Sumário: 1- Introdução 1 2 – O Instituo do Enriquecimento sem Causa 2 2-1 – Conceito 2 2 -2 – Surgimento do Enriquecimento sem causa como principio do direito – Breve Histórico 3 3 – O Enriquecimento Sem Causa no Ordenamento Jurídico Brasileiro 6 3-1 – O Enriquecimento como valor implícito no Código Civil de 1916 6 3-2 – O Código Civil de 2002 e as cláusulas gerais – o fenômeno da constitucionalização do Direito civil – o surgimento de previsão expressa do Enriquecimento Sem Causa e o seu caráter de norma aberta 8 3-2-1 A Constitucionalização do Direito Civil 8 3-2-2 – As Cláusulas Gerais 10 3-2-3 – Diversas Teorias sobre o Instituto 12 4 – A Teoria do Enriquecimento Sem Causa no Brasil 15 4-1- Problema Terminológico 20 4-2 – Caráter Subsidiário da Ação de Enriquecimento Sem Causa 24 4-3 – Caráter Dúplice do Instituto – Aplicabilidade Judicial – Ação Autônoma ou Fundamento Jurídico?
1. Introdução
A presente pesquisa[1] tem por objetivo geral, o estudo da inserção cláusula geral do Enriquecimento sem Causa no Código civil de 2002, bem como seus aspectos históricos no ordenamento jurídico brasileiro, e suas origens no direito Romano, bem como o seu desenvolvimento nos demais sistemas jurídicos.
Para tal estudo adotou-se de uma postura metodológica que atribui um papel proeminente e central, no sistema jurídico, a Constituição, de maneira mais específica, seus valores éticos e sociais, os direitos fundamentais, de tal modo que as normas constantes no Código Civil sejam interpretadas de maneira homogênea e segundo conteúdo objetivamente definido nos referidos valores adotados na Constituição Federal, fenômeno este caracterizado como “constitucionalização do direito civil”.
Entretanto, tal postura metodológica não visa de maneira alguma separar ou dividir o estudo do direito por áreas, setores, ou códigos, ao contrário de tal visão de caráter mais conservador, a abordagem do presente estudo visa observar o direito como um sistema uno, no qual todas as fontes normativas convergem de maneira uniforme aos preceitos insculpidos na Constituição da republica de 1988.
2. O Instituo do Enriquecimento sem Causa
2.1. Conceito
Para iniciar o estudo sobre o referido instituto, é importante observar alguns conceitos trazidos na doutrina, senão vejamos.
Para Limongi França:
“Enriquecimento sem causa, enriquecimento ilícito ou locupletamento ilícito é o acréscimo de bens que se verifica no patrimônio de um sujeito, em detrimento de outrem, sem que para isso tenha um fundamento jurídico”.[2]
Já para Pedro Luso de Carvalho:
“A pessoa física ou jurídica que enriquecer sem justa causa, em razão de negócio jurídico realizado, dará ensejo ao lesado a ajuizar ação visando à restituição do valor recebido indevidamente, atualizado monetariamente.”[3]
Inicialmente, para início de trabalho, toma-se como conceito de enriquecimento sem Causa situação na qual um indivíduo aufere vantagem indevida em face do empobrecimento de outro, sem causa que o justifique.
Na seqüência do trabalho tal conceito será melhor demonstrado, fazendo-se necessária antes uma análise histórica do instituo no âmbito geral do direito, posteriormente sua inserção no ordenamento jurídico brasileiro e por fim sua natureza jurídica e aplicabilidade no sistema jurídico atual.
2.2. Surgimento do Enriquecimento sem causa como principio do direito – Breve Histórico
A origem do Enriquecimento sem Causa como principio do Direito não é pacífica na doutrina, sendo discutido se de fato se deu no direito romano, ou até mesmo anteriormente a ele, com a filosofia grega, mais especificamente no período helenístico. Todavia, o presente trabalho não dará grande enfoque aos detalhes da origem do instituto, citando apenas os pressupostos históricos básicos para compreensão e estudo do mesmo.
Há quem afirme que sua origem está intimamente ligada à necessidade de manutenção e proteção de valores básicos a serem respeitados para a vida em sociedade, quais sejam, o respeito ao próximo e ao seu patrimônio, que então ensejaram princípios norteadores do instituto e do próprio Direito em si, como por exemplo a velha máxima do não faça ao outro aquilo que não queira que seja feito com você, valores e princípios esses já praticados a época das Leis de Hamurabi.
Verifica-se que a influência do direito natural sobre o direito romano, caracterizou o surgimento da necessidade de intervenção do Direito para satisfazer proteção e manutenção de valores existentes na sociedade romana, que se solidificaram e fizeram presentes na codificação do Imperador Justiniano.
É imperioso ressaltar que o princípio do Enriquecimento sem Causa não adveio de um conjunto único de idéias de caráter uniforme, muito pelo contrário, desde seus primórdios, onde existiam apenas meros pressupostos do instituto, até os dias atuais, pode-se dizer que a formação do conceito se deu por diversas aplicações ao longo da história, sem um método comum entre elas, e que a partir de tal diversidade chegou-se a concretização de um conceito para o princípio em evidência.
Uma das principais influências na formação do instituto sem dúvida foram as condictiones, que correspondiam na época às formas efetivas de cumprimentos de obrigações, restituições, enfim, era um dos principais instrumentos do direito das obrigações. Verifica-se então que as condictiones no direito romano eram segundo Giovanni Ettore Nanni, “… indispensável remédio para recuperar os bens indevidamente transferidos a outrem, ou seja, sem justa causa, quando não observados os procedimentos designados para cada situação específica.”[4]
Outra contribuição do direito romano para a formação do Enriquecimento sem Causa foi a “actio de in rem verso” surgida diante da necessidade de garantir ressarcimento àqueles que celebravam negócios com incapazes na sociedade da época, filhos ou escravos por exemplo, e se viam impossibilitados de recorrer seu crédito, tendo em vista não ser possível na época tal obrigação contraída atingir o pater familias. Diante de tal panorama, ocorria que o pater familias se beneficiava de obrigação contraída por aquele incapaz de cumpri-la. Daí então foi criado procedimento especial, para que o pater famílias pudesse responder pelo exato enriquecimento obtido em razão dos incapazes, a chamada actio de in rem verso”.
Todavia, com a queda do Império Romano no Ocidente, verifica-se uma obstrução quanto ao desenvolvimento do estudo do referido instituto. Tal interrupção no desenvolvimento do Direito Romano se deu pelas invasões bárbaras, vez que os invasores baseavam-se nas regras consuetudinárias, impondo então seus costumes e regras sociais, reprimindo desta maneira a cultura Romana.
