Com o estopim da Primeira Guerra Mundial em 1914, os países europeus, devido a guerra, reduziu sua capacidade de exportar o que conseqüentemente acarretou a necessidade de uma expansão industrial nos países dependentes, como o Brasil, em contrapartida, esses países aumentaram a importação de matérias-primas e alimentos.
Foi nesse contexto, que foi promulgado o Código Civil de 1916, elaborado por Clóvis Bevilácqua. Este código versava sobre os juros em seu art. 1062, estabelecendo que quando não convencionada, a taxa de juros compensatória seria de 6% ao ano, favorecendo o crédito; contudo não pode-se dizer que este limitava a taxa de juros, pois exceder tal limite não configurava nenhum ilícito, permitindo, assim, abusos.
Com a expansão industrial brasileira, houve uma explosão demográfica nas áreas urbanas, surgindo a classe burguesa (comerciantes e proprietários de indústrias) e a classe média, composta por militares, advogados, médicos, artesãos, professores, etc. Essa mudança na sociedade originou uma nova forma de pensar, questionando o domínio das oligarquias.
Com a primeira guerra mundial, os países imperialistas envolvidos tiveram uma sensível queda em sua produção industrial, tal situação gerou uma necessidade de que o Brasil se desenvolvesse industrialmente para suprir suas necessidades e ainda surgiu a oportunidade de aumentar seu mercado consumidor.
Com o fim da guerra, voltou-se a exportar produtos agrícolas, caindo novamente os incentivos a indústria brasileira, que sem medidas protecionistas, não tinham condições de concorrer com os preços e tecnologia dos produtos industriais das grandes potências mundiais.
Com a crise de 1929, num contexto de especulações e de depressão mundial o governo sentiu necessidade de regular a economia e limitar os juros, intervindo assim no setor financeiro.
Então, o Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil dispôs sobre juros no Decreto 22.626 de 07 de Abril de 1933.
Esse decreto, com o principal objetivo de conter excessos na cobrança de juros e estabelecia entre outras coisas a taxa máxima de 12% ao ano, a proibição da cobrança de juros sobre juros. Vaticinava também, sobre o delito de usura, que ocorre quando o devedor é sujeito a taxas maiores das estabelecidas, ou ainda a ocultação desta. Previa a pena de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa, sendo dobradas no caso de reincidência.
A Constituição Federal de 1988 elevou tal norma a patamar constitucional, em seu art. 192, § 3º:
“As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.”
Entretanto, promulgou-se a Lei 4595 de 31 de dezembro de 1964 que dispôs sobre a em seu art. 4º, dispõe a respeito das atribuições do CMN:
“art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo as diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República:
VI- Disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas, inclusive aceites, avais, e prestações de quaisquer garantias por parte das instituições financeiras;
IX- Limitar; sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central do Brasil […];
XVII- Regulamentar, fixando limites, prazos e outras condições, as operações de redescontos e de empréstimo, efetuadas com quaisquer instituições financeiras públicas e privadas de natureza bancária”.
E a Súmula nº 596 do STF veio instituir, baseada nesta Lei 4595 de 1964, que o Decreto 22.626 de 1933 não se aplicaria às taxas de juros cobradas pelas instituições financeiras.
Tal situação se deu pela descredibilidade em que passava o Brasil junto ao mercado financeiro, para vender títulos da dívida pública era necessário que estes tivessem uma grande rentabilidade por serem consideradas atividades de risco, entre outras razões que veremos no decorrer deste trabalho.
Após essa Lei, com a entrada em vigor da Constituição de 1988, o art. 192, CF estabeleceu novamente o limite dos 12% ao ano, entretanto, a Emenda Constitucional nº 40 de 29 de maio de 2003 veio a dar o golpe de misericórdia de qualquer controle legislativo sobre a taxa de juros das instituições financeiras. Esta revogou as disposições do artigo 163 da CF/1988 que determinava que uma única lei complementar disporia sobre o sistema financeiro nacional, podendo agora serem feitas várias para tal intuito e, revogou os incisos e parágrafos do art. 192, que limitava as taxas de juros a 12% ao ano.
