Resumo: O presente trabalho, sem a pretensão de esgotar o tema, compreende um estudo sobre o instituto da união estável, entre um homem e uma mulher, analisando os direitos patrimoniais e sucessórios dos companheiros à luz do princípio da isonomia. Com o advento da Constituição Federal de 1.988 a união estável foi elevada à condição de entidade familiar, posteriormente amparada pelo regime jurídico familiar e patrimonial das Leis 8.971/94 e 9.278/96, e disciplinada pelo Código Civil de 2002. Dessa forma, aos que convivem em união estável é garantido o direito sucessório, abordando-se neste trabalho a aplicabilidade do princípio da isonomia garantido constitucionalmente, bem como a dignidade da pessoa humana, não como um valor, mas sim como um fim em si mesmo.
Palavras- Chave: Companheiros. União Estável. Direito Sucessório. Isonomia. Dignidade da Pessoa Humana.
Abstract: This paper, without claiming to exhaust the subject, includes a study on the institution of a stable union between a man and a woman, analyzing property rights and inheritance of the companions to the principle of equality. With the advent of the Federal Constitution of 1988 the stable was elevated to the status of a family unit, subsequently supported by the legal regime of family and property Laws 8.971/94 and 9.278/96, and disciplined by the Civil Code of 2002. Thus, those who live in stable is the right of succession, approaching this work the applicability of the constitutionally guaranteed principle of equality and the dignity of human beings, not as a value but as an end in itself.
Keywords: Companions. Stable Union. Succession Law. Equality. Dignity of the Human Person.
Sumário: Introdução – 1. União estável – 1.1. Conceito de união estável – 1.2. Normas regulamentadoras – 1.3 Regras patrimoniais – 2. Direito sucessório – 2.1. Evolução do direito sucessório – 2.2. Direito sucessório do cônjuge – 2.3 Direito sucessório da companheira – 3. Princípio da isonomia – 3.1 Conceito – 3.2 Fundamentação legal – 3.3 Princípio do respeito da dignidade da pessoa humana – 3.4. Direito sucessório da companheira à luz da isonomia – Conclusão – Referências.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem por objetivo principal analisar o Direito Sucessório da Companheira em face do Princípio Constitucional da Isonomia, sob o enfoque da constitucionalidade ou não dada pela doutrina acerca do tratamento diferenciado entre o cônjuge e a companheira supérstite.
O objetivo geral é tecer uma pesquisa ao redor do Direito Sucessório e sua evolução no ordenamento jurídico brasileiro a partir de uma interpretação lógico-sistemática da Legislação, Doutrina e Jurisprudência.
O estudo foi desenvolvido com base no método dedutivo cujas técnicas utilizadas foram a Documentação Indireta, de modo que, na investigação foram realizadas pesquisa doutrinária e jurisprudencial pátria. O estudo também foi realizado pela internet, tendo em vista o enfoque de um tema contemporâneo e a importância da jurisprudência atualizada.
O primeiro capítulo denomina-se “União Estável”. Inicialmente se busca a apresentação do que é o instituto da união estável e sua fundamentação legal, ou seja, as normas que regulamentam esse instituto tão importante no direito de família e que, ao longo dos anos, sofreu tantas modificações. Assim, ao final deste capítulo, serão demonstrados os efeitos patrimoniais que o instituto traz economicamente aos companheiros, com o intuito de demonstrar os direitos que eles adquirem por serem contraentes deste relacionamento contínuo e duradouro.
Em segundo momento, denomina-se o próximo capítulo de “Direito Sucessório”. Nesse instante, tem-se por objetivo tecer um estudo sobre a evolução do Direito Sucessório no Brasil, tendo em vista todas as normas regulamentadoras que disciplinam as regras patrimoniais e da divisão de bens entre as relações de união estável e do casamento.
Em seguida, no terceiro capítulo denominado “Princípio da Isonomia” enfatiza-se inicialmente o conceito deste princípio e sua previsão constitucional. No decorrer do capítulo salienta-se que a igualdade se desdobra em outro princípio, que nada mais é do que o núcleo axiológico da Carta Magma, a dignidade da pessoa humana.
Ao final será demonstrado, com fulcro na jurisprudência pátria que o tratamento diferenciado dado a sucessão da companheira e a sucessão do cônjuge não fere o princípio garantido constitucionalmente da igualdade. Assim com a finalidade de verificar qual o entendimento jurisprudencial sobre o tema, colacionam-se alguns julgados dos Tribunais de Justiça dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, e, ainda, dos Tribunais Superiores (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça).
I. UNIÃO ESTÁVEL
A proteção adequada a união estável pressupõe compreender a disciplina jurídica do Direito de Família adotada pelo sistema constitucional e pela codificação civil, enquanto instituto reconhecido no ordenamento jurídico. Todavia, histórica é a realidade do estabelecimento de relações afetivas marcadas pela informalidade, pois antes de ser um fenômeno jurídico reconhecido pela Constituição Federal de 1988 é um acontecimento social. Assim, prima facie é de suma relevância identificar a acepção concernente à união estável.
1.1. CONCEITO DE UNIÃO ESTÁVEL
A união estável é o tema do momento no Direito de Família Brasileiro tendo em vista os novos costumes sociais do século XX e XXI. Todavia, assim como não define a maioria dos institutos que regulamenta, o Código Civil de 2002 também não traz um conceito de união estável, incumbindo assim à doutrina pátria. (BRASIL, 2002).
Definir o significado de união estável começa e termina em entendermos o que é família, pois se trata de um tema que está sujeito a várias modificações sociais e culturais. A Família passou a ser definida pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) como qualquer relação intima de afeto e amor, deixando o seu caráter, ultrapassado, de núcleo econômico e de afeto. (BRASIL, 2006).
Para Oliveira[1] “nasce a união estável da convivência, simples fato jurídico que evolui para a constituição de ato jurídico, em face dos direitos que brotam dessa relação”, ou seja, o que se exige para a caracterização do instituto é a efetiva convivência com as características de uma união familiar.
Traçando uma pesquisa pela legislação pátria observa-se que a lei 9.278/96 em seu art.1° prevê o reconhecimento da união estável: “É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família”. (BRASIL, 1996).
Posteriormente, o Código Civil, em seu art. 1.723, prevê: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. (BRASIL, 2002).
Todavia, alguns autores, por exemplo Silvio de Sávio Venosa, traçam as características que devem existir para que tal instituto se configure em uma união estável. Venosa[2] identifica cinco elementos constitutivos da União Estável a saber: a) estabilidade da união, como transcurso de razoável prazo; b) Continuidade da relação, complementar à estabilidade; c) diversidade de sexos, posto que necessário o intuito de gerar prole; d) a publicidade da convivência e; e) o objetivo de constituição de família.
Já o entendimento de Diniz[3] possui caráter um pouco mais abrangente para que se configure a união estável, sendo necessária a presença de elementos essenciais tais como: 1) diversidade de sexo; 2) ausência de matrimônio civil válido e de impedimento matrimonial entre os conviventes; 3) notoriedade das afeições recíprocas, afirmando não se ter união estável se os encontros forem furtivos ou secretos, embora haja prática reiterada de relações sexuais; 4) honorabilidade, reclamando uma união respeitável entre os parceiros; 5) fidelidade entre os parceiros, que revela a intenção de vida em comum; 6) coabitação, uma vez que o concubinato deve ter a aparência de casamento e 7) participação da mulher no sustento do lar como administradora e também provedora.
Não se pode confundir o casamento, concubinato e união estável, pois se tratam de institutos diversos um do outro. Antes do Código Civil de 2002 entrar em vigor, existiam o concubinato puro e o concubinato impuro e, com novo Código Civil, essa classificação foi alterada.
Scalquette[4] disserta que
“Concubinato puro era o nome dado às uniões entre pessoas desimpedidas e o concubinato impuro era dado àquelas uniões em que havia algum impedimento. Atualmente, já com a nova legislação civil, a nomenclatura foi alterada. Por força do art. 1.727 do Código Civil, as relações não eventuais entre homem e mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.”
Com as considerações da autora nota-se que temos apenas duas possibilidades: a união estável que só é constituída por pessoas desimpedidas e o concubinato, que por alguma razão estão impedidas de constituir uma entidade familiar válida.
Dessa forma, resumidamente, com o estudo da doutrina pátria se tece o seguinte parecer: união estável nada mais é do uma união entre homem e mulher (se for união entre pessoas do mesmo sexo chama-se união homoativa) com o intuito de constituir família, através da união pública, contínua e duradoura, diferente do casamento e também do concubinato, conforme vimos anteriormente. E, é exatamente sobre essa diferenciação, entre união estável e casamento, que trataremos o presente trabalho visto que não fere o princípio, garantido constitucionalmente, da isonomia.
Contudo, cabe destacar que, o Supremo Tribunal Federal, em 05 de maio de 2011 declarou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, configurando interpretação conforme a Constituição Federal ao art. 1.723 do Código Civil de 2002, a fim de declarar a aplicabilidade do regime de união estável às uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Durante muito tempo o legislador viu no casamento a única forma de constituição de família, negando efeitos jurídicos a união livre, mais ou menos estável, traduzindo essa posição no nosso Código Civil do século passado (Código Civil de 1916, cuja autoria do projeto foi de Clóvis Beviláqua). Até 1977 não existia o instituto do divórcio e as uniões surgidas sem o selo do matrimônio eram identificadas com o nome de concubinato, conforme visto sua diferença no item anterior.
Todavia com a evolução dos costumes, presentes na sociedade, as uniões extramatrimoniais ganharam força no ordenamento jurídico, levando a Constituição a dar nova dimensão da concepção de família. Assim, passou a proteger novas formas de entidades familiares como a união estável e, com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277, reconhecendo a união homoafetiva.
A união estável foi reconhecida pela primeira vez através da Carta Magna de 1988. O Legislador constituinte previu no art. 226, §3°: “Para efeito da protecao do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversao em casamento”.
Posteriormente, com o advento da Lei do Companheiros – Lei 8.971, de 29 de dezembro de 1994 –, se reconheceu aos companheiros o direito a alimentos (art. 1°) e o direito sucessório (art. 2°), inclusive com a possibilidade de reserva de usufruto de parte dos bens. [5]
A Lei 9.278, de 10 de maio de 1996 – Lei dos Conviventes –, nasceu também para disciplinar a união estável em importantes aspectos como: o direito de partilhar os bens adquiridos onerosamente durante a uniao e o direito real de habitação concedido em caso de dissolução da união por morte, relativo ao imóvel destinado a resid~encia da família, enquanto o sobrevivente viver ou não constituir nova união ou casamento. Dessa forma, a Lei dos Conviventes trouxe a presunção dos esforços em comum.
