Resumo: Este trabalho tem como escopo acentuar a existência do efeito translativo em sede do recurso especial, sem que isso desconsidere a constitucional exigência do prequestionamento. Inicialmente, adentrar-se-á na análise do efeito translativo, sem deixar de expor a instigante discussão relativa à autonomia desse efeito, dissociando-o da dimensão vertical do efeito devolutivo. Por fim, far-se-á um estudo sobre o recurso especial, abordando como ocorre sua cognição no juízo de admissibilidade, bem como no juízo de mérito, evidenciando que as atividades cognitivas realizadas nesses juízos são distintas e inconfundíveis, para, com isso, concluir pela compatibilidade do efeito translativo no julgamento do recurso especial, caso este tenha sido conhecido por qualquer que seja o fundamento.
Sumário: 1. Introdução. 2. Do efeito translativo dos recursos. 3. Da cognição no recurso especial. 4. Juízo de admissibilidade no recurso especial. 5. Juízo de mérito no recurso especial. 6. O efeito translativo no recurso especial. 7. Considerações finais. 8. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por finalidade estudar a compatibilidade da aplicação do efeito translativo no recurso especial, ou seja, o conhecimento de matérias de ordem pública que não foram prequestionadas.
Para compreensão do tema, inicia-se com algumas considerações, a exemplo, do que vem a ser o efeito translativo, que nada mais é que a possibilidade de o órgão ad quem conhecer, de ofício, as matérias de ordem pública, no momento de analisar o recurso, figurando-se como uma decorrência direta do princípio do inquisitivo.
Prosseguindo no iter do trabalho, abordam-se algumas ponderações sobre o recurso especial, o qual é um meio de impugnação direcionado ao Superior Tribunal de Justiça e ostenta substrato jurídico na Constituição Federal, a qual prevê algumas peculiaridades para que este recurso seja cabível. Entre essas especificidades, encontra-se a exigência de que a matéria que se deseja impugnar tenha sido decidida pelo órgão a quo, surgindo, assim, a ideia do prequestionamento.
Feitas essas avaliações, surge a problemática do presente trabalho, qual seja, a de se perquirir se o efeito translativo é compatível com o recurso especial, diante da exigência do prequestionamento.
A doutrina é vacilante quanto ao assunto, existindo forte corrente que entende não ser possível reconhecer o efeito translativo no recurso especial[1], entretanto, aliando-se à parcela doutrinária[2] que diverge desse primeiro pensamento, defende-se, com afinco, a aplicabilidade desse efeito em tal recurso, como forma de zelar por uma prestação jurisdicional efetiva.
Em primeiro plano, todavia, é difícil vislumbrar essa possibilidade, pois, se o Superior Tribunal de Justiça só pode analisar as matérias que foram efetivamente analisadas pelo Tribunal de origem, não se mostra razoável que conhecesse de ofício alguma questão, ainda que essa seja de ordem pública.
O que se pretende demonstrar no decorrer deste trabalho, contudo, é que o prequestionamento diz respeito ao juízo de admissibilidade, sendo uma das etapas necessária para superar o cabimento desse recurso, porém, após seu conhecimento, o seu juízo de mérito será aberto, devendo-se julgar a causa aplicando-se o direito à espécie, o que implica o conhecimento das matérias de ordem pública de ofício.
Assim, abordar-se-á a possibilidade do efeito translativo no recurso especial, deixando assente que, se o recurso especial for conhecido por qualquer que seja o fundamento, o juízo de admissibilidade encontra-se preenchido, devendo-se ingressar no juízo de mérito, para, aqui, aplicar o direito à espécie, possibilitando, com isso, o conhecimento de ofício das matérias de ordem pública, até como forma de satisfazer a necessidade de uma efetiva prestação jurisdicional, evitando-se os contratempos de ter que se ajuizar uma ação autônoma, para arguir um vício, que o Tribunal já poderia ter analisado no processo originário.
2. DO EFEITO TRANSLATIVO DOS RECURSOS
O efeito translativo traz a possibilidade de o órgão ad quem conhecer das matérias de ordem pública de ofício, sendo decorrência direta do princípio do inquisitivo, visto que o Tribunal não depende de provocação das partes para tal mister[3].
O primeiro ponto controvertido quanto a esse efeito diz respeito a sua autonomia, pois há vertente doutrinária que entende que o conhecimento das matérias de ordem pública de ofício seria uma decorrência da dimensão vertical do efeito devolutivo[4].
No entanto, como já mencionado supra, o efeito devolutivo decorre do princípio do dispositivo, ou seja, é necessário que haja uma provocação por parte do recorrente no momento de fixar o objeto litigioso de seu recurso através dos pedidos recursais, para que, assim, o Tribunal analise determinada matéria. Se o órgão ad quem conhece dessa matéria independente de provocação dos recorrentes, estar-se-á diante de uma atividade inquisitiva, que é incompatível com o efeito devolutivo, ainda que em sua dimensão vertical[5].