Com o declínio Romano, surge uma nova sociedade, com diferentes conceitos e costumes, influenciada diretamente pelas invasões bárbaras e a diversidade cultural resultante das mesmas, na qual as relações obrigacionais não se regulavam mais por princípios inerentes a sociedade na época clássica de Roma, mas sim pelas regras e costumes das relações feudais que passaram a vigorar desde então. Desta feita cada feudo determinava as próprias regras de direito para dirimir conflitos e divergências, ficando a ordem jurídica da Idade Média baseada quase que exclusivamente aos costumes, excluindo-se as noções até então trazidas pelo Direito Romano.
Verifica-se ao longo do desenvolvimento histórico, diversas outras contribuições importantíssimas para o instituto, todavia, o conteúdo supra mencionado evidencia que o Enriquecimento Sem Causa sempre teve como preceito fundamental a vedação a uma situação injusta na relação entre indivíduos, em diversas sociedades e ordenamentos.
3. O Enriquecimento Sem Causa no Ordenamento Jurídico Brasileiro
3.1. O Enriquecimento como valor implícito no Código Civil de 1916
O Enriquecimento Sem Causa não foi expressamente trazido pelo primeiro Código Civil Brasileiro, tampouco considerado instituto autônomo, restando implicitamente presente no referido diploma de maneira esparsa, com principal referencia em relação ao pagamento indevido.
Para Clóvis Beviláqua, autor do anteprojeto do Código de 1916, o referido tema não necessitava de previsão expressa no Código, de acordo com suas palavras: “Por mais que variemos as hipóteses, veremos que o direito e a equidade se podem plenamente satisfazer, sem criarmos, nos Códigos Civis, mais esta figura de causa geradora de obrigação, ou seja uma relação obrigacional abstrata e genérica”[5]
Verifica-se que à época não se considerava indispensável a previsão expressa do instituo no diploma Civil, uma vez que o pensamento majoritário até então era de que a noção de equidade, bem como equilíbrio eram valores suficientes para vedação ao enriquecimento sem causa.
O que se notava no antigo diploma, era a presença do pagamento indevido, que gerava direito a restituição, de acordo com os seus seguintes dispositivos:
“Art. 964 – Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir. A mesma obrigação incumbe ao que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
Art. 965 – Ao que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro.
Art. 966 – Aos frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações sobrevindas à coisa dada em pagamento indevido, aplica-se o disposto nos Arts. 510 a 519.
Art. 967 – Se, aquele, que indevidamente recebeu um imóvel, o tiver alienado, deve assistir o proprietário na retificação do registro, nos termos do Art. 860.
Art. 968 – Se, aquele, que indevidamente recebeu um imóvel, o tiver alienado em boa-fé, por título oneroso, responde somente pelo preço recebido; mas, se obrou de má-fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e danos.
Parágrafo único – Se o imóvel se alheou por título gratuito, ou se, alheando-se por título oneroso, obrou de má-fé o terceiro adquirente, cabe ao que pagou por erro o direito de reivindicação.
Art. 969 – Fica isento de restituir pagamento indevido aquele que, recebendo-o por conta de dívida verdadeira, inutilizou o título, deixou prescrever a ação ou abriu mão das garantias que asseguravam seu direito; mas o que pagou dispõe de ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador.
Art. 970 – Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação natural.
Art. 971 – Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei.”[6]
Entretanto não se pode considerar que em tal época não existiam casos nos quais alguns indivíduos se enriqueciam injustamente a custas de outros, todavia, considerava-se de bom grado tratar tais situações levando-se em conta apenas princípios gerais do direito como o equilíbrio, equidade. Tal pensamento por sua vez, dava margem para a ocorrência do enriquecimento sem causa sem que a vítima da situação prejudicial fosse devidamente amparada por norma expressa no ordenamento jurídico.
O novo Código Civil, demonstrou uma maior preocupação em evidenciar ou destacar o instituto do enriquecimento sem causa,e de uma maneira geral, para uma maior abrangência, o que fez muito bem, no sentido de que tal instituto, conforme já exposto, passou a ser caracterizado como uma clausula geral do novo código, não podendo ser meramente limitada apenas ao conteúdo expresso na ei, muito pelo contrário, sua aplicação agora se dá por meio da interpretação do caso concreto, observando-se sempre a unidade do ordenamento, a luz da Constituição da Republica como referencia maior a todos os demais diplomas.
3.2. O Código Civil de 2002 e as cláusulas gerais – o fenômeno da constitucionalização do Direito civil – o surgimento de previsão expressa do Enriquecimento Sem Causa e o seu caráter de norma aberta
3.2.1. A Constitucionalização do Direito Civil
Antigamente verificava-se um enorme distanciamento entre o direito civil e o direito constitucional, de maneira que erroneamente definia-se o direito constitucional como fonte de direitos referentes apenas aos seus elementos orgânicos, quais sejam, o Estado e o Poder, de maneira que a mesma se prestava apenas para fins de organização estatal e de seus poderes.
Por outro lado o direito civil era a considerado a única fonte de direitos dos indivíduos, não só na seara das relações privadas, mas em relação a todos os direitos dos indivíduos.
No Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988, verificou-se que a mesma fora construída desvinculada de tais valores ultrapassados e obsoletos, o que foi um avanço incalculável para o ordenamento jurídico, aliás, um avanço para o desenvolvimento do país como um todo.
A Constituição da República de 1988 pode ser chamada de polifacética, uma vez que contem múltiplas faces, possibilidades ou elementos, podendo ser dividida de acordo com tais possibilidades abrangidas por sua matéria, quais sejam:
Os elementos orgânicos, os quais tratam das formas de aquisição e exercício do Poder, bem como a estrutura organizacional do Estado, presentes nos títulos III e IV do referido diploma.
Por outra senda, têm-se os elementos limitativos que versam especificamente sobre os Direitos Fundamentais, agindo como limitador sobre o Direito Privado, bem como sobre o Poder do Estado sobre os Indivíduos da sociedade.
Já os elementos sócio-ideológicos são normas que tratam dos princípios da ordem econômica e social em face da indissociabilidade do modelo político, ou seja, um foco nos aspectos individuais e coletivos.
Temos ainda os elementos de estabilização, os quais nada mais são do que normas trazidas na própria Constituição cujo principal intuito é de proteção a mesma, através de mecanismos que possibilitem o combate a todo e qualquer ato, norma ou dispositivo que colidam com a ordem trazida pelo texto constitucional.
Por fim temos as formas de aplicabilidade, que são as formas dispostas no próprio bojo do texto da Constituição da República, que regulam as formas e regras de aplicação do conteúdo da mesma.
Diante de tal mudança de parâmetro, percebeu-se que a Carta Magna não serviria mais apenas para tender fins de organização de poder ou Estado, mas sim para dispor também sobre garantias e direitos fundamentais, amplamente requeridos pela população ao longo do desenvolvimento histórico do país.
Com o texto constitucional, o que antes eram considerados anseios, e direitos um tanto quanto distantes de serem alcançados pela população, concretizam-se no diploma maior como direitos e garantias fundamentais, e com isso vários princípios consagram-se no ordenamento jurídico, tais como o direito à vida, à liberdade, à propriedade e etc.