Em 2002, o Código Civil Brasileiro, adequadamente optou em reconhecer a uniao estável como entidade familiar o que ora é demonstrado entre seus artigos 1.723 e 1.727.
Assim como na Lei 9.278/96, optou o codificador por não definir previamente o lapso temporal mínimo necessário à caracterização do instituto, deixando tal tarefa para a jurisprudência, no exame dos casos concretos, e ante a presença dos demais pressupostos, o que (reconhecida, é certo, a controvérsia que gira em torno do tema) parece mais adequado, ante a rica variedade de relacionamentos que são postos à apreciação dos Tribunais.[6]
Em 1964 a Súmula n° 377 do Supremo Tribunal Federal determinou que “ no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Todavia, conforme demonstrado anteriormente, a aplicabilidade da mesma nas relações familiares de união estável não parece encontrar óbice no Código Civil, se impossibilitando de deixar de ser aplicada por analogia, entre os institutos do casamento e da própria união estável.
A união estável constitucionalmente prevista como uma das formas de entidade familiar, presente no Direito de Família, também possui seus efeitos patrimoniais. Esses efeitos consistem nas consequências que o instituto traz economicamente aos companheiros, os direitos que eles adquirem por serem contraentes deste relacionamento. Todavia, os efeitos patrimoniais decorrentes da união estável podem ser de várias espécies, como, os alimentos, o patrimônio comum dos conviventes, o regime de bens, os direitos sucessórios, a administração dos bens, entre outros.
1.3.1. Direito de alimentos
Em relação aos alimentos, os conviventes passaram a ter o direito de exigí-los um do outro, com o término da união estável, se deles necessitarem.
Nos termos do arts. 1.º, parágrafo único, da lei n.º 8.971/94
“Art. 1°, […] A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade.
Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva.” (BRASIL, 1994).
Ainda, conforme 7.º, caput, da lei n.º 9.278/96 “Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos”.
O diploma civil também prevê em seu art. 1.695 “São devidos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria manutenção, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”. (BRASIL, 2002).
O pressuposto da concessão de alimentos a (ao) companheira (o) parte do binômio necessidade e possibilidade de quem concede esse direito somado ao limitador da constituição de nova união pelos ex-companheiros, matrimonial ou estável.
Nesse ponto, entendemos que o fenômeno da equiparação foi vivenciado. Essa equiparação surge em sentido diferente do consagrado no diploma de 1916, onde apenas a esposa – pela interpretação emprestada ao artigo 400 e a delimitação do casamento como único instituidor da família – poderia pleitear alimentos. Na verdade, o legislador não criara limitação a que o homem também pleiteasse alimentos, mas razões culturais acabavam por apontar neste sentido. [7]
Os Tribunais Superiores, de acordo com a legislação pátria e com o postulado binômio necessidade/possibilidade, têm entendido pela procedência do pedido de alimentos
“Ementa: CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. ALIMENTOS. UNIÃO ESTÁVEL POR MAIS DE CINCO ANOS. PRETENSÃO DE RECEBIMENTO DE PENSÃO PELA EX-COMPANHEIRA, GRADUADA. MERCADO DE TRABALHO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE NECESSIDADE. GASTOS DESNECESSÁRIOS. ANÁLISE DOS FATOS. SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.” (STJ – Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo. nº 808.069/RJ, 4 Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 05.03.2007)[8]
“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL NÃO ADMITIDO. ALIMENTOS. UNIÃO ESTÁVEL. Esclareceu o Tribunal que a relação estável entre as partes, durante mais de 20 (vinte) anos e da qual resultaram três filhos, restou fartamente comprovada, tendo o vínculo afetivo terminado em 1995. Para casos como o presente, o entendimento da Corte consolidou-se quanto ao cabimento da pensão alimentícia, mesmo que fosse rompida a convivência antes da Lei nº 8.971/94.2. A circunstância de ser o recorrente casado não altera esse entendimento, pois, além de estar separado de fato, as provas dos autos evidenciam, de forma irrefutável, a existência de união estável, a dependência econômica da agravada e a conseqüente obrigação de prestar alimentos. Agravo regimental desprovido.” (STJ – Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo. nº 598.588/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 03.10.2005)[9]
“Ementa: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – UNIÃO ESTÁVEL DISSOLVIDA ANTES DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E DA EDIÇÃO DAS LEIS 8.971/94 – AÇÃO DE ALIMENTOS JULGADA EXTINTA – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL COMPROVADO. – Conforme torrencial jurisprudência desta Corte, a união estável pode ensejar a obrigação de prestar alimentos ao companheiro que necessite, ainda que o vínculo tenha se desfeito em momento anterior à edição da lei que a estabelece. – Precedentes.- Recurso conhecido e provido para determinar, afastada a carência da ação, que o pedido de alimentos seja examinado pelo magistrado de primeiro grau.” ( STJ – Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 279.250/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 06.12.2004)[10]
“Ementa: DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO ANTERIORMENTE AO ADVENTO DA LEI Nº 8.971/94. ALIMENTOS. CABIMENTO. A união estável entre homem e mulher, independentemente docasamento, pode determinar a estipulação de alimentos ao companheiro necessitado, ainda que o rompimento desse vínculo tenha ocorrido anteriormente à vigência da Lei nº 8.971/94, que regulamentou o artigo 226, § 3º, da Constituição Federal.Recurso especial conhecido e provido.” (STJ – Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 605.205/BA, 3ª Turma , Rel. Min. Castro Filho, DJ 20.09.2004)[11]
Entretanto, sem prejuízo da legislação em vigor, o direito a alimentos deveria como de fato é concedido, pelo simples motivo da união estável constar como entidade familiar na Constituição Federal de 1.988.
1.3.2. Patrimônio Comum e meação.
No que tange ao patrimônio comum, o art. 5.º, da Lei n.º 9.278/96, prescreve que
“Art. 5°. Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.
§ 1º Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união.” (BRASIL, 1996).
Isto porque, presume-se que tais bens foram adquiridos pelo fruto do trabalho e da colaboração comum dos companheiros, conforme também pressupõe a Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal. Vale ressaltar que essa aquisição diz respeito somente aos bens adquiridos em caráter oneroso, excluindo-se, portanto, desse rol os bens provenientes de doação ou herança.
Maria Berenice Dias ensina que a companheira sobrevivente tem direito a metade dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável. Dessa forma, a outra metade, juntamente com os bens particulares do falecido e os recebidos por doação o herança, tudo isso é chamado por ela de acervo hereditário:
“Quando do falecimento de um deles, o outro tem direito à meação dos bens comuns, chamados de aquestos. Ainda que a meação não integre o acervo hereditário, necessariamente acaba arrolada no inventário, pois a separação dos bens do parceiro sobrevivente ocorre quando da partilha (CPC 1023 II). Quando se pensa na divisão da herança, é necessário antes excluir a meação do companheiro sobrevivente, que se constitui da metade dos bens adquiridos onerosamente no período de convivência. A outra metade é o acervo hereditário, integrado pela meação do falecido, seus bens particulares e os recebidos por doação ou herança. Aos herdeiros necessários é reservada a legítima, que corresponde à metade deste patrimônio. A outra metade é a parte disponível que seu titular pode dispor por meio de testamento. Como o companheiro não é herdeiro necessário – por injustificadamente não ter sido inserido na ordem de vocação hereditária-, não tem direito à legítima.”[12]
Assim, se durante a vigência da união estável houve a aquisição onerosa de bens, preciso assegurar a ex-companheira o direito à metade do patrimônio adquirido durante a sua vigência.
Em que pese a existência de contrato de convivência dispondo a não participação de um dos companheiros na meação dos bens adquiridos por ambos, o que foi prejudicado, caso comprove a sua participação para aquisição desses bens, terá direito à meação. Tal fato se deve à relatividade do esforço comum dos contraentes de união estável. [13]
Os artigos 1.659 e 1.660 do Código Civil trazem os bens que participarão da meação seguindo o regime da comunhão parcial de bens:
“Art. 1660. […] I- os bens adquiridos na constância da união por título oneroso, ainda que só em nome de um dos companheiros; II- os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; III- os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os companheiros; IV- as benfeitorias em bens particulares de cada companheiro; V- os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada companheiro, percebidos na constância da união, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão. (BRASIL, 2002).
Dessa forma, se observa a exclusão dos bens particulares, adquiridos antes de constituir a união estável inclusive os bens objetos de doação e herança, da meação. Assim, a administração desses bens será realizada individualmente pelo seu proprietário.”
1.3.3. Regime Patrimonial
O regime de bens da união estável muito se assemelha ao casamento, dentre os regimes de bens existentes, que rege sob o regime da comunhão parcial de bens. Não obstante, a própria lei dos conviventes – Lei 9278/96, admite a estipulação em contrário dos bens diante da existência de um contrato escrito, dispondo de maneira diversa, nos termos do art. 5.º, caput, e § 2.º.
Ainda, por previsão expressa do art. 1.725 do Código Civil, na união estável e salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais o regime de comunhão parcial de bens, no que couber. Todavia, em contrato escrito as regras podem ser pré-estabelecidas.
Scalquette[14] disserta que
“Se as regras convencionadas forem semelhantes às do regime da separação de bens, tanto os bens adquiridos antes como os obtidos durante a união estável não se comunicarão, não sendo divididos em caso de rompimento da união. Se a escolha for pela participação final dos aquestos, ao final do relacionamento, apura-se o montante dos bens adquiridos onerosamente durante a união e procede-se à divisão. No entanto, não será possível a escolha das disposições previstas para o regime da comunhão universal de bens, em que todos os adquiridos antes e durante a união, bem como os recebidos por herança e doação se comunicariam, pertencendo aos dois companheiros.”
Oliveira[15], também nos ensina que
“Quanto a bens anteriores ao início da convivência, impossível que se comuniquem ao início da convivência, impossível que se comuniquem de um companheiro ao outro por mero contrato escrito. A tanto não vai a eficácia desse ato, por não equivaler ao pacto antenupcial da comunhão geral de bens dos casados. Se desejada a comunhão nesses, preciso será que os companheiros celebrem o ajuste adequado, mediante instrumento de doação, com as formalidade e requisitos próprios do ato (escritura pública em se tratando de imóveis).”
