Resumo: O presente artigo pretende abordar uma relevante questão no que tange ao direito administrativo e constitucional. Trata-se da aplicação compulsória do regime de previdência complementar aos servidores públicos federais admitidos no funcionalismo a partir de 04/02/2013 (vigência da Lei 12.618/2012), mas egressos de outros entes federados que não instituíram o regime de previdência complementar. Isto é, a exceção do § 16 do artigo 40 da Constituição Federal é aplicável aos funcionários públicos federais que, até 03/02/2013, ingressaram no serviço público em outro ente da Federação? A mudança de esfera de governo, sem quebra da continuidade, impede o exercício da opção do § 16 do artigo 40 da Constituição Federal?
Palavras-Chave: Servidor Público. Previdência Complementar. Direito Adquirido. Poder Executivo. Esfera de Governo.
Sumário: Introdução; 1. Do Regime Previdenciário do Funcionalismo Público; 2. Do Sistema de Previdência Complementar; 3. Dos Egressos de Outros Entes Federados; 4. Conclusão; Referências.
Introdução
O presente artigo pretende abordar uma relevante questão no que tange ao direito administrativo e constitucional. Trata-se do regime de previdência complementar para servidores públicos federais titulares de cargos efetivos.
Como se sabe, a Lei 12.618/2012, regulamentando o artigo 40 da Constituição Federal, estabeleceu o regime de previdência complementar para os servidores públicos federais.
A partir da vigência da Lei 12.618/2012, fixada em 04/02/2013, os benefícios pagos pelo regime de previdência dos funcionários públicos federais possuem o mesmo limite dos benefícios pagos pelo INSS para o regime geral de previdência. Para compensar essa limitação, o constituinte derivado facultou a criação do sistema de previdência complementar.
Em cumprimento ao § 16 do artigo 40 da Constituição Federal, todos os funcionários públicos que ingressaram no serviço público federal antes da efetiva implantação do sistema de previdência complementar, ou seja, todos que ingressaram até 03/02/2013, podem optar pelo novo regime, ou permanecer no sistema até então vigente.
A questão relevante é: a exceção do § 16 do Artigo 40 da Constituição Federal é aplicável aos funcionários públicos que, até 03/02/2013, ingressaram no serviço público em outro ente da Federação?
A Constituição Federal (§ 16, artigo 40), ao afirmar: “ao servidor que tiver ingressado no serviço público até a data da publicação do ato de instituição do correspondente regime de previdência complementar”, faz alguma restrição ao ente federado no qual houve o ingresso no serviço público?
Em outras palavras, como interpretar a expressão ‘serviço público’ inserida no § 16 do artigo 40 da Constituição Federal? Seria legítimo, por meio de interpretação, retirar do âmbito de incidência do referido dispositivo constitucional os funcionários que ingressaram no serviço público em outro ente da Federação e, a partir de 04/02/2013, ingressaram no serviço público federal sem quebra da continuidade?
Essa é a questão que o presente artigo pretende responder.
1 .DO REGIME PREVIDENCIÁRIO DO FUNCIONALISMO PÚBLICO
O regime de previdência dos funcionários públicos passou por diversas modificações desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988. No presente artigo, não será possível analisar com profundidade o regime originário de previdência.
Contudo, para o deslinde da questão ora proposta, é preciso ressaltar a importância das emendas constitucionais nº 20/1998, 41/2003 e 47/2005. Todas implicaram profundas mudanças no regime de previdência. Em apertada síntese, pode-se afirmar que o escopo de todas as referidas emendas foi tornar o regime de previdência dos funcionários públicos o mais próximo possível do regime de previdência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Nesse sentido, esclarece Maria Sylvia Zanella DI Pietro:
“As bases para a chamada reforma previdenciária foram lançadas pela Emenda Constitucional nº 20/98. O objetivo último é de reduzir os benefícios sociais – mais especificamente proventos de aposentadoria e pensão – dos servidores públicos ocupantes de cargos efetivos e seus dependentes, colocando-os, paulatinamente, nos mesmos patamares vigentes para o regime geral de previdência social, que inclui o trabalhador do setor privado e os servidores não ocupantes de cargo efetivo. O que se objetiva, na realidade, é a unificação da previdência social. Não podendo ser feita de imediato, tendo em vista as situações consolidadas com base na legislação vigente, pretende-se alcançar esse objetivo de forma paulatina[1].”
