Resumo: As Constituições Modernas passaram a ocupar lugar de destaque no Estado de Direito a partir das Revoluções do Século XVIII. Com as concepções de Direito Natural, vários valores passaram a ser reconhecidos e incorporados nas Declarações de Direitos que surgiam à época, sobretudo com intuito de garantir a liberdade e de controlar e limitar o poder do Estado. A partir de então, estes ordenamentos consolidaram-se como característica fundamental dos Estados de Direito, recebendo várias interpretações pela doutrina especializada e adequando-se a construções diferenciadas diante de variáveis sociais e históricas. A consolidação desta perspectiva ocorre com o positivismo jurídico, que estabelece a completa igualdade entre Direito e Estado. A partir desta centralidade, este ensaio apresenta seis concepções da doutrina para explicar a Constituição: a jusnaturalista, a sociológica, a política, a culturalista, a positivista e a pós-positivista.
Palavras-chave: declaração de direitos. Estado de direito. Constituição. Concepções constitucionais.
Abstract: Modern Constitutions have come to occupy an important place in the State of Law since the Revolutions of the 18th century. Based on the concepts of Natural Law, a number of values come to be recognized and incorporated in the Declarations of Rights that appeared at that time, above all with the intent of guaranteeing liberty and control and limiting the power of the State. Since then, these arrangements have become consolidated as a fundamental characteristic of the States of Law, receiving various interpretations from specialists and adapting to the different constructions in light of social and historic variables. The perspective became consolidated with juridical positivism, which establishes complete equality between Law and State. On this basis, this essay presents six concepts of the doctrine to explain the Constitution: the jus naturalist, the sociological, the political, the culturalist, the positivist and the post-positivist.
Keywords: declaration of rigths. States of law. Constituition. Concepts constitutions.
Sumário: 1. Introdução. 2. O Enquadramento Histórico do Tema. 3. As Concepções de Constituição. 3.1. A concepção jusnaturalista. 3.2. A concepção sociológica. 3.3. A concepção política. 3.4. A concepção culturalista. 3.5. A concepção juspositivista. 3.6. A concepção pós-positivista. 4. Conclusão. 5. Bibliografia.
1. Introdução
A análise da doutrina moderna a respeito das Constituições permite o seu enquadramento em diversas formas de classificação, dentre elas aquela que as concebe sob a análise de seu surgimento, formação e realização.
Esta perspectiva que procura explicar os fatores de existência das Constituições, ou seja, aquilo que de fato são na explicação de uma corrente doutrinária ou que ao menos deveriam ser para esta mesma vertente, passa a se apresentar neste sucinto estudo através da análise de diversos fatores inerentes ao próprio Direito, tais como a sua validade, legitimidade, nascimento/reprodução e eficácia.
Diante destes fatores que amoldam as explicações e entendimentos surgidos ao longo dos anos sobre as Constituições, conformados pela dogmática jurídica moderna, enumerou-se neste estudo seis concepções[1]: a) a concepção jusnaturalista; b) a concepção sociológica; c) a concepção política; d) a concepção culturalista; e) a concepção juspositivista; e f) a concepção pós-positivista.
De certa forma, estas concepções possuem relações com determinados momentos históricos. Porém, não se prendem aos mesmos na busca de validade ou aceitação social, já que não tendem a demonstrar qualquer tipo de evolucionismo. Por outro lado, na qualidade de doutrina que são, tais concepções mantém-se validas, sendo, inclusive, reeditadas ao longo do tempo com aprimoramentos, mesmo que sem a perda de suas centralidades existenciais.
2. O Enquadramento Histórico do Tema
O estudo a respeito das concepções da Constituição deve ser observado dentro de um momento histórico, que segundo já manifestado ocorre a partir das grandes Revoluções da Era Moderna.
Neste sentido, o foco estudado neste artigo é a atual Constituição, entendida como produto histórico que foi concebido pelas sociedades modernas dos últimos três séculos e que, por sua vez, fundamenta o nascimento do Estado de Direito[2].