Em resumo, caso os companheiros desejem discriminar as regras patrimoniais vigentes na união estável poderão realizar por via de contrato escrito de acordo com o regime de bens. Todavia essa regra não poderá ser aplicada ao regime da comunhão universal de bens, tendo em vista a impossibilidade dos bens particulares se comunicarem. Assim, é vedado inserir cláusula que viole dispositivo expresso em lei.
1.3.4 Direitos Sucessórios
O Direito Sucessório presente na união estável é o tema de suma relevância para a
presente defesa, tendo em vista o ponto chave desse trabalho monográfico ser a sucessão da companheira no novo Código Civil à luz do princípio constitucional da isonomia.
Como decorrência lógica, também na união estável, é reconhecido os direitos sucessórios dos conviventes, consistentes em: direito real limitado sobre a coisa alheia, sob a forma de direito ao usufruto (art. 2º, I e II, da lei nº 8.971/94); direito real de habitação (art. 7º, parágrafo único, da lei nº 9.278/96); direito a sucessão dos bens, convocado na condição de herdeiro (art. 2º, III, da lei nº 8.971/94); direito à meação (art. 3º, da lei nº 8.971/94).
Todavia, se reservou um capítulo (Item 2) destinado ao estudo detalhado e específico do tema em foco.
1.3.5 Administração dos Bens
Como se observa, os bens onerosos constituídos no bojo da união estável serão divididos e administrados em comum pelos companheiros. O patrimônio comum dos conviventes será, necessariamente, administrado por ambos, em igualdade de direitos e deveres, como numa sociedade civil, sendo, contudo, vedado a prática de atos que impliquem em diminuição do patrimônio comum, quando será necessário a outorga do outro convivente, ex.vi. desejar vender.
Em julgado recente do Tribunal de Justiça do Paraná se entendeu pela partilha de bens comuns na constância da união estável, bem como sua administração pelos companheiros:
“Ementa: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA DE BENS – SENTENÇA QUE ESTABELECE A PARTILHA CONFORME ACORDO SUPOSTAMENTE FIRMADO ENTRE AS PARTES – INEXISTÊNCIA DE PROVAS ACERCA DO ACORDO DE PARTILHA ALEGADO PELA APELADA – DIVERGÊNCIA QUANTO AO DIREITO DE PARTILHA SOBRE OS BENS IMÓVEIS QUE COMPÕE O PATRIMÔNIO COMUM – PROVAS QUANTO A POSSE E ADMINISTRAÇÃO DOS BENS IMÓVEIS EXERCIDAS EXCLUSIVAMENTE PELA COMPANHEIRA APÓS A DISSOLUÇÃO FÁTICA DA UNIÃO ESTÁVEL – PARTILHA CONFORME O REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS – EXEGESE DO ARTIGO 1.725 DO CÓDIGO CIVIL – DIVISÃO IGUALITÁRIA ENTRE AS PARTES DOS BENS IMÓVEIS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJPR – Tribunal de Justiçado Paraná. Apelação Cível nº 7833269/PR, 12ª Câmara Cível, Rel. Clayton Camargo, Data do Julgamento 15.06.2011.)[16]
Todavia, em julgamento recente da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou o direito de partilha dos bens à companheira de um homem que iniciou o relacionamento com mais de 60 anos de idade. Assim, para melhor ilustrar o caso:
“Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. VARÃO SEXAGENÁRIO AO TEMPO DO INÍCIO DO RELACIONAMENTO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 377 DO STF. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DESSE ENUNCIADO. PARTILHA MEDIANTE PROVA DE CONTRIBUIÇÃO DOS BENS HAVIDOS NA VIGÊNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. 1. Não há vício material na norma do inciso II do art. 1.641 do CCB, uma vez que a própria Constituição Federal – e, destacadamente, a Lei nº 10.741/03 – estabelece necessidade de proteção especial e diferenciada às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos- em consonância com o intuito da regra do Código Civil (na redação anterior à atual, que torna obrigatório o regime de separação de bens somente a partir dos 70 anos). 2. Aplica-se às uniões estáveis a regra de separação obrigatória/legal de bens, sob pena de tratamento privilegiado dessa entidade familiar. Precedente do STJ. 3. Incidente, também, por decorrência, a Súmula nº 377 do STF, em sua interpretação restritiva, que exige prova de contribuição, aos moldes de uma sociedade de fato. Entender em sentido diverso significa descaracterizar o próprio regime de separação de bens, porquanto, ao fim e ao cabo, a presunção de contribuição seria uma forma de burlar a regra, transformando esse regime em uma verdadeira comunhão parcial. 4. Não há nos autos mínima comprovação de que a autora tenha efetivamente contribuído na aquisição dos bens que pretende partilhar, o que leva à improcedência do pleito. POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO”. (TJRS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70043554161, Oitava Câmara Cível, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 04/08/2011.)[17]
Em sua fundamentação, o Desembargador-relator Luiz Felipe Brasil Santos afirma que a lei reconhece nas pessoas desta idade, 60 anos ou mais, a necessidade de proteção especial e diferenciada (Constituição Federal e Lei nº 10.741/03, Estatuto do Idoso) – em consonância, ao fim e ao cabo, com o intuito da regra do Código Civil (art. 1641). O magistrado também informou que nenhuma prova documental comprovou a participação da autora na aquisição dos bens do casal.
II DIREITO SUCESSÓRIO
A disparidade de tratamento entre cônjuge e companheira é uma questão histórica enfrentada pelo Direito Civil brasileiro. Com a modificação do conceito de família e a conquista de maior espaço pelo cônjuge em relação ao Direito Sucessório, algumas injustiças ainda permanecem no que diz respeito aos direitos a título de sucessão causa mortis, nas relações derivadas de uniões estáveis e do casamento.
Com a abertura promovida pelo reconhecimento constitucional da união estável como entidade familiar, coube à lei especial determinar sua regulamentação e seus limites.
A primeira lei a regulamentar o assunto foi promulgada somente em 1994, após mais de seis anos contados da entrada em vigor da nova Constituição. Essa regulamentação, mesmo que tardia, previu já alguns direitos decorrentes da união estável, dentre eles, o direito sucessório.
2.1 EVOLUÇÃO DO DIREITO SUCESSÓRIO
Sem entrar na controvérsia de quando começa a vida, o certo é que ninguém quer que ela acabe com a morte. O desejo de transcender para além da existência corpórea encontra respostas nas religiões que, invariavelmente, prometem a continuação da vida em dimensões outras. A ideia de perenidade da vida está muito ligada à questão sucessória, que se afirma como complemento natural à perpetuação da família. A continuidade da vida implica logicamente continuidade no gozo dos bens necessários à existência e ao desenvolvimento do indivíduo. É a mesma cadeia ininterrupta que une as gerações e constitui o nexo sucessório civil.[18]
Mesmo depois da morte, ninguém pode deixar desprotegidas as pessoas para quem tinha obrigações de sustento e assistência.
Dessa forma, o direito sucessório tem origem remota, desde que o homem deixou de ser nômade e passou a amealhar patrimônio. A sociedade estruturou-se em famílias, fazendo surgir a propriedade privada, em que cada núcleo familiar possuíam seus bens. Todavia, a ideia de sucessão surgiu após consolidar a formação da família.
Para Dias, a pedra de toque do direito sucessório é o chamado princípio de saisine, que teve origem na França, como oposição ao regime que vigorava à época do feudalismo. Com o falecimento do servo, o senhor feudal assumia o direito à herança e o herdeiro só a recuperava mediante o pagamento de pesados impostos. Daí a transmissão automática do patrimônio aos herdeiros, ficção para driblar a tributação.[19]
Pelo princípio de saisine, a lei considera que no momento da morte, o autor da herança transmite seu patrimônio, de forma íntegra, a seus herdeiros. Ora, o direito atual suprimiu da regra a expressão "o domínio e a posse da herança", passando a prever a transferência pura e simples da herança. Porém, tal supressão não representa diminuição do alcance desse princípio, ou seja, o objeto da transmissão continua sendo a herança, compreendendo todos os direitos que não se extinguem com a morte, sendo dela integrantes bens móveis e imóveis, débitos e créditos.
Arcaicamente, no Brasil, o Código Civil de 1916 reconhecia a família exclusivamente como àquela constituída através do casamento indissolúvel, pois, naquele momento, ainda não havia o instituto do divórcio, que, todavia, veio à tona somente em 1977 com a Lei 6.515, sancionada pelo Presidente Ernesto Geisel, em plena ditadura militar.
Pelo CC de 1916 os herdeiros necessários, também chamados obrigatórios, legitimários, reservatários, eram, apenas, os descendentes e os ascendentes. Cônjuge e colaterais eram herdeiros legítimos, mas não necessários, tanto assim que o art. 1.725 do aludido Código previa: “Para excluir da sucessão o cônjuge ou os parentes colaterais, basta que o testador disponha do seu patrimônio, sem os contemplar”. (BRASIL, 1916).
Veloso traça uma resumida linha no que tange ao histórico do direito sucessório do cônjuge:
“Na forma do art.1611, caput, do Código Civil de 1916, ocupava o cônjuge a terceira classe dos sucessíveis: seria chamado à sucessão do falecido se este não deixou descendentes ou ascendentes, e se, ao tempo da abertura da sucessão, não estava dissolvida a sociedade conjugal, isto é, se o casal não estava separado judicialmente ou divorciado. Para melhorar a situação do cônjuge sobrevivente (especialmente a das mulheres, das viúvas, que, tendencialmente, há mais viúvas que viúvos), a Lei nº 4.121, de 27.8.1962 (Estatuto da Mulher Casada), introduziu dois parágrafos no citado art. 1.611. O § 1º editava que o cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, teria direito, enquanto durasse a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houvesse filhos, deste ou do casal, e à metade, se não houvesse filhos embora sobrevivessem ascendentes (pais, avós, bisavós, etc.) do de cujus. Entretanto, considerando que o usufruto vidual tinha um caráter assistencial e protetivo, objetivando evitar, principalmente, que o cônjuge supérstite ficasse desamparado, não ocorrendo necessidade da utilização deste usufruto, se tivesse havido comunicação de bens no casamento, ainda que o regime não fosse o da comunhão universal, os tribunais deram uma interpretação construtiva ao § 1º do art. 1.611, afastando-se da expressão literal do preceito, estabelecendo que, embora o casamento se tenha realizado sob outro regime, diverso do da comunhão universal, o cônjuge sobrevivente não teria direito ao favor legal se, por alguma razão, houvesse comunicação de bens na constância do casamento (comunicação de aqüestos). Houve precedentes, neste sentido, restringindo o alcance do benefício legal, tanto no STF (RTJ, 110/808) quanto no STJ (RSTJ, 64/210). Firmou-se o entendimento, também, de que o cônjuge sobrevivente não teria direito ao usufruto vidual, mesmo tendo sido casado sob o regime da separação de bens, se foi contemplado no testamento do falecido com bens em quantia igual ou superior àqueles sobre os quais recairia o usufruto (RT, 713/219).”[20]
Todavia, mesmo que os integrantes da união fossem solteiros ou separados, e ainda que tivessem filhos, o concubinato não era reconhecido como família e, por esse motivo, o parceiro sobrevivente não fazia jus a direitos sucessórios.
