Muito se tem falado sobre a carga tributária em nosso país. No ano de 2005, a carga tributária atingiu o patamar de 37,37% do Produto Interno Bruto representando um significativo aumento, qual seja, em torno de 30%, ao longo dos últimos 10 anos. Oportuna, então, uma reflexão a respeito de três temas de Direito Tributário imbricados entre si: direitos sociais, imunidades tributárias e a tributação.
De início, oportuno ressaltar que a legislação tributária deve ser elaborada em consonância com o disposto na Constituição Federal pois os preceitos de Direito Tributário se subordinam ao disposto na Constituição Federal. Mais ainda em nosso país, onde o Direito Tributário é essencialmente Direito Constitucional Tributário uma vez que na época em que foi elaborada a Carta ora vigente freqüentemente eram menosprezadas as garantias instituídas em prol dos contribuintes. A propaganda fiscal em que aparecia um leão rugindo – como símbolo da administração fiscal – bem demonstrava o pensamento da época… Em se tratando de Direito Tributário, não há lugar para arbitrariedades por parte da administração fiscal.
A tributação, em suma, é a regra e é conhecida de todos há muito tempo!
Os direitos sociais, de outra parte, são muito recentes, ainda mais se comparados com a cobrança de tributos. Ainda que a “instrução primária” gratuita já constasse na Constituição de 1824 como direito de todo cidadão, não havia a efetiva preocupação em tornar concreto aquele direito constitucional. Apenas recentemente é que se verifica a busca da efetivação dos direitos sociais.
.Pode-se afirmar que existe uma correlação entre a tributação e a cidadania. Se por um lado se faz necessária a cobrança de tributos exatamente para custear a efetivação dos direitos sociais, através da prestação dos mais variados serviços públicos, sob outro enfoque também é necessário apontar – dentre os diversos deveres do cidadão – o dever de pagar os tributos na medida da possibilidade de cada contribuinte.
O Estado (entenda-se-o em sentido amplo, abrangendo tanto a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios) necessita cobrar tributos para obter recursos para o implemento de suas três funções básicas, quais sejam: a prestação de serviços públicos (segurança, saúde, educação, iluminação e limpeza pública, etc), o exercício do poder de polícia (restrição dos direitos individuais em prol da coletividade) e o fomento (proteção e estímulo a determinadas atividades econômicas). Antigamente, o Estado obtinha tais recursos através das guerras e da dominação do povo vencido como também pela exploração do seu próprio patrimônio (era o chamado Estado Patrimonial). Hoje impera o que se denomina Estado Fiscal, ou seja, o Estado necessitando obter recursos cobra (mais e mais) tributos.
A cada dia que passa maior é a necessidade de recursos públicos, pois há um constante incremento nas demandas sociais. Um exemplo bastante atual é o fornecimento de medicamentos a um grande número de pessoas que não têm condições para comprá-los. Ora, para atender a tantas necessidades do povo brasileiro, é imprescindível a cobrança de tributos.
A carga tributária brasileira, assim, vem aumentando ano após ano. Se em 1992 representava aproximadamente 25% do Produto Interno Bruto, ou seja, da produção total de riquezas no país, no ano de 2005 atingiu o total de 724 bilhões, incluindo os tributos cobrados por todos os entes públicos, o que corresponde a 37,37% do PIB, de acordo com os dados divulgados pela Receita Federal. Percebe-se, ano após ano, uma constante elevação no montante de tributos arrecadados em relação ao PIB, bastando referir que em 2004 a carga representou aproximadamente 36% do PIB.
Em relação a outros países, o Brasil está entre os países com maior tributação, logo após Suécia, Noruega, França e Itália. E, ainda que os serviços prestados ao cidadão brasileiro não se comparem com os benefícios disponibilizados aos europeus, pagamos bem mais tributos do que os ingleses, os espanhóis e os alemães.
Em média, trabalhamos até meados do mês de maio para o pagamento dos tributos, que incidem de forma significativa mesmo sobre itens essenciais como energia elétrica (46%) e vestuário (38%).
Do total dos tributos arrecadados, 70% fica nos cofres da União. No mês de julho de 2006, por exemplo, a União arrecadou diariamente 1,1 bilhão de reais! Para fins de comparação, cabe lembrar, de acordo com a lei orçamentária, que para todo o ano de 2007 está destinado ao setor de segurança pública 1,7 bilhão de reais.
Comumente a cobrança de impostos é referida como meio de redistribuição de riquezas. De acordo com levantamento feito pelo Banco Mundial, entretanto, embora o Brasil figure entre as 15 maiores economias e apresente uma das cargas tributárias mais elevadas no mundo, é o 86º colocado no que diz respeito à distribuição de renda. Por certo, a elevada participação do ICMS no preço das mercadorias em geral dificulta a reversão do quadro atual. Ocorre que o ICMS é um imposto regressivo, apresentando um peso maior sobre os consumidores de baixa renda, pois não há como graduar a incidência de tal imposto sobre determinado produto levando-se em conta a renda do adquirente da mercadoria.
