Maysa Araujo Vieira – Acadêmica de Direito na Universidade de Gurupi UnirG. E-mail:.maysavieira1994@gmail.com
Breno De Oliveira Simonassi. E-mail:.brenosimonassi@unirg.edu.br
Resumo: Protegidos no artigo 225 da Constituição Federal e em outros dispositivos legais infraconstitucionais, os animais são seres vivos dotados de proteção jurídica e por isso, objeto juridicamente tutelado de alguns crimes. O Código Penal no seu artigo 164 tipifica a conduta do abandono em terreno alheio causando prejuízo ao proprietário. Contudo, mais voltado ao bem estar do animal, o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº. 9.605/1998), penaliza com detenção de três meses a um ano quem pratica maus tratos de animais. O abandono consiste em uma forma de maus tratos e se enquadra neste tipo penal. Com base no exposto, o objetivo geral consiste em indicar os efeitos penais previstos no ordenamento jurídico brasileiro decorrentes de condutas relativas ao abandono de animais. A pesquisa bibliográfica tem como método de análise do material levantado e a utilização das técnicas qualitativas de analise dos textos, apresentadas de forma textual através da transcrição de trechos e citações. Ao final, resulta na exposição das consequências penais do abandono de animais segundo a legislação, doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores, bem como os projetos de lei em andamento, para aumentar a rigidez da punição.
Palavras-chave: Animais. Abandono. Crime. Brasil.
Abstract: Protected in Article 225 of the Federal Constitution and other infra-constitutional legal provisions, animals are living beings endowed with legal protection and, therefore, legally protected from certain crimes. The Penal Code in its article 164 typifies the conduct of abandonment in foreign land causing damage to the owner. However, more focused on the welfare of the animal, article 32 of the Environmental Crimes Law (Law No. 9.605 / 1998), penalizes with imprisonment from three months to one year for those who abuse animals. Abandonment is a form of ill-treatment and falls under this type of criminal law. Based on the above, the general objective is to indicate the criminal effects provided for in the Brazilian legal system resulting from conduct related to the abandonment of animals. The bibliographic research has as method of analysis of the material surveyed and the use of qualitative techniques of analysis of the texts, presented in a textual way through the transcription of excerpts and citations. In the end, it results in the exposure of the criminal consequences of abandoning animals according to the legislation, doctrine and jurisprudence of the higher courts, as well as the bills in progress, to increase the rigidity of punishment.
Keywords: Animals. Abandonment. Crime. Brazil.
Sumário: Introdução. Materiais e Métodos 1. A proteção legal dos animais no Brasil. 2. Abandono e maus tratos de animais: conceito e características. 3. Efeitos penais do abandono de animais. 4. Projetos de lei que pretendem a maior responsabilização penal pelo abandono de animais. 5. Entendimentos jurisprudenciais acerca do abandono de animais. Considerações finais. Referências.
Introdução
Seres humanos e animais dividem espaço no meio ambiente, muitos deles nos lares brasileiros, como animais de estimação. Por receberem afeto e cuidado de seus donos, existem animais que são tratados como se fossem pessoas. Os esforços são tantos que o mercado voltado ao cuidado dos animais de estimação crescem a cada dia.
Ainda não se tratem de seres humanos, os animais fazem parte da sociedade brasileira, presente em vários lares. Assim como os demais seres vivos, os animais estão protegidos pela legislação e, para uma parcela da sociedade, merecem ser tratados com o mesmo cuidado dispensado aos demais.
Consequência que resulta deste cuidado com os bichos é a sua regulamentação na lei brasileira. Casos de maus tratos aos animais, sempre que noticiados, causam a indignação dos defensores dos direitos do animais, que reclamam a aplicação de sanções penais mais severas.
A legalidade e a reserva legal são princípios fundamentais do direito penal brasileiro as quais regulamentam que somente é considerado crime a conduta anteriormente prevista em lei, com sanção previamente indicada. As leis penais punem condutas tidas como ilegais por afrontar os fundamentos da sociedade, daí porque são um verdadeiro reflexo dela.
Atualmente, existem na legislação penal alguns dispositivos que punem atos de abandono e de maus tratos aos animais, os quais são objeto do artigo, que irá indicar quais são os efeitos penais do abandono dos animais no Brasil.