Assim, no que tange ao direito sucessório da companheira, se podem citar alguns exemplos do caso em baila: nula a doação feita pelo cônjuge adúltero ao seu cúmplice (art. 1.177, CC/1916); impedimento para beneficiário de seguro de vida (art. 1.474, CC/1916); concubina do testador não podia ser contemplada em testamento (art. 1.719, III, CC/1916). Nota-se que esses fatos ocorreram antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, quando ainda se falava em concubinato e a reação social era no sentido de recriminação.
Porém, a jurisprudência foi, aos poucos e com base na lei 6.858/80, garantindo à convivente sobrevivente o direito sucessório sobre os bens de origem previdenciária, bem como sobre os bens de pequeno valor não recebidos em vida pelos respectivos titulares.
Com a atual Constituição Federal em vigor, legitimou-se uma verdadeira revolução de costumes em que, as uniões de fato, passaram a ser cada vez menos recriminadas, para serem, uma constante, da qual muitas vezes, nem se pergunta a origem da relação entre os membros da família. Já era tempo de defender uma ampla igualdade de direitos e deveres entre os conviventes relativamente aos direitos e deveres exigidos dos membros de um casal unido pelo matrimônio.
Mas, ainda assim, no campo do direito sucessório, essa igualdade não se operou totalmente, chegou muito próximo disso, como por exemplo, o fato de o convivente adquirir não só direito à meação dos bens comuns para os quais tenha contribuído para a aquisição de forma direta ou indireta, ainda que em nome exclusivo do falecido, como também adquiriu direito a um usufruto. Isso sem se falar na colocação da companheira na terceira ordem de vocação hereditária logo após os descendentes e os ascendentes, tudo isto por força da lei 8.971, de 29.12.1994.
2.2 DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE
Para que a companheira receba sozinho a herança do de cujus, não poderá existir nenhum parente sucessível, ou seja, nenhum colateral, até quarto grau. Diferentemente acontece com o cônjuge sobrevivente, que, por disposição do art. 1.829, III, do Código Civil, recebe sozinho a herança, não havendo descendentes nem ascendentes, antes de qualquer colateral.
A sucessão do cônjuge sofreu profunda modificação no novo Código Civil. A primeira alteração importante foi a colocação do cônjuge como herdeiro também nas duas primeiras classes preferenciais, em concorrência, portanto, com os descendentes e os ascendentes. É, com efeito, o que dispõe o art. 1.829:
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais.” (BRASIL, 2002).
Tal disposição substitui o usufruto vidual, e com grandes vantagens, pois agora o cônjuge tem não apenas o usufruto, mas direito a parte da herança. Mas tal inovação só se aplica às sucessões abertas após a vigência do novo Código, ou seja, se o de cujus falecer após 11 de janeiro de 2003.
Pela nova disposição legal, o cônjuge herda juntamente com os descendentes, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens, ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares. Ou seja, herda o cônjuge se for casado com regime de separação total de bens, participação final nos aqüestos ou, não havendo bens particulares, comunhão parcial de bens.[21]
O pressuposto da lei para a limitação quanto ao regime é de que, havendo comunhão universal, não tem o cônjuge necessidade de concorrer à sucessão com os descendentes. Esqueceu-se o legislador, contudo, de que também no regime de participação final nos aqüestos pode haver comunhão ilimitada.
Nos termos do art. 1.832, do Código Civil de 2002, caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer. Então, se houver mais de quatro descendentes concorrendo por cabeça, não haverá igualdade de quinhões. O cônjuge herdará uma quarta parte, sendo as três restantes divididas por cabeça entre os descendentes. Note-se que isto só ocorrerá se o cônjuge for ascendente de todos os herdeiros com que concorrer. Havendo herdeiros não descendentes seus (ainda que em concorrência com outros descendentes), sua cota será sempre igual à deles. (BRASIL, 2002).
Em segundo lugar, herdam os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente. Porém, a lei não faz distinção quanto ao regime de bens do casamento; em qualquer regime o cônjuge tem direito à concorrência na sucessão. Nos termos do art. 1.837, concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; mas lhe caberá a metade da herança se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.
Todavia, na falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente (art. 1.838, CC/02), como já se dava no sistema passado. Nesse caso ele será o herdeiro necessário, único e universal, desde que preenchidos os requisitos legais gerais previstos no art. 1.830, que dispõe:
“Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.”
O dispositivo é, por sinal, uma inovação inadequada, tendo em vista que a separação de fato não extingue a sociedade conjugal, não devendo ser causa de extinção dos direitos conjugais. Mas pode o cônjuge provar que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente, cabendo ao mesmo o ônus da prova da ausência de culpa.
Diante disto, como alerta Santos, surge uma regra de difícil harmonização com o direito sucessório da companheira que simultaneamente venha a concorrer com cônjuge nestas condições. Como por exemplo, o de cujus após a separação de fato constituiu uma união estável com a realização de um contrato escrito ou reconhecida judicialmente, só que aquele era casado e a separação de fato foi inferior a um ano ou decorreu por culpa deste, sendo certo que como o art. 1723, §1º. do CC não faz exigência temporal da separação de fato para o reconhecimento da união estável, esta é regular. [22]
Destarte, nesta situação, o Novo Código Civil não estipulou qualquer regra a fim de disciplinar tal hipótese, e, por esta razão, para conferir uma solução a esta lacuna e valendo-se, dos artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil e aos princípios que norteiam a entidade familiar, há de se adotar como ponto divisor para se aplicar as regras de sucessão ao cônjuge e as ao convivente o início da união estável. Em outras palavras, as regras de sucessão pertinentes ao cônjuge incidirão nos bens adquiridos até o início da união estável e as pertinentes ao convivente durante o período da união estável. E, ao aplicar tal ponto divisor, resguarda-se com prudência e bom senso as entidades familiares, evitando-se conflitos e injustiças.
Cabe, ainda, referir uma outra alteração importante no tocante à sucessão do cônjuge, o que no Código Civil de 1916 não existia: passa ele a ser considerado herdeiro necessário (art. 1.845, CC/02). Assim, aos herdeiros necessários pertence a metade dos bens da herança de pleno direito, ou seja, a legítima. Esta, por sua vez, é a parte do patrimônio que, sob pena de redução (art. 1.966 a 1.968, CC/02) não pode ser objeto de disposição testamentária, por pertencer aos herdeiros necessários.
Desse modo, à luz do princípio da intangibilidade da reserva,[23] é garantido aos herdeiros necessários a metade dos bens da herança, salvo se tiverem sido dela privados (deserdados), em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão (art. 1.961, CC/02).
Isto significa dizer que o cônjuge não pode mais ser afastado da sucessão por mero capricho do de cujus, simplesmente testando em favor de terceiro. Somente por meio da deserdação poderá o testador afastar seu cônjuge da sucessão.
Porém, é importante enfatizar aqui, um defeito do novo Código nesse campo: embora o cônjuge passe a ser herdeiro necessário, não cuida o novo diploma da sua deserdação. Com efeito, embora o art. 1.961 preveja a deserdação dos herdeiros necessários, incluindo o cônjuge e os dois artigos seguintes tratem, respectivamente, das causas de deserdação dos descendentes por seus ascendentes e dos ascendentes por seus descendentes, não há no novo Código dispositivo que preveja as causas de deserdação do cônjuge.
Dessa forma, nota-se que o art. 1.963, CC/02, dispôs apenas da deserdação dos ascendentes pelos descendentes, não mencionando nada a respeito do cônjuge, que também é herdeiro necessários, mas aos demais não se equipara.
Para Carvalho Neto e Fugie, não há possibilidade de aplicação da analogia em matéria restritiva de direito e, assim, a omissão da lei fica sem qualquer possibilidade de solução, até porque as hipóteses de deserdação tratadas na lei não seriam aplicáveis aos cônjuges. Assim, até que se supra tal omissão, o cônjuge, embora herdeiro necessário, não pode ser deserdado.[24]
2.3 DIREITO SUCESSÓRIO DA COMPANHEIRA
O Art. 2° da Lei n. 8971/94 dispõe que:
“Art. 2°. As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do companheiro nas seguintes condições: I – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto da quarta parte dos bens do de cujus se houver filhos deste ou comuns; II – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; III – na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança. (BRASIL, 1994).”
Foi estabelecida, dessa forma, em termos de preferência na ordem de vocação hereditária, prevista pelo antigo Código Civil, em seu art.1.603, a mesma colocação para a companheira sobrevivente, em relação ao cônjuge supérstite.
Nota-se que o dispositivo do art. 7°, parágrafo único, da lei 9.278/96 previu: “dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver e não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família”. (BRASIL, 1996).
Com o advento do novo Código Civil, não foi isso que se colocou em prática. Houve, assim, um grande desprestígio em relação à união estável, das próprias leis 8.971/94 e da 9.278/96.
Desse modo, se observa que o Código Civil atual retrocedeu ao não prever o direito real de habitação. Por isso, em conformidade com as regras constitucionais, esse dispositivo do art. 7°, parágrafo único, ainda poderá ser aplicado, ficando claro que o mesmo não foi revogado.
Atualmente, o art. 1790 é que prevê possibilidade da companheira participar da sucessão. Dessa forma, dispõe que:
“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei foi atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.” (BRASIL, 2002).