Para quem entende que o conhecimento das matérias de ordem pública decorre da dimensão vertical do efeito devolutivo, argumenta que o princípio do inquisitivo não é incompatível com o efeito devolutivo, de modo que a interposição do recurso leva ao conhecimento do órgão julgador todas as matérias de ordem pública, sendo, portanto, incorreto associar o efeito devolutivo exclusivamente ao princípio do dispositivo[6].
Registre-se, contudo, que o reconhecimento das matérias de ordem pública pode ocasionar uma sucumbência ainda maior do que aquela em que a parte já se encontrava, o que ocasionará a reforma para pior da decisão, sem que isso fira o princípio da proibição da reformatio in pejus, posto que o conhecimento de tais matérias não se submete à preclusão. Dessa forma, fica difícil visualizar que, ao se reconhecerem as matérias de ordem pública de ofício, piorando a situação do recorrente, o Tribunal esteja se utilizando do efeito devolutivo, pois, nesse caso, sim, verificar-se-ia a violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, visto que a parte, ao recorrer, não tem interesse jurídico em piorar a sucumbência em que já se encontra[7].
Importante salientar que o efeito translativo não reside no conhecimento das matérias de ordem pública, mas sim na forma como tais matérias são analisadas, logo, se a parte recorrer e fixar como objeto do recurso a análise de uma matéria de ordem pública, a exemplo da prescrição, o Tribunal, ao analisá-la, estará analisando-a através do efeito devolutivo, pois tal matéria foi fixada como objeto recursal. Se o recorrente, porém, não a alegar, e, de ofício, o Tribunal reconhecê-la, estará utilizando-se agora do efeito translativo.
Diante disso, denota-se que, ao ser provocado para a análise de alguma matéria, o Tribunal sai de sua inércia (princípio do dispositivo) e poderá analisá-la por intermédio do efeito devolutivo, todavia, ao conhecê-la de ofício (princípio do inquisitivo), o Tribunal avaliará a questão via efeito translativo.
Um aspecto ainda não uníssono na doutrina e jurisprudência diz respeito à aplicação do efeito translativo no recurso especial, no entanto, por ser a discussão central deste trabalho, o tema será objeto de estudo próprio.
3. DA COGNIÇÃO NO RECURSO ESPECIAL
Os atos processuais, de um modo geral, envolvem cargas cognitivas, ainda que em níveis distintos. Nessa perspectiva, o estudo da cognição mostra-se relevante para a compreensão do processo moderno, tanto é verdade, que as espécies de processo (conhecimento, cautelar e execução) organizam-se a partir do grau de cognição judicial que se aufere em cada um deles[8].
Da mesma forma acontece com os recursos, que, em regra, possuirão duas atividades cognitivas, iniciando pelo juízo de admissibilidade e finalizando com o juízo de mérito. As atividades cognitivas na esfera recursal irão variar de acordo com a espécie de recurso que se estuda.
Nosso objeto de estudo será o recurso especial, que é uma espécie do gênero recursos excepcionais, o qual encontra previsão na Constituição Federal e possui uma série de peculiaridades, que serão, aos poucos, enfrentadas neste trabalho.
Preliminarmente, frise-se que o recurso especial encontra amparo jurídico na Constituição Federal de 1988, a qual criou o Superior Tribunal de Justiça, dividindo as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário de competência do STF, o qual, até o advento da Constituição Cidadã, servia para impugnar tanto a violação à Constituição como a violação à legislação federal, buscando, assim, desafogar o crescente número de recursos extraordinários[9].
Com relação à sua fundamentação, o recurso especial classifica-se como de fundamentação vinculada. Dessa forma, apenas as matérias previamente previstas pela lei poderão figurar como causa de pedir desse recurso. Sendo assim, o artigo 105, III, em suas alíneas a, b e c, da CRFB, tipifica as matérias que podem ser arguidas em sede de recurso especial.
Faz-se mister salientar ainda que o recurso especial não inaugura um terceiro grau de jurisdição[10], pois nosso sistema prevê apenas dois graus de jurisdição, ou seja, duas instâncias ordinárias, que são responsáveis por tutelar os interesses subjetivos das partes de forma direta, imediata.
Já o Superior Tribunal de Justiça, que detém a constitucional competência, para conhecer e julgar o recurso em análise, tem como finalidade precípua pacificar o ordenamento jurídico no tocante à legislação federal infraconstitucional. Logo, o STJ exerce uma função uniformizadora da jurisprudência pátria, sendo essa sua preocupação imediata, e só, indiretamente, acaba por tutelar os interesses de uma das partes, porém tal tutela é decorrência do exercício da finalidade primária do STJ, o que nos permite afirmar que aquela Corte concede guarida aos interesses dos recorrentes apenas de forma indireta[11].
Fundamentando-se na premissa de que o recurso especial não inaugura um terceiro grau de jurisdição, bem como na de que o STJ existe, para pacificar o ordenamento jurídico, aquela Corte não se preocupará com o reexame probatório. Nesse esteio, o Tribunal Paradigmático que aqui se estuda tem o entendimento de que a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial[12].