No que tange ao escopo do presente artigo, é preciso destacar as regras para aposentadoria conforme a data de ingresso no serviço público. Para tanto, vamos adotar como marco temporal a Emenda Constitucional nº 41/2003.
Note-se que a análise concentrou-se nos casos em que o funcionário ingressou após a publicação da Emenda nº 41/2003, na medida em que os funcionários que ingressaram no serviço público antes da referida emenda contam com a possibilidade de aposentadoria integral.
Para o servidor que ingressou em cargo público efetivo de qualquer ente federado após a entrada em vigor da Emenda nº 41/2003, não há opção. Deve-se respeitar as regras de aposentadoria estabelecidas pelo art. 40, §§ 1º, 4º e 5º, com proventos a serem definidos em lei, na forma do § 3º do referido dispositivo legal.
Contudo, aos funcionários públicos que ingressaram após a Emenda Constitucional 41/2003, resta a possibilidade de aplicação das seguintes regras, todas previstas no artigo 40 da Constituição Federal:
“§ 14 – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)
§ 15. O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
§ 16 – Somente mediante sua prévia e expressa opção, o disposto nos §§ 14 e 15 poderá ser aplicado ao servidor que tiver ingressado no serviço público até a data da publicação do ato de instituição do correspondente regime de previdência complementar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)”
Verifica-se que, para o funcionário público que ingressou após a Emenda nº 41/2003, é facultada a opção pelo regime de previdência complementar, ou manutenção do regime de ingresso. Para tanto, é necessário que, quando do ingresso no setor público em cargo efetivo, não estivesse em vigor o sistema de previdência complementar (§ 16 do artigo 40 da Constituição Federal).
No caso dos servidores federais, a regra é a seguinte: (i) para aqueles que ingressaram a partir de 04/02/2013 (data da vigência da Lei 12.618/2012, que instituiu o sistema de previdência complementar), é obrigatório o novo regime, composto pela previdência pública limitada ao teto do regime geral de previdência do INSS, acrescido do sistema de previdência complementar; (ii) para aqueles que ingressaram após a Emenda 41/2003, mas antes de 04/02/2013, é assegurada a opção pelo regime de previdência complementar, ou a manutenção do regime vigente quando do ingresso no funcionalismo.
Ocorre que essa explanação não resolve todas as questões envolvidas, especialmente no que tange aos servidores que ingressaram no funcionalismo público federal a partir de 04/02/2013, mas são egressos, sem quebra de continuidade, de outro ente federado que não havia instituído o sistema de previdência complementar.
A problemática surge em função do seguinte trecho do § 16, do artigo 40 da Constituição Federal: “poderá ser aplicado ao servidor que tiver ingressado no serviço público até a data da publicação do ato de instituição do correspondente regime de previdência complementar”.
Note-se que o texto Constitucional utiliza a expressão ingresso no serviço público, de forma geral. Vale dizer, a redação constitucional não é expressamente restritiva, impondo o ingresso no serviço público em determinada esfera de governo.
Essa questão é o foco principal do presente artigo. Para completa elucidação do tema, será preciso, ainda, estudar outros institutos.
2. DO SISTEMA DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR
É preciso uma breve análise sobre o plano de previdência complementar instituído pela Lei 12.618/2012, especialmente a finalidade almejada e a regra mestre para pagamento de benefícios.
Inicialmente, cumpre destacar que se trata de um regime de previdência pública, de caráter complementar, e organizado de forma autônoma em relação aos demais regimes (regime geral de previdência e regime próprio do servidor público).