Este limitador histórico é imprescindível quando se observa, como o faz Ferdinad Lassale, que todos os entes políticos (enquanto comunidades) em qualquer de seus momentos históricos possuem uma “Constituição” que é real e efetiva[3].
Por sua vez, J.J. Gomes Canotilho explica que essa forma de conceber a Constituição adotada por Lassale gira em torno de uma visão aristotélica que faz “… uso da constituição em sentido amplo e descritivo para designar a estruturação do poder ou ‘corpo político’ de uma comunidade (…) a constituição revela-se como uma espécie de realidade social e o conceito de constituição nada mais é do que o conceito empírico-descritivo dessa realidade.”[4]
As Concepções que serão aqui abordadas estão identificadas com as Constituições atuais e são provenientes do movimento de formação dos Estados Nacionais, que ocorreu entre os séculos XVI à XIX e, sobretudo, dos movimentos Revolucionários do século XVIII, que, procurando impor limites ao poder, desenvolveu as Constituições dos Estados como instrumento para tanto[5].
Assim, um dos principais propósitos das Constituições modernas foi limitar o poder do Estado e de quem o exercia. Tratava-se de uma época em que o poder absoluto dos reis se fragmentava e dava lugar à nova ordem insurgente. Ascendia, no ocidente, como classe dominante a burguesia. A limitação do poder estatal tornou-se marco dessa mudança. O liberalismo político e econômico incorporava-se na alma da Europa.
Este controle do poder e a garantia da liberdade foram demarcados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 que prescreveu em seu artigo 16: “Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes, não tem Constituição”[6].
Convergiam para o processo de formação das Constituições modernas os ideários iluministas e liberais, que de modo eminentemente racional, tentavam compor o aparato teórico para sustentar a estrutura deste instrumento de contenção do poder.
“A tendência à racionalização da estrutura de poder, junto com os esforços revolucionários da burguesia tendentes ao estabelecimento de limites jurídicos ao exercício do poder do Estado, influíram na criação de modernas Constituições.”[7]
Com o passar dos anos, devido ao surgimento de novas necessidades para o ser humano[8], com a aparição de uma nova classe social insurgente e contraposta à burguesia, com a eclosão de inúmeras lutas sociais, conflitos e guerras, e com o incremento tecnológico, novas necessidades passam ao contexto do debate constitucional e reafirmam a necessidade de se estudar as diversas concepções a respeito de Constituição.
3. As Concepções da Constituição
A problemática da teorização do Constitucionalismo Moderno, intensificada a partir da promulgação da Constituição Estadunidense de 1776 e da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, adquiriu veio central da teoria do Direito nos últimos duzentos anos.
A reverberação liberal destas Cartas de Direitos em vários outros documentos escritos, ainda que não apenas escritos, consolidou na Constituição o caráter de “Lei Fundamental dos Estados”, fazendo com as mesmas se tornassem instrumentos normativos supremos das sociedades nacionais[9].
Sobre esta nova dinâmica, gerou-se uma produção dogmática intensa que absorveu esta realidade e passou a construir vários sentidos, conceitos e explicações para o fenômeno Constituição.
Sob essa perspectiva, as grandes correntes filosóficas e doutrinais enumeraram uma diversidade de entendimentos e explicações para a Constituição, na qual, para os fins deste estudo, limitam-se em seis: a) a concepção jusnaturalista; b) a concepção sociológica; c) a concepção política; d) a concepção culturalista; e) a concepção positivista; e f) a concepção pós-positivista.
3.1. A concepção jusnaturalista
No início da formação das Constituições Modernas, quando nascem os primeiros Estados de Direito, a Constituição era identificada como uma ordem normativa idealizada, garantindo, na esteira do liberalismo, determinados direitos de liberdade e prescrevendo a divisão dos Poderes, numa organização mínima para o Estado[10].
O jusnaturalismo apresenta como norte a existência de conteúdos prévios à formação da Constituição e que pela centralidade que a mesma possui em relação ao restante do ordenamento deveriam estar presentes nela. Ingo Wolfgang Sarlet explica e contextualiza, sob o ponto de vista dos direitos fundamentais, o surgimento desta realidade.
