Resumo: O presente artigo tem o objetivo de analisar os efeitos sucessórios entre os companheiros, decorrentes da existência de uma união estável, principalmente no tocante à concorrência sucessória com os descendentes, ascendentes e colaterais, após o julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694, onde o STF reconheceu e declarou a inconstitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil de 2002, equiparando a união estável com o casamento no que concerne aos direitos sucessórios. Com isto, o companheiro(a) passa a ter os mesmos direitos do cônjuge na sucessão legítima, o que aproxima a família matrimonial, ou seja, a proveniente do casamento, das demais modalidades familiares existentes, em observância aos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Liberdade de Constituir Família. No entanto, também será discutido no presente artigo, a omissão do STF em declarar se o companheiro (a) sobrevivente passa a ser incluído no rol de herdeiros necessários e o descumprimento ao art. 1787 CC/02.
Palavras – chaves: União Estável. Sucessão mortis causa. Inconstitucionalidade. Supremo Tribunal Federal.
Abstract: The purpose of this article is to analyze the succession effects among the companions, due to the existence of a stable union, especially in relation to succession competition with descendants, ascendants and collateral, after the judgment of Extraordinary Appeal nº 878.694, where the STF recognized and declared the unconstitutionality of article 1790 of the Civil Code of 2002, equating the stable union with marriage with regard to inheritance rights. With this, the partner will have the same rights of the spouse in the line of legitimate succession, which consolidates and approximates the marital family, that is, the marriage, of the other existing family modalities, in compliance with the Principles of Dignity of the Human Person and Freedom to Constitute Family. However, it will also be discussed in this article, the STF's failure to declare if the surviving partner is included in the list of necessary heirs
Keywords: Stable Marriage. Succession mortis causa. Unconstitutionality. Federal Court of Justice.
Sumário: Introdução. 1. Considerações acerca do conceito da união estável, no Direito Civil Brasileiro. 2. A Sucessão do companheiro (a), de acordo com o art. 1790 CC/02. 3. O reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1790 CC/02, com o julgamento do recurso nº 878.694 do Supremo Tribunal Federal. 4. A atual sucessão do companheiro (a) e a inaplicabilidade do art. 1790 CC/02. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Todos os ramos do Direito devem ser norteados por segurança jurídica, principalmente o Direito das Sucessões, vez que trata da transmissão patrimonial do autor da herança para os seus sucessores, após a sua morte; e reconhecimento de herdeiros e legatários, ou seja, das pessoas que receberão esse patrimônio, com a finalidade de evitar longas batalhas judiciais e com isso perecimento do patrimônio do de cujus.
Daí a importância de que o Direito das Sucessões não seja envolvido por normas de difícil compreensão e sim por regras claras , objetivas e protetivas. Qualquer dúvida na interpretação da norma, dá entrada para diversos desacordos entre aqueles que tem o direito ao patrimônio do falecido, ou seja, os seus sucessores.
O Código Civil Brasileiro de 2002 desviou-se dessa importante premissa, trazendo muitas normas de redação ambígua e difícil interpretação, no campo do Direito das Sucessões e um grande exemplo disto foi o polêmico e criticado art. 1790, que trata da sucessão do (a) companheiro (a), com regras próprias e diferenciadas das regras sucessórias do cônjuge sobrevivente. O referido artigo, colocava o companheiro, em posição inferior a do cônjuge.
Tanta polêmica existe, porque segundo o autor e doutor em Direito Civil, Flávio Tartuce (2015), no Brasil, um terço dos casais vivem em união estável e quando um dos companheiros vem a óbito, o sobrevivente, muitas vezes ficava em situação de desamparo, vez que de acordo com o art. 1790 CC/02, o companheiro nada herdava dos bens particulares do falecido e ainda concorria na herança dos bens comuns, com os parentes colaterais, a exemplo de irmãos, sobrinhos, tios e primos, resguardada a ordem de vocação hereditária.
Para muitos aplicadores do Direito Civil Brasileiro, a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, referente ao Recurso Extraordinário nº 878.694, foi bastante comemorada, por finalmente dar um tratamento igualitário entre cônjuges e companheiros, no tocante aos efeitos sucessórios, através do reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1790 CC/02.
A renomada autora Maria Berenice Dias (2017) , faz uma importante observação para o tema em questão:
“Diante do atual conceito de família — “vínculo de afeto que gera responsabilidades” —, os direitos e os deveres são os mesmos. Quer o par resolva casar ou viver em união estável. Quem decide constituir uma família assume os mesmos e iguais encargos. É indiferente se forem ao registro civil ou ao tabelionado, ou simplesmente tenham o propósito de viverem juntos. A pessoa é livre para permanecer sozinha ou ter alguém para chamar de seu. Ao optar por uma vida a dois, as consequências de ordem patrimonial e sucessória precisam ser iguais.
Se toda a forma de amor vale a pena, deve gerar as mesmas e iguais consequências. A responsabilidade por quem se cativa — na surrada, mas verdadeira frase de O Pequeno Príncipe — traça o perfil ético do afeto.”
Embora o julgamento do Recurso Extraordinário nº 876.894, tenha sido concluído em maio de 2017, a decisão trouxe graves dúvidas que ainda necessitam de esclarecimentos.
Não ficou claro, se o (a) companheiro(a), passa a fazer parte do rol de herdeiros necessários. Tal dúvida é bastante grave, vez que as pessoas que convivem em união estavel, necessitam saber saber se podem livremente dispor de seus bens, através de testamento, bem como esclarecer os reais direitos em relação a herança do companheiro falecido, principalmente na concorrência com ascendentes, descendentes e colaterais.