No que diz respeito à sucessão do convivente, em concorrência com os herdeiros de primeira vocação, isto é, os descendentes, observa-se que o legislador civil atual pretendeu, efetivamente, dar distinto tratamento a essa sucessão concorrente, aplicando distintas imposições matemáticas se os descendentes fossem filhos do convivente supérstite e do convivente falecido, ou se, por outro lado, fossem descendentes exclusivos do autor da herança, fazendo-o herdar a mesma porção deferida aos filhos comuns e metade da porção cabível aos descendentes exclusivos do de cujus.
No que se refere à concorrência da companheira com filhos comuns e filhos só do falecido, a chamada concorrência com filiação híbrida, seria impossível admitir que a companheira herdasse quota igual ao filho comum e quota equivalente à metade do que foi atribuído ao filho só do falecido, sem que se desigualasse um filho do outro, o que, indubitavelmente, seria inconstitucional. Por isso, não há, na nova Lei Civil, uma disposição que regulamente esta situação híbrida quanto à condição dos filhos do falecido (comuns e exclusivos), com os quais deva concorrer o convivente supérstite.
Para Hironaka, na realidade são quatro as propostas de tentativa de composição dos dispositivos do Código Civil envolvidos no assunto relativo à sucessão de filhos (comuns e exclusivos) em concorrência com o convivente sobrevivente:
“1ª proposta: identificação dos descendentes como se todos fossem filhos comuns, aplicando-se exclusivamente o inciso I do art. 1.790 do Código Civil.
2ª proposta: identificação dos descendentes como se todos fossem filhos exclusivos do autor da herança, aplicando-se, neste caso, apenas o inciso II do art. 1.790 do Código Civil.
3ª proposta: composição dos incisos I e II pela atribuição de uma quota e meia ao convivente.
4ª proposta: composição dos incisos I e II pela sub-divisão proporcional da herança, segundo a quantidade de descendentes de cada grupo.”[25]
Utilizando-se dos ensinamentos de Diniz, que também traça a mesma proposta, a segunda solução é a mais justa e adequada aos ditames constitucionais e legais, uma vez que aplicando os arts. 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil e o princípio constitucional da igualdade dos filhos previsto pela Constituição Federal de 1988, art. 227, §6º, deve-se valer do vínculo da filiação do autor da herança e não privilegiar, em detrimento do filhos exclusivos, o existente com a companheira sobrevivente, que terá, nessa hipótese, direito à metade do que couber a cada um dos descendentes do de cujus.[26]
Todavia, parece não haver fórmula exata capaz de harmonizar a proteção dispensada pelo legislador ao convivente sobrevivo e aos herdeiros exclusivos do falecido. E, o que se conclui dessa proposta, não obstante sua importância, é que o legislador civil atual pretendeu efetivamente dar distinto tratamento a essa sucessão concorrente, dando, portanto, preferência ao convivente sobrevivo quando se trata dos filhos comuns a ele e ao de cujus.
Desse modo, muitas outras incoerências poderiam ser levantadas diante da redação dada ao art. 1.790 do Código Civil de 2002, como, por exemplo, a hipótese de existirem filhos comuns da companheira sobrevivente como o de cujus e filhos só do falecido com outra pessoa, o que faz ocorrer conflito entre o disposto nos incisos I e II; ou, no caso de não haver parentes sucessíveis e só existirem bens adquiridos antes da união, a companheira nada receber, passando os bens para o Município, Distrito Federal ou união, segundo interpretação de acordo com o caput do mesmo artigo. (BRASIL, 2002).
Todavia, essa ultima questão (art. 1.790, II, CC/02) parece estar resolvida pelo art. 1.844, que prevê:
“Art. 1.844. Não sobrevivendo cônjuge ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado a herança, esta se desenvolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizado nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal”. (BRASIL, 2002).”
Maria Helena Diniz apresenta uma construção interpretativa mais técnica sobre esse impasse, qual seja:
“Há quem ache que, na falta de parente sucessível, o companheiro sobrevivente teria direito apenas à totalidade da herança, no que atina aos bens onerosamente adquiridos na vigência da união estável, pois o restante seria do Poder Público, por força do art. 1844 do Código Civil. Se o Município, o Distrito Federal ou a União só é sucessor irregular de pessoa que falece sem deixar herdeiro, como se poderia adquirir que receba parte do acervo hereditário concorrendo com herdeiro, que, no artigo sub examine, seria o companheiro? Na herança vacante configura-se uma situação de fato em que ocorre a abertura da sucessão, porém não existe quem se intitule herdeiro. Por não existir herdeiro é que o Poder Público entra como sucessor. Se houver herdeiro, afasta-se o Poder Público da condição de beneficiário dos bens do de cujus, na qualidade de sucessor. Daí o nosso entendimento de que, não havendo parentes sucessíveis receberá a totalidade da herança, no que atina aos adquiridos onerosa e gratuitamente antes ou durante a união estável, recebendo, inclusive, bens particulares do de cujus, que não irão ao Município, Distrito Federal ou à União, por força do disposto no art. 1844, 1ª. Parte, do Código Civil, que é uma norma especial. Isto seria mais justo, pois seria inadmissível a exclusão do companheiro sobrevivente, que possuía laços de afetividade com o de cujus, do direito à totalidade da herança dando prevalência à entidade pública. Se assim não fosse, instaurar-se-ia no sistema jurídico uma lacuna axiológica. Aplicando-se o art. 5º. Da Lei de Introdução ao Código Civil, procura-se a solução mais justa, amparando o companheiro sobrevivente.”[27]
Diante dessa situação, fica evidente a falta de cuidado legislativo, pois um fato tão comum em nossas relações familiares não encontra hoje solução prevista em dispositivo legal expresso.
Analisando o art. 1.790 do Código Civil de 2002, nota-se que, sob o enfoque doutrinário, ele fere o princípio da isonomia, garantido constitucionalmente.
Giselda Hironaka acrescenta que
“sem dúvida, nesse ponto o Código Civil não foi feliz. A lei não está imitando a vida, nem se apresenta em consonância com a realidade social, quando decide que uma pessoa que manteve a mais íntima e completa relação com o falecido fique atrás de parentes colaterais dele, na vocação hereditária.”[28]
Oliveira, ainda, ensina que
“(…) favorável ao companheiro, sem dúvida, o concurso na herança com descendentes e ascendentes do falecido, tal como se reconhece também ao cônjuge sobrevivente. Mas não se compreende que o companheiro se sujeite à concorrência dos demais parentes sucessíveis, quais sejam os colaterais até o quarto grau. Trata-se de evidente retrocesso no critério no sistema protetivo da união estável, pois no regime da Lei n. 8.971/94 o companheiro recebia toda a herança na falta de descendentes ou ascendentes”. [29]
Bem por isto, se testemunha um trecho de extrema lucidez na obra de Zeno Veloso:
“Na sociedade contemporânea, já estão muito esgarçadas, quando não extintas, as relações de afetividade entre parentes colaterais de 4° grau (primos, tios-avós, sobrinhos-netos). Em muitos casos, sobretudo nas grandes cidades, tais parentes mal se conhecem, raramente se encontram. E o novo Código Civil brasileiro, que vai começar a vigorar no 3° milênio, resolve que o companheiro sobrevivente, que formou uma família, manteve uma comunidade de vida com o falecido, só vai herdar, sozinho, se não existirem descendentes, ascendentes, nem colaterais até o 4° grau do de cujus. Temos de convir. Isto é demais! […]”
“Haverá alguma pessoa, neste país, jurista ou leigo, que assegure que tal solução é boa e justa? Por que privilegiar a estes vínculos biológicos, ainda que remotos, em prejuízo dos vínculos do amor, da afetividade? Por que os membros da família parental, em grau tão longínquo, devem ter preferência sobre a família afetiva (que em tudo é comparável à família conjugal) do hereditando?”
“Sem dúvida, neste ponto o C.C. não foi feliz. A lei não está imitando a vida, nem se apresenta em consonância com a realidade social, quando decide que uma pessoa que manteve a mais íntima e completa relação com o falecido fique atrás de parentes colaterais dele, na vocação hereditária. O próprio tempo se incumbe de destruir a obra legislativa que não seguiu os ditames do seu tempo, que não obedeceu as indicações da histórica e da civilização.”[30]
Dessa forma, com o entendimento dos autores citados acima, assiste que se a base da sociedade, a família, tem especial proteção do Estado; se a união estável é reconhecida como entidade familiar com o advento da Carta Magna de 1988; se estão equiparadas as famílias matrimonializadas e as famílias que se criaram informalmente, com a convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, a discrepância entre a posição sucessória do cônjuge e a da companheira, além de contrariar o sentimento e as aspirações sociais, fere os fundamentos constitucionais, em especial ao Princípio da Isonomia.[31]
Todavia, sob a perspectiva jurisprudencial, nota-se que o Art. 1790 do Código Civil de 2002 não fere o Princípio da Isonomia. In casu, o entendimento encontra-se fundamentado nas decisões proferidas pelo respectivo Tribunal do Rio Grande do Sul, a saber:
“Ementa: UNIÃO ESTÁVEL. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. DIFERENÇA DE TRATO LEGISLATIVO ENTRE UNIÃO ESTÁVEL E CASAMENTO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A PRECEITOS OU PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. 1. A capacidade sucessória é estabelecida pela lei vigente no momento da abertura da sucessão. Inteligência do art. 1.787 do Código Civil. 2.. Tratando-se de institutos jurídicos distintos, é juridicamente cabível que a união estável tenha disciplina sucessória distinta do casamento e, aliás, é isso o que ocorre, também, com o próprio casamento, considerando-se que as diversas possibilidades de escolha do regime matrimonial de bens também ensejam seqüelas jurídicas distintas. 3. O legislador civil tratou de acatar a liberdade de escolha das pessoas, cada qual podendo escolher o rumo da sua própria vida, isto é, podendo ficar solteira ou constituir família, e, pretendendo constituir uma família, a pessoa pode manter uma união estável ou casar, e, casando ou mantendo união estável, a pessoa pode escolher o regime de bens que melhor lhe aprouver. Mas cada escolha evidentemente gera suas próprias seqüelas jurídicas, produzindo efeitos, também, no plano sucessório, pois pode se submeter à sucessão legal ou optar por fazer uma deixa testamentária. 5. É possível questionar que a regulamentação do direito sucessório no Código Civil vigente talvez não seja a melhor, ou que a regulamentação posta na Lei nº 9.278/96 talvez fosse a mais adequada, mas são discussões relevantes apenas no plano acadêmico ou doutrinário, pois existe uma lei regulando a matéria, e essa lei não padece de qualquer vício, tendo sido submetida a regular processo legislativo, sendo devidamente aprovada, e, como existe lei regulando a questão, ela deve ser cumprida, já que se vive num Estado democrático de direito. Embargos infringentes desacolhidos, por maioria. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Embargos Infringentes Nº 70038442166, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 08/10/2010)”[32]
“Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES. PARTICIPAÇÃO DA COMPANHEIRA NA SUCESSÃO APENAS EM RELAÇÃO AOS BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE NA VIGÊNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. EXCLUSÃO DOS BENS PARTICULARES. APLICAÇÃO DO ART. 1790 DO CC. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Ao estabelecer no art. 1790 do CC que a companheira ostenta a condição de herdeira, em concorrência com descendentes do falecido, apenas em relação aos bens particulares, ao invés da propalada violação ao princípio a igualdade, quis o legislador prestigiar a igualdade material, tratando de forma diferente situações reconhecidamente desiguais. 2. Embora sejam ambas entidades familiares, casamento e união estável são figuras jurídicas distintas, distinção essa feita pela própria Constituição ao proclamar que para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento (art. 226, §3º). Ora, não haveria de estabelecer facilidade para conversão de um instituto em outro, se o Constituinte não os considerasse figuras jurídicas diferentes. 3. A constitucionalidade do art. 1790 do Código Civil foi proclamada pelo Órgão Especial deste Tribunal, quando do julgamento da incidente de inconstitucionalidade nº 70029390374, decisão que, nos termos do art. 211 do Regimento Interno desta Corte, desfruta de força vinculante interna no âmbito deste Tribunal. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70040781395, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 24/02/2011).”[33]
Nesse contexto, nota-se que o direito sucessório da companheira está disciplinado no art. 1790 do CC, cujo inciso III não é inconstitucional. Trata-se de regra criada pelo legislador ordinário no exercício do poder constitucional de disciplina das relações jurídicas patrimoniais decorrentes de união estável.