“A partir do século XVI, mas principalmente nos séculos XVII e XVIII, a doutrina jusnaturalista, de modo especial por meio das teorias contratualistas, chega ao seu ponto culminante de desenvolvimento. Paralelamente ocorre um processo de laicização do direito natural, que atinge seu apogeu no iluminismo, de inspiração jusracionalista.”[11]
Bobbio, por sua vez, analisando os direitos do homem e sua incorporação às recém criadas Declarações de Direitos do século XVIII, bem como a importância destes na caracterização destas Declarações no âmbito de cada Estado (Constituição), explica que a corrente do Direito Natural é a fomentadora desta concepção de Direito, a corrente jusfilosófica que procura legitimar a garantia de determinados direitos perante o Estado.
“A doutrina dos direitos do homem nasceu da filosofia jusnaturalista, a qual – para justificar a existência de direitos pertencentes ao homem enquanto tal, independente do Estado – partira da hipótese de um estado de natureza, onde os direitos do homem são poucos e essenciais: o direito à vida e à sobrevivência, que inclui também o direito à propriedade; e o direito à liberdade que compreende algumas liberdades essencialmente negativas. Para a teoria de Kant – que podemos considerar como conclusão dessa primeira fase da história dos direitos do homem, que culmina nas primeiras Declarações de Direitos não mais enunciadas por filósofos, e portanto sine império, mas por detentores do poder de governo, e portanto cum império – o homem natural tem um único direito, o direito de liberdade, entendida a liberdade como ‘independência em face de todo constrangimento imposto pela vontade de outro’, já que todos os demais direitos, incluídos o direito à igualdade, estão compreendidos nele.”[12]
De forma mais direta e voltada para as Constituições, Jorge Miranda conduz sua lição a respeito da concepção jusnaturalista da Constituição no intuito de demonstrar que a grande intenção desta teoria é criar uma subordinação do Estado ao Direito natural.
“… a Constituição como expressão e reconhecimento, no plano de cada sistema jurídico, de princípios e regras de Direito natural (ou de Direito racional), sobretudo dos que exigem o respeito dos direitos fundamentais das pessoas; a Constituição como meio de subordinação do Estado a um Direito superior e, de tal sorte que, juridicamente o poder político não existe senão em virtude da Constituição;”[13]
O jusnaturalismo possui como principal característica o fato de o Direito não ser proveniente de uma convenção humana. Desta forma, a Constituição deve ser observada como um conjunto normativo que assimila normas pré-existentes não provenientes da vontade humana, que tem a função de apenas as declararem, já que a existência destes Direitos é pretérita, proveniente da razão humana[14].
Seguindo esta ordem na tentativa minimamente de compreender o Direito natural, Del Vecchio o apresenta como sendo o “… nome que se designa, por tradição muito antiga, o critério absoluto do justo.”[15] Segundo Miguel Reale[16], Del Vecchio estabelece, como forma de caracterizar o que seja este absoluto, o fato de o homem poder atingir um conceito de Direito que representa algo de inamovível e imanente, algo da própria consciência.
3.2 A concepção sociológica
A Constituição observada sob o ponto de vista da concepção sociológica relaciona-se principalmente ao fator de realização da mesma no seio da sociedade. Regina Maria Rerrari explica que “O conceito ou concepção sociológica de Constituição preocupa-se em procurar onde a norma constitucional busca sua energia.”[17].
Um dos primeiros a teorizar a capacidade de interferência das Constituições, como documentos jurídicos, sobre a sociedade foi Ferdinand Lassalle. Para o autor as teorias jurídicas estão limitadas a descrever exteriormente como surgem as Constituições e o que estão aptas a produzir de efeito.
A explicação de Lassalle parte do pressuposto de que existem forças sociais, denominadas pelo autor como “fatores reais de poder”[18], que regem e estabelecem de fato como é a realidade e a interferência destes fatores na sociedade, ou seja, o autor entende que determinadas parcelas da sociedade, geralmente organizadas, exercem tamanho poder sobre o todo social e sobre suas decisões, que chegam ao ponto de determinar o conteúdo das normas jurídicas e, por conseqüência, em um Estado de Direito, a atuação das instituições políticas.
