O texto, originalmente apresentado como monografia de conclusão do curso de direito na Fundação Universidade Federal do Rio Grande, trata das atividades diferenciais que nossa nação está desenvolvendo no âmbito da política internacional e nas suas relações com outros povos, nem sempre poderosos bélica ou monetariamente.
INTRODUÇÃO
A nova conjuntura do relacionamento global transformou a integração mundial, antes um conceito intangível e inalcançável, em paradigma fundamental para o progresso das partes do todo.
Dono de uma postura tradicionalmente secundária, o país começa a vislumbrar o caminho trilhado por tantas outras nações de grande porte, lhe abrindo portas para o futuro e garantindo posição de destaque na Nova Ordem Mundial.
Esta busca por protagonismo e interação com as mais diversas nações, culturas, posturas e círculos de poder do planeta é o tema principal desta obra. De maneira sintética e direta, características fundamentais do trabalho de conclusão de curso ora apresentado, revela as trilhas pautadas pela nação brasileira ao longo dos anos, seus desempenhos históricos, ideais mutantes e postura por vezes incerta, traçando um paralelo com os novos rumos da política internacional local.
O Brasil, enquanto nação tradicionalmente classificada como terceiro-mundista, dedicou-se a atender comandos e seguir orientações, carecendo de posição própria e original e colocando-se ao largo dos papéis principais nos acontecimentos de primeira grandeza.
A análise aqui contida se baseia nas mais diversas visões, dos mais diversos ramos do conhecimento que, integrados e interpretados, fornecem a materialização bastante precisa do que o futuro reserva para o Estado brasileiro, bem como a seu povo.
Primeiramente, é apresentada ao leitor eventual uma imersão no cenário global, a fim de que possa, mesmo leigo, ter percepção correta do assunto. Passa-se, após, ao detalhamento do desempenho histórico nacional, bem como o plano de fundo da atual política verde-amarela de relacionamento internacional, revelando o lado comercial, social e idealístico da interação.
Por fim, trata predominantemente da presença nacional no Conselho de Segurança das Nações Unidas, bem como as vantagens e real possibilidade da efetivação do Brasil como membro-permanente daquele plenário.
As informações aqui presentes foram coletadas tanto bibliográfica quanto informalmente, estendendo-se também ao noticiário internacional. Desta forma, pretende alcançar a fidelidade mais apurada possível, assim como a atualidade e contemporaneidade necessárias.
Não existe ambição de esgotar o tema, mesmo porque este se revela profundo e em constante mudança, porém é certo que a abrangência desenvolvida no trabalho que segue constitui fonte segura de informação descompromissada com panfletarismos ou outras distorções.
I – CONCEITO, ESTRUTURA E LINHAS GERAIS DA ONU
A ONU, Organização das Nações Unidas, é a organização que sucede os ideais da antiga SDN, Sociedade das Nações, com a qual inclusive coexistiu por um curto espaço de tempo. Afirma-se atualmente como a organização internacional em atividade com maior abrangência em termos de ação e número de afiliados, possuindo também aproximadamente 16 outras agências especializadas em áreas de atuação nas quais a ONU por si só não teria uma efetividade dentro dos parâmetros desejados.
Dentre tais células, pode-se destacar a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura); a OIT (Organização Internacional do Trabalho); BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento); e outras mais, que realizam um trabalho reconhecido e incentivado em proporções globais, e sem as quais o número de conflitos armados seria levado a níveis estratosféricos[1].
As sementes para a criação do órgão supranacional começaram a ser semeadas por quatro superpotências, Estados Unidos, Grã-Bretanha, ex – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e China, em 14 de agosto de 1941, com a Carta do Atlântico[2].
Tais nações soberanas representavam, à época, a maior força dentre os aliados contra o eixo da grande guerra que se desenrolava, e, portanto, eram dentre os países aqueles que possuíam maior representatividade no meio internacional para propor uma idéia de integração internacional.
Sendo assim, após o desenrolar dos fatos, reuniões e deliberações, dentre as quais a reunião de Moscou em 1943 e a apresentação da Carta das Nações Unidas em 1945 (realizada em São Francisco, já com a inclusão da França), foi garantido a estes estados soberanos e precursores o direito de consolidar-se como membro permanente do Conselho de Segurança da recém criada ONU, com direito exclusivo de veto às decisões ali proferidas e assegurando a plena e duradoura representatividade naquele plenário.
Enquanto organização internacional possui em sua constituição dois órgãos fundamentais à sua sobrevivência, sendo: a Assembléia Geral e a Secretaria[3].
A Secretaria é composta por funcionários neutros, oriundos dos vários países que compõe a organização. Estes, para fins de idoneidade e transparência, se abstêm do interesse de seu país, passando a trabalhar exclusivamente para toda a organização enquanto durar seu mandado. Seu funcionamento é permanente.
A Assembléia Geral, por outro lado, é um órgão político, não permanente, que normalmente se reúne uma vez por ano, geralmente em meados de setembro. Formada por representante de todos os membros que compõe a organização, condiciona a aprovação de matérias sujeitas a sua apreciação ao coeficiente mínimo de dois terços dos votantes em concordância[4].
Cabível é o destaque para o papel do Secretário Geral da ONU. Ele é a representação física e personificada da organização, levando a figura da ONU pessoalmente onde quer que esteja e falando sempre em nome da entidade. Sua nomeação é conduzida pela Assembléia Geral, sob recomendação do Conselho de Segurança, sendo atualmente o ocupante deste importante cargo o ganense Kofi Annan, desde 1º de janeiro de 1997.
As Nações Unidas possuem um orçamento gigantesco, avaliado em mais de 01 (um) bilhão de dólares anuais. Mesmo assim, por tratar-se de organização criada por países que intentam, em teoria, garantir a paz e a segurança mundiais e instituir entre as nações uma cooperação buscando o desenvolvimento econômico, social e cultural de seus países-membros (seguramente hoje já são em número superior a cento e oitenta), não possui renda suficiente, sendo basicamente provida de vendas de publicações, o que seguramente é insuficiente.
A fim de solucionar tal ofendículo, foi determinado um teto máximo de contribuição no orçamento da instituição para custeio das despesas, no montante de 25% (vinte e cinco por cento), evitar assim que um determinado país detenha um valor muito grande, passando até a um sentido pouco desejado, ensejando a parcialidade da instituição[5].
