Resumo: Este artigo analisa a invisibilidade sobre os povos indígenas frente ao arcabouço jurídico brasileiro e como os povos indígenas no processo constituinte se tornaram protagonistas nos artigos específicos que concerne aos seus direitos, partindo da abordagem de elementos históricos determinantes que possibilitam a visualização deste cenário tenso, cheio de conflitos e contradições, procurando estabelecer a relação das populações indígenas com o Estado e com a sociedade envolvente, estabelecendo dois marcos legais importantes, o processo Constituinte e a aplicação desta nova norma jurídica, e a legislação internacional, com base na Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), trazendo a tona uma visão dos povos indígenas, para além dos livros didáticos e do universo midiático, caminhou-se de uma condição onde há a negação destes enquanto pessoas humanas, à emergência étnica e seu protagonismo na construção de um Estado multicultural.[1]
Palavras-chave: Direitos indígenas, Estado, Povos indígenas.
Abstrac: This article examines the invisibility of indigenous peoples forward the brazilian legal framework and how indigenous peoples in the constitutional process have become protagonists in specific articles that respects their rights, based on the approach of determining historical elements that enable the visualization of this scenario tense, full conflicts and contradictions, trying to establish the relationship of indigenous peoples with the state and with the surrounding society, establishing two important legal landmarks, the Constitutional process and the application of this new rule juridical, and international legislation, based on ILO Convention 169 (Organization International Labor), bringing out a vision of indigenous peoples, beyond the textbooks and the media universe, walked up to a condition where there is a denial of these as human persons, the emergence ethnic and its role in building a state multicultural.
Keywords: Indigenous Rights, State, Indigenous Peoples.
Sumário: Introdução. 1. Povos Indígenas: A formatação histórica de um direito indigenista. 2. O Lugar do Indio no Processo Constituinte. 3. Povos Indígenas: Sujeitos coletivos de direitos e produtores de normas jurídicas próprias. 4. A Relação Jurídica e Estatal com os povos indígenas. 5. Do Direito a autonomia: Protagonismo dos Povos Indígenas. 6. Considerações. 7. Referencias.
“Alguém deve rever, escrever e assinar os autos do passado antes que o Tempo passe tudo a raso”. Cora Coralina[2]
Introdução
Disse certa vez o Sub – Comandante Marcos:[3] “Somos um exército de sonhadores, por isso somos invencíveis.”
É com este espírito de um sonho possível, de quem acredita na causa indígena, como uma causa que deveria ser coletiva, que resolvi escrever o presente artigo, objetivando provocar uma discussão jurídica sobre o tema, apresentando a Constituição Federal de 1988 como um elemento divisor de águas na nova forma de pensar a relação com os povos indígenas em nosso território, reconhecendo-os enquanto grupo/etnias diversificadas em sua cultura e como habitantes originais desta terra a que intitulamos de Brasil, logo, detentores de direitos especiais e específicos. A tutela indígena que até então se baseava no mero reconhecimento de sua existência se ampliou para garantia do direito a diferença e a preservação de suas identidades. Através de seu protagonismo os povos indígenas foram demarcando, literalmente, seus espaços.
Este arcabouço de informações se constitui em memórias que precisam e merecem ser registradas, reproduzidas e compartilhadas com aqueles que vieram depois ou até mesmo com os que ainda virão e não tiveram a oportunidade de vivenciar esse marco histórico que determinou o passado, o presente e o futuro de comunidades inteiras.
Sabe-se que por muito tempo, podia-se comumente perceber nos livros didáticos, e até mesmo na historia brasileira, dizer-se que o índio não foi escravizado, por não se adaptar à organização do trabalho imposta pelos colonizadores, ora, a situação não lhes dava nenhuma condição de preservarem suas terras e assim manter a forma de vida que até então estavam acostumados, diante disso, não lhes restou outra alternativa a não ser tornar sua mão de obra barata, como uma maneira de manter a ligação com seus territórios passando a viver a mercê da vontade dos fazendeiros uma vez que estes, caso se desagradassem dos serviços prestados poderiam recorrer ao Judiciário alegando que suas terras haviam sido invadidas e possivelmente conseguiam ordem de despejo sob alegação de “esbulho à propriedade privada”, nessa dinâmica imposta pelos ditos “donos” da terra, comunidades inteiras foram despejadas por ordem judicial.
O fato é que no decorrer da história nos foi passada uma imagem um tanto quanto destorcida do que realmente fora esse processo de invasão das terras indígenas e, sobretudo a forma de dominação destes povos. Ainda hoje são muitas as dificuldades de compreensão sobre a forma como vivem ou estão organizados, ao invés de se fazer justiça às conquistas dos povos indígenas, ainda preferem tratá-los como maus, preguiçosos, violentos ou romantizados, fora da realidade.