Por conclusão, essa idéia faz com que os fatores reais de poder determinem a realidade e, por conseqüência, faz com as coisas “… não possam ser mais do que são e como são”[19].
Assim, o que prescreve uma Constituição escrita de nada vale se as forças reais que atuam em uma sociedade, não estiverem de acordo com o que ela prescreve. Segundo o autor, isso leva a Constituição escrita a não ser mais do que uma mera folha de papel.
Konrad Hesse, em sua clássica obra “A Força Normativa da Constituição”, explica que Lassalle tem por tese fundamental o fato de que as “… questões constitucionais não são questões jurídicas, mas sim questões políticas.”[20] A inspiração de Lassalle baseia-se na realidade histórica, que vem determinando que a força, exercida por aqueles que estão do lado de “cima” das relações de poder, mostra-se, freqüentemente, maior que a força da norma jurídica, fazendo com que a norma se amolde as relações de poder da sociedade.
Esta tese também é percebida pela concepção marxista de Direito e de Constituição. Neste ponto, é importante mencionar que José Afonso da Silva e Nery Ferrari apresentam a concepção marxista de Constituição como sendo uma das concepções sociológicas. O Estado e o Direito “São produto da divisão da sociedade em classes antagônicas e constituem um instrumento nas mãos da classe dominante dentro do tipo dado de relações de produção.”[21]
“O direito, como a moral, a religião, a arte ou a linguagem, é sempre uma superestrutura: trata-se do direito feudal ou do direito burguês, ele sempre reflete uma infra-estrutura econômico-social. Mas a impopularidade de tudo o que diz respeito ao direito ocidental do período pós-revolucionário decorreria do caráter burguês que a chancela do legislador teria impresso no corpus jurídico: este estaria marcado pela ideologia política na qual triunfou o individualismo oriundo da época histórica inaugurada pela Revolução Francesa. Por trás dessa ideologia, esconde-se a estrutura de classe da sociedade burguesa e, nessa estrutura, funcionam as engrenagens primordiais de uma economia que se resume ao jogo das necessidades e dos meios de produção. Em seus dados mais objetivos, o aparelho jurídico do Estado moderno depende das relações de produção e de troca que são as do capitalismo liberal clássico.”[22]
O entendimento marxista do Direito permite concluir que esta teoria venha a ser incorporada na concepção sociológica de Constituição, já que as relações de poder são o que orientam o Direito e, por conseqüência, as Cartas Constitucionais, dentro da visão Moderna que as incluem como parte do ordenamento jurídico.
3.3. A concepção política
Esta concepção, também denominada de decisionista por Jorge Miranda[23], pode ser encontrada de forma mais evidente na doutrina de Carl Schmitt. Tem o autor não mais a preocupação de saber onde as Constituições buscam sua energia, como ocorre na concepção sociológica, mas sim “… o porquê valem as Constituições …”[24]. Para o autor, a Constituição deve ser vista como a decisão política fundamental do Estado.
“… ‘uma decisão global sobre a forma da unidade política’ adotada através de um ato de poder Constituinte. De acordo com ele se diferencia a Constituição da Lei Constitucional, a qual se pressupõe a existência da constituição como decisão política e contem uma multiplicidade de regras heterônomas, que não reflitam simplesmente as decisões fundamentais a que são chamadas Constituição.”[25]
A Constituição propriamente dita deriva de uma vontade política e não se confunde com a Lei Constitucional, ou seja, o documento que representa a Constituição não se iguala com ela mesma. Isso ocorre segundo Carl Schmitt, porque à vontade de formação social antecede o que ele denomina de comunidade política. Trata-se esta de um ser consciente da sua própria unidade política, e assim, só o é por possuir uma vontade de existir.