Maria Sylvia Zanella DI Pietro faz a seguinte explanação sobre tema:
“A Emenda Constitucional nº 20, no artigo 40, § 14, veio outorgar à União, Estados, Distrito Federal e Municípios a possibilidade de instituir regime de previdência complementar para os seus servidores titulares de cargo efetivo, ou seja, para os que se sujeitam ao regime do artigo 40. Nesse caso, poderão tais servidores ficar sujeitos ao limite máximo estabelecido para os benefícios do regime de previdência social de que trata o artigo 201, seja para proventos de aposentadoria, seja para a pensão por morte.
[…]
A ideia é que a previdência social, como encargo do Poder Público, remanesça apenas para cobrir os benefícios limitados a esse valor, ficando para a previdência complementar a cobertura de valores maiores. Cada ente governamental tem competência própria para instituir o regime, mediante lei de iniciativa do Poder Executivo (art. 40, § 15, com redação dada pela Emenda nº 41/03). Essa previdência complementar, disciplinada pela Lei Complementar 109 de 29-5-2001, somente é possível para os servidores que ingressarem no serviço público após a instituição do novo regime; para os demais, dependerá de sua expressa opção (art. 40, § 16, da Constituição)[2].”
Conforme se extrai da lição doutrinária acima transcrita, a inovação do texto magno tem por escopo a equiparação do regime de previdência dos funcionários públicos, com o regime geral de benefícios do INSS. Para valores de benefícios superiores ao teto do INSS, há o regime complementar de previdência.
Pois bem, em cumprimento ao disposto no texto magno, a Lei 12.618/2012 instituiu o regime de previdência complementar para os servidores públicos federais. A justificativa contida no projeto de lei que deu origem à mencionada lei ressalta, mais uma vez, a finalidade da modificação do regime de previdência:
“[…] o objetivo básico do Projeto de Lei é implementar o regime de previdência complementar para o servidor público federal, dando seqüência à reforma da previdência iniciada com a aprovação da Emenda Constitucional n° 41, de 19 de dezembro de 2003, viabilizando a recomposição do equilíbrio da previdência pública e garantindo sua solvência no longo prazo, isto é, a existência dos recursos necessários ao pagamento dos benefícios pactuados. 3. É certo supor que seu efeito reduzirá a pressão sobre os recursos públicos crescentemente alocados à previdência, permitindo recompor a capacidade de gasto público em áreas essenciais à retomada do crescimento econômico e em programas sociais. 4. A minuta de Projeto de Lei ora apresentada viabiliza uma nova configuração dos dispêndios e obrigações futuras da União para com seus servidores e permite a construção de um modelo de previdência sustentável.”
Evidente, portanto, que o escopo final da reforma da previdência é gerar, mesmo a médio e longo prazo, economia de recursos públicos. A sistemática para pagamento de benefícios pelo regime complementar está disposta nos seguintes artigos:
“Art. 12. Os planos de benefícios da Funpresp-Exe, da Funpresp-Leg e da Funpresp-Jud serão estruturados na modalidade de contribuição definida, nos termos da regulamentação estabelecida pelo órgão regulador das entidades fechadas de previdência complementar, e financiados de acordo com os planos de custeio definidos nos termos do art. 18 da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, observadas as demais disposições da Lei Complementar nº 108, de 29 de maio de 2001.
§ 1o A distribuição das contribuições nos planos de benefícios e nos planos de custeio será revista sempre que necessário, para manter o equilíbrio permanente dos planos de benefícios.
§ 2o Sem prejuízo do disposto no § 3º do art. 18 da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, o valor do benefício programado será calculado de acordo com o montante do saldo da conta acumulado pelo participante, devendo o valor do benefício estar permanentemente ajustado ao referido saldo.
§ 3o Os benefícios não programados serão definidos nos regulamentos dos planos, observado o seguinte:
I – devem ser assegurados, pelo menos, os benefícios decorrentes dos eventos invalidez e morte e, se for o caso, a cobertura de outros riscos atuariais; e
II – terão custeio específico para sua cobertura.
§ 4o Na gestão dos benefícios de que trata o § 3o deste artigo, as entidades fechadas de previdência complementar referidas no art. 4o desta Lei poderão contratá-los externamente ou administrá-los em seus próprios planos de benefícios.
