Resumo: a Constituição Federal expressamente pronuncia o direito à integridade física e moral, sendo que o primeiro nada mais é do que o direito de ter respeitado seu corpo de maneira ampla, contra tudo que possa feri-lo e o segundo, o direito de proteção a saúde mental da pessoa humana. Neste diapasão, aplicando-se a regra constitucional ao Direito do Trabalho, temos, como exemplo, o direito a intimidade e a vida privada, direitos esses objetos de nosso estudo bem como o direito a um ambiente de trabalho respeitoso e agradável.
Palavras chaves: Dano Moral – Relação de Emprego – Regramento
1 – INTRODUÇÃO
Nas relações empregatícias, onde o empregado está subordinado juridicamente ao empregador, sempre existe uma questão maior: será que o empregado tem direito a intimidade e a vida privada dentro da relação de emprego? Ainda mais, será que referidos direitos, em caso de violação por parte do empregador, são passíveis de reparação?
Verificar-se-á ao longo do presente estudo que todo ser humano, incluídos os empregados, tem assegurado o direito à vida privada e a intimidade, mesmo dentro da relação de emprego. Assim, caso haja lesão dos referidos direitos em face do empregado por parte do empregador, estes estão passiveis de indenização, a titulo de danos morais.
No Direito do Trabalho não se pode falar em direitos imateriais sem mencionar um direito maior, senão o maior de todos eles, e sem o qual de pouca valia seria a Constituição Federal assegurar tantos direitos fundamentais, qual seja, o direito a vida privada, o qual será um dos objetos de nosso estudo.
Nenhum bem juridicamente protegido tem valor maior do que a vida! Por isso, a vida é o limite do dano moral. A vida é fonte primária de todos os outros bens jurídicos.
Agambem [1] lembra que os Gregos, na Antiguidade:
“não possuíam um termo único para exprimir o que nós queremos dizer com a palavra vida. Serviam-se de dois termos, semântica e morfologicamente distintos, ainda que reportáveis a um étimo comum: zoé, que exprimia o simples fato de viver comum a todos os seres vivos (animais, homens ou deuses) e biós, que indicava a forma ou maneira de viver própria de um indivíduo ou de um grupo”.
Para o Direito, “vida é o bem juridicamente tutelado como direito fundamental básico, desde a concepção, momento específico, comprovado cientificamente, da formação da pessoa.”[2]
José Afonso da Silva[3], renomado constitucionalista brasileiro, diz que:
“vida, no texto constitucional (art. 5º, caput), não será considerada apenas no seu sentido biologico de incessante auto-atividade funcional, peculiar a matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua primeira significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. Tido que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida”.
Conforme é cediço, a vida do homem é integrada por elementos materiais e imateriais, ou seja, por componentes físicos, psíquicos e espirituais.
Colocado o direito à vida e à existência, a Constituição Federal expressamente pronuncia o direito à integridade física e moral.
Sendo o homem não apenas titular de um patrimônio material, mas de um conjunto de direitos imateriais e tendo a Constituição Federal de 1988 preocupado-se com os atributos morais da pessoa humana, chegamos a conclusão de que tal patrimônio pode ser afetado ou sofrer prejuízo dentro da relação de emprego gerando a reparação ou ressarcimento dos danos morais causados pela violação dos direitos imateriais do empregado por parte do empregador.
O legislador realçou, portanto, a moral individual, tornando-a um bem indenizável, como abaixo ficará demonstrado.
2 – Do Dano Moral na Relação de Emprego e seu Regramento
É cediço que qualquer procedimento tendente a cercear o exercício dos direitos a honra e a vida privada configurará dano moral, passível de indenização.
Alguns têm inclusive sustentado a possibilidade de reintegração ao trabalho, como por exemplo, na constatação de práticas discriminatórias.
Ante a ausência de regulação no âmbito jurídico trabalhista, é necessário compatibilizar o exercício das garantias fundamentais do empregado, tais como a intimidade e a vida privada, com o direito de propriedade do empregador que lhe garante o poder diretivo e coloca o empregado numa condição juridicamente inferior face subordinação jurídica sempre existente nas relações de emprego.
Como é cediço, não existem regras fixas ou preestabelecidas, em especial no que tange a valoração do dano moral e seu ressarcimento, mas é essencial a manutenção da relação entre empregado e empregador dentro dos patamares da legalidade e este é o trabalho dos intérpretes e dos aplicadores do direito, compor situações aparentemente conflitantes e excludentes, pondo fim as lides, solucionando os conflitos individuais.
O que se tem como certo é que o empregador que causar prejuízos por dano moral ao empregado, deve repará-los. Também a forma contrária é verdadeira: deve o empregado reparar os prejuízos de ordem moral causados ao empregador, o que se salienta aqui somente a titulo de ilustração eis que este não é o objeto do presente estudo.