Sob tal prisma constitucional, e após vários anos de elaboração, em 2002 entra em vigor o novo Código civil Brasileiro, o qual tem como principal diferença em relação ao código anterior, a presença de normas gerais, abertas a interpretação do legislador, as Cláusulas Gerais, que serão estudadas mais adiante no presente trabalho.
Com o novo Código, verificou-se a concretização da chamada constitucionalização do direito civil, na qual o Código Civil regula as relações particulares entre os indivíduos não mais de forma isolada e independente, mas sim em conjunto com os principais princípios e regras presentes no texto constitucional, caracterizando uma nova ótica no ordenamento jurídico, o qual passa a ter caráter uno, no qual as normas e códigos devem sempre seguir os patamares constitucionais, como vermos a diante mais especificamente sobre a cláusula geral do Enriquecimento sem Causa.
3.2.2. As Cláusulas Gerais
Inicialmente, é importante fazer um breve registro sobre a origem das cláusulas gerais no Código Civil de 2002, além de conceituá-las, para posteriormente estudar o enriquecimento sem causa, disposto no novo código civil, passando sobre uma análise a respeito de sua natureza jurídica.
Com o intuito de inovação, o Código Civil de 2002 introduziu em seu conteúdo, normas de caráter genérico e abstrato. Ao contrário do sistema jurídico fechado adotado pelo código civil de 1916, o qual não admitia a inserção de elementos valorativos em seu conteúdo, o novo diploma, instituiu as cláusulas gerais, com o objetivo de agregar ao seu corpo de lei, valores e princípios que estão sempre surgindo em uma dinâmica vida social, uma vez que ficou estagnado o sistema anterior, que era absoluto e não admitia inovações, tampouco as diversas mudanças de valores e pensamentos sempre presentes na sociedade.
As cláusulas gerais assumiram um papel de ligação entre os valores presentes na sociedade, e a lei expressa e codificada, cumprindo assim uma função de possibilitar uma abertura do sistema jurídico, que passa a recepcionar valores e princípios e suas mudanças com o passar do tempo. Através das cláusulas gerais, o juiz tem a liberdade de não só aplicar a lei, como também complementá-la, de acordo com valores e princípios vigentes na sociedade.
Restou evidenciado que em tal inovação, o intuito do novo código em retirar uma espécie de supremacia do direito escrito, adotando a nova posição normativa na qual é notável a combinação de valores éticos e jurídicos, aos quais o operador do direito deve recorrer para aplicar a norma de maneira mais justa e eficaz. Desta feita, tem-se o novo “code” como um sistema normativo que exige a todo instante do jurista, uma busca a valores e princípios, nos dizeres do nobre Miguel Reale, “o Código é um sistema, um conjunto harmônico de preceitos que exigem a todo instante recurso à analogia e a princípios como esse da equidade, de boa-fé, de correção”.[7]
Destaca-se o dinamismo do novo diploma como sua grande característica, uma vez que o mesmo conseguiu superar uma barreira até então instransponível para os códigos anteriores, que se limitavam apenas a enunciados rígidos e com formas definidas, com enunciados de caráter universal.
Tal superação ocorre com o caráter de abertura que as cláusulas gerais evidenciam, uma vez que o direito privado sendo considerado um sistema em contínua mudança, tem nessas normas de caráter “aberto, fluido ou vago”, uma poderosa ferramenta, que permite ao magistrado na aplicação normativa a determinado caso concreto complementar, ou desenvolver normas jurídicas, com elementos principiológicos, éticos, que não estejam expressamente trazidos em Lei.
Por fim, uma ultima consideração necessária sobre as cláusulas gerais é a de que o fato de as mesmas permitirem ao magistrado aplicação de valores éticos, e princípios a uma situação concerta a ser julgada, não se pode olvidar dos princípios constitucionais norteadores de todo o sistema jurídico brasileiro, dentre eles a razoabilidade, a proporcionalidade. Ao se deparar com um conflito ou atrito entre princípios no caso concreto, o interprete deve buscar a harmonia entre os mesmos, e nunca tentar fazer com que um se sobreponha ou anule ao outro.
3.2.3. Diversas Teorias sobre o Instituto
Sobre uma teoria do enriquecimento sem causa no ordenamento jurídico brasileiro, é inevitável remeter-se às varias teorias do enriquecimento sem causa que foram elaboradas em diversos ordenamentos jurídicos de países distintos, uma vez que o direito romano não criou uma teoria una e absoluta acerca do tema, e como conseqüência surgiram diversas teorias que variam diferentes, especialmente Alemanha, França e Itália, elaboradas por autores já contemporâneos.
Dentre as várias teorias destacam-se:
A teoria patrimonial, desenvolvida no Direito Francês, exigia que a Ação de Enriquecimento sem Causa tivesse fundamento em um nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento, e tal nexo com maior relevância que o caráter injusto do próprio enriquecimento ocorrido. Verifica-se uma clara preocupação exclusiva com o aspecto patrimonial da relação entre indivíduos, deixando de lado alguns pressupostos importantes da relação obrigacional como a justiça social, liberdade, solidariedade, resultando no que atualmente se conhece por despatrimonialização do Direito Civil. Tal teoria, por colocar o aspecto patrimonial acima dos aspectos principiológicos das relações obrigacionais não é a mais adequada.
Já a teoria da gestão de negócios, baseada no Código de Napoleão, faz uma perigosa aproximação entre a gestão de negócios e o Enriquecimento Sem Causa, aproximando-os a ponto de igualá-los, de maneira equivocada. Considerava-se o instituto como uma gestão de negócios anormal. Importante ressaltar que são institutos distintos e autônomos, conseqüentemente caminham separados no ordenamento jurídico atual, o que justifica o desuso de tal teoria.
A teoria do fato ilícito,assim como a teoria anterior, faz uma aproximação e confusão entre os institutos do fato ilícito e do Enriquecimento Sem Causa, sendo que também são dois conceitos distintos e autônomos no ordenamento jurídico, com requisitos e pressupostos diferentes, não podendo ser considerados equivalentes, daí a inadequação da teoria.
Tem-se ainda a teoria do lucro criado, que desloca o Enriquecimento para a Responsabilidade Civil, especificamente à teoria do risco. Da mesma maneira que aquele que em razão de atividade profissional, cria risco a outrem, devendo suportá-lo, nesta teoria, admite-se que aquele que proporciona lucro a outrem, tem direito de exigi-lo de quem o tenha proporcionado. Tal teoria baseia-se em uma analogia a teoria do risco criado na Responsabilidade Civil, porém inadequada, pois condiciona o Enriquecimento sem Causa à responsabilidade objetiva, não sendo exigida a constatação de culpa, o que caracteriza uma excepcionalidade, que ensejaria em uma espécie de diminuição do instituto.
