Resumo. A economia de mercado não é vista apenas sob a ótica dos interesses nacionais, pois a ampla rede comercial se estabelece a nível global. É livre a exploração econômica de qualquer atividade empresarial autorizada, mas o empreendimento não pode prescindir dos princípios constitucionais da ordem econômica. Os ditames legais devem ser amplamente observados e cumpridos, os quais visam conciliar práticas institucionais para o desenvolvimento nacional, enquanto sociedade, e do ser humano, em todas as suas nuanças existenciais.
Palavras-chave: Livre iniciativa – Livre concorrência – Empreendedorismo – Redes empresariais – Produção e distribuição – Princípios Constitucionais da Ordem Econômica – Desenvolvimento nacional – Função social da propriedade – Proteção ao consumidor e ao meio ambiente – Dignidade da pessoa humana.
O vocábulo empreender[1] é verbo transitivo direto e traduz o ato de colocar em prática, por deliberação própria, a realização de… [algum “projeto”]; neste contexto: uma empresa, por exemplo. Ao se colocar uma empresa em funcionamento, e verificando-se que esta venha a atingir suas metas negociais, caracterizada estará a capacidade de inovação do respectivo agente que tomou a iniciativa. Esta é a essência do empreendedorismo: inovar no mercado, mas, não, porém, sem alguns atributos mercadológicos que determinam – ou não – a continuidade ou a existência da empresa.
Em termos de economia globalizada, a capacidade de inovar não mais se sustenta sozinha. Segundo Gláucia Maria Vasconcellos VALE, além da capacidade de inovar, o empreendedor deve ter capacidade de conectar-se com os demais agentes econômicos, bem como deve ter habilidade suficiente para utilizar-se das instituições em geral que funcionam como entes políticos para fomentar as conexões diversas que perfazem e ampliam o leque dos relacionamentos empresariais.[2]
Neste sentido, o empreendedorismo ganhou nova conotação em tempos atuais. O que prevalece em termos estratégicos para a consolidação de negócios são as redes empresariais organizadas – de produção e distribuição. Cada vez mais adquirem condições e habilidade para costurar e ampliar novos capitais relacionais,[3] cujo intuito exclusivo é reunir e aplicar os diversos recursos possíveis com a finalidade precípua de se obter os melhores resultados financeiros (os lucros).
Perceba-se, não vai aqui qualquer insinuação abaixo da crítica à vista do fenômeno em comento. Aliás, registre-se mais uma vez, o empreendedorismo é ato voluntário, livre, incentivado, e apoiado pelo Estado, para a consecução de seus próprios fins. Basta consultar a legislação pertinente para perceber-se, ainda, que o empreendedorismo de fato é ferramenta útil, necessária e obrigatória, para o Estado, quando quer e deve realizar os programas sociais estabelecidos pelo legislador originário.
Sendo a natureza da finalidade do empreendimento egoística ou não, organizado de forma individual ou coletiva, o fato é que, dentro dos limites da legalidade, qualquer pessoa, física ou jurídica, provida dos necessários recursos materiais, pode constituir uma empresa para bem explorá-la de acordo com os próprios interesses e ditames do mercado. Trata-se de uma plataforma organizacional que, além de estar fixada para os fins negociais a que se propõe, deverá estar voltada, também, para os fins coletivos e sociais previstos na legislação. Eis os motivos, então, de o Estado apoiar a livre iniciativa para os fins empresariais.