§ 5o A concessão dos benefícios de que trata o § 3o aos participantes ou assistidos pela entidade fechada de previdência social é condicionada à concessão do benefício pelo regime próprio de previdência social.
Art. 13. Os requisitos para aquisição, manutenção e perda da qualidade de participante, assim como os requisitos de elegibilidade e a forma de concessão, cálculo e pagamento dos benefícios, deverão constar dos regulamentos dos planos de benefícios, observadas as disposições das Leis Complementares nºs 108 e 109, de 29 de maio de 2001, e a regulamentação do órgão regulador das entidades fechadas de previdência complementar.
Parágrafo único. O servidor com remuneração inferior ao limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social poderá aderir aos planos de benefícios administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar de que trata esta Lei, sem contrapartida do patrocinador, cuja base de cálculo será definida nos regulamentos.
Art. 14. Poderá permanecer filiado aos respectivos planos de benefícios o participante:
I – cedido a outro órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, inclusive suas empresas públicas e sociedades de economia mista;
II – afastado ou licenciado do cargo efetivo temporariamente, com ou sem recebimento de remuneração;
III – que optar pelo benefício proporcional diferido ou auto patrocínio, na forma do regulamento do plano de benefícios.
§ 1o Os regulamentos dos planos de benefícios disciplinarão as regras para a manutenção do custeio do plano de benefícios, observada a legislação aplicável.
§ 2o Os patrocinadores arcarão com as suas contribuições somente quando a cessão, o afastamento ou a licença do cargo efetivo implicar ônus para a União, suas autarquias e fundações.
§ 3o Havendo cessão com ônus para o cessionário, este deverá recolher às entidades fechadas de previdência complementar referidas no art. 4o desta Lei a contribuição aos planos de benefícios, nos mesmos níveis e condições que seria devida pelos patrocinadores, na forma definida nos regulamentos dos planos.”
Conforme expressamente determinado pela norma legal transcrita, trata-se de regime de contribuição definida. Ou seja, há fixação do valor da contribuição a ser efetuada pelo servidor, mas não há determinação antecipada do valor do benefício.
Isso porque, o valor dependerá de uma série de variantes. A mais relevante é o montante acumulado pelo servidor.
A ideia central é que o próprio servidor, por meio de contribuição e contrapartida do ente público, forme capital suficiente para garantir o pagamento da complementação da aposentadoria.
Trata-se, na verdade, de mais um efeito da ideologia liberal que invadiu os países em desenvolvimento a partir dos anos 1990. A ideia é a migração do sistema de solidariedade (os servidores atuais pagam o benefício dos servidores inativos) para o regime de formação de capital individual (o próprio indivíduo propicia a formação de capital para arcar com o valor da aposentadoria).
Essas são as notas relevantes sobre o regime de previdência complementar que demandam análise.
3. DOS EGRESSOS DE OUTROS ENTES FEDERADOS
Como já dito em outros itens, para o funcionário público que ingressou após a Emenda nº 41/2003 é facultada a opção pelo regime de previdência complementar, ou manutenção do regime de ingresso. Para tanto, é necessário que, quando do ingresso no setor público em cargo efetivo, não estivesse em vigor o sistema de previdência complementar (§ 16 do artigo 40 da Constituição Federal).
Em observância ao disposto no § 16 do artigo 40 da Constituição Federal, a Lei 12.618/2012 assim determinou:
“Art. 1o É instituído, nos termos desta Lei, o regime de previdência complementar a que se referem os §§ 14, 15 e 16 do art. 40 da Constituição Federal para os servidores públicos titulares de cargo efetivo da União, suas autarquias e fundações, inclusive para os membros do Poder Judiciário, do Ministério Público da União e do Tribunal de Contas da União.
Parágrafo único. Os servidores e os membros referidos no caput deste artigo que tenham ingressado no serviço público até a data anterior ao início da vigência do regime de previdência complementar poderão, mediante prévia e expressa opção, aderir ao regime de que trata este artigo, observado o disposto no art. 3o desta Lei.