Ainda de acordo com o levantamento do Banco Mundial, o denominado “custo Brasil” continua emperrando o desenvolvimento do nosso país, seja porque a carga tributária é bem superior à dos demais países da América Latina, seja porque o tempo destinado à burocracia fiscal também é muitas vezes maior do que o necessário nos países vizinhos para o cumprimento das obrigações fiscais.
Apresentados tais dados relativos à tributação no Brasil, oportuno retomar a reflexão quanto à relação entre a tributação e os direitos sociais.
O trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a proteção à maternidade e à infância, bem como a educação, a saúde e a assistência social, integram o rol dos direitos sociais assegurados aos cidadãos, de acordo com o previsto no artigo 6º da Constituição Federal.
A importância de tais direitos vem referida já no preâmbulo do texto constitucional, segundo o qual se busca ”instituir um estado democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais”. Já no artigo 1º da Lei Maior, o constituinte elegeu a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos da República Federativa do Brasil e, no artigo 3º, indicou dentre seus objetivos fundamentais: a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos.
Portanto, é fácil explicar a relação entre a cobrança de tributos e a prestação dos serviços públicos: quanto mais se demanda do Estado maior é a exigência de recursos para atender as solicitações. Uma vez que o patrimônio público não gera rendimentos suficientes para cobrir aquelas despesas, se faz necessária a criação e a cobrança de tributos.
Evidentemente a concretização das metas previstas na Constituição Cidadã, na busca da efetivação do princípio da dignidade do ser humano, acarreta uma necessidade constante de mais e mais impostos. Assim, mantido o cenário atual, não é plausível almejar a redução da carga tributária.
A crise do Estado, por outro lado, torna mais difícil justificar a necessidade do cidadão cumprir com seus deveres perante o Fisco pois o efetivo destino dado aos recursos públicos desencoraja o pagamento do tributo pelo contribuinte.
A única maneira de prestar melhores serviços públicos e, ainda assim, reduzir a carga tributária, seria através de uma maior eficiência da administração pública juntamente com a redução da corrupção, tão alardeada nos noticiários.
Por outro lado, uma vez que se faz imprescindível a cobrança de tributos, qual a relação entre os direitos sociais e as imunidades tributárias? Podemos conceituar a imunidade tributária como sendo o instituto através do qual determinadas pessoas, coisas ou situações não se sujeitam ao poder de tributar, ou seja, não pagam tributos. Tanto podem deixar de pagar impostos, como também outras espécies de tributos, especialmente as taxas e as contribuições sociais. É o caso das entidades educacionais e assistenciais, elencadas no rol das imunidades, desde que se qualifiquem como sendo não lucrativas.
As imunidades previstas no inciso VI do artigo 150[1] da Constituição Federal têm por objetivo preservar e proteger determinados valores eleitos pelo constituinte como imprescindíveis à sociedade. Assim, a imunidade dos entes públicos está correlacionada com o princípio da federação, a imunidade partidária busca salvaguardar a democracia e a imunidade dos livros está associada à liberdade de expressão.
Em suma, àquelas imunidades correspondem objetivos tidos como superiores pela sociedade.
A imunidade das entidades sem fins lucrativos que se dediquem à educação e à assistência social, por sua vez, está associada à dignidade da pessoa, encontrando sua justificativa no rol dos direitos sociais, pois tais instituições desenvolvem suas funções em paralelo às do Estado.
Na medida em que o Estado não tem estrutura e recursos suficientes para satisfazer a todos os projetos de cidadania, o constituinte estabeleceu a imunidade tributária como forma de incentivar entidades particulares a colaborarem com a Administração Pública na implementação das políticas sociais. Assim, as entidades assistenciais sem fins lucrativos não pagam impostos e contribuições sociais – atendidas determinadas condições previstas no artigo 14 do Código Tributário Nacional – por estarem realizando encargos do Estado.
O privilégio tributário do não pagamento de impostos e de contribuição social justifica-se, então, pois caberia ao Estado prestar as atividades relativas à concretização dos direitos sociais.
Esperamos ter demonstrado, de forma sucinta, a relação entre a imunidade tributária e os direitos sociais, em especial quanto à assistência social, bem como despertado nas pessoas a necessidade de reflexão sobre tal tema.
Membro da Fundação Escola Superior de Direito Tributário. Procurador do Estado do Rio Grande do Sul. Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná. Professor na Pós-Graduação e na Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo do Estado do Rio Grande do Sul
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