Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar a Educação Inclusiva no Brasil como um direito social fundamental que necessita ser garantido assim como os demais, demonstrando que apesar das políticas públicas ampliarem nos últimos anos em relação ao tema, ainda não se mostra suficiente, razão pela qual se faz necessário aprofundar o estudo sobre a sua natureza constitucional não só na perspectiva subjetiva, mas também na sua perspectiva objetiva. De início, será tratado, em síntese, a teoria dos direitos fundamentais, para depois provar com base doutrinária que a Educação, inclusive, a Inclusiva é direito fundamental. Nesse prisma, propõe-se o exame da Educação Inclusiva, como proposta de democratizar o ensino brasileiro, apresentando seu conceito e o seu alcance, com base na teoria dos direitos fundamentais junto ao principio da obrigação de não discriminar, provando-se a sua essencialidade no núcleo da pessoa humana já que decorre de um direito importantíssimo para a formação de qualquer cidadão.
Palavras-chave: Teoria dos Direitos Fundamentais. Direitos Sociais. Direito à Educação. Educação Inclusiva. Direito Fundamental à Educação Inclusiva.
Sumário: Introdução. 1 Direitos Fundamentais: 1.1 Breve Histórico e evolução dos direitos fundamentais. 1.2 Direito Fundamental à Educação. 2 Educação como Direito Humano. 3 Educação Inclusiva: 3.1 Considerações sobre a Educação Inclusiva. 3.2 Direito Fundamental à Educação Inclusiva. Conclusão. Bibliografia.
O avanço da relevância do direito constitucional é decorrente da afirmação dos direitos fundamentais como núcleo da proteção da dignidade da pessoa e da percepção de que esses valores cruciais da existência humana “merecem estar resguardados em documento jurídico com força vinculativa máxima”[1], sendo a Constituição o local adequado para positivá-los.
Os direitos fundamentais assumem posição de realce na sociedade quando se inverte a tradicional relação entre Estado e indivíduo e se reconhece que o indivíduo tem, antes de deveres, direitos perante o Estado, direitos dos quais vem-se avolumando, conforme as exigências específicas de cada momento histórico, ou seja, em cada período são descobertos direitos a partir da perspectiva do valor da dignidade humana, exatamente o que vem acontecendo na Educação, sobretudo, na inclusão social dos discentes.
Sob esse enfoque que o trabalho irá examinar a Educação Inclusiva, isto é como um direito fundamental que deve ser respeitado tanto na esfera pública quanto na esfera privada, não podendo sofrer nenhum tipo de discriminação, sob pena de violação à Constituição.
1 DIREITOS FUNDAMENTAIS
1.1 BREVE HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Alguns estudiosos apontam a Magna Carta de 1215 como marco inicial dos direitos fundamentais, assim como a Petition of Rights, de 1628, o Habeas Corpus Act, de 1679 e o Bill of Rights de 1689, uma vez que asseguravam direitos aos cidadãos ingleses,[2] ao passo que outros apontam que os direitos fundamentais surgiram de forma positivada a partir da Revolução Francesa, com a Declaração dos direitos do homem em 1789, e das declarações de direitos formuladas pelos Estados Americanos, ao firmarem sua independência em relação à Inglaterra (Virginia Bill of Rights, em 1679). [3]
A crítica maior que gira em torno da origem dos direitos fundamentais, sem dúvidas, é sobre a Magna Carta de 2015. Parte da doutrina não a reconhece como marco histórico dos direitos fundamentais já que os direitos nela estabelecidos, não visavam a garantir uma esfera irredutível de liberdades aos indivíduos em geral, mas sim, essencialmente, a assegurar poder político aos barões mediante a limitação dos poderes do rei.
Ao decorrer da história, os direitos fundamentais foram evoluindo de acordo com a evolução das constituições. Assim, é possível perceber que a evolução desses direitos estão intimamente ligados às constituições desde os modelos liberais do séc. XVIII, passando pelas constituições sociais do início do séc. XX, e chegando às modernas constituições democráticas que vêm sendo promulgadas desde o fim da II Grande Guerra e continuaram a ser depois da queda do Muro de Berlim e do fim da separação do mundo ocidental nos blocos capitalista e socialista[4].