Desta contribuição, os EUA contribuem com o teto máximo, ou seja, 25% (vinte e cinco por cento), o Japão com 12,5 (doze e meio por cento), a Rússia com 9,5% (nove e meio por cento), a Alemanha com 9% (nove por cento), a França com 6% (seis por cento), o Reino Unido com 5% (cinco por cento), a Itália com 4,5% (quatro e meio por cento), o Canadá com 4% (quatro por cento), seguidos pela Austrália, a Espanha, os Países Baixos, a China, a Suécia, o Brasil e a Bélgica pagam em torno de 1% e 2% (um e dois por cento), sendo que os outros membros contribuem com menos de 1% (um por cento).
O fato da contribuição americana estar bem acima do que corresponde aos outros países, somado ao fato da sede física da ONU estar situada em seu solo e de serem os EUA a nação com maior poderio econômico-militar de nosso tempo, levanta dentre a imprensa mundial e os grupos pacifistas e radicais a desconfiança sobre a imparcialidade da organização, mesmo que suas atitudes sejam bastante cristalinas.
Tal incidente permanente se configura como origem de muitos dos conflitos e manifestações que as reuniões de cúpula da entidade e mesmo suas decisões enfrentam, seja em solo americano, seja nas sedes provisórias e câmaras rotativas que são apresentadas.
No que tange à adesão[6], esta se procede como na maioria das organizações internacionais, sendo constituídas por três fases distintas:
1º) os limites de abertura, que variam de acordo com o estatuto de cada organização, sendo que no caso específico da ONU, está implícito no artigo 4º, que, permitindo ser sucinto em sua essência, diz que o Estado para ser aceito no quadro da organização terá de ser pacífico e aceitar de bom grado as obrigações impostas pela carta das Nações Unidas;
2º) adesão à carta, constituída como principal elo de ligação entre o candidato ao ingresso e a organização. Neste aspecto geralmente não se apresentam maiores contratempos, mesmo porque o pretendente antes de interpor seu pedido normalmente já conhece as condições impostas;
3º) o último quesito é a aprovação da Assembléia Geral (que se reúne anualmente em meados de setembro), necessitando para isso do quorum mínimo requerido pela casa e já referido aqui (2/3 dos votantes). Esta votação só se realiza mediante recomendação do Conselho de Segurança.
Hodiernamente, a ONU trabalha no sentido de tornar-se cada vez mais independente de seus países-membros, sem obstar nesse processo suas vontades ou os propósitos pétreos da instituição. A batalha administrativa e operacional está sendo travada no campo da constituição de uma força militar interventora mais consistente e numerosa, a fim de tornar o envio de tropas desburocratizado e independente de cessão de alguma nação[7].
Ainda, vem aumentando sua atuação no campo estrutural-econômico, com o aprimoramento e crescimento de seus órgãos afilhados de fomento, pacificação e cultura, como o BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento), organizações de combate à fome, miséria, dentre outras[8].
II – O CONSELHO DE SEGURANÇA
Está consolidado na Carta das Nações Unidas que seus membros deverão procurar resolver seus conflitos de maneira pacífica, sem expor ao perigo a ordem e a paz mundial, podendo a qualquer tempo colocar em pauta no Conselho de Segurança suas divergências.
Com isso em mente, pode-se dizer que o Conselho de Segurança é um órgão político permanente e que sua principal finalidade é de manter a paz e a segurança internacionais. Em sintonia com o texto que o institui, os membros da organização deverão sempre acatar as decisões do Conselho, imposição que não se verifica nos outros órgãos, que somente tem poder de recomendação[9].
Desponta como finalidade norteadora[10] de suas atividades a pacificação e integração das nações do globo. O Conselho se mantém em constante alerta, percebendo os conflitos em seus primórdios, preferencialmente, e interagindo para que estes tenham fim da melhor e menos custosa maneira possível, tanto material como humanitariamente.
Tal intervenção, por assim dizer (sem, no entanto, transmitir a idéia de que o Conselho tolhe as soberanias dos países envolvidos na pendenga em questão), se procede mediante debate amplo da situação que se apresenta em fórum com as nações integrantes do órgão naquele momento, além dos membros permanentes que se fazem representados ad eternum, conforme já foi explicitado[11].
A primeira atitude a ser tomada, via de regra, é a recomendação de que os opositores se acordem de maneira pacífica e sem maiores interferências. Na contrariedade, passa-se ao plano do acordo conduzido, com o Conselho sendo investigador, intermediação e estabelecedor dos princípios do acordo a ser lavrado, através de representantes especialmente nomeados pelo Secretário Geral da entidade.
Contudo, na impossibilidade da resolução pacifica, a proposta que se apresenta é a do cessar-fogo imediato, no intuito de preservar a integridade dos povos e seus pertences físicos e culturais. Tal medida geralmente é acompanhada de uma determinação supranacional das diretrizes de tal atitude, bem como o envio de forças de paz que possam assegurar o cumprimento daquilo que foi determinado/acordado e a pacificação imediata do conflito.
Consoante estabelece o Capítulo VII da Carta das Nações, o Conselho de Segurança pode, ainda, para fazer cumprir suas decisões, tomar medidas drásticas, que vão desde os embargos econômicos até o uso da força formado por uma coalizão militar integrado por seus membros, o que seria o último caso, mas que infelizmente se verifica em muitas situações em andamento no globo[12].
Sucintamente, de acordo com a Carta das Nações Unidas, as funções do Conselho de Segurança são as seguintes[13]:
a) Manter a paz e a segurança internacionais conforme os propósitos e princípios das Nações Unidas;
b) Investigar toda e qualquer situação que possa ensejar conflito internacional;
c) Recomendar métodos de ajustes de tais controvérsias, e condições para acordo;
d) Elaborar planos para o estabelecimento de um sistema que regula os armamentos;
e) Determinar se existe uma ameaça à paz ou um gesto de agressão e recomendar que medidas devem ser adotas;
f) Impor aos seus membros que adotem sanções, que não o uso da força, para deter a agressão;
g) Empreender ação militar contra um agressor;
h) Recomendar o ingresso de novos membros;
i) Exercer funções de administração fiduciária das Nações Unidas em zonas estratégicas;
j) Recomendar para Assembléia Geral a designação do Secretário Geral, e junto com a Assembléia, eleger os magistrados para a Corte Internacional de Justiça.
Como já foi pincelado anteriormente, não existe a necessidade da reunião do Conselho se proceder nas dependências da sede física deste, podendo em casos urgentes ou por conveniência sediar-se em outro ponto do planeta[14].
O Conselho de Segurança das Nações Unidas apresenta em sua composição um total de 15 membros, sendo que 05 destes tem representação permanente e os outros 10 são eleitos pela Assembléia Geral para um período de 02 anos. Recentemente o Brasil integrou o Conselho no biênio 1998/1999 e assumiu a cadeira rotativa novamente, após os conflitos no Iraque.