[…]
Art. 3o Aplica-se o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social às aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de previdência da União de que trata o art. 40 da Constituição Federal, observado o disposto na Lei no 10.887, de 18 de junho de 2004, aos servidores e membros referidos no caput do art. 1o desta Lei que tiverem ingressado no serviço público:
[…]
Art. 22. Aplica-se o benefício especial de que tratam os §§ 1o a 8o do art. 3o ao servidor público titular de cargo efetivo da União, inclusive ao membro do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União, oriundo, sem quebra de continuidade, de cargo público estatutário de outro ente da federação que não tenha instituído o respectivo regime de previdência complementar e que ingresse em cargo público efetivo federal a partir da instituição do regime de previdência complementar de que trata esta Lei, considerando-se, para esse fim, o tempo de contribuição estadual, distrital ou municipal, assegurada a compensação financeira de que trata o § 9o do art. 201 da Constituição Federal.”
Verifica-se que o § 1, artigo 1º da referida norma, ao tratar da obrigatoriedade do regime de previdência complementar, utiliza o ingresso no serviço público como critério diferenciador, sem fazer referência expressa ao ente federado em que houve o ingresso.
O artigo 22 da referida norma faz referência aos servidores públicos egressos de outros entes da federação (estados e municípios) que, sem quebra de continuidade, ingressaram no serviço público federal após a vigência do regime complementar.
A redação dos referidos dispositivos legais gerou a seguinte indagação: a exceção do § 16 do Artigo 40 da Constituição Federal é aplicável aos funcionários públicos que, até 03/02/2013, ingressaram no serviço público em outro ente da Federação e, a partir de 04/02/2013, foram, sem quebra de continuidade, admitidos no serviço público federal?
A questão, além de teórica, gerou diversas indagações envolvendo casos concretos, tendo a Advocacia-Geral da União (AGU) sido chamada para dirimir a questão.
Foi elaborado o parecer nº 009/2013/JCBM/CGU/AGU, que restou aprovado pelo Advogado-Geral da União. Diante dos detalhes da questão envolvida, alguns trechos do referido parecer merecem destaque:
“A questão é saber se o servidor carrega consigo, ou não; o direito de não sujeitar-se ao regime complementar do Ente Político no qual ingresse. No caso da União, a faculdade de aderir ou não ao regime complementar objeto da Lei n. 12.618/12. Não há previsão constitucional nem legal, de que o servidor transporta de um Ente Político para outro, o direito de não aderir ao regime de previdência complementar, pelo fato de não tê-lo feito na origem. Ou de fazer nova opção. A opção do § 16 do art. 40 da CF/88 diz respeito a determinado regime jurídico. Regime jurídico da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Cada Ente da Federação possui autonomia para instituir seu próprio regime jurídico (art. 39 da CF/88), e a opção por regime jurídico está atrelada a cada Ente Federado. Não há regime jurídico universal de opção. O servidor público efetivo tem relação estatutária com o Ente Federado que o admitiu. Daí, não ostenta direito oponível à União de não sujeitar-se às regras estabelecidas na Lei 12.618/12, precedente a seu ingresso. A opção do § 16 do art., 40 da CF/88 é opção por determinado regime jurídico: Regime jurídico próprio de previdência, sem observância do teto do RGPS ou, opção pelo regime complementar (quando o regime próprio do ente Federado arcar com benefício máximo do teto do RGPS). O STF tem entendimento firmado quanto a ausência de direito adquirido a determinado regime jurídico administrativo. Cite-se recentíssima decisão no At 857007 AgR/RS – Rio Grande do Sul, AR. REG no Agravo de instrumento. Relator Ministro Roberto Barroso, julgado em 10/09/2013, 1ª Turma, DJE de 08/10/2013.