Quando o direito constitucionalmente assegurado da vida privada e da intimidade de um empregado é violado por seu empregador ou por um preposto deste, nada mais justo do que reconhecer o direito destes trabalhadores receberem aquilo a que realmente têm direito a título de danos morais.
É de se salientar, também, que na relação empregatícia, face à relação de subordinação jurídica existente entre empregados e empregadores, sendo os primeiros o lado submisso e com condições patrimoniais inferiores, não se pode negar que o empregador possui um poder de persuasão em face do empregado bem como este ultimo sofre diversas pressões, as quais podem chegar ao nível de violação de direitos a vida privada e a intimidade, que geram a indenização por danos morais.
Face ao acima transcrito, muitos empregados, diante de sua posição subordinada e condição patrimonial inferior não resistem ao "poder de persuasão" que detém o patrão. A carga psicológica que suportam diante do temor de serem despojados de seus postos e ante ao peso de uma acusação injusta produzem nas pessoas reações que nem sempre querem expressar.
Segundo José Alberto Maciel[4]:
“[…] o trabalhador, como qualquer outra pessoa, pode sofrer danos morais em decorrência de seu emprego, e, acredito até, que de forma mais contundente do que as demais pessoas, uma vez que seu trabalho é exercido mediante subordinação dele ao empregador, como característica essencial da relação de emprego. Ora, o empregado, subordinado juridicamente ao empregador, tem mais possibilidade do que qualquer outro de ser moralmente atingido, em razão dessa própria hierarquia interna em que se submete à sua direção, a qual o vê, na maioria das vezes, como alguém submisso às suas ordens, de forma arbitrária. Em boa hora nosso Direito constitucional evoluiu para integrar no País o dano moral, e nenhum campo é tão fértil para amparar tal direito como o Direito do Trabalho, no qual a subordinação deve ser respeitada, sob pena de abuso moral e conseqüente ressarcimento”.
Inegável que no Direito do Trabalho há um campo muito fértil para a ocorrência de danos morais causados pelo empregador em face do empregado. Existem inúmeros fatores na relação de emprego que podem ofender a vida privada e a intimidade do empregado, contrariando, portanto, os Princípios Constitucionais assegurados a qualquer ser humano, aí também incluídos os empregados, em especial o Principio insculpido logo no art. 1º da Carta Magna de 1988, qual seja, o "da dignidade da pessoa humana" (inciso III) e "o valor social do trabalho".
Na relação de emprego, tanto o empregado quanto o empregador devem pautar-se pela respeitabilidade. Délio Maranhão[5], sobre o tema, diz:
“o contrato de trabalho, como qualquer outro, deve ser executado de boa-fé" e que "o princípio da execução contratual de boa-fé tem, principalmente, um alto sentido moral"
Em verdade, a boa-fé é o suporte de qualquer relação jurídica contratual, não só na relação jurídica empregatícia eis ser um princípio geral de cunho moral, representando respeito mútuo entre as partes no fiel cumprimento do pactuado, englobando direitos e deveres recíprocos.
Fundamentalmente no Direito do Trabalho, tal princípio deve ser posto em evidência, principalmente em face da tão falada subordinação jurídica existente entre empregado e empregador. Ainda mais porque nos dias atuais, em função da globalização e da flexibilização dos direitos trabalhistas, atitudes impensadas podem ter conseqüências sociais não benéficas para a sociedade como um todo, quando levadas a efeito de modo desordenado e sem o respeito a patamares de dignidade do trabalhador culminando em trazer consigo, dentre outros elementos, desnível salarial, piora das condições de trabalho, etc.
O trabalho é a preocupação de todos, principalmente nos dias atuais. Entretanto, deve ser priorizada a pessoa humana sobre o capital, principalmente a intimidade e a vida privada dos empregados, sob pena do empregador responder pelo dano moral causada, mesmo que este dano seja causado não diretamente por este mas por seus prepostos, que a ele se equivale na relação de emprego.
O que se deve salientar é que o empregador deve sim obter lucro. Entretanto, também deve volta seus olhos voltados para o ser humano, o empregado, não invadindo sua vida privada e sua intimidade a ponto de gerar indenização por danos morais.
Em todos os aspectos, o empregador deve-se ponderar por uma preocupação com o trabalho de seu empregado e pela pessoa humana, eis que o trabalho é o maior de todos os fatores de produção da sociedade e o ser humano, fonte de todos os valores. A cidadania é construída pelo trabalho, e o trabalho, por sua vez, dá ao homem mais dignidade, o que torna inseparáveis do ser humano. Por esta razão, pode-se afirmar então que a empresa tem uma finalidade social.
De nada adiantaria uma empresa lucrar e seus empregados estarem sendo humilhados e ofendidos em sua dignidade, em especial no que tange a vida privada e intimidade, sob pena de sofrer pelo pagamento de indenização pelos danos morais causados.