A partir da Constituição Federal de 1988 a situação de desigualdade a qual foram submetidos esses povos começou a ser revista e alguns dos muitos problemas criados nessa época foram atenuados/amenizados (reconhecidos enquanto problemas), ou seja, aquiinaugurou-se um novo paradigma para os povos indígenas do Brasil, que passaram a vivenciar um processo de mobilização pela recuperação de seus territórios tradicionais e pela reafirmação da identidade étnica, em especial dos índios do Nordeste (SOUZA FILHO, 2004, p. 98), devido ao reconhecimento institucional da diversidade étnico-cultural da sociedade brasileira, enquanto direito fundamental.
Para alguns críticos da área a legislação brasileira nunca se preocupou em esclarecer o que significa emancipar-se de uma condição étnica, partindo do principio que: “Até a Constituição de 1988, não se era índio, estava-se índio, como uma criança cujo destino inapelável é tornar-se adulta. A premissa inabalada durante séculos era a de que os índios mais cedo ou mais tarde, deixariam de ser índios para se tornar brasileiros como quaisquer outros” (RAMOS, 1991, p. 04).
1. Povos Indígenas: A formatação histórica de um direito indigenista
Estudos afirmam que os povos indígenas no Brasil estão divididos em várias etnias, que se difere entre si por apresentarem culturas, línguas e organizações sociais e políticas específicas. Apesar de algumas peculiaridades, toda esta sociedade indígena possui elementos em comum e um dos mais significativos na história de vida dessas pessoas está relacionado ao longo e difícil processo de exploração econômica, social e cultural vivenciados em contextos históricos diversos.
De acordo com os dados do censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE, 2010) o Brasil contava com uma população de 817.963 indígenas correspondentes a 0,5% do total da população brasileira. Atualmente acredita-se que esses dados oscilaram bastante mostrando um crescimento considerável desta categoria populacional, por exemplo, e apontam dois de fenômenos diferentes.
Primeiramente, confirmam uma tendência notória de aumento dos povos indígenas, que, segundo os estudiosos, tem crescido em média 3,5% ao ano, o que corresponde a mais que o dobro da média de 1,6% população brasileira em geral (AZEVEDO, 2000, p. 102). Em um segundo momento poderíamos dizer que, este aumento também está relacionado ao fato de que um número crescente de indivíduos passou a assumir a sua identidade indígena, autoidentificando-se dentro desta categoria, ao invés de se enquadrar na categoria de “pardos”, nesta mesma perspectiva acrescenta SANTOS (2012),
“A população indígena atual do Nordeste corresponde a 20,13% da população indígena do Brasil, sendo as regiões Norte e Centro-Oeste as de maior concentração indígena no país com 47,55% e 20,27% respectivamente. Dos Estados do Nordeste, Pernambuco é o de maior contingente populacional indígena, com uma população de 34.689 índios. É portanto o 4º estado em população indígena, vindo logo após Amazonas, Mato Grosso do Sul e Roraima.
Na composição étnica do Nordeste identifica-se uma diversidade grande de grupos. Trata-se de uma região multicultural. Nesse cenário aparecem também os povos indígenas”. (SANTOS, 2012, p. 11)
Segundo (VERGILIO, 2008, p. 41), a presença de indígenas no Brasil, em termos demográficos, é das menores verificadas no panorama latino-americano, contrastando radicalmente com outros países como Bolívia e Guatemala onde, dependendo dos critérios adotados, a participação indígena, na população total, pode ser destacada ou até mesmo predominante. Esse fato, todavia, está longe de significar que,no Brasil, a relevância política, social e cultural dos povos indígenas seja inexpressiva.
Durante o processo de expansão do Estado-Nação brasileiro, tal como este foi concebido, não se admitia a existência de grupos sociais com identidades e culturas próprias. Nada de específico poderia haver, todos deveriam, mesmo que forçosamente, assimilar e viver segundo uma só identidade genérica, integrados à comunhão nacional, como se toda a diferença étnica e cultural deixasse de existir e se transformasse numa única cultura homogeneizada (PACHECO, 2004, p. 35).
Ora, aqui percebemos claramente o quanto e em que proporção foi estimulado o processo de integração dos múltiplos sistemas culturais e legais sob o fundamento da igualdade de todos os indivíduos perante um bem comum ou uma legislação comum.
Nesse processo, a história nos dá conta de que se ensaiava um discurso de proteção aos direitos indígenas que se repetiriam em inúmeras leis, cartas, decretos e alvarás, durante todo o período colonial, monárquico e republicano, situação que somente começaria a mudar com a Constituição de 1988, passando-se do plano teórico à efetivação dos direitos indígenas. Essa proteção era retórica, porque, mesmo com algumas legislações conferindo direitos territoriais aos indígenas, estas não tiveram efetiva aplicação (PACHECO, 2004, p. 47). Dessa forma, aos poucos, foram-se construindo institutos jurídicos que puderam enquadrar as populações indígenas distribuídas pelo território historicamente denominado brasileiro.