A Emenda Constitucional nº 40 foi aprovada sob a argumentação de que o sistema financeiro estaria estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade, como preceitua a própria CF art. 192:
“O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade…”
Porém a Comissão Parlamentar de Inquérito tem investigado ao longo dos últimos tempos, inúmeras irregularidades demonstrando que tal assertiva na atual conjectura não passa de utopia.
CONCLUSÃO
A Emenda Constitucional nº 40 de 29 de Maio de 2003 revogou os incisos do art. 192, CF que impunha a última limitação legal vigente em 12%, dispondo que Lei Complementar disporia sobre as taxas de juros.
O art. 192, CF, modificado pela Emenda Constitucional nº40 preceitua que:
“O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir os interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram”.
Tal Lei Complementar nunca veio e, assim, continuou vigorando a Lei 4595 de 31 de dezembro de 1964 que dispôs sobre a delegação de poderes em seu art. 4º, a respeito das atribuições do CMN:
“art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo as diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República
[…]
IX- Limitar; sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central do Brasil
[…]
XVII- Regulamentar, fixando limites, prazos e outras condições, as operações de redescontos e de empréstimo, efetuadas com quaisquer instituições financeiras públicas e privadas de natureza bancária”.
É certo que o art. 25, caput e inciso I do ADCT (atos de disposições constitucionais transitórias), revogou expressamente o poder de delegação de competências, mas o Executivo em atos de competência do Congresso Nacional, entretanto, preveu um prazo de 180 (cento e oitenta) dias para ser aplicado e ainda permitiu a prorrogação desse prazo por leis hierarquicamente inferiores:
“art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:
I- ação normativa[…]”
Enquanto não é promulgada a Lei Complementar, veio uma nova Medida Provisória de nº 45, de 31 de março de 1989, que prorrogou a competência da fixação de juros ao Conselho Monetário Nacional por prazo “indefinido”.
Tal Medida Provisória (MP) tinha o prazo pré-estabelecido de 180 dias para a elaboração de tal lei, como já foi dito, contudo, foram editadas sucessivas medidas provisórias, prorrogando o prazo previsto a perder de vista.
Muito é discutida a constitucionalidade dessa situação, já que, como o próprio nome diz é “provisória” e não deveria vigorar através de outras MPs. Tal situação é insustentável, um atentado à Constituição Federal e à soberania nacional. Uma Medida Provisória vigorando indefinidamente desta forma é como se tivesse patamar de norma constitucional.
Neste momento, está vigendo como se o fosse e, pior, além de hierarquicamente inferior, ainda está em contradição com o art. 22 CF/1988 que estabelece que:
“art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I- direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.
VI- do sistema monetário […]”
Ainda nesse sentido a própria Constituição estabelece:
“art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República […], dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:
XIII- matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações.”
Tal delegação de competência da Medida Provisória ao CMN, pode ser aceita apenas em caráter provisório, mas é de saltar aos olhos a inconstitucionalidade de sucessivas prorrogações, visto que o art. 68, CF dispõe em seu parágrafo 1º:
“§ 1º Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria RESERVADA A LEI COMPLEMENTAR […]”.
Conforme Coser, (2000, p.55) muito francamente expressa: “Dessa forma, por não enfrentar o problema de frente, não pretender de fato resolver, cria uma centralização de riquezas, mas não nas mãos dele (nossa- Estado), na dos captadores, que se aproveitam e especulam, “os grandes agiotas”, e agem impunemente com o aval do governo e respaldados por decisões do Poder Judiciário,o único que poderia extirpar esse vergonhoso câncer da sociedade, prestigiando o que há de mais sagrado em nossa democracia. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL.”[1]
A meta do controle da inflação, argumento para sustentação de tal prática, é um argumento frustrado, porque toda vez que a taxa de juros é majorada, tal aumento é repassado pelos setores econômicos ao preços dos produtos e serviços necessários à sociedade.