Não preocupado com o reexame probatório que fundamentou a decisão impugnada via recurso especial, tal meio de impugnação pode ser visto sob a óptica de um recurso de estrito direito ou de efeito devolutivo restrito, como usualmente denomina a doutrina[13]. Além de o reexame de provas desvirtuar a missão do STJ em pacificar o ordenamento jurídico no tocante à legislação federal infraconstitucional, convém lembrar que o recurso especial é de fundamentação vinculada, e o reexame probatório não se enquadra em nem uma das hipóteses de seu cabimento.
Ainda nesse aspecto introdutório, frise-se, por fim, que o recurso especial não tem efeito suspensivo próprio (por força de lei), assim, o simples fato de interpor tal recurso não paralisará a eficácia da decisão impugnada (art. 542, § 2º, c/c art. 497, ambos do CPC), o que não impede, como já salientando, que o recorrente consiga esse efeito, o que não ocorrerá apenas, de forma automática, ou seja, com a simples interposição do recurso. A consequência prática é que, com a interposição do recurso especial, a parte poderá iniciar, caso deseje, a execução provisória.
Realizada essa breve explanação introdutória, passa-se a enfrentar a cognição no recurso especial.
4. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE NO RECURSO ESPECIAL
O juízo de admissibilidade do recurso é prévio e condicionante ao juízo de mérito. Em outras palavras, o órgão ad quem só adentrará no mérito do recurso, se tal juízo for ultrapassado.
Diante dessa premissa inicial, verifica-se o quanto é importante a observância do preenchimento dos requisitos de admissibilidade dos recursos, o qual possibilitará que o órgão julgador enfrente o mérito recursal[14].
Antes de adentrar nos requisitos de admissibilidade, convém salientar que o recurso especial segue a regra do nosso ordenamento de que os recursos são interpostos no juízo a quo, ou seja, aquele que prolatou a decisão que se deseja impugnar, de modo que a admissibilidade será feita, em primeiro plano, por tal Tribunal. Entendendo ser o recurso admissível, o Tribunal providenciará a remessa dos autos ao órgão ad quem, que é o detentor da competência para analisar, além da admissibilidade, o mérito do recurso.
Pode acontecer ainda de o Tribunal de origem entender a inadmissibilidade do recurso e, consequentemente, não o conhecer, hipótese em que o recorrente deverá interpor um agravo nos próprios autos, provocando a remessa do recurso ao STJ. Por fim, frise-se que a decisão sobre a admissibilidade do recurso prolatada pelo Tribunal de origem não vincula o órgão ad quem, podendo este decidir de forma diversa, caso assim entenda.
No juízo de admissibilidade, será auferida a presença de certos requisitos, que tornarão o recurso apto a ter seu mérito analisado. Entre os requisitos, encontra-se a legitimidade, pois, assim como para o ajuizamento da demanda, a parte deve deter esse requisito, sob pena de não preencher uma das condições da ação. Para interpor o recurso, também necessitará de legitimidade, visto serem os recursos o prolongamento do exercício desse direito de ação[15].
Diante dessa exigência, a própria lei encarregou-se de prevê os detentores da legitimidade para recorrer, elencando como tais: as partes, o terceiro e o Ministério Público (art. 499, do CPC).
Além do requisito supra, o legitimado deverá demonstrar interesse recursal, ou seja, a interposição do recurso deverá melhorar, em algum aspecto, a situação fática do recorrente[16]. Dessa forma, por exemplo, se o autor tem todos os pedidos formulados na inicial integralmente acolhidos, faltará interesse para que este recorra, pois o julgamento do recurso em nada lhe beneficiará, pois ele já conseguiu tudo que esperava da prestação jurisdicional que provocou.
Posto isso, pode-se traduzir o interesse recursal através da conjugação da utilidade do recurso com sua necessidade, sendo a utilidade a possibilidade de o recurso melhorar a situação que o recorrente, até então, encontra-se[17], e a necessidade, a demonstração de que o recurso é o meio mais hábil, para que o recorrente obtenha, naquele processo, o que ele deseja contra a decisão impugnada[18].
Uma questão interessante no tocante ao interesse recursal é aquela situação em que o acórdão que se deseja impugnar tem fundamento infraconstitucional e constitucional suficientes, para manter a decisão na íntegra.
Nesses casos, o interessado em recorrer deverá interpor recurso especial e recurso extraordinário, para impugnar respectivamente a parte infraconstitucional e constitucional que sustentam o acórdão, pois, se o legitimado recursal se utilizar apenas de um dos dois recursos citados, este não será conhecido por falta de interesse recursal[19], visto que o recurso não teria nem uma utilidade para o recorrente.
De nada adiantaria, todavia, ser a parte legítima e detentora de interesse recursal, se ela não atender ao requisito da tempestividade, ou seja, o recurso deverá ser interposto no prazo legalmente previsto para tal, que, tratando-se de recurso especial, esse prazo será de quinze dias (art. 508, do CPC), que se inicia no momento em que a parte é intimada da decisão.