Conforme explicitado, os membros permanentes do Conselho de Segurança são países que lutaram na 2ª Guerra Mundial contra o eixo, composto por Alemanha, Japão e Itália, e que assinaram a Carta das Nações em São Francisco no ano de 1945, sendo eles: Estados Unidos, Rússia, Grã-Bretanha, China e França[15].
Importante ressaltar a possibilidade de cada membro em estabelecer um só voto, e que serão aceitas as resoluções do Conselho que tiverem um total mínimo de 09 votos, sendo necessário dentre estes o dos cinco membros permanente obrigatoriamente, onde que na abstenção de qualquer um destes a medida certamente estará prejudicada. Tal impossibilidade se assegura no fato de que estes membros têm poder de veto e somente isto já asseguraria a não aprovação de qualquer medida que contrariasse vontade destes.
Em sua estrutura, o conselho é integrado por comitês permanentes e comitês ad hoc. Cada um possui representantes de seus membros, diferenciando-se pelo fato de que os Comitês Permanentes têm atuação contínua e ex officio, enquanto os Conselhos ad hoc só passam a atuar conforme solicitação e composição pela ONU.
São comitês permanentes[16]:
a) Comitê de notáveis que estudam o regulamento, e aconselham a este respeito;
b) Comitê de admissão de novos membros.
São comitês ad hoc:
a) Comitê do Conselho de Segurança para reuniões fora da sede;
b) Conselho de administração estabelecido pela resolução 692 (1991);
c) Comitê do Conselho de Segurança estabelecido através da resolução 1373 (2001), relativa à luta contra o terrorismo;
d) Grupo de trabalho sobre questões gerais das sanções, podendo ser Comitês de Sanções e de informações Gerais, a exemplo de: Comitê do Conselho de Segurança estabelecido em virtude da resolução 661, relativo a situação entre Iraque e Kuwait e ainda o Comitê do Conselho de Segurança estabelecido em razão da resolução 1343 (2001) relativo à Libéria.
É dotada de tamanha estrutura organizacional e com tais objetivos e composição que as Nações Unidas deverão trabalhar, buscando a segurança, a paz e a dignidade dos povos de uma maneira geral, não permitindo que os mais fortes se aproveitem da fragilidade dos fracos[17].
É nesse contexto que o Brasil tenta assegurar uma posição mais firme e permanente, além de razões diversas que serão debatidas a seguir.
III – PANORAMA CONTEMPORÂNEO DA INTERAÇÃO BRASILEIRA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
A política externa brasileira vem apresentando uma evolução fantástica, atingindo excelentes níveis de desenvolvimento e protagonismo. A expectativa predominante no cenário pós-eleitoral era de um líder baseado em visões ideológicas e despreparado[18]. O que se viu, traçando aqui uma análise apenas do comportamento das interações internacionais, foi uma diplomacia dotada de sentido tático-estratégico, de visão de longo alcance, com a recuperação plena do tradicional papel do Itamaraty[19].
Ao mesmo tempo, o carisma do presidente, identificado ao brazilian way of act internacionalmente reconhecido, parece haver sintetizado em sua figura simples as características que o mundo admira no Brasil.
O que mais se destaca nesse novo cenário que se apresenta é a percepção que o país entrou em um novo ciclo de mudança, tomando novas atitudes e clamando para si um papel que apenas os teóricos mais ferrenhos creditavam como certo: o de líder das nações em desenvolvimento.
Nos anos que se seguiram a sua independência da metrópole, o Brasil se limitou a prosseguir com seu comportamento costumeiro em épocas de dominação portuguesa nestas terras. A falta de iniciativa e posição firme em questões internacionais apenas denotava a fragilidade da independência que acabava de se mostrar, uma vez que continuava atrelado e totalmente dependente das nações européias, mais especificamente do poder inglês.
Portanto, confirmando sua posição de pseudo-emancipado, o governo local não excedia sua voz além das fronteiras previamente determinadas pelo poder do velho continente, e quando este não as determinava, não pronunciava uma frase sequer.
A inércia nacional foi exacerbada plenamente no episódio mesquinho e distorcido da Guerra do Paraguai[20]. Até pouco tempo atrás, motivado pelo governo militar dominante, o país ainda ensinava a suas crianças a justa e heróica batalha travada nos campos do ainda hoje dilapidado país vizinho. As visões hodiernas, entretanto, começam a tratar de revelar para uma geração cegada pelo poder central a realidade que se percebeu naqueles tempos negros de dominação inglesa oculta, nos idos de 1864.
Distanciando-se aos poucos da servidão aos povos do velho continente, deixando de ser uma nação semicolonial, o Paraguai apresentava propostas novas de crescimento e ambição que não tinha paralelo no continente latino. Tal empolgação não era compartilhada pela metrópole econômica interessada nos mercados locais, e a Inglaterra passou, portanto, a atiçar seus cães-de-guarda mais próximos, sejam Brasil, Argentina e Uruguai, contra a emergente e “ameaçadora” nação guarani.
O resultado do confronto covarde e armado se percebe até os dias contemporâneos, com uma nação de fraca agricultura pelos campos devastados, economia rudimentar, dominada pela corrupção e fonte de problemas aos vizinhos.
Ainda assim, o Brasil continua a comemorar, mesmo que em menor sentido atualmente, as batalhas raivosas que foram travadas, como se fosse aquela uma guerra justa ou sequer sua. Pelo bem da nação e da integração internacional, a mentalidade aos poucos se altera e tal vitória não é mais tão glorificada quanto nos anos sombrios de nosso pensamento.
O que se pode perceber deste e de muitos outros episódios ocorridos no período é uma série de características de atuação nacionais, algumas já destacadas no texto, que traduzem com exatidão a que amarras nossos governantes estavam presos e quais eram seus procedimentos-padrão quando consultados pela comunidade estrangeira para opinar ou atuar no cenário global.
Destaque-se primeiramente, conforme frisado, a dependência econômica em relação às nações européias. Elemento deturpador de conduta governamental, a necessidade de receber um comando ou um aval das nações mais favorecidas limitava em demasia o destaque tupiniquim dentre as figuras marcantes.
Um panorama global é dinâmico, apresenta constantes mudanças, variações e tal situação demanda atuação imediata e descompromissada de seus atores. Posto isso, percebe-se claramente a impossibilidade das burocratizadas e vassalas interferências nacionais em ter efetividade e reflexão sobre sua imagem apagada.