Com a finalidade de esclarecer a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, acerca da sucessão do companheiro, o presente artigo foi divivido em 6 capítulos, sendo que o primeiro é uma introdução, onde foi realizada uma noção geral acerca do tema, demonstrando a importância do mesmo para o universo da Ciência Jurídica e os métodos de pesquisas realizados para a elaboração do presente trabalho; o segundo capítulo traça uma análise sobre o conceito, regras e requisitos da União estável; o terceiro capítulo traz uma análise crítica acerca do artigo 1790 do CC/02; o quarto capítulo, discorre sobre o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1790 CC/02, com o julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 do Supremo Tribunal Federal; o quinto capítulo, traz um estudo de como ficou a atual sucessão do companheiro, após a decisão da Suprema Corte Brasileira; e por último, traz nas considerações finais, a importância da referida decisão para as famílias brasileiras e as críticas oriundas da decisão do STF, abordando os pontos que precisam de posicionamento por parte do Supremo Tribunal Federal, como maneira de efetivar a Segurança Jurídica da decisão.
Este trabalho é de grande relevância tanto para o universo da Ciência Jurídica, quanto para a sociedade, vez que esclarece como são as novas regras sucessórias das pessoas que vivem em União Estável.
Nos procedimentos metodológicos, foi utilizado o método de revisão de literatura, sendo a abordagem qualitativa e descritiva.
Com isto, este trabalho traz como objetivo geral, demonstrar a nova regra de sucessão para os que convivem em União Estável, explanado o reconhecimento da insconstitucionalidade do art. 1790 CC/02, pelo STF e como objetivos específicos demonstrar como serão dividas as heranças dos companheiros falecidos, de acordo com a regra do art. 1829 CC/02.
2.CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONCEITO DA UNIÃO ESTÁVEL, NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO:
Durante muitos séculos, a única instituição familiar protegida pelo Direito e reconhecida pela sociedade, foi o Casamento, ou seja, a família matrimonial. As pessoas unidas sem o casamento e apenas pela união de fato sofriam rejeição social e eram desprotegidas pela legislação pátria. O Código Civil de 1916, era omisso em regular qualquer relação extramatrimonial. As relações sem o selo do casamento, eram denominadas de Concubinato e não possuíam a devida proteção legal, vez que quando ocorria o seu rompimento, seja por morte ou por separação, os conviventes não possuíam direitos à herança, à partilha de bens ou a alimentos. Pouco a pouco, começou-se a conceder à mulher, que não tinha renda, com o fim da união de fato, “uma indenização por serviços prestados”. Mais tarde, tais uniões passaram a serem reconhecidas como uma Sociedade de fato, que gerava direitos obrigacionais. Em 1964, o STF, editou a Súmula 380: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. Até o momento, os direitos de família e sucessórios, eram exclusivos da relação matrimonial.
“A família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado. A Constituição Federal e o Código Civil a ela se reportam e estabelecem a sua estrutura, sem no entanto definí-la, uma vez que não há identidade de conceitos tanto no ramo do Direito como no da Sociologia.” (DIAS, 2016, p. 54)
Diante do clamor social e da evolução dos costumes, as uniões extramatrimoniais, passaram a serem reconhecidas, com a promulgação da Constituição Federal de 1988.
No art. 226 da CF/88, o conceito de família foi ampliado e mais precisamente no §3º, a União Estável, teve seu merecido reconhecimento como entidade familiar, in verbis:
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
Com a CF/88, as uniões de fato entre homens e mulheres, foram reconhecidas como entidades familiares, com a devida proteção legal, sob a denominação de União Estável.
Posteriormente, foram publicas legislações infraconstitucionais, que regulamentavam direitos às pessoas que viviam em Uniões Estáveis: Lei 8.971/94, que assegurou o direito a alimentos e a herança e a Lei 9278/96, que não quantificou prazo mínimo de convivência e admitiu como estáveis as relações entre pessoas separadas de fato, como também fixou a competência das varas de família para o julgamento de litígios oriundos dessas relações e reconheceu o direito real de habitação.
Mais tarde, com a publicação do Código Civil de 2002, este trouxe em seu bojo, o reconhecimento e regulamentação da matéria, em seus arts. 1723 a 1726, onde nestes trouxe o conceito da referida união, seus requisitos de configuração, suas relações patrimoniais e a facilitação da sua conversão em casamento. O mesmo CC/02, também trouxe a regulamentação do direito sucessório dos companheiros, no polêmico art. 1790.
Finalmente em 2011, o STF – Supremo Tribunal Federal – deu um importante passo na disciplina da União Estável, reconhecendo a União Homoafetiva, através dos julgamentos da ADIN 4.277 e da ADPF 132, dando à CF/88, a interpretação sistemática que lhe é devida, pois a mesma proíbe discriminação de sexo, traz a proteção da dignidade da pessoa humana e ainda equipara homens e mulheres em direitos e deveres, bem como não limita as possibilidades de formações familiares.
Há um projeto de lei em tramitação no Senado Federal, de autoria da Senadora Marta Suplicy (PL 612/11), que trata do reconhecimento legal da união estável entre pessoas do mesmo sexo, com a finalidade de alterar a redação do art. 1723 CC/02, in verbis:
“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.”
O projeto legaliza a união estável homoafetiva ao promover alterações no Código Civil de 2002. Atualmente, a legislação reconhece como entidade familiar, a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. Com o projeto da Senadora Marta Suplicy, a lei será alterada para estabelecer como família “a união estável entre duas pessoas”, sem mencionar o sexo, mantendo o restante do texto do citado artigo.
Diante de todo o narrado acima, faz-se mister esclarecer o atual conceito de união estável e para tanto, os nobres doutrinadores Elpídio Donizetti e Felipe Quintela (2017, p. 977), o trazem, in verbis:
“È a união de pessoas que atam um vínculo conjugal no intuito de dividir uma vida de afeto”
Para Álvaro Villaça de Azevedo (2017, p. 205), a união estável é:
“ A convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato”.