Para que seja possível operacionalizar apoio às pequenas, médias, e grandes empresas, necessário se faz que o Estado esteja aparelhado com um ordenamento jurídico que repita ou esteja em perfeita consonância com os anseios do meio empresarial e da sociedade como um todo. Da sociedade vem a demanda pelo desenvolvimento do sistema econômico, e o Estado, na qualidade de fomentador, regula os imperativos das diversas plataformas de trabalho público e privado que levam a conceber os resultados pretendidos pelos produtores e distribuidores dos bens de consumo (mercadorias e serviços).[4]
Em função da ingerência reclamada do Estado, o qual deve atuar para atender aos fins individuais, coletivos, e sociais, em função dos quais está inserido no sistema econômico, outorga-se-lhe a prática legiferativa para regular o processo de produção e circulação de bens. Neste contexto, consubstancia sua atuação através dos preceitos constitucionais em vigência. Estas premissas são os princípios constitucionais da ordem econômica, encontrados no artigo 170 da Constituição Federal de 1988.
Da simples leitura destes tópicos verificar-se-á que o Estado não prescinde da possibilidade (e necessidade) de desenvolver-se economicamente, pois é nesta vertente que o programa constitucional pode e deve ganhar relevo em sua plenitude. Entretanto, registre-se, este pretendido desenvolvimento tem uma finalidade bem definida, qual seja: propiciar a todos existência digna, “segundo os ditames da justiça social.”
Referido artigo da Constituição relaciona os seguintes princípios gerais da atividade econômica, quais sejam: i) soberania nacional; ii) propriedade privada; iii) função social da propriedade; iv) livre concorrência; v) defesa do consumidor; vi) defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; vii) redução das desigualdades sociais e regionais; viii) busca do pleno emprego; e, ix) tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
A República Federativa do Brasil abre a sua Constituição e já no inciso I do primeiro artigo declara constituir-se em Estado Democrático de Direito e que seu fundamento, dentre outros, se assenta na soberania. O princípio constitucional econômico da soberania nacional, previsto no inciso I do art. 170, também traduz a idéia de autonomia e independência no planejamento e execução de sua política econômica.
Essencialmente, esta afirmação tem amplo valor para os fins formais que caracterizam a existência e o reconhecimento de um Estado, pois é exatamente em função da soberania que o mesmo pode ser senhor de seu território, e nele governar conforme os ditames de sua organização interna.
Ocorre que em se tratando de economia, especialmente em função da globalização, este princípio, sofre, na materialidade, os efeitos da vulneração que lhe sobrevém em decorrência da dinâmica dos mercados. Aliás, ainda que se desejasse estar isolado das influências externas dos mercados, isto não seria possível, pois, em tempos hodiernos, o desenvolvimento nacional somente pode ocorrer se a política econômica local estiver em consonância com o “encaminhamento da política econômica internacional”.[5]
Outrossim, a propriedade privada no contexto da Constituição possui uma finalidade específica, que é a proteção pessoal. Se esta propriedade não estiver revestida desta função, a ideologia constitucional está autorizada a desconsiderá-la como direito fundamental e, portanto, de dar-lhe proteção legal.
O aspecto mais importante do princípio constitucional econômico da propriedade privada (art. 170, II, CF/88) reside no fato de este imprimir uma especialidade acerca da detenção e/ou do domínio sobre os bens de produção. Ora, diante do contexto do poder de usar, gozar, e dispor, dos bens de produção, verifica-se também que nesta tulha encontra-se o dever de tal proprietário em observar a finalidade a que veio este parque-capital, senão que a todos deve ser assegurado existência digna, “conforme os ditames da justiça social”.
Neste sentido, a propriedade dos bens de produção não pode ser tomada de forma egoística, pois está adstrita à sua necessária função social, a qual deve ser exercida racionalmente. Esta propriedade (ideal) viabiliza o projeto constitucional pelo fato de permitir e suportar a livre iniciativa empresarial, cuja característica denota a própria atividade econômica por excelência.[6]
O terceiro princípio é o da função social da propriedade. Em termos gerais, a propriedade deixou de ser um direito intangível (subjetivo), disposto exclusivamente aos fins interesseiros de seu detentor. Toda e qualquer atividade econômica depende de recursos materiais para sua consecução, no caso, os bens de produção. Tais bens, móveis – máquinas operatrizes, veículos, equipamentos diversos, etc. – e imóveis – terrenos, barracões, etc., são adquiridos, organizados, e operados conforme os fins do objetivo social a que ser quer atingir.