A teoria da equidade teve caráter fundamental para o instituto, considerando o equilíbrio entre dois patrimônios, que caso não ocorresse, deveria ser remediado pelo judiciário. Tal teoria tem em sua raiz o equilíbrio deve estar sempre presente na relação entre indivíduos, sendo considerado direito natural. Algumas críticas sobre tal teoria recaem sobre o fato de o legislador buscar fora do conjunto de normas expressas, solução para combater um desequilíbrio, no caso específico, ter o senso de justiça baseado em um conceito de direito natural, e não nas normas expressas do ordenamento.
A teoria do dever moral baseia-se no dever moral de um individuo de não enriquecer-se injustamente a custas de outrem. Trata-se de dever genérico, no âmbito da moralidade, que em caso de violação, acarreta na obrigação de recomposição do empobrecido pelo enriquecido. A principal critica a tal teoria está sobre o fato de o instituto do Enriquecimento Sem Causa se basear tão somente em uma regra moral, inexistindo uma norma de Direito. Tal inexistência de uma norma de direito reguladora do instituto é tida como inconcebível no atual ordenamento, devendo tal norma moral ter expresso fundamento no ordenamento.
A teoria do principio geral do direito, desenvolvida na Itália, traz o instituto como um principio geral do direito a ser observado e respeitado por todos, baseando-se principalmente em seu caráter de regra ético e moral, bem como seu desenvolvimento histórico ao longo do tempo. Sobre tal teoria recai a critica de que o instituto, não pode estar limitado tais preceitos morais, éticos e históricos, mas sim deve estar caracterizado como um efetivo mandamento de conteúdo normativo.
E por fim a teoria unitária e a dualista na Alemanha, sendo que a primeira tinha como principal preocupação, a intervenção ilícita em direito alheio, e não o deslocamento patrimonial em si. Já para a segunda corrente, há uma divisão do instituto, que basicamente se dá entre o enriquecimento decorrente de uma prestação, e os resultantes de outras formas.
4. A Teoria do Enriquecimento Sem Causa no Brasil
No Brasil não foi desenvolvida uma teoria própria para tratar o enriquecimento sem causa, o que de fato ocorreu, foram vários estudos sobre o tema que limitaram-se a aderir às várias teorias vigentes nos outros países, daí a importância das mesmas para o presente estudo.
Para a construção da teoria do enriquecimento sem causa no sistema jurídico brasileiro, deve-se primordialmente atentar-se ao fato de que não se pode apenas levar em consideração o livro que trata das obrigações no diploma civil, tampouco considerar apenas este diploma, ou mesmo apenas a esfera do Direito Civil. Deve-se considerar o sistema jurídico como um todo, em caráter uno, deixando de lado as divisões meramente didáticas, desenvolvendo o tema de forma concatenada a todas as áreas relacionadas ao assunto.
Tendo em vista a necessidade de considerar a ciência jurídica como um todo, e de observar todos os ramos do direito relacionados ao tema, é inevitável a incidência das normas constitucionais incidindo sobre o Direito Civil tradicional, o que conseqüentemente trouxe a tona novos princípios passíveis de aplicação nas relações obrigacionais, sendo assim, a interpretação das normas contidas no Código Civil não devem se limitar apenas a este diploma, muito pelo contrário, deve-se buscar sua adequação às demais normas jurídicas do ordenamento, principalmente a Constituição Federal de 1988. Essa atenção especial à Constituição Federal é conseqüência da proteção aos direitos humanos e individuais que tal diploma tem como conteúdo, tornando-se uma ampla fonte de direitos e garantias fundamentais para a organização do Estado.
Com tal incidência das normas constitucionais no campo das obrigações, princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana, da livre iniciativa, da liberdade, da justiça social e da solidariedade, determinaram uma alteração estrutural nas relações jurídicas, criando novos valores a serem seguidos. Conseqüentemente, surgiram novos deveres para as relações obrigacionais, considerados secundários em relação à obrigação propriamente criada na relação jurídica, quais sejam a boa-fé no prisma da justiça social e na solidariedade, o que sustenta o chamado princípio da função social do contrato.
Como conseqüência disto, fica descabido ao ordenamento jurídico brasileiro, a admissão do enriquecimento sem causa, o que acarretaria na autorização de relações jurídicas maculadas pela disparidade entre as partes, transferências de bens sem a obrigação de uma contraprestação, ou seja, movimentação de riquezas e recursos, acréscimo patrimonial sem uma causa que justifique.
O veto ao enriquecimento sem causa é sustentado pela Constituição Federal, através de seus princípios e garantias, mesmo que o diploma constitucional não trate de forma expressa sobre tal tema, pois tal disposição é resguardada a esfera infraconstitucional, no caso o Código Civil é quem possui a competência para dispor expressamente sobre normas expressas para vedação do enriquecimento injustificado, logicamente não conflitando com o texto constitucional.
O Código Civil enuncia no seu título VII (Atos Unilaterais), capítulo IV (Negócios Unilaterais), suas disposições sobre o Enriquecimento Sem Causa, a saber:
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.
Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.
Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido”.[8]
Dentre as várias cláusulas gerais presentes no Código Civil de 2002, este estudo tem por intuito aprofundar-se em uma cláusula em especial, o enriquecimento sem causa. Sobre tal cláusula Ruy Rosado de Aguiar assim se pronunciou:
“O art. 884 veio dispor expressamente sobre o enriquecimento sem causa, preenchendo uma lacuna do nosso ordenamento. Trata-se de cláusula geral que terá grande efeito no foro, porque permitirá reparar todas as situações de vantagem indevida. É, no entanto, uma ação subsidiária, a ser usada se o lesado não tiver outros meios para se ressarcir do prejuízo (art. 885)”. [9]
Diante de abalizada opinião, fica evidente e clara a importância da inserção do enriquecimento sem causa no código civil de 2002, não restando dúvidas sobre como foi importante a criação de autonomia para tal cláusula.
Pelo fato de cláusula geral do enriquecimento sem causa conter pressupostos de grande amplitude e generalidade, certamente teria uma aplicação totalmente indiscriminada, confrontando diretamente com outras regras também positivadas no diploma.
Para evitar eventual problema, foi criado o artigo 886, que assim enuncia:
“Art. 886: Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.”[10]
Tal mecanismo foi criado com intuito de estabelecer um limite para o uso da ação de enriquecimento sem causa, a qual somente poderá ser usada caso não exista nenhuma outra possibilidade ante o prejuízo sofrido. Portanto, sempre eu alguém que tenha sofrido prejuízo, deve esgotar todas as possibilidades possíveis em lei, e caso não encontre nenhuma solução, ou nenhuma outra norma que seja conflitante ao instituo do enriquecimento ilícito, deve remeter-se ao instituo em questão, por isso fala-se em caráter subsidiário, ou até mesmo residual, controlando assim a aplicação e uso do mesmo.