De acordo com o art. 1723, § 1º do CC/02, para a caracterização da união estável, é importante esclarecer que não podem estarem presentes nenhum dos impedimentos matrimonias elencados no art. 1521 CC/02, in verbis:
“ Art. 1.521. Não podem casar:
I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II – os afins em linha reta;
III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V – o adotado com o filho do adotante;
VI – as pessoas casadas;
VII – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.”
Já, de acordo com o § 2º do art. 1723, a presença das causas suspensivas, elencadas no art. 1523 do mesmo código, não impede a caracterização da união estável, apenas devendo ser aplicado nesses casos o Regime da Separação Obrigatória de bens.
Devem estar presentes na relação, para a configuração da União Estável, os seguintes requisitos: Convivência “more uxorio”, notoriedade, publicidade, continuidade e intenção de constituir família. A coabitação não configura como requisito para a caracterização da união estável, mas a convivência sob o mesmo teto pode ser um meio de prova do relacionamento. Assim, inexistindo a coabitação não resta desqualificada existência da união estável. O legislador não estabeleceu lapso temporal para a caracterização da união estável, incumbindo ao juiz reconhecer em cada caso específico a existência ou não de união estável, independentemente do prazo da sua duração.
Não há a obrigação de ser realizada uma escritura pública de união estável ou um escrito particular para a sua configuração, mas os mesmos podem existir para estabelecer direitos e obrigações entre os companheiros, bem como para afastar o regime legal, escolhendo outro regime de bens, conforme explana o art. 1725 CC/02, in verbis:
“Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.”
Caso não haja uma escritura pública de União Estável, existem outros meios de provar a sua existência, tais como: dependência em declaração de dependência em imposto de renda, conta conjunta, certidão de casamento religioso, certidão de nascimento dos filhos comuns, entre outros. Importante esclarecer que é necessário um conjunto probatório e cumprimento dos requisitos legais.
O reconhecimento da união estável e da união homoafetiva obedecem ao princípio da liberdade de constituir família, da afetividade e da dignidade da pessoa humana. O reconhecimento destas uniões, possibilitam aos casais a liberdade de constituir uniões baseadas unicamente no afeto e sem a burocracia do casamento.
3.A SUCESSÃO DO COMPANHEIRO, DE ACORDO COM O ARTIGO 1790 CC/02:
Sucessão após a morte, trata como se dará a disposição do patrimônio das pessoas após a sua morte, ou seja, como se dará a transmissão patrimonial para os seus herdeiros e/ou legatários.
O momento da transmissão da herança acontece no mesmo momento da da morte, ainda que presumida nos termos da lei (CC/2002, artigos 6º e 7º), pois as relações jurídicas não podem ficar privadas de um titular. Assim, a transmissão da herança, no plano jurídico, ocorre automaticamente e sem formalidade, com fundamento no princípio da saisine, ainda que, no plano fático, a morte seja desconhecida pelos sucessores. (CAHALI; HIRONAKA, 2014, p. 37).
No Brasil, o direito à herança, é resguardado constitucionalmente, através do art. artigo 5º, inciso XXX e integra o rol dos direitos e garantias fundamentais. A sucessão mortis causa poderá se dar através da sucessão testamentária e/ou por meio da sucessão legítima (CC/2002, artigo 1.786). A sucessão testamentária resulta de ato de última vontade do falecido. Nela, o herdeiro é aquele indicado no testamento como sucessor. De outro lado, a sucessão legítima, também denominada sucessão legal ou ab intestato (sem testamento), se dá em observância à ordem de vocação hereditária prevista na legislação, mais precisamente no art. 1829 e seguintes do CC/02. Nela, o herdeiro é aquele indicado na lei como sucessor e além dos ascendentes, descendentes, cônjuge, colaterais, também existem os companheiros. Estes últimos possuem no atual código civil, uma disciplina sucessória própria e que por muito tempo foi alvo de duras críticas pelos aplicadores do Direito.
Os direitos sucessórios do companheiro(a), ou seja, o direito à herança das pessoas que conviviam entre si em União Estável, eram disciplinados pelo polêmico artigo 1790 do CC/02, com a seguinte redação:
“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança".
A autora Stela Maris Vieira Mendes (2017, p. 189), esclarece a sucessão do companheiro, através dos ditames do art. 1790 CC/02:
“O companheiro participa da sucessão quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da União Estável (art. 1790 CC/02). A base de cálculo são os aquestos, tanto para apurar a meação, quanto para identificar a quota sucessória.”
Em breve análise do artigo acima, clara é a diferença em relação a sucessão do cônjuge.
Ainda segundo Mendes (2017, p. 194):
“Somente na união estável existe concorrência com os parentes colaterais, porque a lei os inseriu em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, relegando ao compenheiro o último lugar. “
A regra foi erroneamente introduzida entre as disposições gerais do Direito das Sucessões. Isso se deu pelo fato do tratamento relativo à união estável ter sido incluído no CC/2002 nos últimos momentos de sua elaboração e sem a devida atenção do legislador. Ressalta-se também que apesar do atual CC, ter entrado em vigor em 2003, o projeto do mesmo é dos anos 70, onde os costumes da sociedade eram outros e não se tinha tantas famílias informais. Pelo mesmo fato, o companheiro não consta da ordem de vocação hereditária, trazida pelo art. 1829 CC/02, não sendo incluído no rol de herdeiros necessários, constante no art. 1845 do mesmo diploma legal, apenas sendo tratado como um herdeiro especial, em um outro artigo.
Pelo fato do atual Código Civil ser um projeto anterior à Constituição Federal de 1988, mas apenas ter entrado em vigor em 2003, o Companheiro (a), não veio elencado no rol de vocação hereditária, de acordo com a redação do art. 1829 CC/02, in verbis:
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.”