Outro ponto detectável neste período é a falta de preocupação com o desenvolvimento das relações comerciais internacional. A produção que se apresentada nestas terras era precária, não especializada e custosa ao extremo, não recebendo alívio tampouco do governo e sua já áspera carga tributária. Com tal perfil, o produto não seria, por si só, uma mercadoria com condições de competir em pé de igualdade com os produtos exteriores.
Entretanto, esta não era em absoluto a intenção das classes dominantes, uma vez que a nação era compelida a adquirir mercadorias de suas pseudometrópoles e uma industrialização local comprometeria de pronto tal prática.
Ainda, é possível perceber na falta de identidade e unidade nacional um vetor relevante para a falta de força no cenário global. O país à época era uma terra assolada por inúmeras revoltas internas, muitas delas separatistas, e por divergências de opinião que não permitiam uma coerência maior nas idéias levadas à diante pelo poder central.
Tal perfil começou a mudar apenas com a chegada ao poder de um sulista (uma das regiões outrora revoltadas) por meio de uma intervenção militar, em meio a um pleito denunciado por fraudes e cabrestos em geral. Surgia aí a Era Vargas[21].
O ano de 1930 serviu como término para a rotina de alternância de governo de políticos da região sudeste. Ao tomar o poder à força, Getúlio Vargas mudou os rumos da atuação internacional brasileira, bem como o comportamento da máquina estatal e a estrutura produtiva de diversos setores. Começava a segunda etapa das relações internacionais de nossa nação.
A indústria nacional, de quase inexistência anterior, deu um grande salto com a instituição de políticas de fomento a produção, modernização, o começo da concretização do monopólio do petróleo e, crucialmente, a criação da produção metalúrgica em Volta Redonda, estado do Rio de Janeiro.
O impacto da possibilidade de conseguir metal de qualidade, a preços melhores, acesso garantido e nacional impulsionou a manufatura de produtos, crescimento dos parques industriais e a diminuição da dependência externa por matéria prima e bens terminados.
A tal situação também auxiliou a escassez de bens resultantes da crise mundial começada na quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929 e culminada pela 2ª Guerra Mundial, em 1939, arrasando todo o continente europeu e rompendo com o fornecimento costumeiro para o país. A postura política na época, acertadamente, foi a de produzir aqui o que antes era importado, o que representou, sem dúvida, um salto na mentalidade interna.
Findado o conflito monumental, a Europa estava extremamente empobrecida e os países do continente americano puderam crescer com relativa autonomia, fornecendo bens e serviços a custos razoáveis, porém já sob os olhares atentos da nova potência em voga, os Estados Unidos da América[22].
Neste contexto, ocorre o florescimento da ONU e a conseqüente criação do Conselho de Segurança, com a definição dos membros permanentes e a regulamentação referente ao rodízio dos demais.
Dentre os membros não permanentes do Conselho, o Brasil é o país que foi eleito mais vezes para a instituição desde a fundação da ONU e agora cumprirá seu nono mandato, tendo conseguido o apoio de 177 nações filiadas à entidade, o que realmente demonstra a influência nacional.
Nos anos que se seguiram, a situação interna ficou bastante tensa, com intrigas políticas e a tomada de poder pelos militares, fato este que representou um duro golpe na imagem externa, um episódio bastante negativo que continua sendo lembrado pelos opositores.
Associado com a censura de mídia e o corte de liberdades individuais, a ditadura aumentou o endividamento externo, cortou relações com diversos países não-capitalistas, fechou o território à competitividade e comércio exterior e afundou o Brasil em um ostracismo do qual só viria a liberar-se em meados dos anos 80, com a campanha de diretas já e a conseqüente eleição de Tancredo Neves.
Os governos civis da nova democracia herdaram o caos econômico que havia sido instaurado, uma terrível imagem de mau pagador e uma moeda frágil e com poder de compra comprometido.
Tiveram, ainda, que lidar com um sem número de normas e impedimentos às transações internacionais, fato que só viria a ser resolvido com o presidente Collor de Mello, em 1990, sendo este o determinante para o terceiro salto nacional no relacionamento com as nações do globo[23].
A nova fase da diplomacia nacional vem caracterizando-se por alguns fatores bastante relevantes na agenda de uma nação que pretende assumir papel destacado nas decisões mundiais. Dentre eles podemos destacar a busca incessante pelo protagonismo, a expansão da influência na América Latina, o crescimento em proporções geométricas de seus mercados consumidores, a especialização e internacionalização de sua planta produtiva, o pleito pela representatividade permanente na ONU e o combate à polarização setentrional do globo.
No que tange a expansão de influências no continente, destaque-se que tal atitude foi iniciada com bastante maestria no governo Fernando Henrique Cardoso, reconhecidamente pessoa de grande cultura e boas maneiras. Então presidente da república, deflagrou uma série de incursões pelo continente em busca de parcerias e compromissos, tanto no âmbito do Mercosul quanto no relacionamento com a União Andina, Comunidade Caribenha e assemelhados[24].
A presença constante e auxílio do ex-presidente em eventos importantes nos países visitados liberou as amarras criadas pela diferença de cultura e língua entre as nações latinas e o Brasil, tornando a resistência a figura do “brasileiro” bastante suportável, ainda que países como a Argentina ainda mantenham uma barreira sócio-cultural muito forte.
Neste mesmo governo, com total apoio do corpo diplomático e impulsionado pela explosão industrial e incentivo ao comércio internacional, as transações brasileiras com o resto do mundo tiveram um acréscimo bastante significativo, resultando em ganhos memoráveis e ainda crescentes à economia local.
A maior participação no total de transações mundiais garante ao Brasil, num efeito “bola-de-neve”, maior influência em decisões que afetem as regiões onde possui relacionamento mercantil e, portanto, uma abrangência maior de seus desejos na aldeia global, assim tornada com o advento da moderna globalização.
Uma vez inserida neste contexto, a planta produtiva passou então por um processo intenso de modernização, garantindo melhores produtos finais, a custos mais baixos e prazos mais razoáveis, além de garantir ao país um estoque mais generoso de divisas internacionais para o tesouro nacional e a segurança monetária[25].
Com isso, o crescimento econômico teve ritmo seguro, concretizando-se internacionalmente como bom pagador e digno de contratos melhores com cumprimento assegurado. Tal fato incrementou significativamente os valores percebidos pelos prestadores/produtores locais e gerou onda contínua de renovação de maquinário, com um resultado final refletido na queda da taxa de juros e melhoria das cotações nas agências internacionais de classificação econômica.
Em tempos presentes, a troca de governo e uma diferente postura do corpo diplomático e poder executivo brasileiros elevaram a nação a um patamar superior neste contexto, podendo-se considerar como uma nova etapa na era atual.