Dentro do juízo de admissibilidade, ainda se verificará a inexistência de preclusão lógica, pois, assim como o juízo de admissibilidade do processo possui requisitos negativos, o juízo de admissibilidade recursal também possuirá. Sendo assim, não poderá haver fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, a exemplo da desistência do direito de recorrer, da renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação e o reconhecimento da procedência do pedido[20].
Ainda no juízo de admissibilidade, deverá ser analisada a regularidade formal do recurso. Tal requisito irá variar segundo a espécie de recurso que se utiliza. Tratando-se de recurso especial, o recorrente deverá atentar-se à observância da exposição do fato e do direito, deverá demonstrar o cabimento do recurso bem como as razões do pedido de reforma ou de anulação da decisão recorrida, tudo nos moldes do art. 26 da Lei n° 8.038/90.
O recorrente deverá atender ainda ao requisito do preparo recursal, assim, deverá arcar com o ônus financeiro de interpor o recurso, o que inclui as custas processuais bem como o porte de remessa e retorno dos autos. A peculiaridade desse requisito é que ele deverá ser comprovado na interposição do recurso, e, em não se comprovando, o recurso será considerado deserto e consequentemente não será admitido, por não ter preenchido um dos requisitos de admissibilidade, a menos que o recorrente seja isento de recolher o preparo, seja por força de lei, a exemplo do Ministério Público, ou por ter conseguido os benefícios da justiça gratuita.
Todos os requisitos de admissibilidade apresentam-se como relevantes, visto que a falta de apenas um deles é suficiente, para inadmitir o recurso, no entanto há alguns requisitos que, devido as suas peculiaridades, figuram-se como de maior complexidade, a exemplo do requisito do cabimento no recurso especial.
E, diante das particularidades de tal recurso, para se analisar o seu cabimento, vale colacionar o seu substrato jurídico na Constituição Federal, in verbis:
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.”
Como se percebe, no recurso especial, há como se extraírem algumas condições genéricas de cabimento como também condições específicas desse mesmo requisito.
Entre as condições genéricas, encontra-se a exigência do esgotamento das instâncias ordinárias. Sendo assim, o recurso especial só será cabível contra a decisão que tenha julgado a causa em última ou única instância, de modo que, enquanto houver recursos na instância originária, não será cabível o recurso especial, pois a causa ainda não foi decidida em única ou última instância[21].
Tal exigência traz morosas consequências práticas, pois, diante de uma decisão por maioria de votos que reformou sentença de mérito no julgamento da apelação, a parte não poderá ingressar com o recurso especial[22], ainda que o acórdão visivelmente possua grave afronta à legislação infraconstitucional, pois dessa decisão ainda serão cabíveis embargos infringentes (art. 530, do CPC), por isso ainda não há uma decisão de última instância.
Ainda como requisito genérico do cabimento do recurso especial, há a exigência do prequestionamento, que não se trata de um novo requisito de admissibilidade, mas sim de uma condicionante, para que o recurso seja cabível.
O prequestionamento é a exigência de que a matéria que se deseja alegar via recurso especial já tenha sido analisada pelo órgão a quo, ou seja, a decisão recorrida deve ter enfrentado aquela matéria, para que, só assim, ela possa ser arguida em sede de recurso especial. Tal exigência ocorre em virtude de o texto constitucional prever ser cabível o recurso especial contra as causas decididas[23].
Percebe-se que o esgotamento das vias ordinárias não garante o prequestionamento, pois figura-se possível, inclusive corriqueiro, que as vias ordinárias se esgotem, e, mesmo assim, a matéria ainda não tenha sido objeto de análise. Nesse caso, o acórdão será detentor de uma omissão, que deverá ser sanada através da interposição dos embargos de declaração.
Se, mesmo após a interposição dos embargos, o Tribunal não se manifestar quanto àquela matéria que, até então, não consta no acórdão, a mesma ainda não estará prequestionada e, consequentemente, não será possível a interposição do recurso especial[24].
Diante dessa situação, caberá à parte interpor um recurso especial alegando violação ao artigo 535, do CPC, que trata dos embargos de declaração. Caso o STJ entenda que o Tribunal a quo foi omisso, determinará que ele aprecie a matéria. Nesse caso, os autos serão encaminhados ao Tribunal de origem, que examinará a matéria, para que, só assim, esta esteja prequestionada, possibilitando que a parte, caso ainda tenha interesse, ingresse com um novo recurso especial, dessa vez, para discutir aquela matéria inicialmente omissa e que agora se encontra prequestionada[25].
Por fim, entre as condições genéricas de cabimento, tem-se ainda a necessidade de que a decisão recorrida seja prolatada por um tribunal (Tribunais Regionais Federais, Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios). O presente requisito revela-se de bastante importância prática, visto que retira possibilidade de se interpor recurso especial contra as decisões prolatas pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais[26], ainda que a decisão viole frontalmente a legislação infraconstitucional, pois a Turma Recursal não tem natureza de Tribunal.
Vistas as condições genéricas do cabimento do recurso especial, entra-se no estudo das condições específicas de seu cabimento, representadas pelas alíneas do inciso III, do art. 105 da CF, já transcrito.