Percebe-se que, ao longo dos anos, as políticas exercidas, tanto pelo SPI (Serviço de Proteção ao Indio) quanto pela Fundação Nacional do Índio, não consideraram o aumento da população indígena, suas formas de reprodução social e modos adaptativos aos diversos ambientes. Já no início do século XX, com a República, o Brasil passa a ter uma ação governamental protecionista, embasada em um pretexto assistencialista, que passa a apresentar restrições aos direitos civis dos indígenas (VERGÍLIO, 2008, p.14).
É o que se observa do Código Civil de 1916, que equiparava os indígenas aos menores de idade (entre 16 e 21 anos), ao determinar que aqueles denominados silvícolas eram classificados como relativamente incapazes para realizarem certos atos da vida civil (CC de 1916, art. 6) e estavam, portanto, sujeitos a um regime tutelar.
2. O Lugar do Indio no Processo Constituinte
Em 1985 no início do governo Sarney, havia toda uma mobilização política para se constituir uma Assembleia Nacional Constituinte, estavam desenvolvendo o projeto calha norte, e havia muito segredo destes projeto, e de outros que estavam em curso de olho na exploração mineral em terras indígenas. Neste período, o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) descobriu e denunciou que o governo da nova republica era continuidade das forças militarista, com isso a entidade delimitou de forma radical sua postura em defesa da causa indígena e foi para frente de uma batalha que tem seus altos e baixos, porém continua acesa. O Estado por outro lado, reintera a perseguição a essa instituição, e a todos os seguimentos que buscaram apoiar a causa indígena, se aliando a essa entidade da Igreja Católica.
Muitos foram os fatos que envolviam agentes indigenistas, a exemplo de abordagens em estradas e até nos barcos no rio negro, exatamente por volta de 1985 e 1986, os agentes do CIMI, Francisco Loebens e Felisberto, foram presos no rio negro e foram escoltados e levados a detenção, por estarem invadindo terras indígenas, esses episódios marcaram um momento forte dentro da entidade e nas aldeias, já se aproximava a convocação para a constituinte, e o CIMI como órgão anexo á CNBB (Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil) constitui aliança com importantes dirigentes da Igreja e com um grupo de antropólogos indigenistas, onde adotaram a metodologia e a estratégia de mobilizar os povos indígenas a refletirem sobre suas cidadanias dentro do Brasil.
A reflexão parte do questionamento: Qual é o lugar do índio? E os indígenas chegaram inclusive a cogitarem candidaturas próprias, mas isso não vingou de forma alguma, porém as articulações estaduais, as assembleias indígenas e as articulações políticas em todas as frentes surtiram efeitos bastante positivos, no que se referia a consolidação de um arcabouço jurídico consistente para a defesa dos povos indígenas.
No livro Povos Indígenas e a Constituinte 1987 – 1988, publicado em 2008 de autoria da Drª Rosane Lacerda, advogada assessora da referida entidade, revela que os indígenas em seus trabalhos juntos aos Constituintes, expressavam as agruras de suas comunidades, de suas aldeias e de suas regiões e não poupavam esforços para que a ANC (Assembléia Nacional Constituinte), não desse apoio as propostas que violavam seus direitos. Desta forma um dos indígenas representante do povo APURINÂ, Antonio Apurinâ se expressou,
“Qual é o nosso destino daqui pra frente? O índio, como um todo, precisa de força política, precisam que os constituintes reconheçam o massacre dos seus antepassados; hoje, precisamos estar atentos para que isso não mais aconteça no futuro.
(…) Nós pretendemos impor dentro da constituinte o nosso respeito, do nosso povo índio, na defesa de nossa terra. (…) Nós deveríamos ser mais respeitados, a constituinte deveria nos assegurar isto. Existe uma lei, mas essa lei não é cumprida, que é o Estatuto do Indio.
(…) O que nos traz aqui é exatamente isso: é que sejamos respeitados, que as leis sejam cumpridas (…)”. (LACERDA, 2008, p. 62)
Isso aconteceu nos embates travados pelos indígenas, e que muita das vezes era motivo de frustração diante de rejeições a propostas que eram submetidas a ANC. O processo Constituinte teve a duração de quase dois anos, num clima de muita animosidade, tensões das mais diversas, e contradições das mais variadas, porém, havia um diferencial, que determinou e conduziu a Constituição Federal de 88 para um resultado marcante e profundamente progressista, havia mobilização, encontrava-se ONGs (Organizações Não Governamentais), partidos políticos, Igrejas, movimentos sociais, até alguns grupos de empresários neste processo.
Eram grupos sedentos por liberdade, havia de se querer liberdade, liberdade está que fora represada durante toda a ditadura militar, e que queria defender posições, sair da invisibilidade histórica, levantando bandeiras de lutas diversas. Esse é o período que marca a catarse de uma sociedade que clamava por liberdade e que podia-se defender temas como: direitos dos negros, liberdade de religião, orientação sexual, reforma agrária, causa indígena, etc.