Vários exemplos foram já citados. Entretanto, os empregados podem se deparar com situações extremamente constrangedoras, atingindo as raias do absurdo, e que infelizmente fazem parte do cotidiano dos trabalhadores lançados ao risco do desemprego. É sabido que alguns empregadores prestam informações desabonadoras de seus ex-empregados para empresas onde esses buscam novo emprego, deixando nitidamente claro não só o objetivo de prejudicá-los, impedindo futuras contratações, mas, sobretudo, de denegrir a imagem dos mesmos e ofender-lhes a honra, a vida privada e a intimidade, impedindo-os ainda de exercer seus próprios ofícios, direitos esses que têm proteção certa na Carta Maior de 1988.
Outros empregadores chegam ao absurdo de informar, de modo tendencioso e mentiroso que o ex-empregado recebeu todas as verbas trabalhistas que fazia jus, quando da rescisão de seu contrato de trabalho e, mesmo assim, reclamou na Justiça do Trabalho direitos que não possui.
Atitudes como essa passam a imagem de um empregado litigante de má-fé, insinuando que a Justiça do Trabalho dá guarida a pretensões absurdas e, finalmente, restringindo o direito público e indisponível de ação que possui o cidadão, o que não se pode admitir.
Referidas atitudes têm causado graves prejuízos aos empregados e em especial as suas famílias, que de seu labor dependem para sobreviver, menosprezando os direitos do homem, num verdadeiro desacato a vida privada e a intimidade do empregado e de sua família bem como da sociedade como um todo.
Ainda que ocorridos após a extinção do contrato, entendemos que problemas como esses guardam relação com o contrato de trabalho, permitindo ao ex-empregado a busca da devida reparação do dano moral em face de seu ex-empregador perante a Justiça Especializada do Trabalho.
O dano moral tem aplicação em toda a área do Direito, mas em especial na área do Direito do Trabalho em caso de violação dos direitos imateriais da vida privada e intimidade, causados pelo empregador em face de seu empregado. A Constituição Federal não restringiu seus dispositivos (art. 5º, incisos V e X) a certos ramos, e sim estabeleceu um comando genérico que, por sua vez, tem plena aplicação junto à área trabalhista, comando este, reforçado pelos artigos 186, 187, 926 e 927 do Código Civil de 2002.
Os conflitos sempre existirão, sobretudo no regime capitalista em que vivemos, mas o que não podemos avalizar é que na relação capital-trabalho ocorram investidas do gênero (dano moral), advindas de quaisquer das partes contratantes, preservando a vida privada e a intimidade, sob pena de ressarcimento por danos morais.
A ética deve sempre prevalecer na relação de emprego, posto que ao empregador não seja dado investir impetuosamente contra seu empregado, destinando-lhe ofensas imprudentes contra a sua honra, contra a sua vida privada e contra a sua intimidade.
Neste sentido, afirma Jorge Pinheiro Castelo[6]:
“[…] a condenação no pedido de dano moral é fundamental para que se ponha um paradeiro em alegações pesadas, insinceras e levianas contra a honra das pessoas, especialmente de alguém que, por vezes, dedica até anos de sua vida a uma empresa. É preciso impor um basta à impunidade e penalizar a má-fé e a falta de seriedade e ética nas relações laborais. Deste modo, quando a empresa for acusar alguém de ímprobo precisa ter a certeza da acusação de conduta desonesta que está imputando ao seu empregado. Aliás, se na vida civil exige-se que as pessoas tenham esta certeza antes de acusarem qualquer pessoa, podendo inclusive incidir em crime, com muito maior razão é de se exigir que o empregador tenha cuidado quando, v.g., acusa de desonesto o empregado que lhe serviu, às vezes, por anos”.
No fundo, o Direito do Trabalho tem familiaridade com o assunto, como o prova o próprio artigo 482, da Consolidação das Leis do Trabalho, letra k, que assegura ao empregador a resolução do contrato de trabalho do empregado, por atos lesivos à sua honra, ao passo que o artigo 483, letra e, do mesmo diploma, garante também ao empregado a rescisão indireta em casos de ofensas à sua honra e à boa fama, neles compreendidos a vida privada e a intimidade.
O legislador trabalhista ainda avançou, preocupando-se com o menor, assegurando que de sua ocupação não poderá sobrevir prejuízo à sua formação moral (artigos 405 a 407, da Consolidação das Leis do Trabalho) e também, finalmente, no artigo 408, do mesmo diploma legal, a faculdade do responsável do menor pleitear a extinção do contrato de trabalho, desde que comprovado que o serviço acarrete prejuízo de ordem moral.
Ante à todo o exposto e em conformidade com as posições legais e doutrinárias apresentadas, nossa convicção é de que a personalidade do empregado tem guarida no Direito do Trabalho, restando, portanto, plenamente justificável a reparação quanto aos atos que atinjam sua vida privada e sua intimidade, bens jurídicos valiosos, enfim, sua condição de cidadão-trabalhador.
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