Ordem de vocação hereditária, é o chamamento das pessoas com direito à herança, para que recebam o patrimônio deixado pelo de cujus. É uma ordem de prefêrencia estabelecida, dentre aqueles que possuem o direito à herança. A vocação hereditária pode ocorrer por sucessão legítima, ou seja, a que decorre da lei, ou por disposição de última vontade do falecido, por meio do testamento.
O art. 1829 CC/02, traz o rol das pessoas legitimadas à sucessão, que são elas: Os descendentes, os ascendentes, o cônjuge sobrevivente e os colaterais até o 4º grau.
Dentro desta ordem, ainda existe a classificação entre herdeiros legítimos necessários e herdeiros legítimos facultativos, conforme os arts 1845 e 1850, ambos do CC/02. Por herdeiros legítimos necessários, ou seja, os descendentes, os ascendentes e o cônjuge, entende-se que estes têm direito ao mínimo de 50% (cinquenta por cento) do acervo hereditário, não podendo serem afastados da sucessão, conforme regra do art 1846 CC/02, exceto nos casos de indignidade e deserdação, devidamente arbitrados nos arts. 1814 e seguintes e 1961 e seguintes, todos também do CC/02.
Os herdeiros necessários somente poderão ser privados da herança legítima nas hipóteses específicas de indignidade e deserdação, estabelecidas de forma taxativa na lei. Em relação a eles, a legítima é inatingível, “não podendo ser diminuída na essência, ou no valor, por nenhuma cláusula testamentária” (NEVARES, 2015, p. 21).
Quanto ao restante dos bens, o autor da herança, poderá dispor da maneira que quiser, através do testamento. Ainda nesta esfera, deve ser levada em consideração a regra do art. 1833 CC/02, onde diz que os mais próximos excluem os mais remotos, salvo o direito de representação.
Já na classificação dos herdeiros legítimos facultativos, temos os Colaterais até o 4º grau, ou seja, os irmãos, tios, sobrinhos, tios – avós, sobrinhos – netos e primos, sendo que os parentes de graus mais próximo excluem os mais remotos, salvo o direito de representação a favor dos filhos de irmãos, também são considerados herdeiros dentro da ordem do art. 1829 CC/02, porém estes não tem metade da herança resguarda, podendo ser afastados de todo o acervo hereditário, através de testamento, sem nenhuma motivação.
Observa-se que em nenhum momento o art. 1829 CC/02, faz menção ao companheiro (a), como herdeiro. Os conviventes através da união estável, eram considerados herdeiros especiais e a sucessão era regulamentada unicamente pelo art. 1970 CC/02.
O referido artigo, colocava o companheiro em situação inferior à situação do Cônjuge sobrevivente. A Constituição Federal concede a mesma e igual proteção à família, independentemente da sua formatação: se por meio do casamento ou da união estável.
Importantes são as palavras de Maria Berenice Dias (2017):
“A simples recomendação — aliás, para lá de inútil — de ser facilitada a conversão da união estável em casamento não hierarquiza os dois institutos. Não coloca o casamento como modelo.
Ainda assim, de modo para lá de desarrazoado, a lei insiste em deferir-lhes tratamento distinto. Principalmente em sede de direito sucessório. O Código Civil considera o cônjuge herdeiro necessário, e o companheiro, não. Ao atribuir a quem compartilhou a vida, uma parte do que cabe aos filhos, estabelece outra e desarrazoada distinção.”
A situação sucessória do cônjuge sobrevivente tinha uma situação muito mais protetiva, vez que este tem as seguintes regras:
Quando concorre com descendentes, caso seja casado pelo regime da comunhão universal de bens, é meeiro e não herdeiro; quando casado pelo regime da comunhão parcial de bens, é meeiro dos bens comuns e herdeiro dos bens particulares; se casado pelo regime da separação legal, é herdeiro dos bens particulares; se casado pelo regime da separação obrigatória de bens, é meeiro dos bens adquiridos com o esforço comum e se casado pelo regime da participação final nos aquestos, segue a regra do regime da comunhão parcial de bens.
Já quando concorre com ascendentes, a regra muda. Diante desta regra, o cônjuge sobrevivente herda, independente do regime de bens. Se casado no regime da comunhão universal de bens, é meeiro dos bens comuns e herdeiro dos bens particulares, quando casado pelo regime da comunhão parcial de bens, é meeiro dos bens comuns e herdeiro dos bens particulares; se casado pelo regime da separação legal, é herdeiro dos bens particulares; se casado pelo regime da separação obrigatória de bens, é meeiro dos bens adquiridos com o esforço comum e se casado pelo regime da participação final nos aquestos, segue a regra do regime da comunhão parcial de bens.
O cônjuge herda isoladamente, ou seja, todo acervo hereditário, caso o falecido não tenha deixado ascendentes e nem descendentes.
Os colaterais só herdariam, caso o falecido não tivesse descendentes, ascendentes ou cônjuge sobrevivente.
O art. 1790 CC/02, como primeira regra, traz que para o reconhecimento do direito sucessório do companheiro ou companheira, o caput enuncia que somente haverá direitos em relação aos bens adquiridos onerosamente durante a união. Desse modo, comunicam-se os bens havidos pelo trabalho de um ou de ambos durante a existência da união estável, excluindo-se bens recebidos a título gratuito, por doação ou sucessão, bem como os adquiridos anteriormente à união. Deve ficar claro que a norma não está tratando de meação, mas de sucessão ou herança, independentemente do regime de bens adotado. Por isso, em regra, pode-se afirmar que o companheiro é meeiro e herdeiro dos mesmos bens.
Em linhas gerais, o art. 1790 CC/02, restringe o direito do companheiro(a) aos bens adquiridos onerosamente da constância na união, nada tendo direito aos bens particulares (adquiridos anteriormente à união, ou adquiridos durante a vigência da união, porém através de doação ou herança), faz distinção entre a concorrência do companheiro com filhos comuns ou só do falecido, prevê o direito apenas à metade do que couber aos que descenderem somente do autor da herança e estabeleçe um terço na concorrência com herdeiros de outras classes que não os descententes do falecido, a exemplo dos colateriais, e só é chamado a concorrer com a totalidade da herança na falta destes; o conjuge, porém, prefere aos parentes colaterais e por último, não o inclui como herdeiro necessário e nem com um quinhão mínimo.