[…]
A opção do § 16, art. 40 da CF/88 é uma faculdade que em deferência à legalidade (art. 37, caput da CF/88), somente pode ser exercitada nos limites da norma positivada. No caso da União, a Lei nº 12.618/2012. O direito de opção apenas surge no momento da instituição do regime complementar. E essa opção deve ser exercitada junto ao Ente Federado onde admitido o servidor e no prazo estipulado na Lei de regência. A Lei 12.618/12 é um marco regulatório. O direito de opção (§ 16 do art. 40 da CF/88) somente pode ser exercitado por quem era servidor público federal quando do início de vigência do Funpresp-Exe em 4/2/2013. Quem entrou depois, não detém a mesma prerrogativa do servidor que já estava nos quadros da União. Seria um super direito de expectativa para quem nem era servidor federal. Imagine-se a hipótese de servidores que ingressem nos quadros federais daqui a 5, 10, 15, 20 anos, após a Lei 12.618/12, querendo ostentar direito de receber além do teto do RGPS pelo regime de previdência da União. Refoge a qualquer lógica. A Lei 12.618/12 estabeleceu nos arts. 3º e 22 marcos temporais. Dizem com sua aplicabilidade: um a partir do início da sua vigência (4/2/2013) e o outro até a data anterior ao início da sua vigência (3/2/2013).
[…]
É compulsório a aplicação do limite máximo do RGPS para os ingressos nos quadros federais a partir de 4/2/2013. Não houve distinção de origem; se egresso de Estado, DF ou Município. Quem ingressou no serviço público federal a partir da vigência do FUNPRESP-Exe, em 4/2/2013, sujeita-se ao teto do RGPS para fins de benefício junto ao RPPS, independe de adesão do servidor ao Fundo. Se não aderir, terá seu benefício no Regime de Previdência da União limitado ao teto do RGPS.”
Verifica-se, portanto, que o parecer da AGU é claro ao afirmar pela negativa da possibilidade de opção de regime previdenciário para os servidores públicos egressos de outros entes da federação (estados e municípios) que, sem quebra de continuidade, ingressaram no serviço público federal após a vigência do regime complementar.
Ressalte-se que o caso em análise adota a premissa que o ente federado ao qual pertencia o funcionário não havia instaurado regime de previdência complementar e houve o ingresso no serviço público federal sem quebra de continuidade.
Afirma a AGU que, diante de regime jurídico, não há que se falar em direito adquirido. Portanto, somente os funcionários federais existentes quando da instauração do regime de previdência complementar da Lei 12.618/2012 é que poderiam realizar a opção do § 16 do artigo 40 da Constituição Federal. Na visão da AGU, o direito à opção só surge quando da instauração do regime e se exaure no prazo fixado na norma.
Os servidores que ingressarem posteriormente, mesmo egressos de outro ente federado, não ‘carregam’ o direito à opção do regime de previdência; vale dizer, não ‘carregam’ a opção do § 16 do artigo 40 da Constituição Federal.
Apesar da qualidade do trabalho técnico e da correção de todas as premissas jurídicas elencadas no parecer da AGU, entendemos que essa não é a melhor solução.
Ao contrário do afirmado pela AGU, é possível ao servidor egresso de outro ente federado nas condições aqui expostas realizar a opção do § 16 do artigo 40 da Constituição Federal, a qualquer tempo.
A questão em voga não é direito adquirido. Se pensarmos em direito adquirido a regime jurídico, seria de rigor concordar com a conclusão do parecer, sobretudo quando se trata, como bem destacado, de novo marco regulatório.
Mas o ponto fulcral da questão é a dimensão e os limites da opção inserida no texto constitucional. Vale dizer, qual o limite da opção inserida no § 16 do artigo 40 da Constituição Federal.
Verifica-se que o § 16 do artigo 40 da Constituição Federal afirma que o direito é garantido ao funcionário que ingressar no serviço público. Note-se que o texto constitucional fala em serviço público e não delimita o ente federado.
Assim, por se tratar de norma constitucional que estabelece direitos e garantias, não cabe interpretação restritiva para afirmar que o § 16 do artigo 40 da Constituição Federal, ao se referir a serviço público, o faz no contexto de cada ente federado. Isto é, diante da ausência de limitação expressa do texto constitucional quanto ao ente federado de ingresso no serviço público, não se pode admitir interpretação restritiva.