A Constituição Brasileira que foi promulgada em 1988 é inegavelmente, até por quem não gostou do processo, conhecida por Constituição Cidadã, por que ela é consequência de movimentos e contra movimentos, ora avançando e ora retroagindo, podendo ser citado, no caso dos avanços, o debate e uma nova concepção da norma jurídica brasileira a respeito da temática indígena e ambienta, e em caso de retrocesso que em que as elites brasileiras e a Igreja fizeram suas manobras para não haver avanços nas temáticas agrárias e de orientação sexual.
Segundo, Iara Pietricovsky (2008), em seu texto, “Constituição de 1988 e os Povos Indígenas – Democracia brasileira” disponível no site do INESC os debates aconteciam de forma muito intensa e acalorada. Por exemplo, no debate sobre Reforma Agrária, houve uma cena de embate emblemática dentro do Salão Verde da Câmara dos Deputados, onde o movimento dos ruralistas e o dos Sem Terra e aliados se posicionaram em blocos, um de frente para o outro, num debate agressivo que quase transformava o local num campo de batalha.
Como já dissemos até o presente momento, o espaço do índio garantido na Constituição Federal é, sem sombra de duvidas uma expressão do avanço da sociedade brasileira rumo a efetivação da incansável busca democrática. No que diz respeito ao reconhecimento legítimo e legal dos direitos dos povos indígenas não há como desconsiderar esse marco, uma vez que desde a aprovação da proposta de realização de uma Assembléia Constituinte, em 1985, as organizações indígenas e de apoio a esta causa, além de juristas, articularam-se para debater a questão. Sabe-se que foram produzidas propostas de estudos no campo do Direito Internacional; inovação de leis; todos apresentados ao governo brasileiro por meio do Ministro da Justiça e ao Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais, Afonso Arinos, nomeado na época pelo Presidente da República.
Na ocasião, documentos que sintetizavam os anseios e demandas das populações indígenas também foram elaborados e enviados ao Congresso Nacional, além da repercussão de intensa discussão no âmbito da sociedade civil organizada em conjunto com o movimento indígena, juristas, academia e mídia.
Dentre muitas discussões pautadas, algumas questões foram incisivas, a exemplo das terras indígenas que nos faz constatar que, passados 25 anos, houve um lento avanço mais que ainda existe parcela importante desses povos destituída de seus direitos.
3. Povos Indígenas: Sujeitos coletivos de direitos e produtores de normas jurídicas próprias
Antes mesmo de chegarmos a nova legislação é preciso entender os processos que antecedem ao que resultou a Constituição Federal de 88, se faz necessário dizer que depois de se consolidar o processo de colonização por meio da coerção e violação constante de direitos fundamentais e originários, com o esbulho total das terras dos indígenas pelo império e pelas forças da republica, que sempre normatizaram na direção de uma política indigenista que sempre prezou pela assimilação, integração dos povos indígenas.
Existiu um vácuo tanto na Constituição de 1824 como na Carta Republicana de 1891 onde os direitos dos índios se quer é citado ou reconhecido, apenas na Constituição de 1934, portanto muito recentemente, é que desvela-se artigos que tratam dos interesses dos índios, estabelecendo a tutela desses direitos, em especifico ao respeito a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados (artigo 154).
Ficou evidenciado neste caminho jurídico, a intencionalidade de se institucionalizar uma política de integração dos considerados como silvícolas (aqueles que habitavam as selvas, viviam em contato constante com a natureza e distante da sociedade “civilizada”).
Desta forma fica estabelecido que o modo de organizar-se, as crenças, costumes destas populações estão fora da comunhão nacional, sendo obrigado para estes povos estabelecerem integração a uma sociedade imposta pelo contato violento ou atraídos por “vantagens” que sempre se traduziram em imposição da sociedade envolvente.
Esta visão se perpetuou na legislação que se seguiu até o Estatuto do Índio (Lei n. 6.001/73) que evidencia em seu artigo 1º a defesa e a preservação da cultura das comunidades indígenas, embora se contradiga, na redação que se segue, quando aponta a integração progressiva e harmoniosa à comunhão nacional, como processo irreversível. Embora o Estatuto seja a contradição em seu conjunto jurídico, é nele ainda que os povos encontra sua defesa, nas questões que ainda não se regulamentou na texto da constituição atual, como se observa,
“Art. 2° Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, para a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos”:
II – prestar assistência aos índios e às comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional; (…)
IV – assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida e subsistência; (…)
Os povos Indígenas no Brasil, sempre tiveram um tratamento jurídico conectado à concepção de que estes são entraves e/ou penduricalhos que tentam procrastinar o desenvolvimento do país, por sempre se contraporem a forma que o capital se arvora sobre o que ainda lhes restam de suas terras, de sua cultura e consequentemente de suas vidas, tratando-as por vezes de modo preconceituoso sem que haja uma preocupação efetiva com suas necessidades, com o seu “ser diferente” sendo este confundido erroneamente com uma suposta incapacidade de exercício dos seus próprios direitos, característica esta que sempre se fez presente no processo legislativo indigenista.