Desta feita, é de suma importância tecer alguns comentários, reservando um capítulo inteiro para este tema, acerca do Princípio da Isonomia garantido constitucionalmente. É relevante, ainda, salientar os princípios que advém da Igualdade, como a Dignidade da Pessoa Humana que, além de princípio, possui caráter valorativo embutido em todo e qualquer ser humano, sem distinção.
III PRINCÍPIO DA ISONOMIA
O princípio da isonomia é definido como qualidade ou estado de igual, expressão de uma relação entre seres matemáticos iguais[34].
Segundo Cláudio Pedrosa Nunes o conceito de justiça, ligado intimamente ao princípio da igualdade dentro da vertente de suas principais virtudes, deve incutir no intérprete do direito não uma mecânica de inserção automática dos casos concretos a letra nua das normas escritas, a exemplo do que pretendem alguns, mas sim concentrar essencialmente as virtudes da equidade, da dinâmica, da justiça de distribuição de méritos e deméritos. [35]
Ruy Barbosa baseando-se na lição Aristotélica proclamou que a regra da igualdade
“não consiste senão em tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcional e desigualdade natural, é que se acha verdadeira lei da igualdade. Os mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade os iguais, ou os desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir os mesmos a todos, como se todos se equivalessem”.[36]
Desse modo, o princípio da isonomia ou também chamado de princípio da igualdade é o pilar de sustentação de qualquer Estado Democrático de Direito.
O princípio da isonomia de todas as formas de família deve ser considerado princípio geral do Direito de Família e decorre do disposto no art. 5°, caput inciso I, da Constituição Federal de 1988. É certo que no Direito de Família, o princípio da igualdade se especializou em, pelo menos, dois princípios específicos, como nas normas contidas nos arts. 1°, III (dignidade da pessoa humana) e 226, §3° (união estável reconhecida como entidade familiar), ambos do texto constitucional.
Para parafrasear, Mello entende que a discriminação juridicamente válida é aquela que vise a pessoas indeterminadas e indetermináveis no momento de sua escolha (na elaboração do projeto legislativo), que seja uma decorrência lógico-racional do critério diferenciador erigido (ou seja, cabe a quem defende a diferenciação provar sua necessidade e pertinência lógico-racional) e, por fim, que esteja em consonância com os valores constitucionalmente consagrados [37].
O preceito da igualdade é cláusula pétrea e, como tal, deve ser respeitado tanto na produção quanto na aplicação da lei. Envolve, destarte, tanto o legislador quanto o aplicador do direito. O princípio constitucional da igualdade é, pois, diretriz voltada tanto para o aplicador da lei quanto para o próprio legislador que, a despeito de utilizar-se, por vezes, de critérios discricionários, encontra neste cânone iniludível e vital freio.
De fato, não só diante da norma posta se equiparam os indivíduos, outrossim, a própria construção dela subordina-se ao dever de dispensar às pessoas tratamento equânime.
Desse modo, não deve ser a lei reduto de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida em sociedade que necessita tratar de forma paritária todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e disciplinado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo incorporado pelos sistemas normativos vigentes.
Destarte que, ao se efetuar o cumprimento de uma lei, todos os por ela abarcados deverão receber tratamento equânime, sendo certo, ainda, que ao próprio preceito legal é defeso dispensar disciplinas diversas para situações equivalentes.
Neste sentido, de grande valia a lição do Jusfillósofo Hans Kelsen:
“A igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devem ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles, inclusive no que se refere às diferentes formas de constituição de família.”[38]
Desta forma, acredita-se, tendo em vista a previsão constitucional, que as pessoas não podem ser legalmente diferenciadas em razão da raça, do sexo, ou da crença religiosa, ou ainda, por ocasião das diferentes formas de constituição de família.
Assim, o Professor Mello, denunciando o equívoco, demonstrou que não assiste razão aos que partilham deste pensamento, porquanto, em verdade, qualquer elemento inerente às coisas, pessoas, ou situações pode ser elencado pela lei como fator de diferenciação.[39] O que se exige, no entanto, é que exista um elo de correlação lógica entre a característica diferencial utilizada e a distinção de tratamento em função dela conferida, bem assim que tal correlação não viole interesses consagrados pela Constituição.
3.2 FUNDAMENTAÇÃO LEGAL
No texto Constitucional anterior, em seu art. 153, § 1º, tal princípio ganhava a seguinte expressão: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas” (BRASIL, 1967).
O princípio da isonomia ganhou, na ordem constitucional vigente, (art. 5º, caput, CF/88), sintetismo em sua redação, e também adquiriu qualidade técnica, o que não resultou suficiente para dissipar as dúvidas acerca do seu conteúdo (BRASIL, 1988).
Desse modo, a Constituição Federal de 1988 provocou uma revolução no sistema jurídico brasileiro. O foco do legislador constituinte, sempre voltado para a organização do próprio Estado, desloca-se para o indivíduo e, mais ainda, para a coletividade, contemplando amplamente os direitos individuais sem repousar seu campo de abrangência sobre os direitos difusos e coletivos. Assim, a CF/88 é antropocêntrica, destaca como objetivos principais a construção de uma sociedade livre, justa e soberana, a garantia do desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza.
Nesse contexto, a família foi reconhecida como base da sociedade e recebeu proteção do Estado, nos termos dos artigos 226 e seguintes da CF/88. Esse instituto, como formação social, é garantida pela Constituição não por ser portadora de um direito superior ou superindividual, mas por ser o local ou instituição onde se forma a pessoa humana.
“A família é valor constitucionalmente garantido nos limites de sua conformação e de não contraditoriedade aos valores que caracterizam as relações civis, especialmente a dignidade humana: ainda que diversas possam ser as suas modalidades de organização, ela é finalizada à educação e à promoção daqueles que a ela pertencem.”[40]
Nesse diapasão, a família teve o reconhecimento do legislador constituinte como base da sociedade, e a sua importância na formação das pessoas mereceu todo o aparato jurídico estatal, formado por normas e princípios garantidos constitucionalmente.
Nota-se que o princípio da igualdade, tal como se verifica em relação a todos os demais princípios, não tem aplicabilidade absoluta, admitindo limitações desde que não haja violação ou atentado ao núcleo essencial, que nada mais é do que a dignidade da pessoa humana. Assim, é de suma importância, tecer alguns comentários acerca do valor da dignidade da pessoa humana.
3.3 PRINCÍPIO DO RESPEITO A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Este princípio está plasmado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal e demonstra uma nova ótica do Direito Constitucional e do Direito de Família em especial. (BRASIL, 1988)
As Constituições passadas, bem como o Código Civil de 1916, só reconheciam a família decorrente do casamento, como instituição de produção e reprodução dos valores sociais, culturais, éticos, religiosos e econômicos. A Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002 colocam a família sob o enfoque da tutela individualizada dos seus membros, ou seja, a visão constitucional coloca o homem como centro da tutela estatal, valorizando o indivíduo e não apenas a instituição familiar.
É preciso enfatizar que, a dignidade da pessoa humana, com status de princípio fundamental garantido pela Constituição Brasileira, apenas estará assegurada quando for possível ao homem uma existência que permita a plena fruição de todos os direitos fundamentais.
Dignidade da pessoa humana é um princípio construído pela história, consagra um valor que visa proteger o ser humano de ser menosprezado. Desse modo, ela não é vista como um direito, pois, não é conferida pelo ordenamento jurídico. Trata-se de um atributo que todo ser humano possui, independentemente de qualquer requisito ou condição, seja ele de nacionalidade, sexo, religião, posição social etc.
Assim, é considerada como o nosso valor constitucional supremo, o núcleo axiológico da constituição no qual habita os direitos fundamentais. E, é através dos Direitos Fundamentais que, a Dignidade da Pessoa Humana é protegida constitucionalmente, conferindo caráter sistêmico e unitário a esses direitos.