Tratando-se de um recurso de fundamentação vinculada, só será admissível nas conjecturas previstas no artigo supracitado, que alude, entre outras hipóteses, que será cabível o recurso especial, quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência.
Essa hipótese é representada pela alínea ‘a’ do artigo mencionado, e, quando afirma ser cabível o recurso especial, quando for contrariado ou negado vigência à lei federal, está traduzindo a razão de ser do recurso especial, qual seja, tutelar a lei federal, ou seja, esse recurso tem por missão resguardar a ordem jurídica através da correta aplicação da norma infraconstitucional federal, deixando assente a posição do STJ como Corte Paradigmática. Desse modo, a hipótese de cabimento do recurso especial pode ser simplificada como ofensa à legislação federal infraconstitucional, ofensa esta que também estará presente nas demais hipóteses de cabimento desse recurso[27].
Segundo essa primeira alínea, também será cabível o recurso especial, quando for contrariado ou negado vigência a tratado. Desta feita, se o Brasil se tornar signatário de um tratado que não verse sobre direitos humanos, esse será internacionalizado com status de lei ordinária, de maneira que, se uma decisão judicial lhe contrariar ou negar-lhe vigência, não estará afrontando o tratado, mas sim uma lei federal (a lei que incorporou o tratado), sendo cabível (caso preencha os demais requisitos de admissibilidade) o recurso especial. Nota-se o que já se havia afirmado que, mesmo diante de outras hipóteses de cabimento do recurso especial, essa poderá sempre ser resumida à afronta à lei federal. Nesse caso, a lei federal que incorporou o tratado.
A ressalva que se faz é referente aos tratados que versem sobre direitos humanos, pois sua internacionalização segue o rito de aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).[28] Dessa forma, ao serem incorporados, terão status constitucional, e, se violados, será cabível recurso extraordinário de competência do STF, pois este detém a constitucional missão de guardião da Constituição.
Outra forma de ser admitido o recurso especial é alegando-se que a decisão impugnada julgou válido ato de governo local contestado em face de lei federal.
Nessa hipótese de cabimento, haverá um conflito entre um ato do governo local e uma lei federal, e, ao analisar esse conflito, o Tribunal opta pelo ato do governo local em detrimento da lei federal, de modo que estará violando essa lei, tornando-se cabível o recurso especial, que terá por finalidade instar o STJ a se manifestar sobre esse possível confronto entre o ato administrativo local e a legislação federal.[29]
A Constituição Federal ainda permite que o recorrente utilize, como causa de pedir no recurso especial, o dissídio jurisprudencial, ou seja, será admitido tal recurso, quando a decisão recorrida der à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
Essa terceira hipótese de cabimento também explicita a função paradigmática do STJ, pois, diante de decisões colidentes em nosso ordenamento jurídico, ele deverá atuar com o intuito de pacificar o entendimento jurídico sobre a matéria controvertida, propiciando, assim, a sensação de segurança jurídica.
Essas são as hipóteses taxativamente previstas na lei as quais podem figurar como causa de pedir de um recurso especial, sendo essa a justificativa para que tal recurso seja classificado como de fundamentação vinculada. Frise-se ainda que, dentro do juízo de admissibilidade, o que deverá ser analisado é se a parte alegou, como causa de pedir do recurso, uma das matérias contidas na lei, pois a verificação da efetiva ocorrência de uma das hipóteses que ensejam a interposição do recurso especial é matéria de mérito, e não de admissibilidade recursal.
Pode-se resumir afirmando que o recurso especial será cabível sempre que preencher cumulativamente os requisitos genéricos de seu cabimento (decisão prolatada por Tribunal, em última ou única instância, com o devido prequestionamento), somados com os requisitos específicos de seu cabimento, os quais são alternativos, de modo que qualquer um deles, aliado aos requisitos genéricos, é suficiente, para superar o cabimento do recurso especial.
Enfrentados os requisitos de admissibilidade do recurso especial, percebe-se que este se trata de um recurso excepcional, que não tem por função direta tutelar o interesse subjetivo dos recorrentes, mas sim pacificar o ordenamento jurídico no tocante à legislação federal infraconstitucional.
Note-se, por fim, que todas as excepcionais exigências previstas na Constituição Federal dizem respeito ao cabimento do presente recurso, as quais estão fixadas no juízo de admissibilidade. Após preenchidos esses requisitos, não se pode restringir o juízo de mérito, como adiante se explicitará.
5. JUÍZO DE MÉRITO NO RECURSO ESPECIAL
Tendo o recurso superado o juízo de admissibilidade, ele será conhecido, para que o Tribunal possa analisar seu mérito. E será nesse juízo de mérito que o órgão julgador avaliará os pedidos recursais, decidindo ou não pela sua procedência.