A solução que se impõe, portanto, é facultar ao servidor egresso de outro ente federado nas condições acima expostas o direito a opção do § 16 do artigo 40 da Constituição Federal. Note-se que não se trata de direito adquirido, mas de mera delimitação do comando constitucional. Afinal, onde o constituinte não restringiu, não é lícito ao intérprete fazê-lo.
Interessante notar que as premissas aqui expostas foram adotadas pela própria AGU, em 2000, ao tratar dos efeitos da Emenda nº 20/1998 para os servidores federais egressos de outros entes federados, sem quebra de continuidade:
“A nomeação e a posse constituem relação jurídica entre o servidor e o Estado, gerando direitos e deveres. A exoneração os extingue. Se a vacância de um cargo decorre da posse em outro inacumulável, cessam os direitos e deveres adstritos ao cargo que vagou e, em razão do cargo provido, são criados ou contraídos outros, nos termos da legislação vigente na data da nova investidura. Na hipótese de tratar-se de posse e conseqüente vacância de cargo pertencente à União, são preservados os direitos personalíssimos incorporados ao patrimônio jurídico do servidor, mesmo se, na data em que este for empossado, os preceptivos de que advieram os direitos não mais integrarem a ordem estatutária, pois subsistirá a relação jurídica e nenhuma interrupção ocorrerá na condição de servidor da entidade empregadora. Nos casos de provimento e vacância envolventes de pessoas político-federativas distintas, aproveita-se o tempo de serviço ou de contribuição, conforme o caso, para efeito de aposentadoria. Não resulta na interrupção da condição de servidor público e, em decorrência, na elisão dos direitos garantidos pelo art. 3º da Emenda Constitucional n. 20, de 1998, a mudança de cargos oriunda de posse e de conseqüente exoneração, desde que os efeitos destas vigorem a partir de uma mesma data. Os cargos podem pertencer a uma mesma ou a diferentes pessoas jurídicas, inclusive de unidades da Federação diversas. Parecer Nº 013, de 11 de dezembro de 2000. -Aprovo-. Em 11-XII-2000. (Processos nº 00400.001788/99-63 e 00416.011419/99-91).”
Não se vislumbra fundamento para mudança da orientação fixada em 2000. Sobretudo quando, no caso concreto, o texto constitucional limita-se a falar em ‘serviço público’.
O Ministério Público do Estado de São Paulo, ao tratar da aplicação do § 16 do Artigo 40 da Constituição Federal, assim se manifestou:
“DESPACHO DO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, de 21.06.2012
Protocolado n. 86.773/12
Interessado: Área de Preparação e Controle de Pagamento de Pessoal
Objeto: consulta referente ao regime de previdência complementar instituído pela Lei Estadual n. 14.653, de 22 de dezembro de 2011
EMENTA : CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PREVIDENCIÁRIO. CONSULTA. REGIME PREVIDENCIÁRIO. PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. 1. O regime de previdência complementar previsto no art. 40, §§ 14 a 16, CF/88, não se aplica àqueles que ingressaram no MPESP após a vigência da Lei Estadual n. 14.653/11 e que já eram servidores públicos da União, de outros Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, desde que não haja solução de continuidade, pois, o § 16 do art. 40 CF/88 não aninha a distinção promovida pelo legislador estadual em favor exclusivamente dos servidores públicos estaduais. […].”
Cabe destacar que o Ministério Público de São Paulo faz exatamente a mesma ressalva exposta no presente artigo. Vale dizer, o § 16 do artigo 40 da Constituição Federal não faz ressalva quanto ao ente federado de ingresso no funcionalismo público. Logo, não se pode admitir norma legal ou interpretação que reduza o âmbito de incidência do texto constitucional.
Assim, é possível ao servidor egresso de outro ente federado nas condições aqui expostas realizar a opção do § 16 do artigo 40 da Constituição Federal, a qualquer tempo.