Em 1988 com o advento da Constituição houve o rompimento, em parte, com algumas dessas concepções, uma vez que muitos dos mitos construídos a partir do século XVI a respeito dos indígenas contaminaram de tal forma o pensamento jurídico brasileiro, que ali permanecem até hoje, sendo um dos mais fortes a visão de que os indígenas são incapazes e portanto, sujeitos à tutela, havendo algumas controvérsias elencadas por estudiosos da área. Este tratamento para com a questão indígena ao invés de garantir direitos têm se mostrado ineficiente e muitas vezes fator de estagnação de acesso aos direitos fundamentais.
A legislação indigenista, historicamente sempre esteve ligada a aspectos que pressupunha o extermínio, a integração ou assimilação, como previsto por Darcy Ribeiro, e apenas em 1988, por ocasião da promulgação da Constituição Federal, é que se estabeleceu, ou podemos dizer, que se reconheceu os direitos originários e ampliação de garantias. Estas normas constituem na verdade um novo paradigma para o arcabouço jurídico vigente, evidenciandouma evolução no tratamento jurídico indígena, atingindo este uma nova dimensão, qual seja, o de reconhecimento de direitos originários, assim dispondo,
“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”.
Diante disso,o texto em questão põe em evidencia o direito à diferença, reconhecendo a organização social dos povos indígenas, preservando assim o direito de serem e permanecerem como índios, sujeitos de direitos originários e/ou naturais, elemento este considerado primordial e que já estava presente na vida do povo muito antesda instituição do regime normativo proposto pela Constituição atual.
Nesta perspectiva, como forma de concretizar e ampliar o nível de reconhecimento de direitos originários, encontra-se em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 2.057/91, o qual preconizando a extinçãoda tutela reducionista apontada pelo Estatuto do Índio prevê a criação de um Estatuto das Sociedades Indígenas,reconhecidas enquanto coletividades diferentes culturalmente devido suas raízes ameríndias,mas detentoras de uma tutela holística (Enfatizando o todo levando em consideração as partes e suas inter-relações), respeitando as devidas peculiaridades, e umas das inovações do novo Estatuto é o reconhecimento da plena capacidade civil dos índios,como forma de garantir o exercício efetivo de seus direitos. Será esse um dos motivos fortes para o demasiado adiamento da aprovação do novo estatuto?
Contudo, percebe-se que o processo objetivado pelo Estado, de erradicação das culturas indígenas, não foi exitoso. Apesar de todos os entraves apresentados, as comunidades têm resistido de forma incansável, até que foram adotadas pela CF de 88 e, a cada dia que passa, têm obtido resultados mais animadores, o pedido de reconhecimento por um modo de vida peculiar, como explica a assessora Jurídica do Núcleo de Direitos Indígenas, em seu artigo intitulado “Direitos Culturais dos Povos Indígenas – Aspectos do seu reconhecimento”, publicado na obra “Os direitos indígenas e a Constituição” a seguir,
“À luz da Constituição em vigor, portanto, os povos indígenas deixaram de ser consideradas culturas em extinção, fadadas à incorporação na assim denominada comunhão nacional, nos moldes do que sempre fora o espírito a reger a legislação brasileira desde o início do processo de colonização em nosso país. Toda a legislação anterior continha referências expressas à integração ou à assimilação inevitável e, por outro lado, desejável dos índios pela sociedade brasileira. A nova mentalidade assegura espaço para uma interação entre os povos e a sociedade envolvente em condições de igualdade, pois que se funda na garantia do direito à diferença”. (LEITÃO, 1993, p. 228).
Como fora dito anteriormente a Constituição Federal foi pioneira em reconhecer tal diversidade cultural, porém, vale ressaltar que até hoje existem casos de direitos indígenas estabelecidos na mesma Constituição que não foram sequer aplicados, já que ainda dependem de regulamentação legal.
4. A Relação Jurídica e Estatal com os povos indígenas
Embora o Brasil seja signatário de vários acordos internacionais que também regulam e estabelecem a relação do Estado com as populações indígenas, a exemplo da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (é o instrumento internacional vinculante mais antigo que trata especificamente dos direitos dos povos indígenas e tribais no mundo), e da Constituição Brasileira de 88, ainda persiste uma relação clientelista e de tutela com os grupos indígenas e a regulação dos artigos principais que definem os direitos territoriais, são violados constantemente. O Estatuto do Índio, como é conhecido a Lei de 1972, caducou com relação a constituição e sua nova versão que deveria já está pronta, vive de mesa em mesa, de comissão em comissão, dentro do congresso nacional, ficando cada vez mais a mercê dos interesses do capital com seus representantes no congresso.
É comum, o Estado, ao invés de concluir e aprovar o novo Estatuto do Índio, ficar criando o que poderíamos chamar de “legislação separada” que trata de aspectos da vida do indígena e sem estabelecer uma linha sistemática do que está previsto na Constituição Federal 88 e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Nos últimos tempos a criação de uma Portaria pelo Ministério da Justiça e outra pela Advocacia Geral da União, mostram o desrespeito e a falta de compromisso do Estado em regular adequadamente o que poderia se tornar uma legislação indigenista[4] que estabelece um processo de oitiva das comunidades em situações que diz respeito as suas vidas.