O fato de estes bens representarem maior ou menor capital social empregado no negócio que se quer perquirir não traduz, correspondentemente, maior ou menor responsabilidade com o princípio comentado, uma vez que o comando operacional deste parâmetro não se restringe aos aspectos qualitativos ou quantitativos das mencionadas exações de produção e/ou de comercialização abarcadas pelo empreendedor.
Uma vez que tais recursos são empregados na forma e pelos fins relacionados a tal ordem, é dever do investidor consignar em seu negócio que tal atividade somente terá condições de desenvolver-se com sustentabilidade legal se observado que os elementos de riqueza social também serão privilegiados com os resultados positivos que serão produzidos em tais propriedades. E não apenas isso, esta sensibilidade requer remodelação contínua às constantes mudanças que operam no dia a dia, o que lhe imprime um caráter dinâmico ao conceito estudado.[7]
Importante princípio constitucional da ordem econômica é o da livre concorrência (art. 170, IV, da CF/88), pois nele se adscreve uma das relevantes matérias de estudo da economia política, qual seja: o fenômeno da demanda e da oferta em livre curso para troca de bens e serviços de qualquer natureza.
Em economias planificadas, os meios de produção são controlados ao ponto de se tornar padrão as matrizes de custos que formam os preços de venda. Nada pior do que isto para o desenvolvimento econômico, e até humano. A livre concorrência viabiliza a competição saudável da oferta, propicia melhoramentos nas diversas áreas humanas e sociais, e pode configurar crescimento sustentável dos diversos mercados que operam no atendimento das necessidades pessoais.
Entretanto, este atributo da economia possui limites estruturais. Por exemplo: o Estado não pode concorrer com empresas particulares para atender demandas que não sejam imperativos da segurança nacional ou de relevante interesse coletivo (art. 173 da CF/88). Da mesma forma, menciona-se a Lei n.º 8.884/1994 a qual veio para proteger a ordem econômica, reprimindo o abuso do poder econômico que vise à eliminação da concorrência, à dominação dos mercados e ao aumento arbitrário dos lucros. Estas regras preservam a qualidade do sistema econômico adotado, cuja higidez preserva as boas bases da livre iniciativa.[8]
Outro importante mecanismo de defesa da ordem econômica é a defesa do consumidor, levada a cabo com o advento da Lei n.º 8.078/1990. Destinada exclusivamente para regulamentar a política nacional das relações de consumo, acaba por induzir ao desenvolvimento econômico pretendido pelo legislador, pois é da transparência no trato com os consumidores que os fornecedores em geral poderão estabelecer-se numa rota de agregação social reclamada pela Constituição.
Deste preceito, nasce o desdobramento das atenções que devem ser dadas à dignidade da pessoa humana, saúde e segurança, proteção de interesses econômicos mútuos, melhoria da qualidade de vida, etc., dos destinatários do sistema econômico, pois “além de preocupação constitucional, é princípio geral de Direito”.[9]
A conotação que deve ser destacada com o advento da legislação consumerista é o fato de o homem deixar de ser objeto da mercantilização, e passa a ser, efetivamente, um sujeito de direitos em face dos novos valores que devem ser praticados para privilegiar a personalidade humana em todos os seus aspectos subjetivos. Neste contexto, fica necessariamente preterido o caráter individualista e patrimonialista das relações mercantis, pois o núcleo do sistema passa a ser o consumidor em todas as suas perspectivas existenciais.[10]
Da mesma forma, os princípios constitucionais econômicos do meio ambiente,[11] da redução das desigualdades sociais e regionais,[12] do pleno emprego,[13] e do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte,[14] estão voltados com a finalidade precípua de proteção da atividade econômica.