Dessa forma, é no juízo de mérito que o Tribunal analisa os pedidos recursais, que poderão variar de acordo com o objetivo pretendido pelo recorrente. Dessa maneira, o recorrente, ao se deparar com um erro na atividade judicante, ou seja, um error in procedendo, fixará como mérito do recurso o pedido de anulação da decisão. No entanto, havendo um erro na prestação jurisdicional, seja pela má apreciação da questão fática ou da questão jurídica, ter-se-á um error in judicando, devendo o recorrente pleitear, em sede recursal, a reforma da decisão impugnada.[30]
Diante disso, já dá para afirmar que o mérito do recurso não se confunde com o mérito da ação, não obstante o recurso seja o prolongamento do exercício do direito de ação e de defesa. Isso porque o mérito do recurso será restrito à sucumbência que o recorrente suportou na decisão impugnada, que nem sempre coincidirá com todos os pedidos formulados na exordial. Ressalte-se ainda que, se o mérito da ação não foi analisado, visto ter sido o processo extinto sem análise de mérito, os pedidos do recurso também não serão equivalentes aos da ação. Não se deve deixar de considerar, no entanto, que poderá haver coincidência entre o mérito da ação e o do recurso.[31]
Dessa forma, muitas vezes, o mérito do recurso será diverso do mérito da ação, o que impõe ao órgão julgador uma maior cautela, ao analisar o mérito recursal, devendo julgá-lo atentando-se ao direito aplicável à espécie, que não deverá sofrer restrições em virtude de peculiaridades existentes no juízo de admissibilidade dos recursos. Nesse diapasão, convém trazer à baila o art. 257 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
“Art. 257. No julgamento do recurso especial, verificar-se-á, preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma não conhecerá do recurso; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie”. (grifamos)
Com igual entendimento, o STF preceitua, através da Súmula de n° 456, que:
“O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie”. (grifo nosso)
Nota-se que a excepcionalidade do recurso especial reside em seu juízo de admissibilidade, tendo em vista as suas restritas hipóteses de cabimento. Superado tal juízo, nada há de excepcional no seu julgamento, que deverá atender ao direito aplicável à espécie.[32]
6. O EFEITO TRANSLATIVO NO RECURSO ESPECIAL
Após as considerações até então elucidadas, adentra-se na problemática da compatibilidade do efeito translativo em sede de recurso especial.
O que se busca auferir é se o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial, poderia, de ofício, ou seja, sem prequestionamento, conhecer as matérias de ordem pública, concluindo-se, assim, pela existência do efeito translativo em tal recurso.
A problemática ganha relevância, ao passo que o recurso especial exige o prequestionamento, para que o mesmo possa ser cabível, e tal exigência é de cunho constitucional, que prevê ser cabível o recurso especial contra as causas decididas.
Ao se reconhecer o efeito translativo no recurso especial, o Tribunal estaria conhecendo de uma matéria que não foi, até então, analisada pelo juízo a quo, não estando prequestionada, por isso não seria possível seu conhecimento de ofício, já que tal atitude resta-se incompatível com o regime jurídico previsto na Constituição Federal para esse recurso, de forma que a afronta à matéria de ordem pública deverá ser impugnada via ação autônoma, ou seja, ação rescisória ou ação declaratória, a depender do vício existente.[33]
Com isso, o conhecimento das matérias de ordem pública ficaria subordinado ao prequestionamento, ou seja, o recorrente deve provocar a análise da referida matéria ainda no Tribunal a quo, sob pena de ela não poder mais ser reconhecida dentro daquela relação jurídica processual.[34]
Outro ponto arguido pela doutrina é o de que a legislação que autoriza o afastamento da preclusão e o consequente reconhecimento da matéria de ordem pública de ofício em grau recursal não se aplica às instâncias excepcionais, caso contrário estaria se desvirtuando a finalidade das Cortes Paradigmáticas.[35]
Ainda como argumento da inaplicabilidade do efeito translativo no recurso especial, há quem entenda que a impossibilidade dessa aplicação não se justifica pela ausência de prequestionamento da matéria de ordem pública, pois essa espécie de matéria estaria sempre prequestionada, ainda que de forma implícita, de modo que o não reconhecimento desse efeito reside na não incidência do princípio do inquisitivo no julgamento do recurso especial, devendo o Tribunal deter-se exclusivamente à matéria impugnada.[36]
Com todo respeito, a posição defendida neste trabalho é a da possibilidade da aplicação do efeito translativo no recurso especial pelas razões que a seguir se expõem.
Preliminarmente, deve-se perceber que o instituto da preclusão, não prejudica o conhecimento das matérias de ordem pública a qualquer tempo ou grau de jurisdição, ainda que de ofício, pois, diante do princípio da prevalência do interesse público sobre o privado, é de se considerar que as normas atinentes ao interesse predominantemente estatal não sejam desatendidas diante da falta de manifestação da parte.
Dessa forma, mesmo que não analisadas na instância originária, as matérias de ordem pública deverão ser conhecidas de ofício na instância recursal, e isso ocorre em virtude do efeito translativo do recurso, que permite que o órgão julgador, através de uma atividade inquisitorial, resguarde o interesse público, conhecendo de ofício tais matérias.
Algo que precisa ser fixado é que a cognição no recurso especial passa por dois momentos distintos, iniciando pelo juízo de admissibilidade, que, sendo positivo, possibilitará o ingresso no juízo de mérito. Dessa forma, os requisitos de admissibilidade devem influenciar o conhecimento do recurso, e não seu julgamento.