Diante de tal análise, verifica-se que de acordo com o CC/02, o companheiro tem uma posição sucessória inferior a do cônjuge.
O grande problema da sucessão do companheiro, conforme a regra do art. 1790 CC/02, era quando concorria com outros parentes (ascendentes ou colaterais), tinha direito a apenas 1/3 ( um terço) da herança. A diferença gritante é que o cônjuge não concorre com colaterais e herda também dos bens particulares.
Diante de tal regra, diversos questionamentos doutrinários surgiram: o companheiro terá que dividir herança, tendo direito a apenas 1/3 se concorrer inclusive com colaterais, fato este que pode deixá-lo em situação de desprovimento, por colocar o companheiro em possível desfavorável em relação a parentes distantes, com os quais muitas vezes não se têm vínculo familiar. O companheiro apenas herda os bens comuns, adquiridos onerosamente durante a vigência da união estável, então, caso o falecido somente tenha deixado bens particulares, seja pelo modo de aquisição (doação ou herança), ou pelo regime de bens escolhido, o companheiro não tinha direito à herança, ficando desprotegido.
Por fim, consagra o inciso IV do art. 1.790 do CC que somente se não houver parentes sucessíveis – descendentes, ascendentes e colaterais até o quarto grau -, é que o companheiro teria direito à totalidade da herança. Esta regra era a mais criticada, pois o companheiro só herdar a totalidade da herança na falta de colaterais, o deixava em situação bastante inferior a do cônjuge, vez que este herda a totalidade na falta de ascendentes e descendentes.
Ao dispor sobre o regime sucessório aplicável ao cônjuge no artigo 1.829 e ao companheiro no artigo 1790, o Código Civil acabou por desequiparar, para fins sucessórios, cônjuges e companheiros, ao outorgar a estes últimos direitos sucessórios distintos e inferiores dos conferidos aos cônjuges, impondo uma hierarquização das entidades familiares totalmente dissonante da previsão constitucional e em total descumprimento aso princípios da liberdade de constituir família e da afetividade.
Ao analisar o Direito de Família brasileiro e as regras da CF/88, observa-se que existe uma equiparação do casamento à união estável, como núcleo familiar, devendo ser abolida qualquer regra que trate o companheiro em situação inferior e desfavorável à do cônjuge.
Diante disto, diversos tribunais estaduais reconheceram a inconstitucionalidade do art. 1790 CC/02, por afrontar os princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana, Igualdade, liberdade de constituir famílias e afetividade, uma vez que o art. 226, §3º CF/88, deu tratamento paritário ao casamento e a União Estável. Além disso, o mesmo entendimento deve prevalecer para as uniões estáveis de casais homoafetivos, estendendo-se os mesmos efeitos da decisão, independente da orientação sexual dos casais. As uniões homoafetivas possuem os mesmos direitos e obrigações das uniões heteroafetivas.
4. O RECONHECIMENTO DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1790 CC/02, COM O JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO nº 878.694 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
O Supremo Tribunal Federal finalizou, no dia 10 de maio de 2017, o julgamento sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, através do julgamento do recurso extraordinário nº 878.694/MG, que teve como relator o ministro Luís Roberto Barroso. No caso concreto, a decisão do julgador de primeira instância reconheceu ser a companheira de um homem falecido a herdeira universal dos bens do casal, vez que o falecido não tinha descendentes e nem ascendentes vivos, aplicando ao caso em júdice, o inciso III do 1829 CC/02, portanto, dando tratamento igual ao instituto da união estável em relação ao casamento. No caso em tela, o falecido possuía irmãos vivos (colateriais de 2º grau), que se aplicado o art. 1790 CC/02, de acordo com o inciso III, estes concorreriam à herança junto com a companheira, ficando esta apenas com um terço da massa patrimonial do falecido.
No entanto, os irmãos do falecido, inconformados e querendo ter direito a uma boa parte da herança, recorreram da decisão a quo, para o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), e este reformou a decisão de primeira instância, dando à companheira sobrevivente o direito a apenas um terço dos bens adquiridos de forma onerosa pelo casal, ficando o restante com os três irmãos do falecido, por aplicar e reconhecer a constitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil. Buscando a reforma do acórdão publicado pelo TJ-MG, a companheira sobrevivente interpôs Recurso Extraordinário dirigido ao Supremo Tribunal Federal.
Tal julgamento, no STF, teve início em agosto de 2016, tendo desde o começo da sua tramitação sete votos pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1790 CC/02. Votaram pela inconstitucionalidade do artigo, o os ministros Luiz Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia, e o próprio ministro relator Luís Roberto Barroso. A tramitação do processo foi interrompida com o pedido de vista realizado pelo ministro Dias Toffoli, somente voltando para a pauta de julgamento no ano de 2017. O ministro Dias Toffoli proferiu voto com posicionamento diverso, ou seja, pela constitucionalidade do art. 1790 CC/02, alegando que a Constituição Federal de 1988 não igualou a União Estável e o casamento, se fosse assim não teria facilitado a sua conversão em casamento. O ministro Marco Aurélio também pediu novas vistas, unindo também o julgamento do recurso extraordinário 646.721/RS, que tratava da sucessão de companheiro homoafetivo, do qual era relator, vez que não havia motivo para distinção, vez que o próprio STF, já havia reconhecido a União Homoafetiva, através da ADPF 132/RJ, dando tratamento igualitário em relação a União Estável. Para o ministro Marco Aurélio, também não havia qualquer inconstitucionalidade devendo ser preservado todo o teor do art. 1.790 do Código Civil, vez que o art. 226, § 3º da CF/88 , não igualou a união estável e o casamento, principalmente porque trouxe a possibilidade da conversão da união estável em casamento. Alega o ministro, ao proferir o seu brilhante voto, que a CF/88 reconheceu uma hierarquia entre as duas entidades familiares. Ricardo Lewandowski também votou pela constitucionalidade do art. 1790 CC/02.