No entanto, essa existência só ocorre porque ela se determina numa forma autônoma, que prescreve a si própria certos fins. Meireles Teixeira, diante da concepção política, explica que “… a Constituição vale porque foi ordenada positivamente por essa vontade política preexistente, da unidade política que é a nação”[26].
Para chegar a essa proposta, Carl Schmitt conceituou a Constituição em quatro sentidos:
“… o absoluto, quando a Constituição é vista como um todo unitário; o relativo, no qual é tida como uma pluralidade de leis particulares as quais possuem diferenciado alcance e valor; o positivo, que a vê como decisão concreta, sobre o modo e a forma de organização política; e o ideal, que representa um conteúdo ideal, com o qual se identifica.”[27]
Para que essa divisão fosse possível e, principalmente, para estabelecer o seu conceito positivo de Constituição, Carl Schmitt teve que partir de um pressuposto, separar a Constituição propriamente dita do que denomina Lei Constitucional.
Isso não quer dizer que certas matérias presentes nos textos constitucionais (Lei Constitucional) não façam parte também daquilo que Carl Scmitt denomina de Constituição. Significa apenas que os conteúdos da Constituição não dependem dos textos constitucionais (Lei Constitucional) para existirem ou para terem validade. O entendimento de Carl Schmitt inverte esta lógica, fazendo com os textos constitucionais só ganhem o status de Constituição e, por conseqüência, adquiram validade, quando derivem de “… uma decisão política prévia, adotada por um poder ou autoridade politicamente existente”[28].
“Las leyes constitucionales valen, por el contrario, a base de la Constitución y presuponen uma Constitución. Toda ley, como regulación normativa, y tambiem la ley constitucional, necesita para su validez em ultimo término uma decisión política previa, adoptada por um poder o autoridade politicamente existente.” [29]
Essa distinção realizada por Carl Schmitt faz com que possam existir normas provenientes dos textos constitucionais (Constituição Escrita) cujos conteúdos não façam parte da Constituição, por não fazerem parte da decisão política que esta de fato é[30].
“É necessário falar da Constituição como de uma unidade, e conservar entretanto o sentido absoluto de Constituição. Ao mesmo tempo, é preciso não desconhecer a relatividade das distintas leis, constitucionais. A distinção entre Constituição e lei constitucional é somente possível, sem embargo, porque a essência da Constituição não está contida em uma lei ou em uma norma. No fundo de toda normação reside uma decisão política do titular do poder constituinte …”[31]
Com isso, a validade das normas constitucionais só se confirma quando sustentada sobre uma decisão política[32], geradora da Constituição, o que, conseqüentemente, produz a necessidade do texto constitucional respeitar esta decisão para obter o status constitucional.
3.4. A concepção culturalista
Essa concepção baseia-se no conceito do fator humano e social denominado cultura e numa filosofia de valores. Exprime-se diante do fato de que o “… o fenômeno constitucional, assim como a norma jurídica em geral, ao mesmo tempo que é produzida pela sociedade é, também, capaz de influir sobre ela, modificando-a, disciplinando-a …”[33]
Assim, a Constituição é uma obra eminentemente humana, não derivada da natureza ou de padrões pré-estabelecidos por quaisquer condicionantes, que não os existentes nas relações sociais. Trata-se de mais uma instituição cultural que segue a interesses e valores, como qualquer outra coisa produzida socialmente. Diante disto, fica evidente que as Constituições acabam por resguardar valores emanados daqueles que detém o poder constituinte.
A Constituição acaba consistindo, como todo o Direito, em “… um complexo de sentidos, intencionalidades, significados, finalidades, que realizam valores, sejam esses referíveis à Ordem, à Segurança, à Liberdade, à Justiça, bem como a conceitos éticos, religiosos, políticos e econômicos, por exemplo.”[34]
A doutrina de Herman Heller reflete essa forma cultural de observar a Constituição. O autor apresenta a existência de uma dialética entre normatividade e normalidade, fazendo com que a Constituição jurídica seja apenas parte da Constituição total. Dentro deste entendimento, as normas surgem para contribuir e fortificar a normalidade.