Não se pode esquecer de que o recurso especial figura como um recurso de revisão, e não um recurso de mera cassação, sendo assim, o STJ, no julgamento do recurso especial, não estará limitado a censurar a decisão recorrida, visto que, após a fixação da tese jurídica considerada correta, é função daquela Corte julgar a causa e, consequentemente, aplicar o entendimento jurídico fixado ao caso apresentado, substituindo, assim, a decisão recorrida.[37]
Visto ser possível a revisão da decisão pelo STJ, e não apenas sua cassação, é preciso criar critérios, para que aquele Tribunal reaprecie a matéria, o que, de fato, foi estabelecido no próprio regimento interno da Corte, ao prevê que, após seu conhecimento, o recurso especial deverá ser julgado, aplicando-se o direito à espécie, que significa conhecer as matérias de ordem pública, ainda que de ofício.
É importante fixar que o pretendido com o reconhecimento do efeito translativo em tal recurso não é desconsiderar o prequestionamento exigido para tal. Porém, devem-se colocar os institutos em seus devidos lugares, e o local do prequestionamento é no juízo de admissibilidade, que, ultrapassado, o Tribunal deverá julgar a causa aplicando o direito à espécie, como já salientado.
A aplicação desse efeito ainda se revela possível, em virtude de não ser razoável que, após o conhecimento do recurso especial, e não envolvendo a reapreciação de fatos e provas, o STJ se omita a conhecer a falta de uma matéria de ordem pública, sob o argumento de que esta não fora apreciada pela instância a quo.[38] Como já fora salientado, as matérias de ordem pública não se sujeitam ao regime da preclusão.
Outro aspecto favorável ao que aqui se prega é a análise da problemática à luz dos princípios da instrumentalidade, da economia e da celeridade processual, pois, ao se negar o conhecimento de uma matéria de ordem pública, fundamentando-se em impossibilidades formais, estaria negando-se uma efetiva prestação jurisdicional, ao passo que prolatar uma decisão detentora de um vício é impor ao recorrente o ônus de ter que ajuizar uma ação autônoma, para sanar algo que, desde já, poderia ser remediado[39].
Anote-se que o atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, para o conhecimento do recurso especial, faz-se necessário o prequestionamento, porém, caso tal recurso seja conhecido, por qualquer que seja o fundamento, seu juízo de mérito será aberto, o que lhe implica o julgamento da causa aplicando o direito à espécie, sendo possível, por consequência, o conhecimento de ofício das matérias de ordem pública, como se verifica nos seguintes julgados:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RECURSO ESPECIAL. APELO NOBRE EM QUE SE DISCUTE SOBRE LITISPENDÊNCIA, LITISCONSÓRCIO ATIVO NECESSÁRIO E COMPETÊNCIA. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO POR INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 7/STJ E 284/STF. EFEITO TRANSLATIVO. INEXISTÊNCIA. (…) 4. O Superior Tribunal de Justiça, com base no art. 257 de seu Regimento Interno e na Súmula 456/STF, tem-se posicionado no sentido de que, superado o juízo de admissibilidade e conhecido por outros fundamentos, o recurso especial produz o efeito translativo, de modo a permitir o exame de ofício das matérias de ordem pública. Todavia, não é o que se verifica no caso concreto, em que o recurso especial é manifestamente inadmissível”[40].(…)
“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. EFEITO TRANSLATIVO. POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO SE SUPERADO O JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. 1. A análise da prescrição, mesmo sendo matéria de ordem pública, não dispensa o necessário prequestionamento. 2. Por força do efeito translativo, esta matéria poderia ser analisada se o recurso especial superasse o juízo de admissibilidade, o que não se verifica na hipótese. 3. Agravo regimental a que se nega provimento”[41].
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENSIONISTAS. MILITARES. REAJUSTE DOS 28,86%. PRESCRIÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA TRAZIDA SOMENTE NAS RAZÕES DE AGRAVO REGIMENTAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME. EFEITO TRANSLATIVO AO RECURSO ESPECIAL. INAPLICABILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. 1.Consoante precedentes orientadores que vêem se firmando no STJ, o efeito translativo do recurso especial, no qual é possível a análise de questão de ordem pública em sede de recurso especial ainda que ausente o prequestionamento, somente se verifica após a abertura da instância especial, o que não ocorreu na espécie, visto que o recurso sequer foi conhecido. 2.Embargos de declaração rejeitados”[42].
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DO TEMA SE VIABILIZADA A INSTÂNCIA ESPECIAL PARA EXAME DE OUTRA ALEGAÇÃO. Mesmo matérias de ordem pública devem estar prequestionadas para serem conhecidas em Recurso Especial. Somente quando viabilizada a instância Especial para o exame de outras alegações é que se pode conhecer do tema da prescrição não prequestionado. Precedentes. Agravo Regimental improvido”[43].
De todo o exposto, pode-se concluir que as matérias de ordem pública não só podem como devem ser conhecidas em qualquer grau de jurisdição, ainda que de ofício, o que derivará do efeito translativo dos recursos, que é uma decorrência direta do princípio do inquisitivo.
