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Duelo Eletrônico (Ou “Feitiço contra feiticeiros”)

Há uns dez anos, em livro editado com o nome “Estudos de Direito e Processo Penal em Homenagem a Manoel Pedro Pimentel”, escrevi artigo visando o fenômeno, recém-iniciado, referente àqueles que começavam a exercer metodicamente a espionagem eletrônica. Chamava-se “Direito e Dever ao Silêncio”. Aquele estudo foi pouco divulgado. A tiragem era pequena. Embora importante a qualidade dos outros articulistas, seria encontrado, hoje, em uma ou outra coleção jurídica ou num daqueles livreiros especializados em fornir, pelo peso, as bibliotecas das novas Faculdades de Direito implantadas às dezenas no país.

De qualquer maneira, a análise era profética, antecipando os ciclópicos cruzamentos de interferências concretizadas por empresas especializadas em espionagem eletrônica, instituições outras voltadas à contra-espionagem, órgãos oficiais aplicando os ouvidos nos anteparos das alcovas, organismos persecutórios ambientando-se na permanente utilização de fones auriculares, particulares grampeando seus próprios telefones e cidadãos outros protegendo-se das escutas alheias. Uma parafernália infernal. É lembrar, apenas para suavizar o texto, entrevista concedida há pouco a um grande jornal paulista pelo marido de candidata à prefeitura paulistana: o entrevistado, entre fotografias variadas, teria colocado um gravador sobre a mesa, dizendo ao repórter: “– Só para o caso do seu gravador apresentar defeito”.

Surge agora, noticiado pela imprensa comum e pela internet, um meio escândalo (é meio porque há outros maiores) concernente a espiolhamento da comunicação entre executivos de alto coturno e representantes de empresas intrometidas na disputa pela telefonia móvel e fixa, mais projeções técnicas dos respectivos sistemas. É menos importante a identificação das criaturas em refrega, bastando dizer que se colocam em degraus extremamente importantes no panorama político e financeiro nacional, projetando-se, alguns tentáculos, a partir do exterior. Em síntese, um dos prepostos da Presidência da República reclamou acremente por ter sido espionado por empresa especializada em escuta ilegal e na interferência, mais proteção, daqueles empresários interessados na manutenção das intimidades de seu comércio (ou de sua indústria, o que equivale à mesma coisa).

O Ministro – porque ministro é – acentuou, rispidamente, que aquelas manobras  eram “sórdidas”, sinônimos de imundície, indignidade, abjeção, infâmia, sordidez e torpeza, parando-se por aí, embora outras analogias existam nos dicionários de sinônimos da língua portuguesa. Evidentemente, o ministro ferido pelas investigações espúrias não tem a mínima co-participação em manobras iguais praticadas em nome do Estado ou por inspiração da ideologia vigente no próprio exercício do poder, sabendo-se embora que, na própria vida doméstica, até as faxineiras costumam inspirar-se na forma de agir dos patrões. A humanidade é assim e o Estado, ser fictício mas imperante, gera protuberâncias que se assemelham à matriz, quer por conduta positiva dos líderes máximos, quer por omissão destes na censura das extravagâncias dos subalternos. Há razão bastante nas reflexões do comentarista, pois o Brasil é, hoje, palco de extremados comportamentos dos próprios agentes do poder na violação da privacidade, com ou sem autorização judicial, melhor situadas as interferências feitas na clandestinidade, porque não enlameiam, quando autorizadas, a toga dos juízes que as permitem ou determinam.

A interceptação telefônica, epistolar ou por meio da internet, constitui, verdadeiramente, uma rotina de trabalho dos órgãos voltados à investigação nas suas diversas formas, atingindo, inclusive, a complexa posição daqueles que têm, por força da própria profissão, segredo estrito a guardar. Dir-se-ia que o Ministro das Comunicações foi muito discreto, ao cognominar a espionagem de sórdida. É mais que isso: é demonstrativo do apodrecimento dos mínimos princípios éticos atinentes ao respeito aos direitos e garantias do cidadão, pois não se dirá que o Ministro de Estado deixa de ser cidadão pelo simples fato de estar ornado com a coroa de preposto do governo central. O ministro tem mulher, filhos, amigos e parentes, tem seus amores, suas tristezas e suas dores e deve estar, justificadamente, irritadíssimo com o entremeio da violação dos segredos de seu lar. Não se dirá, arredondando, que o espiolhamento estancou na pessoa desse único agente da administração. Já houve caso de grampeamento de telefone de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Há, nisso tudo, uma guerra soturna, uma paranóia nacional.

A inércia ou vagarosidade do Poder Judiciário na regulamentação – dizendo o direito –  da legitimidade ou ilegalidade de tais interceptações, gerou isso que se vê por aí, uma briga que ameaça transformar-se em xingamento de vizinhos no alto do muro que separa os quintais, tudo nivelado por baixo, porque se o Ministro tem sua intimidade violentada, faz o mesmo o beleguim de baixa estirpe, seguindo o exemplo de quem iniciou o movimento abastardado. O alto servidor que teve dentro de suas fechaduras uns olhos coruscantes invadindo, quiçá, a integridade de seu direito de estar só, merece, sem dúvida, um consolador amplexo de solidariedade. Menos mal, mas aqueles que ultrapassaram as paredes do domicílio daquele diferenciado brasileiro não são tão culpados assim. Imitaram, apenas, o exemplo supremo do Estado-Administração. No fim das contas, se o patriarca faz ou deixa fazer, os servos acham que também podem. E fazem. Eis aí!

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Paulo Sérgio Leite Fernandes

 

Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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