Este Estado elitista e de inspiração burguesa não compreendera jamais que os povos indígenas devem ter suas autonomias respeitadas e que o direito deles, está intrinsecamente ligado ao primeiro direito que deve-se estabelecer, o direito a vida, mas o estado neodesenvolvimentista, prioriza, o que sem sombra de dúvidas é a negação deste direito, o desenvolvimento em detrimento do direito sagrado a vida e não mede esforços para salvaguardar a propriedade individual em detrimento do que o direito a propriedade coletiva, exibindo desta forma que a consagração de um direito indígena é cada dia mais difícil, porém, o direito, é algo constituído a partir de vários elementos e ele pode se estabelecer também a partir da mobilização dos grupos envolvidos.
Podemos observar a coragem e a propriedade desse povo ao se expressar sobre os mecanismos para assegurar a garantia de seus direitos, e a ousadia desses povos ao enfrentar as elites, o Estado, os poderes coloniais, em buscarem os seus direitos históricos e demais direitos humanos enquanto direitos étnicos culturais diferenciados, lamentavelmente tem custado à vida de muitas lideranças como afirma SANTOS (2012),
“Passados mais de 500 anos desde a invasão/colonização do Brasil, os povos indígenas continuam sendo perseguidos por fazendeiros, posseiros e governos, que tentam apoderar-se das suas terras”.
As lideranças indígenas são participes de seu protagonismo e nas suas representações têm ênfase da clareza do que simbolizam como sujeitos de direitos específicos e diferenciados. Assim, cacique Marcos do povo Xucuru dá seu testemunho durante a realização da XX Assembléia do Povo Xucuru[5], do que entende sobre a relação dos povos indígenas com o Estado,
“Eu quero dizer que nossa relação com o Estado, sempre foi difícil, mas é necessário nos relacionarmos com os órgãos, e isso é complexo e confuso para alguns ministérios, porque não existe algo bem definido, mas o básico está previsto no Estatudo do Indio, na CF 1988, em convenções internacionais, como a convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e em legislações especificas que tratam de aspectos de nossa vida cotidiana, a exemplo das leis que regulam a educação e a saúde. Sempre é muito conflituoso, e o pior é quando se trata de crimes, ai o bicho pega, o Estado se utiliza muitas vezes das leis para criminalizar nosso povo, nossas lideranças, principalmente quando estamos correndo a traz do nosso direito sagrado a terra.” (Marcos Luidson- Cacique Marcos Xukuru, Pesqueira-PE, 2012.
Este pronunciamento reflete um novo tempo, também de contradições, mas expressa um legado de lutas de resistência e são herdeiros de uma nova concepção do acesso ou garantias de direitos, instituído pela Constituição cidadã de 88.
Essas lideranças surgem no bojo do processo constituinte, forjadas na luta pela terra e dentro de seus povos enquanto exemplos de lideres que primam pela garantia do direito em suas histórias, assim, eles apontam nas suas práticas uma relação com o Estado. Embora sejam sempre ameaçados por esse Estado clientelista, elitista e eminentemente estruturalista, por questionarem, uma vez que este Estado não atende a multiculturalidade existente, resultando numa certa prontidão por parte dos povos indígenas para questionarem a forma fria e excludente que esse mesmo Estado impõe, forma essa que constitui uma injustiça histórica a essas populações.
Portanto essa representatividade do Povo Xucuru é posta aqui, não como único a exercer esse resgate de divida, mas como um exemplo no Nordeste de um povo que vem resistindo ao longo dos últimos 500 anos, diante um intenso processo de criminalização de lideranças, a despeito acrescenta Santos (2004),
“Contrariando a lógica do professor Darcy Ribeiro, o profeta de uma legião de seguidores que advogam o desaparecimento em longo prazo dos indígenas nas áreas mais antigas da colonização a exemplo do Nordeste, os povos indígenas em Pernambuco e na Região continuadamente denunciaram a situação de perseguições, violências e desrespeito em que vivem, enfrentaram os latifundiários e invasores dos seus territórios com a omissão ou conivência das autoridades oficiais, exigem do poder público o reconhecimento e o respeito e garantia dos seus direitos históricos: a demarcação de suas terras, uma saúde e educação diferenciada, enfim o respeito as suas formas próprias de organização sócio-cultural”. (SANTOS, 2004 p. 06.)
Assim, no tocante ao respeito aos direitos indígenas, o Estado contemporâneo e seu direito sempre negou a possibilidade de convivência, num mesmo território, de sistemas jurídicos diversos, razão pela qual o ente estatal lavrou e impôs normas de forma coercitiva, isto sem prévia consulta aos indígenas, que sãos os mais interessados na questão. Este fato acabou por influenciar o Direito Consuetudinário, ou seja, o direito interno que cada comunidade indígena possui, o direito primeiro, muitos destes influenciados por costumes impregnados pelos antepassados. Seria uma espécie de normas de conduta próprias para o povo sem necessidade de codificação, podemos classifica-lo como o Direito não escrito.