Tal situação da política de majoração surgiu para auxiliar no pagamento da dívida externa, mas a contrário senso, acabou por aumentá-la pois, com a venda de títulos da dívida “atrativos” pelos juros, o Brasil acaba por se afundar ainda mais em débitos.
O mercado financeiro interpreta a taxa de juros em função de três variáveis: 1- a elevação da inflação doméstica, 2- as expectativas inflacionárias para o fechamento do ano e 3- o cenário externo. A taxa Selic ou de mercado não resolveu nenhuma destas, pelo contrário, O que leva à conclusão que também fica inviável um melhor planejamento da Economia, importando apenas em sacrifícios à sociedade.
O crédito é essencial à sociedade como gerador de renda e empregos. tem importância primordial na vida das pessoas (físicas ou jurídicas) que precisam deste para crescer, sobreviver e, ou, permanecerem solventes.
Atento ainda para o fato de que o Brasil tem a maior taxa de juros do mundo! Não existe tal exagero no preço do uso do capital nem em países desenvolvidos, nem nos países emergentes. Só esse fato já seria o bastante para questionar tal política monetária adotada.
Neste ínterim, como se vê na decisão da Ação de Inconstitucionalidade abaixo transcrita, vemos que a jurisprudência vem entendendo insustentável tal situação e tem decidido pela revogação de tal competência conferida ao CMN:
AI 544607 qo/sp, REL. Min. Sepúlveda Pertence, 24.5.2005. (AI-544607)
“ Revogação de Competência e Art. 25 do ADCT- 3- A Turma concluiu julgamento de recurso extraordinário, interposto por instituição financeira, em que se pretendia a desconstituição de acórdão que, embora reconhecendo não ser auto-aplicável o § 3º do art. 192 da CF, determinara a redução de juros ao montante de 12% ao ano, consoante disposto no Decreto 22626/33, por entender revogada, pelo art. 25 do ADCT, a Lei 4595/64, na parte em que outorga poderes ao Conselho Monetário Nacional para dispor sobre as taxas de juros bancários, razão pela qual o mencionado decreto teria voltado a viger em sua integralidade- v. Informativos 381 e 386. Por maioria, deu-se provimento ao recurso para determinar que o Tribunal a quo reaprecia a questão dos juros com base nas normas aplicáveis nas resoluções e circulares baixadas pelo Banco Central e vigentes na data da celebração do negócio jurídico. Entendeu-se não haver que se falar em revogação dessa lei, haja vista que, conforme se desprende da redação do art. 25, ADCT, o objeto da revogação, quando ultrapassado o prazo de 180 dias da promulgação da CF é a competência atribuída ou delegada a órgão do Poder Executivo pela legislação pré- constitucional e não as normas editadas quando vigente a delegação. Concluiu-se que as normas objeto dessa ação são válidas já que editadas dentro do prazo previsto na norma transitória, quando o Poder Executivo possuía competência para dispor sobre instituições financeiras e suas operações, sendo indiferente, para sua observância, Ter ou não havido a prorrogação prevista no art. 25 do ADCT. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto que negarem provimento ao recurso, por considerar que esta delegação conflita com o art. 25 do ADCT, porquanto ausente de razoabilidade a prorrogação sucessiva de leis elastecendo um prazo de 180 dias de forma indeterminada.”
RE 286963/MG, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 24.5.2005 (RE-286963)
Uma renovação firme das decisões dos magistrados, fazendo prevalecer a nossa tão ferida Carta Magna, e acolhendo assim, a aplicação do Decreto 22.236/33, por falta de lei complementar que regulamente o assunto, seria um bálsamo ao tão sofrido povo brasileiro.
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