Na verdade, a evolução dos direitos fundamentais decorre da própria evolução do Estado e da sociedade em busca do modelo de organização política em que o poder deve ser contido em nome das liberdades fundamentais do homem e em que devem ser prestados serviços públicos suficientes a garantir uma sociedade de homens livres e iguais.
Estas evolução e transmudações dos direitos fundamentais ao longo da história deram lugar à terminologia "geração de direitos fundamentais"; desta forma, fala-se de "direitos de primeira geração", "direitos de segunda geração", "direitos de terceira geração" e até de quarta e quinta gerações[5].
Desde já se deve advertir que embora há entendimento de que o termo "geração" não significa ruptura, mas sim cumulações de direitos fundamentais, um verdadeiro processo de complementaridade, por meio do qual os direitos se transformam, se aperfeiçoam, dando lugar a "novos direitos" erguidos sobre as mesmas bases fundamentais (dignidade humana, liberdade, igualdade e solidariedade) e que se juntam aos “antigos direitos”, formando o todo ético-jurídico fundamental da sociedade[6], há quem critique ao argumento de que o termo certo a ser utilizado é “gestação” ou “dimensão” porque entendem justamente ao contrário, isto é, que a ideia de geração é de ruptura.
Os direitos de primeira dimensão têm a ver com o principio da liberdade, sendo os direitos civis e políticos, reconhecidos nas Revoluções Francesa e Americana. Tais direitos têm como condão de impor ao Estado um dever de abstenção, de não fazer, de não interferência, de não intromissão no espaço de da liberdade de cada indivíduo. São as chamadas liberdades individuais (liberdades negativas), sem nenhuma preocupação com as desigualdades sociais.
Essas liberdades negativas surgiram no final do século XVIII frente ao Estado Absoluto. Perpetuaram durante todo o século XIX, haja vista que os direitos de segunda dimensão só foram reconhecidos, de fato, no século XX.
O Estado Liberal consistiu em limitar à atuação do Estado, em favor da esfera de liberdade do indivíduo. O direito à vida, à liberdade, à propriedade, à propriedade e dentre outros são exemplos de direitos da primeira dimensão.
Os direitos de segunda dimensão identificam-se com as liberdades positivas, e acentuam o princípio da isonomia entre os indivíduos. Esses direitos são os econômicos, sociais e culturais, decorrentes de movimentos sociais do século XIX que ocasionaram, no início do século XX, afinal o surgimento desses direitos fundamentais que marcou a passagem do Estado liberal para o Estado Social.[7]
Assim, os direitos sociais são aqueles que têm por objeto a necessidade da promoção da igualdade, mas não aquela meramente formal, por meio da intervenção do Estado em defesa do mais vulnerável, ao passo que os direitos individuais são os que visam a proteger liberdades negativas para impedir a atuação abusiva do Estado na autonomia privada.
Os direitos de terceira dimensão consagram os princípios da solidariedade e da fraternidade. Surgiram com o propósito de proteger os interesses de titularidade coletiva ou difusa. Os direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à defesa do consumidor, à paz, à autodeterminação dos povos, ao patrimônio comum da humanidade, ao progresso e desenvolvimento, entre outros são direitos de terceira dimensão.[8]
Tais direitos não se destinam especificamente à proteção dos interesses individuais, de um grupo ou determinado Estado, pois, na verdade, a sua titularidade é difusa ou coletiva, representando uma relevante preocupação com as gestações humanas, presentes e futuras, expressando a ideia de fraternidade e solidariedade entre os diferentes povos e Estados soberanos.
Há quem se refere o reconhecimento de direitos fundamentais da quarta geração, e até mesmo o surgimento da quinta geração. Entretanto, não há consenso sobre os bens protegidos exatamente por essas novas gerações de direitos fundamentais.
Como se verifica, analisar sobre a titularidade dos direitos fundamentais na Constituição do Brasil de 1988 exige-se uma análise específica, utilizando de maneira minuciosa e didática a divisão estrutural proposta por Dimitri Dimoulis[9], necessitando de uma investigação científica mais aprofundada.