Porém, fazendo uma observação sob a égide dos princípios constitucionais, se da restrição ao uso da ação de enriquecimento resulta alguma espécie de injustiça, desequilíbrio ou contrariedade em relação a dignidade, liberdade e solidariedade. Analisando através de tal ponto de vista, tem-se na ação de enriquecimento sem causa, um meio de combater desequilíbrios e desigualdades, de forma ilimitada, com a condição básica de não contrariar o ordenamento.
Não existe ainda no Brasil uma posição determinada de que a vedação ao Enriquecimento sem Causa seja garantia constitucional implícita, de modo que no STF verifica-se a existência de julgados que vão a favor e contra tal tese, senão vejamos:
“Processo: AI-AgR182458
Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO
Tribunal: STF
Data da Decisão: 04/03/1997
Data da Publicação:16/05/1997
AGRAVO DE INSTRUMENTO – ATUAÇÃO DO RELATOR – USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO COLEGIADO. A apreciação do pedido formulado no agravo de instrumento é atribuído, consoante o artigo 28 da Lei nº 8.038/90, ao relator. Descabe cogitar de usurpação da competência da Turma, quando, a fim de bem desempenhar o mister, necessita dizer da configuração, ou não, de infringência constitucional, isto para definir o enquadramento do extraordinário no permissivo da alínea “a” do inciso III do artigo 102 do Diploma Maior. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – CRÉDITO – CORREÇÃO – PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. Homenageia o princípio da não-cumulatividade decisão no sentido de considerar-se os créditos pelo valor devidamente corrigido, isso em face da passagem do tempo até a vinda a balha de definição da legitimidade respectiva, por ato da Fazenda do Estado. Descabe falar, na espécie, de transgressão ao princípio da legalidade. O alcance respectivo há de ser perquirido considerada a garantia constitucional implícita vedadora do enriquecimento sem causa”[11]. (grifo nosso)
A decisão trazida acima, proferida pelo Ministro Marco Aurélio no STF em 1997 causou uma enorme controvérsia a época de sua publicação, trazendo discussões ainda para os dias atuais, uma vez que o julgado alçou o Enriquecimento sem Causa ao nível de princípio constitucional implícito.
Verifica-se que o referido julgado fora proferido em 1997, época em que ainda vigorava o Código Civil de 1916, no qual não existia qualquer principio ou norma de caráter geral especificamente sobre o Enriquecimento sem Causa, o que mais se aproximava deste principio no antigo diploma era o pagamento indevido. Conforme demais julgados presentes no anexo do presente trabalho (verificar anexo ao final), confirma-se a presença do instituto nos tribunais brasileiros antes mesmo de sua codificação expressa no Código Civil de 2002. Daí nota-se que no ordenamento brasileiro, houve uma espécie de inversão, sendo que o Código Civil anterior disciplinava apenas sobre um das espécies do instituto, que só fora devidamente disciplinado no atual código como espécie, uma cláusula geral.
“Processo: RE-AgR239552
Relator (a): Min. CEZAR PELUSO
Tribunal: STF
Data da Decisão: 31/08/2004
Data da Publicação:17/09/2004
EMENTA: RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Servidor público. Aposentadoria. Férias e licença-prêmio não gozadas na atividade. Indenização. Direito reconhecido. Vedação do enriquecimento sem causa e responsabilidade civil do Estado. Fundamentos autônomos infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição. Agravo regimental não provido. Precedentes. A questão de indenização, na aposentadoria de servidor público, por férias e licença-prêmio não gozadas na atividade, fundada na proibição do enriquecimento sem causa da Administração e na responsabilidade civil do Estado, é matéria infraconstitucional, insuscetível de conhecimento em recurso extraordinário”[12]. (grifo nosso)
Contrariando a corrente o julgado anterior, o presente julgado não considera o Enriquecimento sem Causa como uma matéria constitucional a ser apreciada pelo STF via Recurso Extraordinário, motivo pelo qual o mesmo teve negado seu seguimento.
Ainda nos dias atuais não se tem uma posição pacífica quanto ao “nível constitucional” do Enriquecimento sem Causa, todavia verifica-se que o mesmo já devidamente arraigado no ordenamento jurídico pátrio como um principio geral de direito, e está sendo devidamente observado em diversas decisões nas quais o julgador buscando a aplicação da justiça ao caso concreto, sempre traz a lume o instituto, principalmente como princípio, todavia, a discussão sobre a natureza jurídica do instituto será devidamente abordada no tópico adequado do presente trabalho.
4.1. Problema Terminológico
Necessário se faz um estudo apurado sobre o problema terminológico no qual sempre ocorre uma confusão entre os conceitos de enriquecimento sem causa e enriquecimento ilícito, além de analisar a formação da teoria do enriquecimento sem causa no ordenamento jurídico nacional, e por fim o desenvolvimento de uma análise sobre o caráter subsidiário e a natureza dúplice do enriquecimento sem causa.
Popularmente enriquecimento sem causa e enriquecimento ilícito são sinônimos, e para a grande maioria são expressões referentes a um único significado, conseqüentemente a um único instituo.
Este é um grave erro de interpretação do qual deve-se tomar ciência, sendo assim é importante ressaltar as diferenças entre tais dispositivos para evitar que eventuais confusões e erros aconteçam.
O enriquecimento ilícito é figura do Direito Administrativo, de acordo com a lei 8.429/92, que o tipifica como um ato de improbidade administrativa. De acordo com o artigo 9º da referida lei:
“Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
II – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;
III – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
IV – utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
V – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;
VI – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
VIII – aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;
IX – perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;
X – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;
XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;
XII – usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.” (lei 8429 de 1992).[13]
Já o enriquecimento sem causa tratado pelo artigo 884 da lei 10.406 que instituiu o novo Código Civil, configura-se pela existência de um enriquecimento obtido a custa de outrem sem uma causa justificativa para o enriquecimento.
Pode-se dizer que um dos motivos para a ocorrência da confusão entre os conceitos de enriquecimento sem causa e enriquecimento ilícito, é o aparente denominador comum existente entre as duas situações, que seria a falta de causa para o enriquecimento supostamente ilícita.
Todavia, tal confusão de comum ocorrência deve ser devidamente esclarecida. Ocorre que no caso de Enriquecimento Ilícito, deve restar configurada situação na qual um agente dispondo de suas funções, seja em entidade pública ou privada, comete ato ilícito para auferir qualquer espécie de vantagem pessoal.
Já para que esteja configurado o enriquecimento sem Causa, não é necessário que o agente cometa ato ilícito ou antijurídico para auferir vantagem em desfavor de outro, bastando apenas que obtenha um enriquecimento, ou uma vantagem, em face de um empobrecimento de outro sujeito, sem que haja um motivo que justifique tal deslocamento patrimonial, e há quem diga que para que tal deslocamento seja justificado sem que configure Enriquecimento sem Causa, deve ser baseado em um justo título.