Não obstante a necessidade de prequestionamento para o cabimento do recurso especial, essa exigência diz respeito apenas ao juízo de admissibilidade, que, ao ser ultrapassado, o Tribunal deverá julgá-lo aplicando o direito à espécie, podendo, assim, conhecer das matérias de ordem pública de ofício.
Sem deixar de registrar o dissenso entre a doutrina, reitere-se, por fim, que esse é o atual entendimento do STJ, que se coaduna com uma prestação jurisdicional efetiva, o que evita que o recorrente tenha que retornar ao Judiciário, para resolver pendências que deveriam ser resolvidas no âmbito da demanda originária, mesmo que, para isso, o saneamento do vício ocorresse em sede de julgamento do recurso especial.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O efeito translativo possibilita que o Tribunal conheça de uma questão independente da provocação do recorrente, sendo esse efeito uma decorrência do princípio do inquisitivo.
Com relação às matérias de ordem pública, estas, por serem de interesse predominante do Estado, não se submete ao regime da preclusão.
Deixando a parte de alegar alguma dessas matérias, o Judiciário poderá conhecê-la de ofício, ainda que em sede recursal, mesmo que isso piore a sucumbência em que o recorrente já se encontrava antes de recorrer, tudo isso como forma de obedecer ao princípio da prevalência do interesse público sobre o privado.
Nesse diapasão, é que o efeito translativo é considerado uma forma de se excepcionar o princípio da proibição do reformatio in pejus.
Relativamente ao recurso especial, frise-se que este meio de impugnação tem por finalidade imediata a tutela da ordem jurídica, só preocupando-se com os interesses dos recorrentes apenas de forma mediata.
A Constituição Federal, que dá substrato jurídico a este recurso, condiciona o seu cabimento, entre outros fatores, ao preenchimento do prequestionamento.
O prequestionamento é a exigência de que a matéria que se deseja alegar via recurso especial já tenha sido analisada pelo órgão a quo.
Daí surge a problemática: se o efeito translativo possibilita o conhecimento das matérias de ordem pública de ofício, e o STJ, via recurso especial, só poderá analisar as matérias que foram previamente questionadas, como admitir o efeito translativo nesse recurso?
A forma de compatibilizar o prequestionamento com o efeito translativo é reconhecer que este se dá no juízo de mérito, enquanto aquele ocorrerá no juízo de admissibilidade.
Assim, os requisitos constitucionalmente exigidos para o cabimento do recurso especial, entre eles o prequestionamento, residem no juízo de admissibilidade, devendo o recurso atender-lhe, sob pena de não ser admitido.
Nesse esteio, não se pretende desconsiderar o prequestionamento, visto ter este guarida na Constituição Federal, de modo que o STJ só poderá se utilizar do efeito translativo, após o conhecimento do recurso, seja por qual for o fundamento.
Isso ocorre, porque, após ser superado o juízo de admissibilidade, ingressa-se no juízo de mérito, o qual não tem nem uma especificidade, se comparado com os demais recursos, pois, ao ingressar nesse juízo, o STJ deverá julgar o recurso especial aplicando o direito à espécie, nos moldes do art. 257 de seu Regimento Interno e da Súmula de no 456 do STF.
Sendo assim, aquele Tribunal, após admitir o recurso especial, poderá conhecer de ofício as matérias de ordem pública, pois, fazendo isso, estaria aplicando o direito à espécie, visto que tais matérias não se submetem ao regime da preclusão, podendo/devendo ser conhecidas até mesmo nas instâncias excepcionais.
De tudo aqui explanado, conclui-se que o conhecimento de ofício das matérias de ordem pública na via do recurso especial é perfeitamente possível, desde que este supere o juízo de admissibilidade, seja por qual for o fundamento, não sendo incompatível a exigência do prequestionamento com o efeito translativo, visto que estes ocorrem em momentos distintos, sendo este no juízo de mérito e aquele no juízo de admissibilidade.
Além do mais, o não conhecimento de uma matéria de ordem pública na via do recurso especial ocasionará o dissabor de impor ao recorrente que se utilize de uma ação autônoma de impugnação, para sanar um vício, que, desde já, deveria ser solucionado, o que não corresponde à noção de instrumentalidade, celeridade e economia processual, bem como estaria o Judiciário se omitindo em prestar uma efetiva tutela jurisdicional.
A presente conclusão ainda encontra resistência por parcela da doutrina, no entanto, com todo respeito às posições contrárias, julga-se ser esse o entendimento que melhor coaduna-se com nosso ordenamento jurídico, sendo ainda o atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça.
Juiz do Trabalho da 13ª Região (PB). Ex-Juiz do Trabalho na 9ª Região (PR) e 20ª (SE) Regiões. Mestre em Direito Processual e Cidadania pela UNIPAR (PR). Professor da graduação e pós-graduação lato sensu do Unipê (Centro Universitário de João Pessoa). Vice-Diretor da Escola da Magistratura Trabalhista da 13ª Região (PB).
Advogado
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