Historicamente, sobre a titularidade dos direitos fundamentais é importante observar que a Constituição de 1824, que foi a primeira Constituição brasileira, reconhecia apenas a titularidade dos direitos fundamentais aos cidadãos brasileiros. A constituição de 1988 passou a reconhecer que essa titularidade também alcançava aos estrangeiros residentes no país, não podendo haver distinções em apreço ao principio da isonomia.[10]
No que diz respeito aos direitos sociais, a ilustre doutrina vai além, assentando que o art. 6º da Constituição brasileira indica os direitos sociais sem discriminação quanto às pessoas que seriam titulares desses direitos, logo os direitos como a saúde, a educação e o lazer, não contam com nenhum condicionamento. [11]
1.2 DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO
A educação é direito fundamental, embora, há quem resista a essa afirmação, o que não se justifica, pois se os direitos de liberdade negativa são fundamentais e têm como destinatário a liberdade do indivíduo, não há óbice em sustentar a educação como direito fundamental, já que os direitos de natureza social têm como destinatários todos os indivíduos, em especial, àqueles que necessitam mais ainda de um amparo maior do Estado.
Os resistentes explicam que a educação não está elencada no titulo de direitos e garantias fundamentais na Constituição, e por esta razão não seria direito fundamental. No entanto, sem aprofundar muito sobre o tema, mas com intuito de esclarecer com breves apontamentos precisos com base doutrinária, a educação trata-se sim de um direito social fundamental, isso porque a tipologia dos direitos fundamentais gira em torno de critérios formal e material, à luz da sistemática do título II da CRFB.[12]
Sobre esses critérios explica:
“A fundamentabilidade formal encontra-se ligada ao direito constitucional positivo e, ao menos na Constituição pátria, desdobra-se em três elementos: a) como parte integrante da Constituição escrita, os direitos fundamentais (e, portanto, também a saúde), situam-se no ápice de todo o ordenamento jurídico, cuidando-se, pois, de norma de superior hierarquia; b) na condição de normas fundamentais insculpidas na Constituição escrita, encontram-se submetidos aos limites formais (procedimento agravado para modificação dos preceitos constitucionais) e materiais (as assim denominadas “clausulas pétreas”) da reforma constitucional; c) por derradeiro, nos termos do que dispõe o art. 5, §1, da Constituição, as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam diretamente as entidades estatais e os particulares. A respeito de cada um destes elementos caracterizadores da assim denominada fundamentalidade formal, notadamente sobre o seu sentido e alcance, ainda teremos oportunidade de nos manifestar. Já no que diz com a fundamentalidade em sentido material, esta encontra-se ligada à relevância do bem jurídico tutelado pela ordem constitucional (..)”. (SARLET, 2007:p.3)
Em outras palavras, o direito fundamental pode ser identificado pela sua previsão no texto da Constituição (critério formal), bem como em razão de sua matéria(critério material), tanto é assim, que o direito da personalidade previsto no Código Civil brasileiro é um direito fundamental mesmo não sendo positivado na Constituição[13].
Portanto, os direitos sociais (educação, saúde e dentre outros) são fundamentais porque dizem respeito a um conjunto de relações sociais, culturais ou econômicas que o indivíduo desenvolve para a realização da vida em todas as suas potencialidades, permitindo-o gozar dos bens de que necessita.[14]
2 EDUCAÇÃO COMO DIREITO HUMANO
A educação, como um todo, é um dos direitos humanos, sendo que antes de positivada na nossa constituição, tal direito foi reconhecido no art. 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948[15].
O direito humano à educação reconhecido na Declaração foi fortalecido como norma jurídica internacional, principalmente, pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (arts. 13 e 14), da Convenção Relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino, da Convenção sobre os Direitos da Criança (arts. 28 e 29) e do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 13).
Fato é que a educação como direito humano traz outro contorno para o nosso ordenamento, em razão da relevância e da proteção que os direitos humanos têm perante o Estado, que deve promover a educação para todos sem discriminação sob pena de responder internacionalmente perante a outros Estados.
Por isso, é importantíssimo que o Poder Público exerça de forma efetiva as políticas educacionais (em apreço à isonomia substancia)l, porque só assim a Educação no Brasil terá um modelo padrão capaz de não só permitir a acessibilidade, mas também a permanência dos discentes nas escolas.