Ainda que a sua regulamentação já exista há tempos no país, são constantes os questionamentos sobre sua eficiência. Dentro deste contexto, a pesquisa tem como propósito discorrer sobre as consequências que o abandono de animais pode causar para os cidadãos. No decorrer deste projeto serão delimitados os principais aspectos teóricos e metodológicos que embasaram a elaboração do estudo sobre os efeitos penais do abandono de animais.
A pesquisa abordou os dispositivos que protegem os animais no Brasil e que conceituam e caracterizam os atos de abandono e maus tratos desses seres vivos, dando destaque aos efeitos penais dessa conduta, destacando as leis em vigor e pendentes de aprovação no Congresso Nacional.
Materiais e Métodos
O trabalho científico foi elaborado com base em material bibliográfico adquirido de forma não onerosa e publicado na língua brasileira, coletados sites, bibliotecas, jornais, revistas jurídicas (periódicos) e tribunais, através de suas jurisprudências.
A pesquisa, portanto, se classifica como bibliográfica, através da apresentação dos entendimentos de especialistas, doutrinadores e julgadores levados à análise do crime de abandono de animais. Quando aos objetivos, o estudo foi exploratório, com exposição das legislações nacionais que punem tais práticas ilícitas, bem como os projetos que pretendem acrescentar sanções à conduta analisada.
O método de análise dos dados e informações coletados da pesquisa se deu através das técnicas de análise qualitativas do texto, principalmente a análise de conteúdo e discurso, com o confrontamento das informações contidas na jurisprudência, indicando o entendimento majoritário sobre os efeitos penais do abandono de animais.
1 A proteção legal dos animais no Brasil.
Não é recente a existência de relacionamentos entre os seres humanos e os animais, principalmente porque todos convivem simultaneamente e habitam a natureza. Ainda que alguns indivíduos se julguem superiores, é certo que todos os seres vivos devem ser preservados em prol do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Foi a partir da segunda metade do Século XX que o pensamento humano passou a se direcionar para as questões relacionadas com o meio ambiente e os animais.
“O período que se seguiu à II Guerra Mundial marcou uma profunda evolução na percepção do homem quanto ao meio ambiente. A escassez de recursos naturais indispensáveis à sobrevivência no planeta, os problemas ambientais de natureza planetária como o efeito estufa e as mudanças climáticas produzidas pelo aquecimento global trouxeram para uma posição central a problemática ambiental e, como sua variável inescapável a sua natureza e extensão jurídica. O homem – a gosto ou contragosto – precisou refletir de modo mais profundo no seu papel e lugar no planeta. A visão antropocentrista vem passando – necessariamente – por autocrítica profunda, uma vez que não é possível e bem cabível que a espécie humana considere ser, ela mesma, o centro das ações e dos direitos. Sob este momento de transição e transformação de paradigmas, é que o direito dos animais vem se desenvolvendo, por vezes compreendido como um ramo do direito ambiental, por outras como um novo ramo do direito que defende a ética da vida, não apenas de forma global, mas específica no que diz respeito aos animais e estes como titulares de direitos fundamentais (MELO e RODRIGUES, 2019, p. 1-2)”.
Diante disso, o ordenamento jurídico brasileiro possui regulamentação da matéria, destinando dispositivos voltados à proteção dos animais. A primeira lei a tratar do assunto foi o Decreto nº 16.590/1924, que proibiu as corridas de touro, rinhas de galos e atividades que causassem sofrimento aos animais. Dez anos depois, o Decreto nº 24.645/1943 regulamentou espécies de maus tratos, os quais foram disciplinados posteriormente pelo Decreto-Lei nº 3.688/1941, a Lei das Contravenções Penais (MELO e RODRIGUES, 2019).
A Lei das Contravenções prevê em seu artigo 64 o seguinte:
“Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:
Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis.
Após a lei citada, outras foram sendo elaboradas, fixando normas de proteção aos animais. Dentre as normas posteriores, há que se atribuir especial destaque à Constituição Federal de 1988, que trouxe no artigo 255 a previsão constitucional de proteção aos animais, ao dispor, no inciso VII do §1º, a incumbência do Poder Público de proteger a fauna, a flora, vedadas as práticas que “provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade” (BRASIL, 1988).
A nível internacional tem-se a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, da qual o Brasil é signatário desde o ano de 1978, em que especificamente dispõe sobre a proteção dos animais e veda as práticas de maus tratos e abandono:
“ARTIGO 2:
ARTIGO 3:
[…]
ARTIGO 6:
No Brasil, sob a égide do entendimento constitucional, a Lei de Crimes Ambientais – Lei nº. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, tipificou os crimes relacionados aos animais, relacionados aos maus tratos e abandono. Antes do estudo das consequências penais, o estudo apresenta o conceito e características dessas práticas.