Ainda sobre confusão entre os institutos, outra observação pertinente a se fazer é de que não há que se falar em ato ilícito no instituto do Enriquecimento sem Causa, uma vez que tal ilícito é pressuposto de Responsabilidade Civil, que está estritamente ligada a um ato ilícito que provoque um dano, passível de restituição na proporção em que tal dano afete o lesado, sendo o foco principal o patrimônio do lesado no momento anterior ao ilícito cometido, não importando o status patrimonial do lesante antes ou depois do ilícito cometido.
O Enriquecimento sem Causa por sua vez, tem o condão de fazer com que o enriquecido restitua o empobrecido com aquilo que se locupletou somente, sendo o foco central a vantagem auferida, e não o empobrecimento necessariamente, sendo a restituição ao empobrecido uma espécie de reparação indireta, não se falando, portanto em verba indenizatória, perdas e danos e etc.
Outro motivo para tal confusão origina-se da eventual admissão de se fundamentar o pedido de restituição decorrente do enriquecimento ilícito no princípio maior do enriquecimento sem causa. É de bom alvitre registrar que tal admissão para pedido de restituição, não torna sinônimos, tampouco equiparados os conceitos em questão. Tem-se como possibilidade a extensão da aplicabilidade do principio do enriquecimento sem causa na esfera do Direito Público, uma vez que o mesmo não encontra restrição quanto à relação obrigacional, que pode ser pública ou privada, sendo portanto, completamente cabível a sua incidência no âmbito da esfera pública.
4.2. Caráter Subsidiário da Ação de Enriquecimento Sem Causa
Pelo fato de cláusula geral do enriquecimento sem causa conter pressupostos de grande amplitude e generalidade, certamente teria uma aplicação totalmente indiscriminada, confrontando diretamente com outras regras também positivadas no diploma.
Para evitar eventual problema, foi criado o artigo 886, que dispõe sobre a chamada subsidiariedade do instituo do enriquecimento sem causa, enunciando:
“Art. 886: Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.”[14]
Tal mecanismo foi criado com intuito de estabelecer um limite para o uso da ação de enriquecimento sem causa, a qual somente poderá ser usada caso não exista nenhuma outra possibilidade ante o prejuízo sofrido.
Portanto, sempre eu alguém que tenha sofrido prejuízo, deve esgotar todas as possibilidades possíveis em lei, e caso não encontre nenhuma solução, ou nenhuma outra norma que seja conflitante ao instituo do enriquecimento sem causa, deve remeter-se ao instituo em questão, por isso fala-se em caráter subsidiário, ou até mesmo residual, controlando assim a aplicação e uso do mesmo. Tal análise é chamada nos estudos doutrinários sobre o tema de subsidiariedade abstrata, na qual o simples fato de existir outra ação para se buscar o direito lesado, resulta automaticamente em vedação ao uso da ação de caráter subsidiário. Desta feita a seu caráter abstrato visa única e exclusivamente solucionar situações em que existam normas concorrentes sobre determinado fato.
Todavia, existem algumas situações nas quais a subsidiariedade se dá com o intuito de evitar com que o uso desenfreado e descabido da ação, no caso de enriquecimento sem causa, se torne um meio de fraudar o ordenamento, em situações em que o demandante fraudando-se a Lei, ignorando tanto a subsidiariedade quanto os demais preceitos de direito material que determinam o uso de outros meios legais para solução de um determinado problema.
Importante também ressaltar que a subsidiariedade se dá exclusivamente em relação a Ação, ou remédio, que visa sanar a vantagem obtida injustificadamente, não podendo tal caráter residual afetar ou ser confundido com o caráter de cláusula geral do instituto de vedação ao Enriquecimento sem Causa, sendo este princípio geral do ordenamento pátrio.
Fazendo uma observação sob a égide dos princípios constitucionais, se da restrição ao uso da ação de enriquecimento resultar alguma espécie de injustiça, desequilíbrio ou contrariedade em relação a dignidade, liberdade e solidariedade, configura-se um injusto, que não é de maneira alguma permitido no ordenamento pátrio, analisando através de tal ponto de vista, tem-se na ação de enriquecimento sem causa, um meio de combater desequilíbrios e desigualdades, de forma ilimitada, com a condição básica de não contrariar o ordenamento jurídico, cabendo então uma reflexão na qual deve ponderar-se a subsidiariedade do instituto, não devendo entretanto a subsidiariedade concreta se sobrepor a abstrata ou vice e versa.
4.3. Caráter Dúplice do Instituto – Aplicabilidade Judicial – Ação Autônoma ou Fundamento Jurídico?
Ao se referir ao enriquecimento sem causa como de caráter dúplice, o dispositivo pode ser considerado uma obrigação, que está presente nos atos unilaterais, com previsão legal nos artigos 884, 885 e 886 do Código Civil de 2002, consubstanciada na ação de enriquecimento, que objetiva a compensação financeira do empobrecido em face do desequilíbrio patrimonial sofrido na relação jurídica.
Pode também ser considerado um princípio informador do direito obrigacional, sob o qual se denota seu caráter de cláusula geral, como um modelo jurídico aberto que possibilita uma alternativa para que se possa atender as exigências ético-sociais. Pode-se dizer então que ao mesmo tempo em que é um principio, o Enriquecimento sem Causa é uma clausula geral, que visa assegurar a garantia de equilíbrio e comutatividade nas relações obrigacionais, reservando ao juiz, ou interprete, adaptar a normas as situações cotidianas que ocorrem de fato na sociedade.
Todavia, verificando a atual jurisprudência nacional, fica evidente que o instituto hoje no direito brasileiro tem um caráter mais forte na senda principiológica, sendo usado em diversos julgado como um princípio do direito, e não como Ação autônoma em si, sendo assim, conclui-se que o instituto vem sendo aplicado como meio de evitar-se enriquecimento, e não como uma ação que tenha intuito de agir sobre o desequilíbrio causado em face do enriquecimento de um individuo ocorrido injustificadamente em face do empobrecimento de outro.