Souza Filho (1992, p.20) aponta que, ao mesmo tempo em que a construção do Direito brasileiro manteve como inexistente qualquer manifestação jurídica das sociedades indígenas, foram sendo construídos institutos próprios para eles, cujo conjunto se convencionou chamar de Direito Indigenista.
5. Do Direito a autonomia: Protagonismo dos Povos Indígenas
Durante um período considerável muitos indígenas submetidos ao controle dos senhores de engenho ou dos jesuítas procuravam resgatar sua liberdade através de revoltas violentas, outros articulavam complexos movimentos de protesto e resistência. Porém a estratégia mais eficaz a alternativa ao confronto e a submissão residia na fuga coletiva e na reconstituição da sociedade em regiões distantes dos conquistadores, durante o século XVI, muitos agrupamentos abandonaram seu território e foram para áreas longínquas com o objetivo principal de restabelecer a sua autonomia, não nos custa repetir e relembrar o impacto de todo esse processo, sob a história desses povos como observa Santos (2012),
“O processo de “ocupação” do território brasileiro, pode-se afirmar, que foi um grande crime contra a humanidade, por que de fato, ocorreu uma invasão territorial, revestida de uma violência perpetrada contra os povos indígenas (povo originário), um verdadeiro banho de sangue, um e etnocídio, uma forma de desterritorialidade pervesa”. (SANTOS, 2012 p.02)
É possível também perceber como os indígenas passaram da condição de sujeitos inexistentes, invisíveis a protagonistas do cenário indígena nacional, o que modificou consideravelmente o contexto emque vivem e a sua capacidade de interferir em defesa dos seus próprios interesses e direitos, porém as elites do capital continuam dentro do território forçando-os a continuarem numa invisibilidade histórica.
Os direitos dos povos indígenas, hoje fundamentados na Constituição brasileira de 1988, foram sendo conquistados e amadurecidos no curso de uma história nem sempre justa pra não dizer, nada justa. Este panorama vai sendo pouco a pouco modificado para dar lugar a uma construção coletiva dos direitos indígenas, que gera protagonismo visível e exercido hoje pelos povos indígenas, não por representantes, mas junto a outros setores da sociedade que foram e continuam parceiros na caminhada, buscando mais e mais colocar a lei em prática, sem esquecer a dificuldade ainda existente no que concerne a aplicação fática das garantias jurídicas por parte de órgãos estatais responsáveis pela aplicação dos dispositivos legais. É preponderante o formalismo de nossas instituições e suas respectivas normas.
Observa-se que, na prática, o discurso jurídico nem sempre coincide com a diversidade amparada pela Constituição Federal, os direitos específicos estabelecidos pelo o ordenamento jurídico vigente passaram por um longo processo de transformação mais ainda há muito por fazer. Ao atribuir-lhes “direitos especiais” a Constituição discrimina de forma positiva os índios. Não os iguala, simplesmente, aos demais brasileiros, nem omite seus direitos especificos.
Para Pascual (2003, p. 39), discriminar positivamente significa assegurar direitos especiais ás minorias diferenciadas, como condição para relações efetivas mais igualitárias com os demais brasileiros, e implementar as políticas compensatórias correspondente.
Mesmo diante de um cenário desafiador diz Dom Pedro Casaldáliga: “a causa indígena consiste na maior, mais inveterada dívida que a Nossa América tem; a mais radical dívida, interna mesmo, da entranha do nosso ser e de nossa história”.
6. Considerações
A realidade atual aponta para a necessidade urgente de superação de velhos preconceitos, tendo em vista, sobretudo, as experiências de protagonismo dos povos indígenas no Brasil e na América Latina, que resultaram em importantes conquistas na positivação de direitos, seja no plano constitucional, seja no plano dos direitos internacionais a eles reconhecidos.
É lamentável e absurdo que em pleno século XXI, os índios ainda sejam vistos como cidadãos não plenamente capazes de determinarem as suas próprias vontades, um órgão de Estado sendo o seu tutor e encarregado de intermediar (autorizando e desautorizando) as inúmeras relações de contato em que já se encontram efetivamente envolvidos. A condição de tutelados cerceia sua livre expressão política, a administração direta dos seus territórios, seu acesso aos serviços públicos, ao mercado de trabalho, às linhas oficiais de crédito. Além de reduzir a capacidade civil dos índios, a tutela é um obstáculo à autogestão das terras e dos projetos para as perspectivas das futuras gerações indígenas.
Atualmente, o maior desafio, entorno, dos direitos indígenas não consiste apenas no seu reconhecimento jurídico, mas em sua aplicação no caso concreto, que muitas vezes se mostra lenta e mórbida. Uma das ferramentas que pode orientar sobremaneira essa intervenção é a Convenção 169 da OIT que traz como proposta norteadora abrir o caminho para que os povos indígenas pressionem os governos a implementar seus direitos e até mobilizem outras pressões internacionais.