2 abandono e maus tratos de animais: conceito e características
Não é raro ouvir dizer que os animais foram vítimas de abandono ou de maus tratos, o que levaria à imposição de responsabilização penal; contudo, nem sempre é possível identificar se tais fatos ocorreram, por isso, a pesquisa aponta o conceito e características dessas condutas, a fim de que sejam identificadas tão logo aconteçam.
Por serem os animais de estimação dependentes dos seus proprietários, responsáveis pela sua alimentação e cuidados, são eles os mais vitimados por situações de abandono, sendo deixados a sua sorte e sem proteção, descartados como se não fossem importantes.
Sobre os motivos que levam ao abandono, são corriqueiros: a velhice; o acometimento de doenças; viagem ou mudança de residência; o nascimento indesejado de filhotes; o crescimento do animal para um porte indesejado, etc. (NATALINO, 2016).
Ocorre que, o abandono deve ser evitado, a medida que causa sofrimento significativo aos animais, conforme o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo:
“O abandono de animais causa sofrimento às espécies, traz prejuízos à saúde pública e é crime previsto pela legislação brasileira. As graves consequências da exposição de cães e gatos à situação de rua impulsionaram a criação da campanha “Dezembro Verde”, que tem tido adesão de diferentes tipos de instituições e torna o mês um período de conscientização e educação sobre a guarda responsável.
Isso porque o ato de abandonar um animal fere todos os princípios básicos da guarda responsável, conceito formato por um conjunto de regras para o tratamento adequado dos animais de companhia. Isso inclui garantir, por exemplo: acomodação em espaço limpo e confortável; assistência médica-veterinária periódica e sempre que o animal necessitar; vacinação anual; alimentação adequada e que o animal nunca fique desabrigado ou desassistido (CRMVSP, 2019, p.1)”.
O abandono é grave e por tal motivo caracteriza-se como sendo uma espécie de maus-tratos, assim compreendidos não apenas os atos de violência, mas também outras situações, conforme leciona Carolina Salles:
“Além da violência contra os animais, existem outras ações que podem ser classificadas como maus tratos. São elas: Abandono; Agressões físicas, como: espancamento, mutilação, envenenamento; Manter o animal preso a correntes ou cordas; Manter o animal em locais não-arejados – sem ventilação ou entrada de luz; Manter o animal trancado em locais pequenos e sem o menor cuidado com a higiene; Manter o animal desprotegido contra o sol, chuva ou frio; Não alimentar o animal de forma adequada e diariamente; Não levar o animal doente ou ferido a um veterinário; Submeter o animal a tarefas exaustivas ou além de suas forças; Utilizar animais em espetáculos que possam submetê-los a pânico ou estresse; Capturar animais silvestres. (SALLES, 2014, p.1)”
A exemplo do que se dá com o abandono, nas demais espécies de maus tratos desses seres vivos, o sofrimento animal não se limita ao ato em si, mas se prolonga no tempo, enquanto não são resgatados e colocados em situação de proteção efetiva (CRMVSP, 2019).
Por outro lado, os organismos de proteção animal e o Poder Público entendem a necessidade de coibir tais práticas, o que ocorre através da responsabilização civil, administrativa e especialmente penal. A seguir os efeitos penais desses crimes ambientais são analisados.
3 Efeitos penais do Abandono de Animais
Por serem seres protegidos pela legislação nacional e internacional, os atos praticados contra os animais, em especial o seu abandono, geram efeitos penais aos responsáveis.
De acordo com Alex Natalino, “além de cruel e desumano, abandonar animais em logradouros públicos é crime e quem cometê-lo deve ser punido com prisão, multa e perda da guarda do animal, de acordo as leis vigentes” (2016, p.1).
O Código Penal Brasileiro tipifica o delito de Introdução ou Abandono de Animais em Propriedade Alheia, previsto no seu artigo 164, que dispõe: “Art. 164 – Introduzir ou deixar animais em propriedade alheia, sem consentimento de quem de direito, desde que o fato resulte prejuízo: Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, ou multa” (BRASIL, 1940).