O raciocínio desenvolvido por esta teoria ensina que nem tudo em uma sociedade deve ser normatizado, por entender impossível qualquer intenção de tornar todas as condutas humanas passíveis de serem prescritas atravpes de normas.
Além disto, e com maior relevância prática, a teoria culturalista expõe que há certas condutas sociais que são mais valorizadas do que outras e, por isso, auferem a condição de norma, adquirindo o status de Direito. Desde que o Estado Moderno surgiu e consolidou o monopólio da força como forma de garantir a eficácia de certas condutas humanas prescritas como norma, tornou-se interessante para as sociedades colocarem sob essa tutela atos individuais e coletivos, eleitos por esta mesma sociedade diante de sua relevância.
“Cabe (…) distinguir em toda a Constituição estatal, e como conteúdos parciais da Constituição política total, a Constituição não normada e a normada, e dentro desta, a normada extrajudicialmente e a que o é judicialmente. A Constituição normada pelo direito conscientemente estabelecido e assegurado é a Constituição organizada.
Assim como não se podem considerar completamente separados o dinâmico e o estático, tampouco podem sê-lo a normalidade e a normatividade, o ser e o dever ser no conceito de Constituição. Uma Constituição política só se pode conceber como um ser a que dão forma as normas. Como situação política existencial, como forma e ordenação concretas, a Constituição só é possível porque os partícipes consideram essa ordenação e essa forma já realizadas ou por realizar-se no futuro, como algo que deve ser e o atualizam; seja que a forma de atividade ajustada à Constituição se tenha convertido para êles, por meio do hábito, em uma segunda natureza, em conformação habitual do seu próprio ser apenas exigida como exigência normativa consciente; seja que os membros motivem sua conduta de modo mais ou menos consciente, por normas autônomas ou heterônomas.”[35]
Em certa medida, pode-se enquadrar também a doutrina de Rudolf Smend dentro desta concepção. O autor refutava tanto as doutrinas formalistas e positivistas, como aquelas baseadas na doutrina de Lassalle[36] para explicar a Constituição. Para ele o problema não se resumia à contraposição entre a realidade e o idealismo. Trabalhar só com uma teoria sociológica ou política que refletisse na Constituição a realidade de poder e não mais do que isso ou apenas se preocupar com conteúdos ideais ou prescrições unicamente formais não contribuiria para o entendimento da Constituição. Seria preciso uma concepção que abarcasse ambas as dimensões[37].
Este autor trabalhava com a idéia de Constituição como instrumento. A finalidade dela é contribuir para o processo de integração da sociedade buscando uma realidade total para o Estado, de tal modo que a Constituição seja “… a criação legal ou normativa de aspectos determinados deste processo.”[38]
Por outro lado, a Constituição não se mantém estática, mas, sobretudo, por seu caráter de regulação ao processo de integração, se mantém e se renova na sociedade, com o intuito de atingir sua finalidade, encontrando uma realidade dinâmica, mantendo-se em contínua criação e renovação.
“A Constituição permanece através da mudança de tempo e pessoas, graças à probabilidade de se repetir no futuro o comportamento que com ela está de acordo. Essa probabilidade baseia-se, de uma parte, numa mera normalidade de facto, conforme com a Constituição, do comportamento dos membros e, além disso, numa normalidade normada dos mesmos e no mesmo sentido. Cabe, por isso, distinguir a Constituição não normada da normada e, dentro desta, a normada extrajuridicamente e a que o é juridicamente. A Constituição normada pelo Direito conscientemente estabelecido e assegurado é a Constituição organizada. E, assim como não poder considerar-se completamente separados o dinâmico e o estático, tão pouco podem ser separados a normalidade e a normatividade, o ser e o dever ser no conceito de Constituição.”[39]
Realizando um comparativo entre a concepção culturalista e a concepção sociológica, observa-se que a Constituição, do ponto de vista da concepção culturalista, estaria para a concepção sociológica como um dos demais fatores reais de poder que atuam na sociedade, tornando-se a Constituição um verdadeiro canalizador de vontades na busca da realização dos direitos por ela prescritos.