Para Barroso, a Dignidade da Pessoa Humana não é um direito absoluto, trata-se, portanto, de um princípio que
“identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um respeito à criação, independentemente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência. Não tem sido singelo, todavia, o esforço para permitir que o princípio transite de uma dimensão ética e abstrata para as motivações racionais e fundamentadas das decisões judiciais. Partindo da premissa anteriormente estabelecida de que os princípios, a despeito de sua indeterminação a partir de certo ponto, possuem um núcleo no qual operam como regra, tem-se sustentado que no tocante ao princípio da dignidade da pessoa humana esse núcleo é representado pelo mínimo existencial. Embora existam visões mais ambiciosas do alcance elementar do princípio, há razoável consenso de que ele inclui pelo menos os direitos à renda mínima, saúde básica, educação fundamental e acesso à justiça”.[41]
Carlos Roberto Gonçalves, nesse contexto, destaca que: “A milenar proteção da família como instituição, unidade de produção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros ".[42]E prossegue
"O Direito de Família é o mais humano de todos os ramos do Direito. Em razão disso, e também pelo sentido ideológico e histórico de exclusões é que se torna imperativo pensar o Direito de Família na contemporaneidade com a ajuda e pelo ângulo dos Direitos Humanos, cuja base e ingredientes estão, também, diretamente relacionados à noção de cidadania. A evolução do conhecimento científico, os movimentos políticos e sociais do século XX e o fenômeno da globalização provocaram mudanças profundas na estrutura da família e nos ordenamentos jurídicos de todo o mundo e todas essas mudanças trouxeram novos ideais, provocaram um declínio do patriarcalismo e lançaram as bases de sustentação e compreensão dos Direitos Humanos, a partir da noção da dignidade da pessoa humana, hoje insculpida em quase todas as instituições democráticas.[43]
Para Gustavo Tepedino, o princípio da dignidade da pessoa humana, confere conteúdo à proteção atribuída pelo Estado à família:
“A dignidade da pessoa humana, alçada a fundamento da República no art. 1º, inciso III, da Carta Magna, confere conteúdo à proteção atribuída pelo Estado à família: “é a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as normas do direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas e intensas do indivíduo no social”.[44]
Destarte, ainda, Maria Helena Diniz, demonstra em seu entendimento que referido princípio constitui base da comunidade familiar, garantindo o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros [45].
Assim, a família passa por profundas modificações, mas como organismo natural; não se acaba e, como organismo jurídico que é, está sofrendo uma nova organização.
3.4 DIREITO SUCESSÓRIO DA COMPANHEIRA À LUZ DA ISONOMIA
Sob uma perspectiva doutrinária, a mais saliente afronta cometida pela lei é, sem dúvida, ao princípio da igualdade, ao promover o cônjuge à condição de herdeiro necessário, enquanto a companheira não passa de herdeiro legítimo.
Alguns autores enfatizam como inconstitucional o tratamento diferenciado da companheira sobrevivente no Código Civil. A companheira nem foi incluída na ordem de vocação hereditária. O seu direito hereditário encontra-se previsto entre as disposições da sucessão em geral, em um único artigo (CC 1790).
Sob a ótica da Constituição Federal de 1988, a união estável é reconhecida como entidade familiar e a Constituição não reconheceu tratamento diferenciado a qualquer das formas de constituição da família: “A união estável é reconhecida como entidade familiar pela Constituição Federal (CF 226§ 3º), que não concedeu tratamento diferenciado a qualquer das formas de constituição da família”. (BRASIL, 1988)
Conforme Zeno Veloso, o art. 1790 merece censura e crítica severa porque é deficiente e falho, em substância. Significa um retrocesso evidente, representa um verdadeiro equívoco; alega que, diante da equiparação dada pela Constituição Federal entre o casamento e a união estável, não pode a lei limitar direitos consagrados em sede constitucional, pois tal postura afronta um dos princípios fundamentais que rege o direito de família, que veda o retrocesso social.[46] Assim, o legislador precisa ser fiel ao tratamento isonômico garantido na Constituição, não podendo estabelecer diferenciações ou revelar preferências.
Ora, se a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado; se a união estável é reconhecida como entidade familiar; se estão praticamente equiparadas às famílias matrimonializadas e as famílias que se criaram informalmente, com a convivência pública, contínua e duradoura, a discrepância entre a posição sucessória do cônjuge supérstite e a da companheira sobrevivente, além de contrariar o sentimento e as aspirações sociais, afronta os princípios e fundamentos constitucionais.
Maria Berenice Dias, diante do tratamento diferenciado e ofensa ao princípio da isonomia, defende que os juízes devem deixar de aplicar as normas discriminatórias, reconhecendo a sua inconstitucionalidade:
“O tratamento diferenciado inegavelmente desobedece ao princípio da igualdade, eis que a união estável e o casamento são entidades familiares sem distinções de ordem patrimonial. Até que seja corrigido este equívoco, pela reformulação da lei, cabe ao juiz simplesmente deixar de aplicar as normas discriminatórias, reconhecendo sua inconstitucionalidade. Essa é a única forma de evitar que o equívoco legal traga prejuízos enormes às uniões que merecem especial proteção do Estado. Ainda bem que a jurisprudência vem se inclinando neste sentido”[47].
Sílvio Rodrigues posiciona-se no sentido de que
“Nada justifica colocar-se o companheiro sobrevivente numa posição tão acanhada na sucessão da pessoa com quem viveu pública, contínua e duradouramente, constituindo família, que merece tanto reconhecimento e apreço, e que é tão digna quanto a família fundada no casamento (…). Em suma, o Código Civil regulou o direito sucessório dos companheiros com enorme redução, com dureza imensa, de forma tão encolhida, tímida e estrita, que se apresenta em completo divórcio com as aspirações sociais, as expectativas da comunidade jurídica e com o desenvolvimento de nosso direito sobre a questão. Não tenho dúvida em dizer que o art. 1790 terá vida muito breve”[48].
Nesse contexto, Francisco José Cahali e Fabiana Domingues Cardoso fazem uma reflexão sobre a equiparação da união estável ao casamento para efeitos sucessórios: “cresce uma tendência doutrinária e até é possível constatar algumas decisões recentes, no sentido de se defender a equiparação da união estável ao casamento especialmente para os efeitos sucessórios.[49]
Ana Luiza Maia Nevares faz uma critica aos doutrinadores que sustentam ser o casamento entidade familiar superior. Para ela, “a concepção que preconiza uma hierarquia axiológica entre as entidades familiares é inconstitucional”.[50]
Nota-se que, no contexto do Direito de Família, todos os organismos sociais tem a mesma função, que nada mais é do que promover o desenvolvimento da personalidade de seus membros. Nesse sentido, como poderíamos dizer que o casamento é entidade familiar superior se todos os organismo sociais que constituem a família são “iguais”. Assim, admitir a superioridade do casamento seria priorizar a protecao de algumas pessoas em detrimento de outras, que na realidade são equânimes.
Nesse entendimento, para Nevares, em que pese o casamento e união estável constituírem situações diversas, não há razão para que os estatutos hereditários do casamento e da união estável sejam diferentes e discrepantes, pois ambos os institutos tem especial proteção do Estado. Em vista da impossibilidade de tutela sucessória diferenciada entre cônjuge e companheira que: “Assim, na aplicação da lei, afasta-se a base de cálculo e o sistema de fixação de quotas da herança do art. 1790 do Código Civil de 2002 e a lacuna gerada será preenchida pela analogia com as disposições do cônjuge (…)”[51].
Todavia, Cardoso e Cahali, alertam sobre a cautela que deve ser tomada quando se fala em equiparação dos institutos, sob pena de provocar insegurança jurídica. Concluem que:
“Conclui-se que a equiparação dos institutos, ao contrário do que à primeira vista isso possa aparentar, poderá levar a conseqüências prejudiciais aos partícipes no âmbito do direito de família, e até a cometer real e grave desigualdade entre os direitos de cônjuges e companheiros, além de atingir terceiros. Portanto, a cautela é imperiosa ao se tratar do tema em debate, sob pena de desvirtuar não somente os direitos já deferidos aos cônjuges, bem como provocar insegurança jurídica.”[52]
Para Dantas Júnior, que escreveu sobre a “Concorrência Sucessória da Companheira Sobrevivo” na Revista Brasileira de Direito de Família nº 29, sua opinião é “nos parece é que o art. 1790 simplesmente não pode ser usado para tal concorrência sucessória, uma vez que o mesmo se nos afigura como gritantemente inconstitucional”, e continua suas lições:
“O problema é que o referido dispositivo, de modo geral, trata o companheiro de modo extremamente draconiano, em relação ao tratamento sucessório dispensado ao cônjuge, como se a família formada a partir da união estável tivesse sido considerada como família de segunda categoria, e em boa parte das situações o companheiro sobrevivo receberá menos do que receberia o cônjuge supérstite, em idêntica situação. Contudo, como mostraremos brevemente , também pode ocorrer de o companheiro receber tratamento mais benéfico do que o que se destina ao cônjuge, o que também se mostra inaceitável”.[53]
Assim, podemos observar que a Constituição não faz qualquer diferença entre as espécies de famílias, protegendo todas, dessa forma não se pode admitir que o intérprete faça tal diferença, escolhendo proteger mais a uma do que outras.
Dantas Júnior entende que o art. 1790, CC/02, ofende o texto constitucional, tendo em vista a sua afronta ao princípio da igualdade, nos seguintes termos:
“Como se vê, portanto, a nós parece que o art. 1790 é ofensivo ao Texto Constitucional, porque agride a igualdade da proteção que a lei deve deferir a todas as espécies de família, uma vez que não aceitamos a alegada superioridade de qualquer das espécies familiares sobre as demais. No entanto, também para os que entendem que na Constituição Federal está assegurada a superioridade da família originada no casamento, parece-nos que haveria essa mesma inconstitucionalidade, uma vez que há hipóteses em que a lei coloca o companheiro em posição superior à do cônjuge.”[54]
Gama, também, considera que há aspectos inconstitucionais no seio do art. 1.790, CC/02 salientando a existência de uma inconstitucionalidade material, pois, no lugar de dar especial proteção à família fundada no companheirismo, como o fez a Constituição Federal em seu art 226, caput e § 3º, ele retira direitos e vantagens anteriormente existentes em favor dos companheiros. Defende que o correto seria tratar, em igualdade de condições às pessoas dos cônjuges, da sucessão em favor dos companheiros; ensina, ainda, que desde o advento das Leis nº 8971/94 e nº 9278/96, os companheiros e os cônjuges passaram a receber igual tratamento no que se refere ao direito das sucessões[55].
Desse modo, entende-se que por força de normas infraconstitucionais, existe tratamento igual na sucessão entre cônjuge e companheira desde o ano de 1996, assim, deveria ter sido mantido tal tratamento, para dar efetividade ao comando previsto no art. 226, caput, da Constituição Federal.