IV – PANORAMA BRASILEIRO NO TRIÊNIO 2002/2004
A posse de um partido de esquerda revelou-se, nos momentos preparatórios e mesmo na pré-eleição, um grande estorvo para o crescimento nacional, posto que a desconfiança externa em uma corrente de pensamento esquerdista, talvez motivada pelo medo histórico da tomada de poder pelos comunistas nas nações latino-americanas, gerou comportamento negativo por parte de nossos parceiros comerciais/diplomáticos[26].
Entretanto, já no seu discurso de empossamento, o atual presidente assumiu postura diversa àquela imaginada pelos temerosos e garantiu cumprimento de acordos, pagamento de dívidas e a manutenção do regime democrático como um todo.
A reação das nações amigas foi imediata e o país retomou seu ritmo de crescimento, com queda da cotação do dólar e aumento da auto-estima brasileira. Somado a estes fatos aparece a figura carismática de um presidente que transmitiu durante anos de campanha política uma imagem de cidadão comum, oriundo das camadas baixas e sem estudo, o que sempre é arma poderosa em questão de pesquisas de opinião e aprovação popular[27].
Neste cenário, o Brasil surpreendeu aos céticos ao tentar uma modificação de políticas em seu desenvolvimento e no sistema global. Uma inusitada unidade interna foi conseguida (mesmo que constantemente abalada), o que permitiu ao país desenvolver a confiabilidade externa, não tendo sofrido nenhuma ruptura brusca ou fuga significativa de capitais ultimamente[28].
Paralelamente, isso facilitou a ação internacional do país num momento extremamente delicado do cenário mundial. No lugar de ocos discursos contestatórios e de uma obediência cega, característica de outras épocas nacionais, o país tem proposto medidas e concretizado algumas que estão ao seu alcance no momento.
Enquanto isso, afortunadamente, na América Latina novos governos assumem o poder com posições internacionais comuns às da diplomacia brasileira. Outros alteram sensivelmente suas agendas, indo ao encontro do Itamaraty. Tal fato se mostra extremamente positivo em um momento que a nação tupiniquim espera conseguir todo o apoio possível para concretizar suas propostas e almejar firmemente a cadeira permanente no CSNU.
Inteligente, cordial e contestadora, mas sempre bem relacionada e inserida nas grandes discussões globais, a diplomacia brasileira estabeleceu contatos com os países em desenvolvimento afetados pelo protecionismo e pelos subsídios agrícolas do Primeiro Mundo. O G-22, grupo dos países em desenvolvimento em que o Brasil tem atuação marcante, despertou a fúria dos países ricos e fez a problemática de seus membros ser discutida[29].
Anterior a tal ocorrido, a intervenção simbólica no G-7 (grupo dos países com maior poder econômico mundial) foi seguida pela criação do G-3 (Brasil, África do Sul e Índia) e o estabelecimento de laços estratégicos com a China, a Rússia e a União Européia (particularmente Alemanha e França, que compartilham de visões peculiarmente semelhantes às nossas em termos bélicos e quanto à visão relativamente anti-norte-americana)[30].
Em outra frente, desponta o continente africano como fonte de apoio e destino final de grande parte da moderna diplomacia local. Quando em campanha, um ponto destacado no programa de política externa do governo atual era a aproximação com a África. Tal promessa vem sendo cumprida em contatos com países como São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Namíbia e África do Sul[31].
A manutenção de estreito diálogo se faz importante não apenas para as relações do Brasil com a África, mas, principalmente, para a concretização de uma associação institucionalizada entre o Mercosul e a SADC (Coordenação para o Desenvolvimento da África Austral), a área de integração gerenciada pela África do Sul.
Vale ressaltar que, apesar de quase metade da população brasileira ser constituída de afro-descendentes, do continente africano encontrar-se próximo e fazer parte do cenário geopolítico e de existir uma rentável complementaridade econômica, a África sempre foi uma frente secundária de nossa diplomacia. O revés parece estar sendo espantado e a postura hoje felizmente é outra.
Como visto, importante é que o Brasil age com otimismo e vontade política, criando constantemente fatos políticos na área internacional. Anteriormente tínhamos uma baixa auto-estima, pois nossos próprios governos viam o país como atrasado em relação aos países ricos.
Pelo contrário, agora o país se considera protagonista de mesmo nível, com capacidade de negociação e dotado de um projeto que pode, inclusive, contribuir para inserir a agenda social na globalização, como vem sendo sugerido ferrenhamente pelos nossos representantes.
Finalmente, o Itamaraty, em lugar de concentrar-se na tentativa de cooperação (leia-se servidão) com países em relação aos quais é secundário e em relação a mercados grandes, mas saturados, buscou os espaços não ocupados[32].
Ao aproximar-se dos vizinhos sul-americanos, especialmente os andinos, da África Austral, países árabes e de gigantes como a Índia, China e Rússia, o Brasil logrou um avanço imediato e impressionante, com grandes perspectivas comerciais.
Resultante destes acontecimentos, a oportunidade de desenvolver uma diplomacia de alto nível está sendo bem aproveitada, informando o que o país pensa e não apenas para mostrar obediência débil aos comandos emanados do hemisfério setentrional, mais especificamente da América do Norte[33].
Sem dúvida o cenário internacional é difícil e a capacidade do país limitada, porém em contínua expansão, tudo dependendo da manutenção do crescimento econômico. É necessário, entretanto, agir e propor, e isso o país tem feito. Esse é o contexto da presença brasileira na ONU.
V – PERFIL DO DESEMPENHO NACIONAL NO CSNU
Recentemente reconduzido ao posto de membro representante da América do Sul para mais um biênio em eleição realizada, o Brasil obteve singularidade em relação aos demais no que tange ao número de mandatos no plenário, totalizando nove presenças.
Tal preferência internacional ganha maior destaque em tempos que a nação alça vôo em busca de céus mais límpidos e submete uma proposta sua à opinião pública global: uma reformulação no Conselho de Segurança com a inclusão de novos membros permanentes na casa[34].
A reformulação, por si só, não vem a ser novidade dentre os debates que já estão em andamento desde o começo da década de 90. Os atuais detentores da perpetuidade representativa figuram como símbolos máximos da vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial e apenas espelham a realidade de divisão de poder daquele panorama[35].
Ocorre que, passado mais de meio século e um sem número de acontecimentos econômico-sociais de grande relevância, despontam com igual ou maior influência novos Estados, que erroneamente acabam relegados ao segundo plano decisório meramente por não constarem como “vencedores” numa batalha travada em um mundo já não contemporâneo.