Para exemplificar tal constatação, é de bom alvitre verificar alguns exemplos retirados dos tribunais brasileiros:
“Processo: 1.0145.08.438928-0/001(1)
Numeração Única: 4389280-73.2008.8.13.0145
Relator (a): ELECTRA BENEVIDES
Tribunal: TJMG
Data do Julgamento: 02/03/2010
Data da Publicação: 07/04/2010
EMENTA: APELAÇÃO – INDENIZAÇÃO – COMPRA DE ELETRODOMÉSTICO – VÍCIO DE QUALIDADE – EMPRESA QUE COMERCIALIZA O PRODUTO – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA COM O FABRICANTE – DANO MORAIS – CONFIGURAÇÃO – FIXAÇÃO DO QUANTUM – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS – COMPROVAÇÃO – VOTO VENCIDO. A responsabilidade, perante o consumidor, da empresa que comercializa o produto com vício de qualidade é solidária com o fabricante, a teor do disposto no art. 18 do Código de Defesa do Consumidor. Sofre danos morais o consumidor que adquire um produto com vício de qualidade e não tem a assistência adequada por parte do vendedor e do fabricante do bem, situação essa agravada pela conduta do fabricante que tentou alterar a verdade dos fatos para prejudicar a autora. A indenização por danos morais deve ser fixada levando-se em consideração as circunstâncias concretas do caso, o nível socioeconômico das partes, guardando a devida proporção com o grau de culpa e ofensa causada ao autor, observando-se os critérios da exemplariedade, solidariedade e razoabilidade, a fim de que a reparação pretendida seja justa, sem proporcionar o enriquecimento sem causa do autor, nem perder o seu caráter pedagógico. Restando configurado nos autos a prática, por parte de um dos réus, de uma conduta repudiada pela ordem jurídica, consubstanciada na tentativa de alteração da verdade dos fatos em Juízo, a condenação por litigância de má-fé é medida que se impõe, nos termos do art. 17, II, do Código de Processo Civil. Preliminar rejeitada, recursos não providos e multa aplicada. VVp.: somente quando a parte age com dolo, devidamente comprovado por quem alega, não se presumindo a conduta maliciosa, é cabível aplicação de penalidade por litigância de má-fé”.[15] (Grifo Nosso).
Nesse julgado verifica-se que o enriquecimento sem causa serviu como parâmetro para mensuração do valor a ser pago a titulo de indenização por danos morais a ser fixado pelo magistrado, desta feita nota-se a aplicação do instituto como princípio, e não como uma ação autônoma. Diante do caráter principiológico tratado no referido julgado, percebe-se a posição dos Tribunais em adotarem o referido instituto como uma ferramenta a ser usada para impedir que um indivíduo obtenha vantagem indevida ou incompatível, em face do empobrecimento de outrem.
Compartilha da mesma opinião Silvio Rodrigues, senão vejamos:
“O repudio ao enriquecimento indevido estriba-se no principio maior da equidade, que não permite o ganho de um, em detrimento de outro, sem uma causa que o justifique. É ele alcançado através de ação de in rem verso,concedida ao prejudicado.
A tese, hoje, proferida pela doutrina brasileira é a admissão do principio genérico de repulsa ao enriquecimento sem causa indevido. Essa a opinião de que participo.”[16]
“Processo: 1.0702.07.407279-5/001(1)
Numeração Única: 4072795-83.2007.8.13.0702
Relator (a): ANTÔNIO BISPO
Tribunal: TJMG
Data do Julgamento: 06/05/2010
Data da Publicação: 25/05/2010
APELAÇÃO – CONSÓRCIO – TAXA ADMINISTRAÇÃO – LIMITE – PARCELAS MENSAIS – DESISTÊNCIA – RESTITUIÇÃO. O contrato de consórcio, típico contrato de adesão, encerra relação de consumo visto que a administradora do consórcio é prestadora de serviço tendo como destinatário final o consorciado. O reembolso será devido depois de decorridos 60 dias após o encerramento do grupo. Os juros de mora incidem tão-somente a partir de quando se esgota o prazo para a administradora proceder ao reembolso e, por qualquer motivo, não o faz, momento em que sua mora resta caracterizada. Correta a determinação judicial de reduzir o percentual fixado a título de taxa de administração em valor que exceda o limite previsto no artigo 42 do Dec. 70.951/72. V.v.p. Deve ser declarada nula a cláusula contratual que prevê a restituição das parcelas pagas somente após o encerramento do grupo, sob pena de caracterizar enriquecimento sem causa da administradora e desvantagem exagerada para o consumidor, traduzindo um desequilíbrio contratual”.[17] (Grifo Nosso)
No julgado acima, tem-se que para evitar a vantagem excessiva auferida pela administradora de consórcios, o Autor da Ação pugnou pela declaração de nulidade de cláusula contratual, bem como reajuste do valor cobrado a titulo de taxa de administração. O instituto do Enriquecimento sem Causa no caso em tela, novamente serviu como referência principiológica para aplicação do direito na solução da demanda.
Como já discutido anteriormente no que diz respeito a subsidiariedade da Ação de Enriquecimento sem Causa, é imperioso salientar que, no exemplo do julgado supra mencionado, que o fato de existir a possibilidade de propositura da Ação Anulatória de cláusula contratual afastou a viabilidade da Ação de Enriquecimento sem Causa, até porque, no caso em questão, não se verifica a ocorrência de fato de uma vantagem auferida em face do empobrecimento injustificado de outro, muito pelo contrário, verifica-se que no caso de vigência da cláusula anulada, poderia estar configurada tal ocorrência.
Todavia, com o intuito de evitar tal situação injusta, o julgador analisando o mérito da demanda determinou a anulação da cláusula, baseando-se na cláusula geral do Enriquecimento sem Causa expressa no Diploma Civil, para resolução da lide.
“Processo: 1.0702.00.002999-2/001(1)
Numeração Única: 0029992-03.2000.8.13.0702
Relator (a): DUARTE DE PAULA
Tribunal: TJMG
Data do Julgamento: 26/05/2010
Data da Publicação: 285/06/2010
AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – INADIMPLÊNCIA DO COMPRADOR – INDENIZAÇÃO E FIXAÇÃO DO VALOR DA FRUIÇÃO – CABIMENTO. – Inexiste óbice legal a impedir que o compromissário comprador inadimplente pretenda em juízo a rescisão do contrato de compra e venda, rompendo com o ajuste contratual, pela impossibilidade de continuar com o vínculo, devendo lhe devolver as parcelas pagas, mas com a retenção pela vendedora da multa rescisória ou cláusula penal de dez por cento dos valores a serem restituídos. – Rescindida a promessa de compra e venda, estando utilizando o imóvel o promissário comprador, é devido o pagamento do aluguel correspondente, em virtude da fruição, ao tempo em que deteve a sua posse, evitando o enriquecimento sem causa”.[18] (Grifo Nosso)
Em outra decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerias, verifica-se que fora pleiteada a rescisão contratual pelo não pagamento do promitente comprador, bem como pleiteada ainda indenização pela fruição do imóvel sem o pagamento de uma contra prestação.
Tratando-se de uma obrigação contratual, não caberia ao Autor da demanda ingressar com Ação de Enriquecimento sem Causa contra o promitente comprador, tendo em vista que ainda que esteja devidamente caracterizada situação injusta, na qual o Réu estando em posse do imóvel e ocupando-o sem oferecer ao proprietário contra prestação pelo uso do mesmo, configurando-se vantagem injustificada daquele em face de prejuízo deste, não se pode ignorar os meios diretos e específicos para solução da situação injusta.