Contudo, esse tipo penal acaba por não enquadrar muitas situações de abandono, haja vista que se destina à responsabilizar mais em decorrência do prejuízo causado ao proprietário do local em que o animal for deixado do que precisamente ao dano causado ao ser vivo (CANAL CIENCIAS CRIMINAIS, 2019).
Além disso, tendo em vista que abandono é maus tratos, a esta conduta se aplica o disposto no artigo 32 da Lei nº 9.605/1998, que destina em seu texto um dispositivo para a responsabilização penal pelos maus tratos a animais, nos seguintes termos:
“Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
O doutrinador Frederico Amado comenta a tipificação acima transcrita e apresenta a classificação doutrinária do delito nos seguintes termos:
“Revela-se um crime doloso, comum, material, de dano, não transeunte, unissubjetivo, plurissubsistente e de ação múltipla, que objetiva tutelar a incolumidade dos animais.
Normalmente será instantâneo, mas se a conduta se protrair no tempo, é possível que seja permanente. Também será, em regra, comissivo, porém é possível a sua consumação pela omissão imprópria, a exemplo do proprietário de um cão que o deixa sem alimentação visando maltratá-lo, já que ele tem a condição penal de garantidor (AMADO, 2014, p. 676)”.
Segundo leciona Helita Barreira Custódio, dentre as práticas de maus tratos, se enquadra o abandono dos animais:
“A crueldade contra animais é toda ação ou omissão, dolosa ou culposa (ato ilícito), em locais públicos ou privados, mediante matança cruel pela caça abusiva, por desmatamentos ou incêndios criminosos, por poluição ambiental, mediante dolorosas experiências diversas (didáticas, científicas, laboratoriais, genéticas, mecânicas, tecnológicas, dentre outras), amargurantes práticas diversas (econômicas, sociais, populares, esportivas como tiro ao voo, tiro ao alvo, de trabalhos excessivos ou forçados além dos limites normais, de prisões, cativeiros ou transportes em condições desumanas, de abandono em condições enfermas, mutiladas, sedentas, famintas, cegas ou extenuantes, de espetáculos violentos como lutas entre animais até a exaustão ou morte, touradas, farra de boi, ou similares), abates atrozes, castigos violentos e tiranos, adestramentos por meios e instrumentos torturantes para fins domésticos, agrícolas ou para exposições, ou quaisquer outras condutas impiedosas resultantes em maus tratos contra animais vivos, submetidos a injustificáveis e inadmissíveis angústias, dores, torturas, dentre outros atrozes sofrimentos causadores de danosas lesões corporais, de invalidez, de excessiva fadiga ou de exaustão até a morte desumana da indefesa vítima animal (CUSTÓDIO, 1997, p. 61)”.
Com base nesse entendimento é que a pessoa que abandona animal será processado pelo delito da Lei de Crimes Ambientais.
Recentemente, no ano em vigência, foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela Presidência da República, a Lei nº. 14.064, de 29 de setembro de 2020, incluindo no citado artigo 32 o parágrafo 1ª-A que aumentou a pena de maus tratos quando os vitimados são animais domésticos. Eis o dispositivo em comento: “§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda” (BRASIL, 2020).
Apesar do exposto, existem correntes que entendem a necessidade de fortalecimento das leis de proteção animal; por isso, em tramite no Congresso Nacional, projetos de lei que pretende a majoração da punibilidade dos indivíduos que abandonam animais, para que deixem tais práticas de ser processadas mediante o rito de menor potencial ofensivo.
4 Projetos de lei que pretendem a maior responsabilização penal pelo abandono de animais
Em que pese o abandono de animais não possuir uma tipificação exclusiva no ordenamento criminal nacional, sendo enquadrado como espécie de maus tratos, existem movimentos legislativos que pretendem tornar mais rígida a punição por tais condutas.
As maiores críticas residem no fato de a pena atual ser pequena, fazendo com que o delito se processe segundo o rito da Lei dos Juizados Especiais, por ser considerado de menor potencial ofensivo.
Com este objetivo encontra-se em tramitação o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 10.827 de 2018, de autoria da Deputada Mariana Carvalho – PSDB/RO, que foi apensado ao Projeto de Lei 7199/2010, cuja redação original pretende alterar a redação do parágrafo único para que a pena imposta seja de reclusão de 3(três) a 7 (sete) anos e multa (PL 10.827/2018).