A arqueológica, por assim dizer, composição do Conselho se mantém, em grande parte, pela teimosia e insistência dos componentes em manter o status atual, eternizar o poder que lhe foi conferido e evitar ainda um maior crescimento das já referidas nações emergentes, além das já concretamente situadas no cinturão de poder, como é o caso da Alemanha.
A Alemanha, inclusive, desponta como maior exemplo da injustiça e desfiguração das relações de poder nesse ambiente. Derrotada na Segunda Guerra Mundial, tida como inimiga e nação hostil a todo planeta, foi relegada ao mais baixo dos planos na coordenação da Nova Ordem Mundial. Seu crescimento deu-se à sombra das outras nações que se firmaram como detentoras de razão e influência[36].
Ao fugir do paradigma global e crescer a seu modo e fora das predatórias políticas tradicionais, conseguiu, após sua reunificação no começo da década de 90, um nível de crescimento monstruoso, atingindo, por fim, o posto de nação mais rica do continente europeu.
Porém, em oposição a isto, ainda sujeita-se à boa vontade de França e Inglaterra, membros definitivos do CSNU, que nem sempre zelam pelos interesses do continente em detrimento dos seus próprios. Ressalte-se, contudo, uma aproximação recente com a França, antiga rival dos tempos da guerra.
Em situação semelhante se apresenta o Japão. Tendo feito parte do Eixo e, portanto, derrotado no conflito, não teve sua participação assegurada na casa, ficando à margem deste contexto, apesar de ter emergido das cinzas e ser considerada uma das três nações mais ricas do mundo.[37]
Os japoneses, inclusive, detém o segundo posto em número de conduções à casa, totalizando oito mandatos, servindo para ressaltar o quanto sua liderança vem sendo respeitada e reafirmada na região asiática e também em âmbito geral.
É neste panorama que se insere a candidatura brasileira. Por sua posição geográfica relativamente distante, capacidade bélica limitada e atuação efetiva, porém mínima, o país acabou coadjuvante na divisão de poder pós-guerra[38].
À época, o governo local saía de uma ditadura que não era vista com bons olhos pelos americanos, tampouco pelos britânicos, o que não recomendava um protagonismo maior frente ao temor do ressurgimento do totalitarismo. Somou-se a isto o fato da perceptível simpatia do governo Vargas à filosofia do Eixo, verdadeiro pecado aos olhos de um mundo traumatizado e com feridas que permanecem abertas até hoje.
Apesar disso, já em 1946 seria conduzidos ao posto de membro rotativo, para o biênio que se apresentava. A este, seguiram os biênios de 1951-52, 1954-55, 1963-64, 1967-68, 1988-89, 1993-94, 1998-99 e o biênio atual, tendo sido reconduzido o país em 2004[39].
Importante observar a ausência brasileira no período compreendido pelo governo militar. Tal aspecto denota, em última análise, a postura de discordância da comunidade internacional pela repressão e tolhimento da democracia em terras locais.
Ressalvas neste ponto quanto à participação da China no Conselho, nação que comete atrocidades com seus cidadãos. Porém esta se faz presente como membro permanente, o que lhe desonera, de certa maneira, aos julgamentos cabíveis, numa verdadeira demonstração de hipocrisia e parcialidade.
No que tange ao Brasil, especial destaque se faz ao biênio 1993-94, no qual a participação tupiniquim se mostrou efetiva, atuante como nunca e com bom nível de protagonismo.
Neste período, revelando uma postura anti-belicista e pró-diplomática, o representante verde-amarelo se pronunciou, conforme padrão demonstrado, contrário ou abstido à resoluções relacionadas com intervenção coercitiva do Conselho em conflitos com alguma possibilidade de controle pacifico.
Este biênio pós-guerra do Golfo viu eclodir quatro casos pontuais em que se colocou a votação resoluções interventoras no Conselho. Em todas elas, o Brasil revelou ao mundo sua postura pacífica, apaziguadora e equilibrada.
O primeiro dos casos ocorreu na Somália, país acometido por guerra civil na África e cuja situação levantou possibilidade de intervenção dos pacificadores da ONU. Nesta época, o Brasil, então presidente, tratou de destacar a não-efetividade de uma força militar da ONU, cuja atuação geraria inevitavelmente mais vítimas, além de acirrar ainda mais um conflito já deflagrado. Pleiteou-se, portanto, por uma intervenção pacífica e de apoio ao povo flagelado pelos horrores da guerra[40].
Em seguida, veio à tona o conflito na ex-Iugoslávia, em que se discutiu em plenário sobre um possível levantamento de embargo ao comércio de armas com a Bósnia-Herzegóvina. Sendo contrário à aprovação de tal medida, ainda ressaltou o representante nacional que a liberação de tal ato aumentaria o atrito entre os locais, armaria uma população em guerra e traria o somatório de mortos à elevada monta. Tal medida foi rejeitada, também.
Em Ruanda, logo após, outro conflito civil foi deflagrado e novamente se supôs necessária uma intervenção das forças de paz da ONU. Porém, como bem fez perceber o representante verde-amarelo, a proposta carecia de “internacionalidade” e de imparcialidade, posto que a composição das tropas não seria efetivamente indúbia, uma vez que participariam, em grande maioria, nacionais de país rivais à Ruanda e que desejariam sua ruína para benefício próprio, econômica ou politicamente.
Por fim, o Haiti, nação pobre e insular do Caribe, viu-se em dificuldade frente a uma revolta popular e ocorrência de corrupção fora de controle no governo. Em plenário, o Brasil tentou fazer perceber à comunidade global que a ingerência neste caso deveria ser pacifica ou, se necessária fosse a intervenção militar, que se realiza-se rápida e meramente garantidora.
Não logrou êxito, porém, a proposta brasileira, tendo sido aprovada a intervenção em Conselho, restando ao nosso país colocar-se como abstido de votar, demonstrando aos companheiros de casa e a toda comunidade global seu perfil pacificador e contrário a coercitividade bélica.
Ao sair do Conselho no fim do biênio referido, o país empossou um novo presidente, eleito pelo voto direto, reafirmando a democracia local e dando novos rumos ao tratamento das relações exteriores[41].
O período caracterizou-se pela concepção, nos meios diplomáticos e políticos nacionais, do embrião da idéia de protagonismo brasileiro no contexto global. Até então, apesar de ter sua participação crescente no panorama global, o que se fazia era opinar acerca de situações trazidas por membros diversos, sendo o representante nacional uma voz na multidão e não a liderança da massa.
A busca por representatividade mundial passou então a ser efetivada com a presença do presidente da república em muitos rincões do planeta que não possuíam proximidade com a política brasileira, conforme já detalhado no capítulo anterior.