4. CONCLUSÃO
O regime de previdência dos funcionários públicos passou por diversas modificações desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988. Pode-se afirmar que o escopo de todas as modificações foi tornar o regime de previdência dos funcionários públicos o mais próximo possível do regime de previdência do INSS (regime geral).
Dentre as referidas modificações, a Emenda nº 41/2003 facultou a criação do sistema de previdência complementar, instaurado em âmbito federal, a partir de 04/02/2013, pela Lei 12.618/2012.
A partir da vigência da Lei 12.618/2012, fixada em 04/02/2013, os benefícios pagos pelo regime de previdência dos funcionários públicos federais possuem o mesmo limite dos benefícios pagos pelo INSS para o regime geral de previdência. Para os valores que superem o referido limite, há o sistema de previdência complementar, de contribuição determinada.
Para o servidor que ingressou em cargo público efetivo de qualquer ente federado após a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 41/2003, não há opção. Deve-se respeitar as regras de aposentadoria estabelecidas pelo art. 40, §§ 1º, 4º e 5º, com proventos a serem definidos em lei, na forma do § 3º do referido dispositivo legal.
Contudo, para os referidos funcionários, é facultada a opção pelo regime de previdência complementar, ou manutenção do regime de ingresso. Para tanto, é necessário que, quando do ingresso no setor público em cargo efetivo, não estivesse em vigor o sistema de previdência complementar (§ 16 do artigo 40 da Constituição Federal).
No caso dos servidores federais, a regra é a seguinte: (i) para aqueles que ingressaram a partir de 04/02/2013 (data da vigência da Lei 12.618/2012, que instituiu o sistema de previdência complementar), é obrigatório o novo regime, composto pela previdência pública limitada ao teto do regime geral de previdência do INSS, acrescido do sistema de previdência complementar; (ii) para aqueles que ingressaram após a Emenda nº 41/2003, mas antes de 04/02/2013, é assegurada a opção pelo regime de previdência complementar, ou a manutenção do regime vigente quando do ingresso no funcionalismo.
O direito de opção acima exposto é garantido pelo § 16 do Artigo 40 da Constituição Federal.
A aplicação do referido dispositivo constitucional gerou a seguinte indagação: o direito à opção é aplicável aos funcionários públicos que, até 03/02/2013, ingressaram no serviço público em outro ente da Federação e, a partir de 04/02/2013 foram, sem quebra de continuidade, admitidos no serviço público federal?
Ressalte-se que o caso em análise adota a premissa que o ente federado ao qual pertencia o funcionário não possuía regime de previdência complementar.
O parecer nº 009/2013/JCBM/CGU/AGU, que restou aprovado pelo Advogado-Geral da União, concluiu pela impossibilidade. Afirma a AGU que não existe direito adquirido a regime jurídico. Portanto, somente os funcionários federais existentes quando da instauração do regime de previdência complementar da Lei 12.618/2012 é que poderiam realizar a opção do § 16 do artigo 40 da Constituição Federal. Os servidores que ingressarem posteriormente, mesmo egressos de outro ente federado, não ‘carregam’ o direito à opção do regime de previdência.
Ao contrário do afirmado pela AGU, é possível ao servidor egresso de outro ente federado realizar a opção do § 16 do artigo 40 da Constituição Federal, a qualquer tempo.
A questão em voga não é direito adquirido. O ponto fulcral da questão é a dimensão e os limites da opção inserida no texto constitucional. Vale dizer, qual o limite da opção inserida no § 16 do artigo 40 da Constituição Federal.
Verifica-se que § 16 do artigo 40 da Constituição Federal afirma que o direito é garantido ao funcionário que ingressar no serviço público. Note-se que o texto constitucional fala em serviço público e não delimita o ente federado.
A solução que se impõe, portanto, é facultar ao servidor egresso de outro ente federado nas condições acima expostas o direito à opção do § 16 do artigo 40 da Constituição Federal.
Procurador Federal, Bacharel em Direito pela PUC-SP, Especialista em Direito Tributário pela PUC-SP
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