Também está em tramitação no Congresso Nacional do Projeto de Lei do Senado nº 470 de 2018, de autoria dos Senadores Randolfe Rodrigues (REDE/AP) e Eunício Oliveira (MDB/CE) que pretende, além do aumento da pena, a inclusão do parágrafo 3º ao artigo 32 da Lei 9.605/1998, a fim de estabelecer punição financeira para estabelecimentos comerciais que concorrerem para esta prática, através do pagamento de multa que varia de um a mil salários mínimos (PL nº 10.827/2018).
5 Entendimentos jurisprudenciais acerca do abandono de animais
Enquanto não sancionados os projetos estudados, aumentando a pena, permanece em vigor a legislação ambiental nacional que pune os maus tratos aos animais, com fulcro no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais. O abandono é uma das situações características desse delito.
Havendo provas de sua ocorrência, a condenação é medida que se impõe diante do caso concreto.
“APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. MAUS TRATOS EM ANIMAL. PREVISAO DO ARTIGO 32 DA LEI Nº 9.605/98 C/C 29 DO CÓDIGO PENAL. ABANDONO DE ANIMAL EM CONDIÇÕES PRECÁRIAS. AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS.CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA EMBASAR A CONDENAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. Preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso, deve ser ele conhecido (TJPR – 4ª Turma Recursal – 0035128-16.2017.8.16.0018 – Maringá – Relatora: Juíza Manuela Tallão Benke – Data de Julgamento: 01/03/2018, 4ª Turma Recursal, Data de Publicação: 08/03/2018)”.
No Mato Grosso do Sul, foi condenada a pessoa que abandonou o animal deixando-o sem alimentação e sem o tratamento veterinário do qual precisava, restando caracterizado o tipo penal do artigo 32.
“APELO DEFENSIVO – ARTIGO 32, CAPUT, DA LEI Nº 9.505/98 – PLEITO ABSOLUTÓRIO. AÇÃO QUE NÃO CARACTERIZA MAUS TRATOS. TESE INACOLHIDA. – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. As provas dos autos demonstraram que o apelante mudou-se deixando em abandono animal que necessitava de tratamento veterinário, além de não suprir necessidade básicas de alimentação e higiene. Referida conduta amolda-se à conduta típica prevista no art. 32, caput da Lei 9.605/98. Ademais, apesar de revogado desde 1991 o Decreto-Lei nº 24.645, de julho de 1934, ainda serve de p0arâmetro para definir a caracterização de maus tratos aos animais e, a conduta aqui verificada amolda-se ao que prevê os incisos II e V, art. 3º, d DL em referência. (TJ-MS – APR: 00032859820138120110 MS 0003285-98.2013.8.12.0110, Relator: Juiz José Eduardo Neder Meneghelli, Data de Julgamento: 08/07/2020, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 13/07/2020)”.
Para a prova da ocorrência de maus tratos, são admitidas as provas testemunhais e também periciais, que indicarão a existência de consequências físicas do abandono ao animal.
“CRIME DE MAUS TRATOS CONTRA ANIMAIS. ART. 32, CAPUT, DA LEI 9.605/1998. AGENTE QUE MANTÉM SOB SUA GUARDA 13 (TREZE) CÃES EM ESTADO DE ABANDONO. LAUDO PERICIAL E PROVA TESTEMUNHAL. CARACTERIZAÇÃO DO DELITO NA FORMA OMISSIVA. PRECEDENTES. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE A DEMONSTRAR OS FATOS. ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE DOLO INVIÁVEL. RECURSO MINISTERIAL CONHECIDO E PROVIDO PARA JULGAR PROCEDENTE A DENÚNCIA. (TJ-SC – APL: 00026541520158240058 São Bento do Sul 0002654-15.2015.8.24.0058, Relator: Paulo Marcos de Farias, Data de Julgamento: 10/06/2020, Primeira Turma Recursal)”.
Para os julgadores, o termo abandono deve ser considerado de forma ampla. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná considera-se o delito de abandono a falta de cuidados básicos com os animais.
“APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO AMBIENTAL. MAUS TRATOS A ANIMAIS. ART. 32, CAPUT, E §2º DA LEI Nº 9.605/32. CONDENAÇÃO. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. INVIAVIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE BEM DELINEADAS NOS AUTOS. ACUSADO QUE MESMO APÓS ORDEM JUDICIAL DE DESOCUPAÇAO DO IMÓVEL, MANTINHA SOB SUA RESPONSABILIDADE OS SEMOVENTES EXISTENTES NA PROPRIEDADE. PLENA CIENCIA DO ESTADO DE ABANDONO DOS ANIMAIS. OMISSÃO DO ACUSDO EM REALIZAR CUIDADOS ESSENCIAIS COM OS ANIMAIS. ART. 13, §2º, ALÍNEA “A”, DO CÓDIGO PENAL. PROVAS DOS AUTOS ROBUSTAS. DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS CORROBORADOS POR OUTROS ELEMENTOS INDICIÁRIOS. CONDENAÇÃO QUE SE MANTÉM. DOSIMETRIA DA PENA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. RECURSO DESPROVIDO. I – O conjunto probatório coligido nos autos foi robusto em demonstrar suficientemente que o recorrente praticou de fato a conduta típica prevista no artigo 32, caput, e §2ª, da Lei nº 9.605/32. II – A elementar típica prevista no artigo 32 da Lei 9.605/98 caracteriza como crime a conduta de praticar ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, sendo aumentada a pena quando ocorra a morte de semoventes em razão do estado de abandono e da omissão deliberada de fornecer-lhes a alimentação adequada e necessária. III – Não obstante a versão dada pelas testemunhas de defesa que o réu não possuía mais acesso à propriedade, as provas dos autos demonstram que os animais mesmo após a decisão judicial se encontravam em posse do acusado, o qual agindo dolosamente, praticou maus tratos contra 53 (cinquenta e três) vacas/bois, 20 (vinte) cavalos, 06 (seis) cachorros e algumas galinhas, suficientes para subsistência. A versão da defesa, de que o réu foi impedido de entrar na propriedade, não logrou ser demonstrata pelas provas dos autos, não tendo se desincumbido do ônus imposto pelo artigo 156, primeira parte, do Código de Processo Penal. (TJPR – APL: 0002034-20.2015.8.16.0092, Relator: Desembargador Laertes Ferreira Gomes, Data de Julgamento: 03/05/2018, 2º Câmara Criminal, Data de Publicação: 23/05/2018)”.
Isto posto, considera-se abandono não apenas o praticado na ordem material, qual seja a fome e falta de higiene; mas também emocional, caracterizado pela falta de cuidado e atenção, posto que nessas situações enquadra-se nos maus tratos tipificados ao teor do artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais.
Considerações Finais
Em que pese muitas pessoas tenham consciência da necessidade de proteção dos bichos e demais seres, existem casos em que os animais são deixados a sua sorte pelas pessoas. Ante as práticas de maus tratos e abandono de animais por parte dos seres humanos, observou-se a necessidade de analisar os efeitos penais desta conduta diante do ordenamento jurídico brasileiro.
Atualmente, as práticas de abandono de animais enquadram-se no disposto no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais, denominado maus tratos. Tem-se por abandono não apenas o material, mas também os cuidados de ordem emocional, os quais são considerados pelos julgadores, conforme a jurisprudência. Deste modo, a conduta tipificada no artigo 164 do Código Penal, qual seja o abandono em terreno alheio, acaba sendo pouco utilizada nos casos práticos, mas ainda é vigente.
Ocorre que a pena prevista na Lei 9.605/1998, consiste em detenção, de três meses a um ano, e multa, o que leva ao processamento do feito segundo a Lei dos Juizados Especiais Criminais, favorável ao acusado.
Recentemente, a aprovação da Lei nº. 14.064/2020, acrescentou o §1-A ao artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais e aumentou a pena quando os animais se tratarem de cão e gato, para reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.
Apesar do exposto, ainda há inconformismo quanto a pena do caput do artigo 32, encontrando-se em tramitação no Congresso Nacional Projetos de Lei para modificar o texto penal, bem como para inserir a responsabilização de estabelecimentos comerciais que de alguma forma contribuam para a prática de maus tratos dos animais.
Tais fatos refletem o interesse da coletividade em modificar os entendimentos anteriores acerca dos animais, analisando-os como seres vivos cujos cuidados devem ser observados pelos seus donos. A legislação penal então passou a dar uma resposta sancionatória àqueles que lhes impõem situações de abandono e maus tratos e pode vir a ser mais rigorosa.
Referências
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_______. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. TJ-MS – APR: 00032859820138120110 MS 0003285-98.2013.8.12.0110, Relator: Juiz José Eduardo Neder Meneghelli, Data de Julgamento: 08/07/2020, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 13/07/2020.
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