). Além de andar e golpear a cana, o trabalhador tem que, a cada 30 cm, se abaixar e se torcer para abraçar e golpear a cana bem rente ao solo e levantar-se para golpeá-la em cima. Além disto, ele ainda amontoa vários feixes de cana cortados em uma linha e os transporta até a linha central. Isto significa que ele não apenas anda 4.400 metros por dia, mas transporta, em seus braços, 6 toneladas de cana, com um peso equivalente a 15 kg, a uma distancia que varia de 1,5 a 3 metros. (…)”
Imagine se o Ministério Público do Trabalho divulgasse a verdadeira caçada que é empreendida em Mato Grosso e no Pará para os trabalhadores que são escravizados por dívida no Brasil.
Imagine se os trabalhadores que são escravos por dívida ou os cortadores de cana que são o motor da indústria sucro-alcooleira tivessem a escolha de resolver suas pendências judiciais por arbitragem, quando muitas vezes são mortos em virtude do trabalho análogo ao de escravos que executam.
A realidade brasileira, em pleno século XXI, é de recordes de analfabetismo tradicional e digital, onde há um dos piores índices de ensino do mundo, onde a violência convive com a sociedade muito proximamente, como ocorre no Rio de Janeiro, onde o acesso aos bancos escolares é cada vez maior, no entanto a qualidade do ensino ministrado carece de sustentação, onde o “espetáculo do crescimento” convive com a “miséria moral e educacional” no nosso país continente.
Arbitragem para dissídios coletivos
Para não alongarmos muito a discussão do tema e para fazer cair por terra qualquer oposição manifestamente intencional e ilegítima, vejamos o que diz o art. 114 da CRFB/88 após a EC n. 45 de 2004:
Art. 114 – Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (…)
§ 1o. – Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ 2o. – Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
A própria Constituição da República prevê a possibilidade da arbitragem, apenas e tão somente nas negociações coletivas, note-se, ademais, que a própria Constituição faz severa ressalva: “respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho…”.
Fundamental rechaçarmos de pronto, qualquer entendimento contrário ao que determina a própria Carta Magna, não é possível a resolução de questões trabalhistas individuais por arbitragem.
Para que possamos embasar nosso pensamento, vejamos julgados de Tribunais Regionais do Trabalho de várias regiões do país:
“JUÍZO ARBITRAL – É cediço que somente os direitos patrimoniais disponíveis podem ser objeto de exame no procedimento do juízo arbitral, consoante o art. 1º, da Lei nº 9307/1996. Assim, não caberia a negociação de direitos trabalhistas individuais, porquanto as normas do regime jurídico laboral “são geralmente imperativas, inafastáveis pela vontade das partes, salvo para conferir maior proteção ao empregado” (valentin carrion, comentários, 2002, p. 19). A exceção contemplada no sistema reside na matéria de distribuição de lucros por meio de arbitragem (Lei nº 10.101/2000) e nas convenções ou acordos coletivos, conforme o art. 613 da CLT. (TRT-5ª R. – RO 01.05.01.0755-50 – (12.414/02) – 5ª T. – Relª Juíza Maria Adna Aguiar – J. 18.06.2002)”
“TRIBUNAL DE ARBITRAGEM – TRANSAÇÃO DE VERBAS TRABALHISTAS – A Lei nº 9.307/96 instituiu a arbitragem como meio de solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, conforme termos do artigo 1º Logo, constituindo-se o Direito do Trabalho, na sua maioria, de preceitos de ordem pública, de natureza cogente e, portanto, indisponíveis, tem-se por incabível a submissão das demandas trabalhistas a tribunais de arbitragem. Para validade da negociação no âmbito do Direito do Trabalho, as demandas trabalhistas devem ser submetidas à Comissão de Conciliação Prévia ( artigo 625-A e ss da CLT), composta de membros indicados tanto pelo empregador, quanto pelos empregados, de forma a garantir a paridade na representação, requisito não presente nos Tribunais de Arbitragem. (TRT-2ª R. – RO 00648-2005-010-02-00 – (20070026402) – 4ª T. – Relª Juíza Odette Silveira Moraes – DOESP 09.02.2007)”