Com uma estrutura econômica mais madura, uma diplomacia evoluída e um comércio exterior em franco crescimento, o país pôde sonhar com a concretização final do Mercosul; viu a Argentina ruir em crise e deu-se ao luxo de oferecer apoio logístico e econômico ao antigo rival; despontou, ao lado do México, como principal representante dos povos de língua latina do continente, além de deter uma das maiores economias do hemisfério.
Foi neste momento que a candidatura ao Conselho de Segurança das Nações Unidas tomou força, foi lançada ao debate internacional e gerou as controvérsias e comportamentos detalhados a seguir[42].
VI – ANÁLISE DA CANDIDATURA BRASILEIRA COMO MEMBRO PERMANENTE DO CSNU
Líder natural dentre os países em desenvolvimento, ditos emergentes, o Brasil vê a candidatura pleiteada pelos governantes e endossada pelo corpo diplomático como aspecto estratégico nas mais variadas áreas de atuação internacional[43].
Não existe dúvida qualquer no melhoramento e lucro substancial que tal status garantiria à nação, mas, apesar de todas estas certezas, o assunto é um dos mais debatidos nos corredores da Organização das Nações Unidas e mesmo no Palácio do Planalto.
Tal controvérsia não é infundada. A representação local, muito embora efetiva e participante ativa nas decisões do plenário desde sua fundação, não apresenta a mesma atitude no que tange às contribuições no setor militar, financeiro e interventor.
Os números não são precisos, mas estima-se que o país figure apenas entre a 50ª e 60ª posição no ranking dos maiores contribuintes militares. Além disso, sua participação no fundo de sustento da ONU não atinge mais do que 1%, enquanto os Estados Unidos da América atingiram seu limite oficial (25%), além de participar extra-oficialmente com empréstimos a outras nações integrantes da entidade[44].
Inclusive, os próprios Estados Unidos, a mais representativa das nações dentro do contexto geral e, portanto, mais influente, não encaram com tranqüilidade uma possível integração do Brasil no Conselho de maneira permanente, assim como uma eventual e possível presença alemã (o Japão não enfrenta tal obstáculo, uma vez que não tem tradição de se opor às propostas norte-americanas).
A postura firme que o governo brasileiro tomou nos últimos anos auxiliou no agravamento desta contrariedade americana às nossas ambições. Nossa nação vê crescer a cada dia um sentimento antiamericano dia após dia, seguindo uma tendência verificada em países latino-americanos e/ou pobres. Este comportamento vai de encontro às expectativas norte-americanas de incrementar sua popularidade no globo, abalada desde as conseqüências do 11 de setembro.
Ainda, o corpo diplomático mostrou-se contra a dominação norte-americana em territórios estrangeiros. Além disso, condenou o conjunto de mentiras que justificaram tal atitude e uniu-se em coro com Alemanha e, principalmente, França, sendo esta última a maior opositora que a superpotência encontra contemporaneamente[45].
Outro aspecto que perturba aos colegas continentais refere-se às constantes e, diga-se de passagem, justificadas reclamações formais que nosso país faz junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) no que tange às barreiras impostas aos produtos nacionais e às salvaguardas abusivas que os EUA aplicam.
Em sua grande maioria, estas ações são vencidas pela representação nacional, o que produz um sentimento de revanchismo e mágoa que são característicos do povo americano. Só reforçam tais sentimentos as resistências brasileiras aos abusos cometidos pelos negociadores americanos nos fóruns de determinação de bases da vindoura ALCA (Área de Livre Comércio das Américas)[46].
Por fim, a oposição daquela nação em relação ao Brasil reforça-se à medida que despontamos como líderes dos povos mais necessitados. Uma vez que a economia e atitudes daquele governo acabam por prejudicar estas nações pouco representativas e nosso país abre-lhes os olhos com relação a tais abusos, as chances de prejuízo para o capitalismo americano crescem, bem como sua resistência contra esse novo obstáculo de crescimento, mesmo que configure-se como expansão nociva.
Esta nova atitude por parte do governo brasileiro é relativamente inovadora, como já percebido. A meta de obtenção de protagonismo tem levado o corpo diplomático e mesmo o presidente da república a estabelecer relacionamento com nações antes esquecidas.
Tais processos de obtenção de aliados, tanto políticos como comerciais, podem ser perfeitamente encaixados nas teorias e técnicas da administração moderna, que menciona a formação da rede de contatos como um dos fatores mais determinantes para formação do sucesso pessoal (no caso, sucesso da nação) e obtenção de objetivos de médio e longo prazos (compromissos de governo e metas de crescimento).
A crescente rede de aliados vem encontrando novos membros principalmente nos países da África e Ásia. O Itamaraty fez ressurgir recentemente o termo Sul-Sul, designação utilizada nos tempos da Guerra Fria para fazer referência à integração do Hemisfério Sul do globo, notoriamente conhecido como Terceiro Mundo pela sua condição de pobreza generalizada, salvo raras exceções[47].
Nos recentes encontros da ONU, bem como nas discussões comerciais em bloco, conseguiu nosso país unir seus interesses com Índia e África do Sul, também mercados emergentes, para liderar as nações do Hemisfério na cobrança de melhores condições em transações comerciais, auxílio aos seus necessitados, regras menos predatórias nos países desenvolvidos, entre outros.
Tal aglomeração, denominada inicialmente G3[48] (nome feito em alusão ao G8, grupo das oito maiores economias do globo), atualmente represente mais de 22 economias subdesenvolvidas ou em processo de crescimento[49].
A negociação em bloco, além de fortalecer a parte mais frágil, funciona como as hodiernas Cooperativas de Aquisição, procedimento utilizado por pequenos comércios e farmácias para conseguir melhores preços e condições de pagamento. No caso das nações, convertem-se os ganhos nas facilidades supracitadas.
Em outra frente de obtenção de protagonismo, vem caracterizando-se nosso país pelo assistencialismo prestado no panorama global. Na própria África, nosso governo vem tendo incursões de auxílio muito efetivas, tendo recentemente reafirmado apoio logístico à Moçambique, fornecimento de vacinas e medicação à diversos países, perdão da dívida externa do Gabão, fortalecimento dos laços comerciais com as mais diversas nações daquele continente, entre outras atitudes[50].
O assistencialismo, ainda, é demonstrado e incentivado no próprio âmbito da ONU, tendo o presidente brasileiro atual proposto um programa mundial de combate à fome nos moldes daquele executado dentro do território nacional, proposta esta bem acolhida pelos líderes globais.
Em termos militares, um ponto fraco da participação tupiniquim na entidade supranacional, o aprimoramento é bastante visível. Buscando desenvolver a técnica e treinamento de seus pacificadores, o Brasil instalou um centro específico de treinamento para militares seus que servirão às forças de paz da ONU, localizado no estado do Rio Grande do Sul.