Segue a ementa do Recurso Extraordinário nº 876.894, publicada em novembro de 2017:
Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
REPERCUSSÃO GERAL. INCONSTITUCIONALIDADE DA DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS.
“1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável.
2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988.
3. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso .
4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública.
5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”.
Ao final, o placar foi de 8 a 3 votos, pela inconstitucionalidade do art. 1790 CC/02, afirmando os ministros vencedores que a Constituição contempla diferentes formas de família, além da que resulta do casamento, não havendo nenhuma hierarquização entre elas, devendo todas terem os mesmos direitos e obrigações. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. Portanto, não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada por casamento e a constituída por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares mostra-se incompatível com o disciplinado na Constituição Federal de 1988, bem como também é incompatível com os princípios norteadores do Direito brasileiro.
O art. 1.790 do Código Civil de 2002, entra em desacordo com os princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade na modalidade de proibição à proteção deficiente, da vedação ao retrocesso, afetividade e liberdade de constituir família.
Por fim, ficou decidido que, com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, deve ser aplicado apenas aos inventários judiciais em que a sentença de partilha não tenha transitado em julgado e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. A tese teve reconhecimento de repercussão geral, ou seja, efeito erga omnes.
O companheiro passa a figurar ao lado do cônjuge na ordem de sucessão legítima (art. 1.829). Desse modo, concorre com os descendentes nos moldes do regime de bens adotado. Concorre também com os ascendentes o que independe do regime de bens. Na falta de descendentes e de ascendentes, o companheiro recebe a herança por inteiro, como ocorre com o cônjuge, excluindo os colaterais até o quarto grau (irmãos, tios, sobrinhos, primos, tios-avôs e sobrinhos-netos). Ressalta-se que o regime de bens adotado passará a ser fundamental não só para a meação, como também para a sucessão. Não haverá mais a restrição quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união.
A decisão tema possui enorme repercussão na sociedade, em virtude dos diversos casais que vivem em União Estável e das diversas sucessões em andamento, tanto nas varas de família e sucessões, quanto nos cartórios de notas.
De acordo com o Ministro relator Luis Roberto Barroso:
“Assim, com o intuito de reduzir a insegurança jurídica, entendo que a solução ora alcançada deve ser aplicada apenas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública. (STF, recurso extraordinário 878.694/MG, relator ministro Luís Roberto Barroso).”
Em suma, a tese da repercussão geral aplica-se, sim, aos processos de inventário em curso, desde que não haja decisão transitada em julgado. Por outra via, em havendo sentença ou acórdão aplicando o art. 1.790 do CC/02,que ainda estejam pendente de julgamento por instância superior, deve ser revisto e aplicadas as regras do art. 1.829 do Código Civil. Em relação aos inventários extrajudiciais pendentes, as escrituras públicas devem ser elaboradas com o novo tratamento dado pelo STF. Essa decisão, vem causando outro grande problema e dúvidas no cenário jurídico, dando origem vem a diversos debates entre os aplicadores do Direito, vez que houve a inobservância da regra do art. 1787 CC/02, in verbis:
“Art. 1.787. Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela.”
Ou seja, de acordo com a referida regra, a decisão do STF, somente poderia abranger os casos futuros, de pessoas que ainda não tenham falecido, pois a lei aplicada à sucessão, deve ser a vigente no momento da morte.
Além da problematização acima, algumas outras questões ficaram pendentes no julgamento do STF. A primeira delas diz respeito à inclusão ou não do companheiro como herdeiro necessário, no art. 1.845 do Código Civil, com grandes consequências. O julgamento nada relata sobre isto.
Todavia, mesmo sem uma posição expressa por parte dos ministros do STF, diante da leitura detalhada do inteiro teor do acórdão, este dar a entender que sim, o compenheiro passa a adentrar no rol de herdeiros necessários, porém não há nada expresso neste sentido, e por isso, é importante o posicionamento claro da Suprema Corte Brasileira, vez que ao ser reconhecido como herdeiro necessário, o companheiro não poderá ser afastado da legítima, salvo casos expressos em lei, bem como poderá arguir bens sonegados e exigir colação.
No que concerne ao direito real de habitação do companheiro, também não mencionado nos julgamentos, não resta dúvida da sua existência.
5. A ATUAL SUCESSÃO DO COMPANHEIRO E A INAPLICABILIDADE DO ART. 1790 CC/02:
Diante do reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1790 CC/02, que pregava um regime sucessório diferenciado entre o companheiro e o cônjuge, através do julgamento do RE nº 878.694 do STF, diante do qual teve reconhecido também a repercursão geral da questão suscitada, com efeito erga omnes e imediato, para os processos de inventário em andamento, onde não tenha transitado em julgado, para os inventários administrativos, onde não tenha sido realizado a escritura pública de partilha e para as uniões estáveis vigentes, caso um dos companheiros venha a óbito, para o sobrevivente, no tocante à herança, serão aplicadas as regras do art. 1829 CC/02.
O art. 1790 CC/02, não foi revogado, vez que esta tarefa cabe unicamente ao Poder Legislativo Brasileiro, e o que houve foi uma decisão de reconhecimento de inconstitucionalidade do art. 1790 CC/02, através de uma decisão da Suprema Corte Brasileira. Diante disto, o referido artigo perdeu aplicabilidade prática, não cabendo nenhuma distinção no âmbito sucessório entre cônjuges e companheiros, diante da obediência ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana e da Liberdade de Constituição Familiar.