Quer-se dizer “precípuo” pelo fato de que no contexto regulado destas matérias existirem diversas outras nuances que podem deturpar a interpretação quando da leitura da legislação que rege o contexto destas vertentes constitucionais.
Sobre o meio ambiente há farta legislação infraconstitucional a qual regula os interesses individuais, coletivos, difusos, etc., relacionados ao tema. O fato é que para desenvolver-se atividade econômica no Brasil, o meio ambiente deverá ser respeitado em todos os termos e condições impostas para preservação da natureza (em sentido lato).
Uma característica importante que se denota aos princípios elencados nos incisos VII, VIII, e IX, do artigo 170, da CF/88, é o fato de os mesmos poderem ser objeto de regulação pelo mecanismo de incentivos fiscais os quais podem ser concedidos pelos governos federal, estaduais, e municipais. Através desta ferramenta é possível colocar em curso, e assim também é feito, os procedimentos e atitudes políticas que minimizem as mazelas reclamadas nesta “doutrina” constitucional.
Ainda no referido artigo, encontrar-se-á o fundamento legal para o livre exercício de qualquer atividade empresarial, sem que haja obrigação de obter-se autorização prévia por parte de qualquer órgão público, ressalvados os casos excetuados pela lei (vide parágrafo único).
Mas, o que chama a atenção é o conteúdo comum da principiologia apresentada. Se bem analisados sob a ótica da crítica apreciável, perceber-se-á que cada inciso do artigo 170 da CF/88 traz em seu bojo um misto de a) parcial realidade factual, d´antes e atual à Constituição; b) realidade em potencial para condições sociais do statu quo e ad quem; c) programação ideal para o futuro do subjuntivo; e, d) o subjetivismo do comando relacionado ao desenvolvimento econômico possui endereço certo, a carta magna.
Referidas características tem atributos próprios que podem justificar tais entendimentos cuja concepção está pautada na própria realidade dos fatos empresariais e sociais. O modelo econômico que está impresso atualmente (e em funcionamento) no Brasil não atende, ainda, aos ditames da Constituição, uma vez que a mesma requer ainda providências estruturais inafastáveis para melhorar-se a realidade do mercado sob a perspectiva social.
Não pode o legislador omitir-se na tarefa de criar circunstâncias legais que venham confirmar objetivamente ou viabilizar positivamente os propósitos do legislador originário. É evidente que tais disposições, colocadas sobre a forma de princípios, nem sempre podem implicar na eficácia pretendida pelo comando genérico destas normas, pois carecem de força normativa na espécie.
Lafayte Josué PETTER sintetiza uma advertência pertinente à questão, traduzindo os ensinamentos da hermenêutica moderna, dizendo “que não é este ou aquele dispositivo isolado da Constituição que permite captar o sentido da ordem econômica, mas sim todo o contexto de suas disposições.”[15] Destarte, finaliza uma idéia fazendo advertência que a conquista da efetividade desta principiologia depende de “coercibilidade que singulariza as normas jurídicas no contexto da atividade econômica”, pois, em linhas gerais, o sistema não cede aos propósitos requeridos para o grande programa de cidadania que tem a dignidade da pessoa humana como núcleo de todo o ordenamento em comento.
Assim, é preciso dizer: a livre iniciativa é condição inerente aos aspectos da “ação” do empreendedor, mas o amplo fundamento legal que lhe magnetiza nos fins da atividade econômica não encontra ressonância nos propósitos constitucionais para a concretização dos efeitos previstos pelos princípios relacionados à área. Falta, neste ponto, uma conexão de regras objetivas e claras que poderiam sistematizar a efetividade de tais programas-fruto dos aspectos meramente imaginários que atualmente entrelaçam os elementos do mosaico do teto republicano nacional.
Advogado, Contador, Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA, é especialista em Administração Financeira e Metodologia do Ensino Superior. Atualmente é Diretor de empresa industrial, atua na controladoria das áreas Administrativa, Financeira, Contábil, e Jurídica.
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