Além disso, vem buscando liderar algumas campanhas militares de intervenção necessárias, não fugindo, porém, de seu sempre presente senso pacifista e conciliador.
Caso presente desta nova postura participativa nacional é a intervenção militar autorizada pela ONU no Haiti, país do Caribe que enfrenta conflito desde meados da década passada. As forças de pacificação da ONU estão sendo lideradas por representantes nacionais, treinados no centro militar específico referido, tendo excelentes resultados e sendo acolhidos com grande naturalidade pelos haitianos.
Fugindo um pouco do contexto militar, não deixando, porém, o assistencialismo, tem a nação buscado outras formas de chamar a atenção internacional para casos como o do Haiti[51]. Exemplo disso foi o recente jogo promovido pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e pelo governo brasileiro entre a seleção daquele país e o selecionado verde-amarelo.
Tal partida, além de servir como alento ao sofrimento dos nacionais daquele local, intentou abrir os olhos do mundo à situação de penúria e, implicitamente, mostrar a todos que o Brasil está interagindo com aqueles que existem à sua volta e pretende demonstrar opinião formada, mesmo perante o silêncio da maioria.
Ainda, demonstra uma união interna no âmbito governamental. A atuação conjunta de duas instituições nacionais (Governo e CBF) não era comum até pouco tempo, sendo bastante surpreendente o resultado gerado e a repercussão positiva de tal atividade tanto na opinião pública interna quando externa.
Por fim, a busca de apoio comercial e político tem alçado perspectivas bastante animadoras. O país ainda detém uma fatia pequena do mercado mundial total, mas o crescimento de sua porcentagem do todo é animador.
Ainda, a recente união de idéias com França e Alemanha lhe rendeu proximidade a estas nações desenvolvidas e, portanto, ao coração da Europa, agora chamada de União Européia[52].
A UE, inclusive, desponta como alternativa viável e de negociação bem encaminhada na formação de blocos inter-relacionados, com relação ao Mercosul, estando com as tratativas em um nível, no mínimo, igual ao da formação da ALCA, teoricamente uma rival comercial do bloco europeu. Algumas pendências em torno de benefícios agrícolas ainda restam neste sentido, mas assim também o são as salvaguardas do aço no âmbito da ALCA.
Resta, então, a presença nacional em seu próprio continente, a América Latina. Ironicamente, é aí que encontra a maior resistência fora do Eixo EUA-Grã – Bretanha. Mesmo considerada uma das duas maiores economias da região, ao lado do México, nossa nação vêm encontrando forte oposição entre os países locais, principalmente do próprio México e da Argentina[53].
Tal contrariedade se mostra extremamente tola e descabida, uma vez que dos países latinos é talvez aquele que tenha maiores condições de representar efetivamente o continente naquele plenário.
O México, outro forte candidato, tem a seu favor o apoio maciço do vizinho EUA, mas não tem forte presença no cenário internacional, tampouco no continente europeu. Contra si ainda pesa a presença de seu controverso presidente, Vicente Fox, que é de desagrado inclusive do governo norte-americano[54].
A Argentina, por sua vez, não saiu totalmente da crise na qual emergiu há alguns anos, além de não representar, tradicionalmente, os interesses do continente e tratar de suas questões como principais em relação às de interesse do bloco. Ainda, suas atitudes são o maior dos obstáculos ao sucesso incondicional do Mercosul, com a imposição de barreiras alfandegárias e acordos unilaterais lesivos com os países fora do bloco.
Pendendo para o lado brasileiro, existem importantes apoios da maioria das nações do continente latino, além de Alemanha, França e grande parte da África, lhe conferindo o papel principal dentre os candidatos ao cargo permanente, em uma possível reformulação do conselho. Vale lembrar que Alemanha e Japão já têm praticamente garantido o lugar perpétuo no plenário, segundo a visão da maioria dos analistas internacionais.
Tudo isso, somado ao empenho nacional em desenvolver relações comerciais e diplomáticas com países outrora fechados, como é o caso da China atualmente, lhe garante senão a tão almejada cadeira definitiva no plenário mundial pelo menos lugar destacado nas resoluções extra-oficiais e a continuidade no cerco ao protagonismo que tanto prega a atual visão verde-amarela da aldeia global[55].
CONCLUSÃO
No decorrer do presente estudo, intentou-se demonstrar os panoramas internacionais nos quais nossa nação inseriu-se com êxito, bem como aqueles em que não logrou maior sucesso.
É notável, como se pode perceber, a mudança de postura do Brasil nas últimas duas décadas. Saindo de um regime fechado e antidemocrático, saltou ao futuro com uma democracia modelo, com grande participação dos meios privados, mídia e povo.
Ao abrir as portas de seu território, responsavelmente, à globalização, saltou em qualidade para um nível em que consegue atingir competitividade no meio comercial, influência nos modos e culturas de outras nações, respeito e honestidade nos debates políticos e, recentemente, pressão, força e atitude em momento nos quais o uso da força se mostra inevitável.
O protagonismo buscado e, em algum grau, já atingido, é base fundamental para o desenvolvimento da nação e a obtenção definitiva do status de país desenvolvido, influente e, em última análise, mesmo da própria candidatura como membro-permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Alvo constante de desconfianças internacionais, oriundas principalmente de países que temem perdas frente ao crescimento local, o Estado brasileiro lançou-se numa cruzada por influência, confiança, assistencialismo inteligente e integração com nações antes esquecidas (como se percebe no caso da África) ou mesmo abandonadas (Haiti, Angola…).
Mesmo de pequeno peso político no panorama global, esses apoios devem se mostrar determinantes em momentos nos quais a postura nacional se revelar controversa e contrária aos interesses principalmente de EUA e Inglaterra, opositores ferrenhos do pacifismo nacional.
Sendo assim, é vitoriosa a mudança de rumos da diplomacia do Itamaraty, ao perceber que os ensinamentos maquiavélicos de aliança podem sim ser aplicados neste caso, e unir-se aos mais fortes pode ser temporariamente benéfico, mas ao longo prazo passa a trazer vantagem apenas aos mais fortes.
A análise feita nesta obra, portanto, vai ao encontro daquelas feitas pelas mentes mais ativas no raciocínio do tema, de que a interação, entrosamento e, principalmente, o protagonismo são as portas de entrada do Brasil no seleto grupo dos países desenvolvidos, seja econômica, social ou politicamente.
Bacharel em Direito e pós-graduando em Comércio Exterior e Gestão portuária
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