“ARBITRAGEM PRIVADA – Os créditos trabalhistas não se inserem naqueles de âmbito puramente patrimonial. Em face da sua natureza alimentar, são direitos pessoais e indisponíveis. Daí, os litígios que deles decorrem não podem ser abstraídos do controle jurisdicional, pelo que descabida a sua solução por meio da arbitragem privada prevista na lei nº 9.307/1996. (TRT-2ª R. – RO 01933200205502001 – (20060954625) – 10ª T. – Rel. Juiz José Ruffolo – DJSP 05.12.2006)”
“ARBITRAGEM E O DISSÍDIO INDIVIDUAL TRABALHISTA – A arbitragem é uma decisão proferida por um terceiro que é aceito pelas partes como árbitro e que tem como escopo a composição de uma controvérsia. A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes (art. 2º, Lei nº 9.307/96). No direito brasileiro, a Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, CF). No direito civil, a arbitragem é admitida para solução de litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º, Lei nº 9.307/96). É bem verdade que se costuma fazer algumas distinções, na doutrina trabalhista, acerca do assunto. Em primeiro lugar, quanto à fonte do direito pronunciado. Tratando-se de norma legal, entende-se a irrenunciável (ex. Aviso prévio), exceto por autorização expressa de Lei. Tratando-se de norma oriunda de trato consensual pode haver a renúncia, desde que não haja proibição legal para tal, vício de consentimento, ou prejuízo para o empregado (art. 468, CLT). Em segundo plano, costuma diferenciar-se a renúncia pelo momento de sua realização: Antes da formalização do contrato de trabalho; durante o transcurso desse contrato e após a sua cessação. Não se admite a renúncia prévia; admite-se a, como exceção – para as regras contratuais e legais, quando expressamente autorizadas, durante a relação; e admite-se, com bem menos restrições, após a cessação do vínculo. De qualquer modo, parece não restar dúvidas de que se está – quando se analisa o direito do trabalho – diante de um direito que não comporta, em princípio, a faculdade da disponibilidade de direitos por ato voluntário e isolado do empregado. Assim, o direito do trabalho não se coaduna com a Lei nº 9.307/96, não se admitindo a arbitragem como mecanismo de solução dos conflitos individuais do trabalho. (TRT-2ª R. – RO 01126 – (20040627556) – 4ª T. – Rel. p/o Ac. Juiz Francisco Ferreira Jorge Neto – DOESP 26.11.2004)”
“ACORDO ENTABULADO PERANTE A CÂMARA ARBITRAL LABORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – ALEGAÇÃO DE COISA JULGADA QUE SE AFASTA – A possibilidade de apreciação pelo Judiciário da validade do acordo extrajudicial firmado entre as partes encontra fundamento no art. 5º da Constituição da República. Quanto ao termo de transação no qual foi pactuada a quitação geral ao extinto contrato de trabalho, não haveria como lhe conferir validade. Com efeito, inviável dar-se quitação pelo que não foi discriminado, sob pena de reconhecer-se renúncia a direitos trabalhistas, além do que, na seara do direito do trabalho, os títulos devem ser pagos sob rubrica própria. (TRT-15ª R. – RO 00693.2005.109.15.00.7 – 1ª T. – Relª Juíza Adriene Sidnei de Moura David Diamantino – DJSP 26.01.2007)”
“Comentário IOB”
“Comentário”
“Trata-se de recurso ordinário interposto pela reclamada contra decisão proferida pelo Juízo a quo sustentando pela validade da sentença arbitral realizada na rescisão do contrato de trabalho do empregado. O instituto da arbitragem, previsto na Lei nº 9.307/1996, abrange somente as questões que envolvam direitos patrimoniais disponíveis. A melhor doutrina conceitua a arbitragem como um processo de solução de conflitos jurídicos pelo qual o terceiro, estranho aos interesses das partes, tenta conciliar e, sucessivamente, decide a controvérsia. Alguns doutrinadores entendem que a arbitragem não pode ser aplicada no âmbito laboral, uma vez que a natureza jurídica dos créditos trabalhistas é alimentar. Assim, é possível entender que a arbitragem somente pode ser utilizada, nesta seara, quando as relações discutidas trouxerem em si a aplicação de direitos coletivos.