Logo, além oferecer institutos especializados paralelos à rede de ensino, o Estado deverá também promover políticas na própria rede regular de ensino para tratar de discentes que possuem algum tipo de necessidade especial ou alguma dificuldade de aprendizagem (pouco importando a origem dessa dificuldade), pois a não discriminação é uma garantia de todo o ser humano, não podendo aceitar a sua violação sob pena de violar a dignidade da pessoa humana.
3 EDUCAÇÃO INCLUSIVA
3.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Primeiramente, antes de adentrar sobre o tema, necessário se faz distinguir educação inclusiva de educação especial, pois apesar de serem institutos interligados apresentam significados diferentes, pois enquanto a primeira constitui um processo para a construção de ambientes físicos aptos para atender aos que possuem necessidades especiais, o segundo consiste em um método de ensino. No entanto, uma não pode ignorar a outra, de maneira que ambas oferecem benefícios que devem ser aproveitadas como um trabalho via de mão dupla[16].
A educação especial é método de ensino que visa desenvolver todas as potencialidades de pessoas que se apresentem com necessidades especiais, condutas típicas ou altas habilidades, que é oferecida, segundo a Secretaria de Educação Especial, por institutos especializados.[17]
A educação Inclusiva consiste em um processo de mudança cujo propósito é de transformar a visão educacional, não visando apenas alcançar o discente, mas a todos que fazem parte da educação (como o docente, diretor e todos os demais que sejam integrantes da rede de ensino).
Nesse prisma, destaca-se a inclusão escolar como:
“Um processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir em seus sistemas sociais gerais pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. (…) Incluir é trocar, entender, respeitar, valorizar, lutar contra exclusão, transpor barreiras que a sociedade criou para as pessoas. É oferecer o desenvolvimento da autonomia, por meio da colaboração de pensamentos e formulação de juízo de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida.” (SASSAKI:1997 apud VIEIRA: 2010, p.2).
Para tanto, é necessário uma mudança cultural, que só é possível quando o docente passa a valorizar o diálogo deixando de lado uma postura de imposição de saberes. Nesse viés, pode-se dizer que a inclusão envolve:
“[…] uma filosofia que valoriza diversidade de força, habilidades e necessidades [do ser humano] como natural e desejável, trazendo para cada comunidade a oportunidade de responder de forma que conduza à aprendizagem e do crescimento da comunidade como um todo, e dando a cada membro desta comunidade um papel de valor. Em face disso, nota-se que a materialização da escola verdadeiramente inclusiva trabalha baseando-se na defesa de princípios e valores éticos, na projeção dos ideais de cidadania e justiça, nivelada a uma proposta que visa à promoção de práticas pedagógicas contemplando o aluno, individualmente, em sua maneira peculiar durante o processo de aprendizagem e envolvendo, com compromisso e empenho, a comunidade escolar” (FERREIRA:2005 apud VIEIRA:P4).
Em síntese, conceitua-se educação inclusiva através da interação da socialização com a própria construção do conhecimento, e para tanto necessário se faz promover um cenário que proporcione a inclusão, o que só é possível através de uma reestruturação das escolas como um todo (ou seja, de toda rede de ensino), de maneira a assegurar que todos os discentes possam ter acessibilidade a todas as áreas de oportunidades educacionais e sociais ofertadas pela rede de ensino.[18].
Ainda nesse raciocínio, vale ressaltar que:
“Na Escola Inclusiva todas as pessoas portadoras de necessidades especiais e de distúrbios de aprendizagem têm direito à escolarização, o mais próximo possível do normal. O seu principal objetivo é acolher todos que apresentem alguma diversidade, portanto estamos falando de uma sociedade de direitos para todos”. (JESUS:2005,p.14)
Assim, se estar-se falando de uma escola para todos, é considerável interpretar que o termo inclusão não abarca apenas pessoas que poderiam ser excluídas da educação por dificuldades de aprendizagem ou dificuldades múltiplas, mas também a todos discentes, sem discriminação, isto é, o direito de ter acesso à inclusão é de todos, inclusive por aqueles que não apresentam algum tipo de transtorno ou dificuldade.
Em outras palavras, o que não apresenta nenhuma dificuldade, como o que apresenta dificuldades para aprender seja por qualquer razão, tem direito à inclusão, sem distinção de etnias e classes sociais.