Além de necessária parece ser urgente uma mudança brusca por parte das atitudes do Estado diante da causa indígena. Estado este que estamos o tempo todo reproduzindo ser um país onde há lugar para todos. Então, onde está o lugar dos legítimos donos desta terra? Parece que os fatos não correspondem com o discurso, observemos,
“O Estado Brasileiro não tem uma política para as populações indígenas. O Estado brasileiro trata as populações indígenas como inimigos de guerra. Somos remanescentes de um processo de guerra de extermínio, ainda não foi assinado um tratado de paz entre o Estado brasileiro e as populações indígenas”. (LACERDA, 2008. p 192)
Sabe-se que um pouco já foi feito, mais o que deve ter claro é que a dívida para com esses povos não cessa por aqui. Os dados estatísticos que parte desde a população resistente até as terras homologadas parecem causar uma sensação de desconforto? Sim, isto é fato, para muitos daqueles que abraçam a causa indígena em algum momento tem-se a impressão de se estar navegando contra a maré, ao perceberem, frente aos interesses do grande capital, do tal “desenvolvimento” econômico e as alianças políticas, que os povos indígenas são o que menos conta, mesmo que à beira do genocídio. Torna-se imprescindível que a sociedade de um modo geral tenha conhecimento da verdadeira situação povos indígenas e também compreendam que esse deve ser um processo irreversível em nosso país. E este é sim um problema de todos.
Continua o desafio do desenvolvimentismo contrariando a vida dos povos indígenas, seja pelo coronelismo, com as suas máscaras recentes ou com os PACs (Programa de Aceleração do Crescimento) que ao atenderem os interesses desse grande capital, estão implementando hidrelétricas e barragens em terras indígenas, novos esbulhos de terras como o caso da terra baú no Pará e o caso recente da hidrelétrica de Belo Monte, o caso do Guarani Kaiwa no Mato Grosso do Sul e anda o caso dos Guarani que vivem nas beiras de estrada no Paraná, todos esses casos, sendo impulsionado, por interesses escusos do capital transnacional dirigido por corporações que muitas vezes não são visíveis aos olhos da população, no entanto vale salientar a resistência desses povos frente a essas lutas. Isso sim é um instrumental de força inquestionável para esse enfrentamento, força esta que nasce do coração e do chão onde habitaram e habitam esses guerreiros.
Na verdade, os indígenas são orientados por uma cosmogonia que também os diferem da lógica cartesiana ocidental que tanto norteia o Estado e a sociedade brasileira. E é essa força religiosa, que mesmo vendo que o Estado não tendo cumprido com o prazo dado pela CF/88 de que todas as terras indígenas seriam demarcadas em 5 anos após a homologação e publicação da Constituinte, eles continuam persistindo e lutando por seus direitos constitucionais de acesso a suas terras tradicionais e as suas formas próprias de governarem seus territórios que sempre estão em disputa, com o agronegócio, com o PAC, onde se revela a podridão do Capital.
É importante ainda, destacar o que o professor Drº Paulo de Bessa Antunes quando se referia aos artigos da Constituição Federal de 88 que trata das terras indígenas afirma,
"A Constituição de 1988 não criou novas áreas indígenas. Ao contrário, limitou-se a reconhecer as já existentes. Tal reconhecimento, contudo, não se cingiu às terras indígenas já demarcadas. As áreas demarcadas, evidentemente, não necessitavam do reconhecimento constitucional, pois, ao nível da legislação infraconstitucional, já se encontravam afetadas aos povos indígenas. O que foi feito pela Constituição foi o reconhecimento de situações fáticas, isto é, a Lei Fundamental, independentemente de qualquer norma de menor hierarquia, fixou critérios capazes de possibilitar o reconhecimento jurídico das terras indígenas. Não se criou direito novo.
É preciso estar atento ao fato de que as terras indígenas foram pertencentes aos diversos grupos étnicos, em razão da incidência de direito originário, isto é, direito precedente e superior a qualquer outro que, eventualmente, se possa ter constituído sobre o território dos índios. A demarcação das terras tem única e exclusivamente a função de criar uma delimitação espacial da titularidade indígena e de opô-la a terceiros. A demarcação não é constitutiva. Aquilo que constitui o direito indígena sobre as suas terras é a própria presença indígena e a vinculação dos índios à terra, cujo reconhecimento foi efetuado pela Constituição Brasileira." (ANTUNES,1988, p. 02)
É através desta compreensão jurídica, agregada a memória histórica, que os grupos conseguem socializar informações transmitir símbolos e valores de suas culturas, com o objetivo de que se perpetre sempre o respeito a diferença e se enalteça o principio da alteridade entre todos os povos.
Acadêmica de Direito na Universidade Estadual da Paraíba – UEPB
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