Desta feita, verifica-se que no referido caso, sob o prisma da razoabilidade, a aplicação do caráter subsidiário da Ação de Enriquecimento sem Causa, em seu caráter concreto, uma vez que o uso da referida Ação no caso supra mencionado, ensejaria burla, ou inobservância ao tramite legal para resolução de casos como o do julgado mencionado.
“Número dos autos: RE-AgR222368 / PE – PERNAMBUCO
Origem: STF
Relator: Min. CELSO DE MELLO
Decisão em: 30/04/2002
E M E N T A: IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO – RECLAMAÇÃO TRABALHISTA – LITÍGIO ENTRE ESTADO ESTRANGEIRO E EMPREGADO BRASILEIRO – EVOLUÇÃO DO TEMA NA DOUTRINA, NA LEGISLAÇÃO COMPARADA E NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: DA IMUNIDADE JURISDICIONAL ABSOLUTA À IMUNIDADE JURISDICIONAL MERAMENTE RELATIVA – RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. OS ESTADOS ESTRANGEIROS NÃO DISPÕEM DE IMUNIDADE DE JURISDIÇ ÃO, PERANTE O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO, NAS CAUSAS DE NATUREZA TRABALHISTA, POIS ESSA PRERROGATIVA DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO TEM CARÁTER MERAMENTE RELATIVO. – O Estado estrangeiro não dispõe de imunidade de jurisdição, perante órgãos do Poder Judiciário brasileiro, quando se tratar de causa de natureza trabalhista. Doutrina. Precedentes do STF (RTJ 133/159 e RTJ 161/643-644). – Privilégios diplomáticos não podem ser invocados, em processos trabalhistas, para coonestar o enriquecimento sem causa de Estados estrangeiros, em inaceitável detrimento de trabalhadores residentes em território brasileiro, sob pena de essa prática consagrar censurável desvio ético-jurídico, incompatível com o princípio da boa-fé e inconciliável com os grandes postulados do direito internacional. O PRIVILÉGIO RESULTANTE DA IMUNIDADE DE EXECUÇÃO NÃO INIBE A JUSTIÇA BRASILEIRA DE EXERCER JURISDIÇÃO NOS PROCESSOS DE CONHECIMENTO INSTAURADOS CONTRA ESTADOS ESTRANGEIROS. – A imunidade de jurisdição, de um lado, e a imunidade de execução, de outro, constituem categorias autônomas, juridicamente inconfundíveis, pois – ainda que guardem estreitas relações entre si – traduzem realidades independentes e distintas, assim reconhecidas quer no plano conceitual, quer, ainda, no âmbito de desenvolvimento das próprias relações internacionais. A eventual impossibilidade jurídica de ulterior realização prática do título judicial condenatório, em decorrência da prerrogativa da imunidade de execução, não se revela suficiente para obstar, só por si, a instauração, perante Tribunais brasileiros, de processos de conhecimento contra Estados estrangeiros, notadamente quando se tratar de litígio de natureza trabalhista”.[19] (Grifo nosso)
No julgado do STF acima exposto, verifica-se que o instituto do Enriquecimento sem Causa mais uma vez é emanado com o fito de vedar enriquecimento indevido, ou injusto, de um individuo em face do empobrecimento de outro, todavia, por meio de Recurso Extraordinário dirigido a suprema corte, a despeito de Reclamação trabalhista de brasileiro contra empresa estrangeira.
Mas uma vez resta evidenciada a evocação do instituto como meio de vedar situação injusta, e não como Ação Judicial autônoma.
Portanto na comparação entre os dois aspectos do referido instituto, a presente pesquisa conclui que de fato o que atualmente se verifica no tocante a aplicabilidade judicial do Enriquecimento Sem Causa é que o mesmo não é usado como uma Ação Autônoma com intuito de evitar-se situação injusta, conforme disposto no Código Civil, todavia tem forte influencia sobre os julgados de diversos tribunais no Brasil, servindo como um fundamento, ou principio, para evitar-se situação injusta, notadamente no âmbito das Ações de Indenização por dano moral ou material, sempre buscando evitar um enriquecimento injustificado à custa de um empobrecimento alheio.
5. Conclusão
Ante todo o exposto neste trabalho, verifica-se que o instituto do enriquecimento sem Causa no direito brasileiro, por força de sua caracterização subsidiária enquanto ação, e dúplice quanto a princípio geral de direito e cláusula geral, tem como principal aspecto de sua aplicação, o caráter principiológico, no sentido de que diversas decisões sobre variados temas dentro do direito das obrigações, fazem menção ao instituto como princípio fundamental do ordenamento jurídico.
O caráter subsidiário da ação de Enriquecimento sem Causa, em momento algum lhe diminui perante as demais Ações ou diante de quaisquer outros remédios jurídicos, muito pelo contrário, só demonstra que o referido remédio não pode ser desenfreadamente usado, sob o risco de se criar uma situação de instabilidade jurídica.
Para aplicação do instituto enquanto Ação autônoma deve-se observar o caso concreto em questão, obviamente verificando se realmente houve o deslocamento patrimonial em uma situação de enriquecimento de um individuo, em face do empobrecimento de outro, sem uma justa causa que ampare tal situação. Existentes os requisitos existenciais do enriquecimento sem Causa, deverá agora ser observado o ordenamento jurídico, e se nele é prevista uma Ação específica para o caso concreto, para que não ocorra qualquer situação de burla ou inobservância do ordenamento jurídico.
Porém o que realmente se percebe, é o Enriquecimento sem Causa como um princípio geral do ordenamento, norteando diversas decisões pelos tribunais do país, e independente do caráter da Ação proposta, tratando-se de Indenização por dano moral ou material, reclamações trabalhistas, rescisão contratual, enfim, em inúmeros casos distintos, o Enriquecimento sem Causa serve como parâmetro hermenêutico, servindo assim como ponto de referência para o uso da interpretação, oferecendo ao intérprete critérios axiológicos e limites para a aplicação de demais disposições normativas.
Desta feita, não cabe ao magistrado unicamente julgar as Ações baseado única e exclusivamente no texto de Lei, mas sim fazendo de tal texto uma interpretação adequada, uma vez que o Código Civil atual permite ao operador do direito tal liberdade, com suas cláusulas gerias de caráter aberto, não existindo mais um sistema jurídico fechado, irredutível e determinista.
É importante ressaltar então que tal conclusão recai sobre alguns conceitos já vistos a respeito das diversas teorias do Enriquecimento Sem Causa, de maneira que a previsão expressa do instituto no Código Civil de 2002 permite que o instituto seja aplicado ao mesmo tempo, como um princípio de direito natural, de caráter ético e moral, e ainda como norma expressa em Lei, o que supera assim as barreiras antes encontradas pelas teorias do dever moral, da equidade, e do principio geral do direito, fazendo do instituto um principio geral do direito expresso no ordenamento.
Bacharel em Direito, graduado na Universidade Federal de Uberlandia em 2010.
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