O ilustre magistrado Dr. Gustavo Filipe Barbosa Garcia explica:
“A arbitragem é forma de solução de conflitos, no caso, heterônoma, pois um terceiro (árbitro) é quem decidirá o litígio, através da sentença arbitral. É estabelecida através da convenção de arbitragem, que engloba a cláusula compromissória e o compromisso arbitral (art. 3º da Lei nº 9.307/1996). A arbitragem não viola o princípio constitucional do livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF/1988), pois, no caso, a escolha da via arbitral fica a cargo das partes, não sendo imposta por lei (art. 1º da Lei nº 9.307/1996). Adota-se aqui o entendimento de Walküre Lopes Ribeiro da Silva, no sentido de que ‘apenas a arbitragem voluntária constitui verdadeira arbitragem, pois a obrigatória já contém a imposição do Estado, o que desfigura o instituto’. Especificamente quanto à arbitragem compulsória, ou seja, imposta obrigatoriamente às partes, pode-se dizer que viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição estatal, justamente por afastar este controle jurisdicional sem que os interessados assim desejem. A respeito, cabe transcrever a seguinte ponderação de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: ‘Seria inconstitucional a LArb se estipulasse arbitragem compulsória, excluindo do exame, pelo Poder Judiciário, a ameaça ou lesão a direito’. A Constituição Federal de 1988, de forma expressa, indica a possibilidade de solução de conflitos coletivos de trabalho através da arbitragem (art. 114, §§ 1º e 2º) que, portanto, é facultativa. Neste sentido, as previsões contidas na Lei nº 7.783/1989, art. 3º, caput, e na Lei nº 10.101/2000, art. 4º, II. Cabe esclarecer que o § 2º do art. 764 da CLT, ao mencionar o termo ‘juízo arbitral’, utilizou-o com o evidente sentido de jurisdição estatal, pois, não havendo acordo em juízo, é proferida a decisão. Isso revela que, no sistema constitucional em vigor, a arbitragem, quanto ao direito do trabalho, ficou restrita ao âmbito coletivo, sendo, portanto, incompatível e inaplicável nas relações individuais de trabalho. Segundo Manoel Antonio Teixeira Filho: ‘A arbitragem […] é inadmissível no processo do trabalho, no plano das ações individuais, por força do art. 114, caput, da Constituição’ […].” (Arbitragem no direito individual do trabalho. Juris Síntese. Porto Alegre: IOB Thomson, set./out. 2006. 61 CD-ROM)…”
Resta bastante evidente, que a média dos trabalhadores assalariados e celetistas brasileiros não são levados “espontaneamente” a resolverem os conflitos trabalhistas pela via arbitral, mas sim “compulsoriamente”, portanto, a violação é clara ao comando constitucional e a norma de ordem pública federal que acaba sendo violada por via de conseqüência.
Conclusão
Importante ressaltar, que o Brasil é um país de extremos contrastes, sejam educacionais, culturais e filosóficos, ainda que em pleno Séc. XXI, não podemos ainda, abrir mão da justiça protetiva, serena e especializada do Trabalho que sempre julgou com base na CRFB/88 e no princípio da proteção ao trabalhador.
Advogado Patronal Trabalhista, Pós-Graduado pela Universidade Cândido Mendes, patrocinando causas para Empresas Públicas, CBTU, Banco do Brasil, CEF e BNDES, Cursando Aprofundamento Dir. do Trabalho, Especializado em Advocacia Trabalhista Empresarial
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