A educação tem que ser vista de maneira ampla e é com esse olhar que as escolas têm que se programar para receber todos os discentes com inclusão, de maneira que qualquer dificuldade se apresente, ainda que decorrente de qualquer condição ou circunstância, venha ser acolhida e solucionada pela instituição de ensino. Evidente que no caso dos discentes que possuem alguma deficiência, a inclusão parece ser mais visível, mas isso não significa que os colegas considerados típicos não se beneficiem dela.
Nesse mesmo caminho especialista da área fala sobre o assunto em uma entrevista:
“(…) não só os possíveis "excluídos" se beneficiam da inclusão, mas todas as crianças. "Todos nós temos particularidades que devem ser compreendidas e respeitadas", ressalta. "E a criança que aprende desde cedo a lidar com as diferenças dos amiguinhos será certamente um adulto mais tolerante”.[19]
Vale mencionar que em 2013 foi feito uma pesquisa em que foi constatado que 77% das matrículas de alunos com deficiência foram realizadas em ensinos regulares,[20] o que se mostrou um grande passo. No entanto, o tema ainda é desafiador, pois há muitos discentes ainda que estão de fora. E sem contar que a pesquisa se deu em torno de matrículas de pessoas com deficiência, pois como já visto, a educação inclusiva não abrange apenas aquele que apresenta uma deficiência em sentido literal, mas também aqueles que demonstram ter uma dificuldade de aprendizagem decorrente de qualquer condição ou circunstância.
Não se pode negar o avanço, pois, de fato, houve uma conquista ao longo da história, contudo não se pode achar que o país caminha para uma construção melhor a cada dia, pois ainda há muitos problemas na educação, sobretudo, no que toca à inclusão, até porque inclusão, como já mencionado, não abarca apenas os discentes com deficiências, mas também aqueles que apresentam dificuldades múltiplas decorrente de qualquer condição.
Por fim, a finalidade da inclusão não é apenas incluir o discente que apresenta deficiência, mas também aquele que possui alguma dificuldade de aprendizagem, porque só assim que será possível construir uma sociedade menos seletiva e mais inclusiva.
3.2 DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA
O direito à educação abrange o direito à educação inclusiva, em apreço a não discriminação, que por sua vez é previsto em nossa Constituição além dos pactos e tratados internacionais que o Brasil é signatário.
Nessa perspectiva:
“(…) esse direito significa, primariamente, o direito de igual acesso à educação, que deve ser concedido a todos, especialmente para os níveis mais basilares do ensino. Assim, o conteúdo inicial (mínimo) do direito à educação é o de acesso ao conhecimento básico e capacitações, que devem ser oferecidas de forma regular e organizada”. (TAVARES,2013: p.732).
A Constituição Federal de 1988 estabelece que o foco do acesso à educação é de promover o pleno desenvolvimento da pessoa para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho. Atento a isso, é possível verificar que a Constituição não está tratando de qualquer educação, e sim de uma educação construída fundamentada nos ditames constitucionais que visa todos como destinatário.[21]
Portanto, o Estado deve articular realizações com promoção humanística, científica e tecnológica para alcançar a inclusão social na educação. Algumas dessas articulações são as políticas públicas educacionais.
Além do mais, o Brasil é signatário de Tratados e Pactos internacionais que prevê a garantia da educação para todos, como já demonstrado, merecendo a atenção o Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que foi aprovado pelo Brasil (Decreto Legislativo 226/1991 e promulgado pelo Decreto Presidencial n.591 em 1992) que em seu art. 13 reconhece “o direito de todas as pessoas à educação”, proclamando ainda que a educação deve visar o pleno desenvolvimento da personalidade e do senso da dignidade da pessoa humana e reforçar o respeito pelos direitos do homem e por suas liberdades fundamentais.
Tal tratado é equiparado à norma constitucional em razão da Emenda Constitucional de nº 45 que permitiu a incorporação de tratados internacionais de forma automática como normas constitucionais quando tratassem de direitos humanos.[22] No entanto, esse entendimento não é unânime na doutrina. Pois bem. Ainda que assim não se entenda, é unânime, inclusive entendimento do Supremo, que os pactos internacionais em que o Brasil é signatário terão status de normas supralegais.
Assim, o direito à educação inclusiva é um direito fundamental, pois não há de se falar em educação em pé de igualdade sem inclusão, sob pena de atuação do Estado positivamente.