O resultado, entretanto, não parece ter agradado os principais especialistas e doutrinadores na matéria. Muitos contrários à decisão da Suprema Corte alegam que acabou a liberdade de não casar e que a CF/88, jamais igualou a União Estável ao Casamento.
Em análise da decisão do STF, pode-se perceber que apesar de ter igualado o regime sucessário entre cônjuges e companheiros, impondo a aplicação do art. 1829 CC/02, em nenhum momento, o referido tribunal reconheceu o companheiro como herdeiro necessário, deixando uma grande omissão na decisão proferida. Diante disto, a ADFAS ( Associação de Direito das Famílias e Sucessões), interpôs, em setembro de 2017, embargos de declaração, para que o Supremo Tribunal Federal decida se o companheiro na união estável deve ser reputado como herdeiro necessário e no sentido também de esclarecer a aplicabilidade da referida decisão, apontando a notória afronta ao artigo 1787 CC/02. Ainda não há julgamento acerca do referido embargo declaratório.
Importantíssima é a alegação da jurista Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões), manifestada no próprio site da associação:
“ Ocorre que, segundo o STF, a decisão que modificou os direitos sucessórios do companheiro deve ser aplicada a todos os inventários não findos, ou seja, às heranças de quem faleceu antes da publicação daquela decisão. E, segundo o voto condutor do Ministro Luís Roberto Barroso do STF, esse efeito retroativo da decisão teria a finalidade de preservar a segurança jurídica.
Mas aplicar a decisão a todos os inventários ainda abertos ao tempo de sua publicação com base na segurança jurídica, com todo o respeito, é uma evidente contradição. Isso porque segurança jurídica é a circunstância de um cidadão conhecer, ou ao menos poder conhecer a lei e agir e reagir com base neste conhecimento. Quem quer viver em união estável deve ter a possibilidade de conhecer o ordenamento legal, para decidir se lhe convém ou não constituir essa entidade familiar, ou, até mesmo, mantê-la até a morte.
Assim, se quem faleceu antes da modificação do ordenamento jurídico quisesse que seu irmão herdasse, ou quisesse que a maior parte dos bens que adquiriu durante sua vida fossem destinados a um filho e não ao companheiro, sequer teve a oportunidade de realizar um testamento, por acreditar que o ordenamento que vigoraria em sua herança seria o da época de sua morte.
Sendo a preservação da segurança jurídica o objetivo do STF, a única alternativa possível para atingi-lo seria a aplicação da decisão do julgamento somente em relação às sucessões abertas após a data de publicação da decisão, ou seja, às heranças decorrentes de falecimentos posteriores à divulgação pública do que foi alterado por aquele Tribunal.
Além disso, o STF acabou por desrespeitar o Código Civil, que estabelece em seu artigo 1.787 que a lei que regula a sucessão é a lei vigente ao tempo de sua abertura, ou seja, ao tempo da morte do indivíduo. Ora, por óbvio, os inventários ainda abertos ao tempo da publicação da decisão do STF se referem a sucessões abertas antes da publicação da decisão do STF, ou seja, às heranças dos que faleceram antes disso.
Ao tempo da abertura dessas sucessões, o artigo 1.790 do Código Civil, que fixava os direitos hereditários do companheiro, não fora declarado inconstitucional. Isto só ocorreu com a publicação da decisão do STF, ocorrida em 11/09/2017. Em relação a todas as sucessões envolvendo união estável abertas antes desta data, os direitos sucessórios dos companheiros viúvos deveriam ser regulados pelo artigo 1.790 do Código Civil, pois este artigo estava vigente ao tempo das mortes de seus respectivos companheiros.
Se a segurança jurídica é a circunstância de poder o indivíduo conhecer qual é a lei vigente em um dado momento e quais são os seus efeitos jurídicos, agindo e reagindo conforme este conhecimento, então a segurança jurídica só pode ser preservada se os efeitos da decisão do STF se produzirem a partir das sucessões abertas a partir da publicação da decisão, pois, como muito bem advertiu o Ministro Ricardo Lewandowski, com voto vencido no julgamento do RE 646.721-RS:“os que já estão mortos, evidentemente, não têm mais como interferir e reagir relativamente à decisão do Supremo Tribunal Federal.
Por essas razões, entre outras, a ADFAS – Associação de Direito de Família e das Sucessões – que foi admitida como amicus curiae no referido Recurso Extraordinário – interpôs embargos de declaração, para que o STF elimine a contradição e determine a aplicação da decisão às heranças daqueles que vierem a falecer depois de sua publicação. de Direito de Família e das Sucessões)”
Diversos ainda serão os debates acerca da matéria.
Pra tanto, o que se tem é a certeza da aplicação do 1829 CC/02, também para a União Estável e que este, por enquanto, deverá ser aplicado para todas as futuras sucessões e incluse as em curso.
Portanto, os companheiros, para fins de sucessão, terão os mesmos direitos que os cônjuges, de acordo com o art. 1.829 do CC:
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.”
Tem-se que o regime de bens não servirá apenas para separar a meação, mas também produzirá efeitos quanto a herança companheiro sobrevivente, na concorrência com descendentes do falecido, excluindo-se o direito a herdar, em regra, quando a união estável estiver submetida ao regime de comunhão universal, de comunhão parcial somente com bens adquiridos durante da constância da união estável (particulares – neste caso será apenas meeiro) e da separação obrigatória de bens.
Nos casos acima apontados, a herança é transmitida apenas aos descendentes.
Caso os companheiros tenham optado, através de escritura pública ou contrato de convivência, pelo regime de comunhão universal de bens, já será garantida ao companheiro sobrevivente metade do patrimônio, a título de meação, por isso que, em regra, não haverá herança para aquele que optar por este tipo de regime, na concorrência com os descendentes do de cujus. Em regra, porque mesmo no regime de comunhão universal, existem bens que não compõem a meação (exceções previstas no art. 1.668 do Código Civil). Somente se existirem esses bens, o que é incomum, de acordo com parte da doutrina, é que haverá herança.