Todavia, a interpretação jurisprudencial têm se manifestado de forma diversa do entendimento doutrinário. Os tribunais, de forma equânime, têm decidido que ao estabelecer no art. 1790 do CC que a companheira ostenta a condição de herdeira, em concorrência com descendentes do falecido, apenas em relação aos bens particulares, ao invés da propalada violação ao princípio a igualdade, quis o legislador prestigiar a igualdade material, tratando de forma diferente situações reconhecidamente desiguais. Assim, muito embora sejam ambas entidades familiares, casamento e união estável são figuras jurídicas distintas, distinção essa feita pela própria Constituição ao proclamar que para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento (art. 226, §3º). Dessa forma, não haveria de estabelecer facilidade para conversão de um instituto em outro, se o Constituinte não os considerasse figuras jurídicas diferentes.
Em julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, dentre outros argumentos, conferiu a distinção dos institutos da união estável e casamento:
“Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES. HABILITAÇÃO DOS IRMÃOS DO FALECIDO, QUE NÃO DEIXOU ASCENDENTES NEM DESCENDENTES. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO INCISO III DO ART. 1790 DO CÓDIGO CIVIL. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA. FORÇA VINCULANTE DA DECISÃO DO ÓRGÃO ESPECIAL. 1. A constitucionalidade do inciso III do art. 1790 do Código Civil, reconhecida pelo Órgão Especial deste Tribunal, vincula os órgão fracionários, que somente por motivo relevante, inocorrente no caso em tela, podem suscitar novo incidente, respeitando a reserva de plenário. 2. Embora sejam ambas entidades familiares, casamento e união estável são figuras jurídicas diferentes, distinção essa feita pela própria Constituição ao proclamar que para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento (art. 226, §3º). Ora, se o Constituinte não os considerasse figuras jurídicas diversas, não haveria de estabelecer facilidade para conversão de um instituto em outro. 3. Aplicável, na sucessão dos companheiros, a regra do inciso III do art. 1790 do Código Civil, que estabelece em favor do companheiro o direito à herança em concorrência com os colaterais, sobre a terça parte dos bens do falecido, adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Assim, correta a habilitação dos irmãos no inventário do falecido. POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO. (Agravo de Instrumento Nº 70049005564, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 09/08/2012).”[56]
“Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS. COMUNHÃO PARCIAL. MONTE MOR FORMADO POR TODO O PATRIMÔNIO ADQUIRIDO ONEROSAMENTE POR AMBOS OS COMPANHEIROS. EXTRAÇÃO DA MEAÇÃO SOBRE TAIS BENS. INCLUSÃO NO MONTE DOS VALORES ORIUNDOS DA VENDA DE BEM PARTICULAR DO FALECIDO, QUE PASSAM A PERTENCER EXCLUSIVAMENTE À HERDEIRA FILHA. DIREITO À HERANÇA ASSEGURADO À COMPANHEIRA SUPÉRSTITE NA FORMA DO INCISO II DO ART. 1790DO CÓDIGO CIVIL. INCIDENTE SOBRE O MONTE PARTÍVEL. JUNSTADA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PERÍODO ANTERIOR AO ÓBITO, DECORRENTE DO EXERCÍCIO DA CURATELA. DESCABIMENTO. 1. O monte mor deve ser formado por todos os bens e valores pertencentes ao falecido e também aqueles que se encontram em nome da companheira supérstite, mas que foram adquiridos onerosamente ao longo da união estável, assim como todos os saldos bancários em conta corrente e aplicações financeiras de ambos os companheiros na data do óbito. 2. Considerando que para a união estável vigem as regras aplicáveis ao regime da comunhão parcial de bens, tem-se que a meação será extraída do monte mor, excluídos os valores oriundos de sub-rogação de bem particular. 3. Além da meação, a companheira ostenta também a condições de herdeira, cujo quinhão incide sobre o monte partível – depois de extraída a meação – devendo ser observada por ocasião da partilha dos bens a regra do inciso II do art. 1790 do Código Civil. 4. As questões atinentes à prestação de contas relativa ao exercício da curatela do falecido, enquanto vivo, já foram decididas na via própria e não comportam rediscussão em sede de inventário, até porque o julgamento das contas está coberto pela coisa julgada. DERAM PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70048380679, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 26/07/2012)”[57]
“Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. EXCLUSÃO DE COMPANHEIRA. DESCABIMENTO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1790, IV, DO CCB. Considerando que o de cujus não possui parentes sucessíveis, justifica-se a manutenção da companheira, assim reconhecida em ação declaratória de união estável, na ação de inventário porque terá direito à totalidade da herança, conforme dispõe o artigo 1.790, inciso IV, que não faz qualquer alusão ao tempo em que os bens foram adquiridos, bem como à contribuição da convivente. DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. (Agravo de Instrumento Nº 70048288732, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 28/06/2012)”[58]
“Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. SUCESSÕES. AÇÃO ANULATÓRIA DE PARTILHA CUMULADA COM PETIÇÃO HERANÇA AJUIZADA PELO COMPANHEIRO. UNIÃO ESTÁVEL RECONHECIDA E DECLARADA POR SENTENÇA EM MOMENTO POSTERIOR À HOMOLOGAÇÃO DA PARTILHA. IMÓVEL ADQUIRIDO POR HERANÇA ANTES DA VIGÊNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA HÍGIDA. EXCLUSÃO DO COMPANHEIRO. INCIDÊNCIA DO INCISO III DO ART. 1790 DO CÓDIGO CIVIL. ARGUIÇÃO DE INSCONTITUCIONALIDADE AFASTADA. FORÇA VINCULANTE DA DECISÃO DO ÓRGÃO ESPECIAL. 1. Aplicável na sucessão dos companheiros a regra do inciso III do art. 1790 do Código Civil, que estabelece em favor do sobrevivente o direito à herança sobre a terça parte dos bens do falecido, adquiridos onerosamente na vigência da união estável, o que naturalmente afasta o direito hereditário deste sobre imóvel adquirido por herança anos antes da sua convivência com a falecida. 2. A constitucionalidade do referido dispositivo legal, já reconhecida pelo Órgão Especial deste Tribunal, vincula os órgão fracionários, que somente por motivo relevante, inocorrente no caso em tela, podem suscitar novo incidente, respeitando a reserva de plenário. 3. Embora sejam ambas entidades familiares, casamento e união estável são figuras jurídicas diferentes, distinção essa feita pela própria Constituição ao proclamar que para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento (art. 226, §3º). Ora, se o Constituinte não os considerasse figuras jurídicas diversas, não haveria de estabelecer facilidade para conversão de um instituto em outro. POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. (Apelação Cível Nº 70046944559, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 15/03/2012)”[59].
“Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES. EXCLUSÃO DA COMPANHEIRA DO ROL DE HERDEIROS. BEM ADQUIRIDO ONEROSAMENTE NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO. INCIDÊNCIA DO ART. 1790, I DO CÓDIGO CIVIL. 1. Não se trata de atribuir maiores direitos ao companheiro do que ao cônjuge, mas sim direitos diferentes. Embora o tratamento sucessório desigual estabelecido pelo Código Civil tenha sido alvo de inúmeras críticas da doutrina especializada, e alguns dispositivos aplicados com certo temperamento pela jurisprudência, o fato é que o Código estabelece direitos diferentes ao regular a sucessão dos cônjuges e dos companheiros. 2. Pela atual disciplina do Código Civil, enquanto o cônjuge, no regime da comunhão parcial, ostenta a condição de herdeiro sobre os bens particulares do autor da herança, excluindo a meação (art. 1829), os companheiros têm direito sucessório incidente sobre o mesmo universo patrimonial sobre o qual incide a meação, qual seja, os bens adquiridos onerosamente na constância da união (art. 1790). 3. Em suma, no caso: além de meeira, a companheira é herdeira e concorre com os descendentes na forma do inciso I do art. 1790 do CCB. AGRAVO PROVIDO EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento Nº 70039409149, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 20/10/2010).”[60]
Embora o tratamento sucessório desigual estabelecido pelo Código Civil de 2002 tenha sido alvo de inúmeras críticas da doutrina especializada, conforme restou demonstrado, a jurisprudência, entendeu que não se trata de uma inconstitucionalidade e sim de conceder tratamento diverso a institutos distintos.
A união estável é o tema do momento no Direito de Família Brasileiro, tendo em vista os novos costumes sociais do século XX e XXI. Sem dúvida, pode se considerar um marco histórico a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, a fim de declarar a aplicabilidade do regime de união estável às uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Desse modo, verifica-se que a disparidade de tratamento entre cônjuges e companheiros é uma questão histórica enfrentada pelo Direito Civil brasileiro e que, sem sombra de dúvida está pacificado pela jurisprudência.
Percebe-se que o art. 1790 do Código Cicil de 2002 é o que prevê possibilidade de a companheira participar da sucessão.
Com um minucioso estudo doutrinário vê-se que a base da sociedade, a família, tem especial proteção do Estado; ora, se a união estável é reconhecida como entidade familiar com o advento da Carta Magna de 1988; se estão equiparadas as famílias matrimonializadas e as famílias que se criaram informalmente, com a convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, a discrepância entre a posição sucessória do cônjuge e da companheira, além de contrariar o sentimento e as aspirações sociais, para alguns autores como Maria Helena Diniz, Maria Berenice Dias, Carlos Roberto Gonçalves e dentre outros, fere os fundamentos constitucionais, em especial ao Princípio da Isonomia. Destarte que, o preceito da igualdade é cláusula pétrea e, como tal, deve ser respeitado tanto na produção quanto na aplicação da lei.
Todavia, nota-se que, a jurisprudência tem decidido de forma diversa. O entendimento é no sentido da constitucionalidade do art. 1790, CC/02, ora polêmico. Para os tribunais, embora sejam ambas entidades familiares, casamento e união estável, são figuras jurídicas diferentes, distinção essa feita pela própria Constituição ao proclamar que para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Destarte o tratamento sucessório desigual estabelecido pelo Código Civil de 2002 tenha sido alvo de inúmeras críticas da doutrina especializada, restou demonstrado que a jurisprudência, em entendimento assertivo, posicionou-se no sentido que, não se trata de uma inconstitucionalidade e sim de conceder tratamento diverso a institutos distintos.
Isto posto, conclui-se que é notória a aplicação das arcaicas palavras de que tratar os iguais de forma igual, os diferentes de forma diferente, na medida de suas desigualdades, é o modo mais assertivo.
Graduada em Direito. Pós Graduada em Direito Constitucional. Professora de Direito
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