Nesse sentido:
“Perante o direito à educação como direito fundamental ao Estado surge um dever de atuar positivamente, positivamente, seja i) criando condições normativas adequadas ao exercício desse direito (legislação), seja ii) na criação de condições reais, com estruturas, instituições e recursos humanos (as chamadas garantias institucionais relacionadas diretamente a direitos fundamentais). Para desincumbir-se satisfatoriamente desse dever, o Estado deve, portanto, intervir positivamente (afasta-se a ideia de subsidiariedade, típica do contexto econômico do Estado liberal)”. (TAVARES: 2013, p.735).
Em que pese o assentamento da doutrina, vale ressaltar que a Declaração de Salamanca manifesta de modo explícito que a rede de ensino regular deverá disponibilizar os recursos necessários ao atendimento dos alunos com necessidades educacionais especiais (NEE) ao passo que devem ser disponibilizados recursos para garantir a formação dos professores que atendem alunos com tais necessidades, para apoiar centros de recursos e para os professores de educação especial ou de apoio. Ainda no mesmo seguimento, a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) em seu Artigo 29 item 1.[23].
A justificação dessa proteção é, sem dúvidas, o reconhecimento que a educação é um dos pilares da cidadania, não podendo o Poder Público ser omisso ao tema, pois além de garantir a acessibilidade ao ensino também deve garantir a permanência dessas pessoas na escola, valorizando e capacitando os docentes, de forma a garantir o padrão mínimo na educação estabelecida pela Lei de Diretrizes e Base da Educação, permitindo ao discente atendimentos especiais caso necessite para o seu desenvolvimento escolar.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/96) estabelece o direito de todos à educação, sendo o dever do Estado e da família promove-la, conforme destaca o Art. 2º sobre os princípios da educação nacional. (LDB BRASIL:1996)[24]
Como salienta o dispositivo, a lei rege a educação para todos, sem exceção e com igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. Os principais documentos infraconstitucionais e internacionais, ligados aos direitos de pessoas que necessitam de atendimentos especiais para a promoção de sua inclusão na escola são: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996; a Declaração de Salamanca de 1994, nos quais são abordadas algumas peculiaridades referentes à educação inclusiva e o Pacto de Direitos Civis e Políticos.
Vale destacar que a LDB a partir do art. 58 determina o seu entendimento sobre educação especial, referindo-se para os discentes de portadores de necessidades especiais, senão vejamos:
“Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais. § 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial. § 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular. § 3º A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil. Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora; V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular. Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público. Parágrafo único. O Poder Público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo”[25]. (BRASIL:1996)
Apesar de a lei supracitada ter sido um grande passo para a educação no Brasil, os problemas começaram a crescer em razão da interpretação dada ao termo de necessidade especial.
Na verdade, essa discussão não havia nem de existir, uma vez que a Constituição não faz distinção, portanto, qualquer um que se apresentar com deficiência ou dificuldades múltiplas necessitando de um tratamento especializado, seja através da educação especial, seja por meio da educação inclusiva no âmbito escolar, terá direito ao tratamento.
Atualmente, essa divergência resta superada com o advento da nova Lei 13.146/2015 que além de conceituar a deficiência reforçou vários direitos, que já existiam, de forma ampla alcançando a toda rede de ensino regular fazendo algumas ressalvas às instituições privadas[26].
Para fins desse novo ditame legal, considera-se pessoa com deficiência aquela que apresenta impedimento de longo tempo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstar sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de circunstâncias com as demais pessoas. (BRASIL:2015)[27]
Essa lei trouxe um marco para a inclusão social na escola. Com base nela, aquele que tem dificuldade de aprendizagem, seja por problemas físicos, seja por problemas psiquiátricos, em decorrência de qualquer condição, possuem direito ao programa de inclusão dentro da escola.
Com efeito, as leis e resoluções que tratam de educação deverão ser aplicadas à luz da nova lei de inclusão do deficiente na escola, que por sua vez reforçou o que a Constituição e os tratados internacionais já previam.
Muitas escolas não cumpriam a missão da educação inclusiva ao argumento de falta de previsão expressa legal e de que quem deveria acolher pessoas com múltiplas deficiências era o Estado, já que este tem o dever de criar institutos especializados para atender os discentes com necessidades especiais.