O mesmo raciocínio segue para a comunhão parcial sem bens particulares, caso existam bens excluídos da comunhão, a exemplo de bens adquiridos com cláusulas de incomunicabilidade, doutrinariamente, seria possível a herança, somente em relação a estes bens, quando a concorrência for com os descendentes.
Quanto ao regime de separação obrigatória de bens, a regra legal também indica que não haverá herança, uma vez que a intenção do regime é separar os patrimônios, deixando-os todos como particulares de cada cônjuge. Exceto o direito à meação sobre os bens adquiridos onerosamente na constância da relação, fruto do esforço comum do casal, conforme súmula 377 do STF.
Se os companheiros optarem pelos demais regimes, quais sejam: comunhão parcial com bens particulares, participação final nos aquestos, separação convencional de bens e nos regimes escolhidos pela livre vontade dos envolvidos, haverá concorrência sucessória com os descendentes.
Convém lembrar que se os companheiros silenciarem sobre o regime de bens ou mesmo se esta não for formalizada, será aplicado o regime de comunhão parcial de bens, exceto quando a união estável for estabelecida nas hipóteses previstas no art. 1.641 do CC , onde vigerá o regime da Separação Obrigatória de bens.
Na concorrência com os descendentes do falecido o companheiro, quando for herdeiro, receberá quinhão igual aos descendentes e se for ascendente dos descendentes herdeiros, a sua quota não pode ser inferior à quarta parte da herança. Se não existirem descendentes o companheiro sobrevivente irá concorrer com os ascendentes do falecido.
Neste caso, depois de separada a meação (conforme o regime de bens), o companheiro dividirá com os ascendentes todo o patrimônio deixado pelo falecido, de maneira que o regime de bens, neste caso, não afetará a herança, mas tão somente servirá para separar a meação e neste caso o cálculo está estabelecido no art. 1.837 do Código Civil.
Na concorrência com os ascendentes, o companheiro será herdeiro independente do regime de bens adotado e resguardada a meação. Na falta de ascendentes e descendentes os bens deverão ser destinados inteiramente ao companheiro sobrevivente, nada cabendo aos colaterais.
Os colaterais, somente herdarão, na falta de companheiro sobrevivente.
Diante do exposto, pode-se verificar que a recente decisão do STF igualou cônjuges e companheiros para fins de recebimento de herança ou legado (fins sucessórios), sendo aplicadas aos companheiros as mesmas regras anteriormente aplicadas aos cônjuges.
6.CONCLUSÃO
Diante do exposto, pode verificar-se que a recente decisão do STF igualou cônjuges e companheiros para fins de recebimento de herança ou legado (fins sucessórios), sendo aplicadas aos companheiros as mesmas regras aplicadas aos cônjuges, ou seja, tanto para a união estável, quanto para o casamento, no tocante à divisão de herança, serão aplicadas as regras do art. 1829 CC/02, devido ao reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1970 CC/02, que regia o efeito sucessório entre os companheiros.
Diante do julgamento do Recurso Extraordinário nº 876.894 do Supremo Tribunal Federal, o art. 1970 CC/02 perdeu a aplicabilidade e, tanto para os processos judiciais de inventário em andamento, quanto para os os inventários administrativos que ainda não tenham a escritura de partilha, as novas regras deverão ser aplicadas de imediato. Para os processos com trânsito em julgado e para os inventários administrativos, já com escritura de partilha, respeitar-se-à coisa julgada. A nova regra também vale para as uniões homoafetivas, vez que o mesmo tribunal, em 2011, já havia reconhecido a sua proteção legal.
O STF reconheceu a inconstitucionalidade da referida norma cível, baseando-se no princípio da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade, alegando que a CF/88, não fez distinção entre as modalidades familiares, devendo todas as formas de constituição de família, receberem a mesma proteção legal. No entanto, a polêmica decisão da Suprema Corte, deixou diversas dúvidas, ao não mencionar se o companheiro(a), passa a ser reconhecido como herdeiro legítimo necessário.
A decisão foi bastante polêmica e criticada por diversos doutrinadores, pois estes alegam que a CF/88, jamais igualou o casamento à União Estável, tanto que facilita a sua conversão em casamento. E ainda diante do princípio da liberdade de constituição familiar, ao igualar os efeitos sucessórios de ambos os intitutos, retirou das pessoas o direito de escolher a união informal, pela diferença na herança.
Grande parte da doutrina defendia a inconstitucionalidade apenas do inciso III do art. 1790, ao dizer que o companheiro teria direito apenas a 1/3 da herança, quando concorria com colaterais, sendo que no caso do cônjuge, este sequer concorria com esta classe de parentes. Esta seria a decisão mais acertada, ou seja, o reconhecimento da inconstitucionalidade apenas desse inciso III, porém cabe agora a todos os aplicadores seguirem as novas regras, vez que tem efeito imediato e para todos.
Com a recente decisão, as uniões afetivas passaram a gozar da absoluta igualdade, sem qualquer distinção com a devida proteção patrimonial. Porém ainda há a importante necessidade do STF esclarecer se o companheiro passará a intergrar o rol de herdeiros necessários e isso ocorrerá através do julgamento do embargo declaratório interposto pela ADFAS – Associação de Direito de Família e das Sucessões – que foi admitida como amicus curiae no referido Recurso Extraordinário, para que o STF elimine a contradição no tocante a inclusão no rol de herdeiro necessário e determine a aplicação da decisão às heranças daqueles que vierem a falecer depois de sua publicação, em obediencia à segurança jurídica e em cumprimento ao art. 1789 CC/02.
Advogada devidamente registrada na OAB-SE Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho e Pós Graduanda em Direito Material e Processual Civil
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