Com isso, muitos pais começaram a buscar na porta do judiciário uma solução, em razão de recusas de matrículas, ou cobranças de taxas extras quando se conseguia a tão sonhada matrícula em uma rede regular de ensino (neste último caso, escola particular).
Todavia, era um argumento que se mostrava prejudicado para os especialistas, isso porque ainda que fosse dever do Estado criar institutos especializados para a educação especial, isso não poderia servir como argumento para recusar discentes especiais.
Toda escola tem o dever de se mostrar eficiente a receber qualquer aluno, e a recusa de matrícula, seja em rede de ensino público, seja em rede de ensino particular, é ilegal sendo um ato de discriminação.
Logo, com a nova roupagem legal, ficou mais evidente que é dever do ensino particular proporcionar a inclusão, assim como é dever do Estado, além de promover a educação especializada através de instituições paralelas, criar também ambientes equipados com ferramentas necessárias e docentes preparados no âmbito da própria escola de ensino público para que ocorra a inclusão na própria escola, isso porque o ambiente físico da escola, tanto para criança com deficiência física quanto para criança com deficiências múltiplas[28], tem de ser mais acolhedor[29], além de promover um projeto pedagógico capaz de oferecer atendimento educacional especializado paralelamente as aulas regulares, de preferência no mesmo local(…)[30].
Nesse prisma:
“As escolas precisarão de salas especiais para terapia física e ocupacional, equipadas com os materiais necessários usados para tratamento de deficiências e para o aperfeiçoamento da aprendizagem. Alem disso, as crianças e os jovens vulneráveis também precisam ser preparados e acompanhados no processo de inclusão pelo fato de entrarem, digamos, num universo diferente do deles”. (FIGUEIRA:2011,p.73)
Não está se alegando que a Educação Especial resta prejudicada, não é isso. O que está se está dizendo que em muitos casos a educação inclusiva para certas pessoas seria mais eficiente. Como também pode acontecer que para outro discente o atendimento especializado em instituições paralelas se apresente como uma alternativa melhor para seu desenvolvimento escolar.
A questão em debate é que o discente não pode ficar restrito a uma instituição especializada, pois, o Estado tem que se esforçar para dar a esse indivíduo o direito de escolha, ou seja, o direito de ser igual, ou o direito de ser diferente e ser tratado de forma igual.
Certo é que efetivar a educação inclusiva não será uma tarefa fácil no Brasil, mesmo com a nova lei. Por outro lado, a nova legislação é mais uma ferramenta para ajudar a quem busca inclusão, pois havendo descumprimento de seus dispositivos pelas redes regulares de ensino poderá o discente buscar meios judiciais para fazer valer o que está sedimentado na lei.
CONCLUSÃO
Nesse prisma, o propósito do presente trabalho consistiu em um exame constitucional sobre o reconhecimento da Educação Inclusiva como direito fundamental, direito este que deve ser garantido sob pena de sofrer controle judicial, pois, assim como qualquer direito fundamental pode ser judicializado quando lesado, o mesmo poderá ocorrer se houver qualquer discriminação por parte das redes de ensino em relação a qualquer discente.
É extremamente importante garantir essa prerrogativa constitucional, principalmente quanto ao seu campo de aplicabilidade, sobretudo, em seu aspecto objetivo, o que facilita, e muito, a garantia de qualquer indivíduo ter acesso a qualquer escola independentemente de sua dificuldade, afinal a Constituição garante a escola para todos.
Dessa forma, é possível concluir que além do direito ao acesso às instituições especializadas (Educação Especial), é direito do discente ter acesso a qualquer escola que se queira matricular, de maneira que toda rede de ensino regular tenha que se demonstrar capaz de alcançar a inclusão social independentemente da dificuldade de cada um.
Especialização em Processo Civil- Coord. Des. Alexandre Cmara pela Universidade Candido Mendes 2015. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Fluminense 2010. Tem experiência na área Criminal em que exerceu atividade extracurricular voluntária pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro 29 Vara Criminal Capital e em pesquisas científicas em Tutela Coletiva além de possuir uma vasta formação complementar sob um viés social e humanístico. Advogada e assistente de pesquisa autnoma
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