Jorge Miranda ensina que Peter Haberle entende a Constituição como “… expressão de uma situação cultural dinâmica, meio de auto-representação cultural de um povo, espelho do seu legado e fundamento da sua esperança.”[40]
“Uma Constituição que estrutura não apenas o Estado em sentido estrito, mas também a própria esfera pública (Offentlichkeit), dispondo sobre a organização da própria sociedade e, diretamente, sobre setores da vida privada, não pode tratar as forças sociais e privadas como meros objetos. Ela deve integrá-las ativamente enquanto sujeitos.”[41]
Na concepção culturalista a Constituição assume a imagem social de um Direito que adquire força através da vontade daqueles que nele acreditam. Torna-se um símbolo na qual convergem vários ideais e várias vontades.
3.5. A concepção juspositivista
Esta concepção apresenta a idéia de Constituição exclusivamente como norma jurídica[42]. A principal ruptura com as demais concepções ocorre na teoria de validade da norma, que divide o ser do dever-ser[43]. Essa teoria propõe que a norma jurídica exista de forma válida quando ela decorre de outra norma jurídica válida superior, até o ponto de se gerar uma premissa de validade em todo o sistema jurídico, denominada por Kelsen de norma fundamental.
“… a norma que representa um fundamento de validade de uma outra norma é, em face desta, uma norma superior. Mas a 23indagação do fundamento de validade de uma norma, não pode, tal como a investigação da causa de um determinado efeito, perder-se no interminável. Tem de terminar numa norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais elevada. A sua validade já não pode ser derivada de uma norma mais elevada, o fundamento de sua validade já não pode ser posto em questão. Uma tal norma, pressuposta como a mais elevada, será aqui designada como norma fundamental (Grundnorm).”[44]
A teoria jurídica contemporânea eleva a Constituição ao patamar de norma estruturante de todo o sistema de Direito. Georg Jellinek ensina que a caracterização jurídica essencial das Constituições ocorre no fato de possuírem força de lei formalmente superior[45].
Essa idéia que garante à Constituição o status de norma superior de uma sociedade e de um Estado é concebida, na relação de forma e existência do ordenamento, pelo positivismo jurídico. O ordenamento é observado e constituído de forma hierárquica, numa relação piramidal entre as normas do sistema de Direito, estando no cume deste sistema a Constituição. Esta estrutura seria sustentada por uma norma fundamental, como argumentado por Kelsen, que seria a norma a dar legitimidade para o restante do ordenamento surgido a partir dela.
“… a norma fundamental é o critério supremo que permite estabelecer se uma norma pertence a um ordenamento; em outras palavras, é o fundamento de validade de todas as normas do sistema.(…) é, simultaneamente, o fundamento de validade e o princípio unificador das normas de um ordenamento.(…) é uma convenção, ou, se quisermos, uma proposição evidente que é posta no vértice do sistema para que a ela se possam reconduzir todas as demais normas.”[46]
Ferrari relaciona, a partir dos ensinamentos de Kelsen, dois sentidos para se entender a Constituição, o lógico jurídico, que a relaciona como “… a norma fundamental hipotética, o fundamento lógico transcendental de validade da ordem jurídica positiva.”[47] E o sentido jurídico-positivo que “… equivale ao ponto de partida do processo de criação do Direito positivo, representado por um conjunto de normas que regulam a criação de outras normas, sendo o nível mais alto do direito nacional.”[48]
Segundo Bobbio, o positivismo jurídico apresenta sete características marcantes: a) a abordagem avalorativa do direito; b) o direito definido em função da coação; c) a lei como fonte do direito, sem descartar os costumes e a jurisprudência que não contrariem a lei; d) a norma jurídica entendida como um comando; e) a unidade, completude e coerência do ordenamento jurídico; f) a interpretação mecanicista (o juiz só declara o direito); e g) a teoria da obediência.[49]
Em razão destas características, Bonavides conclui que “A Constituição do positivismo é em primeiro lugar conceito formal, norma que se explica pelo seu conteúdo nominal, por sua rigidez, vazada por escrito, mais hermética que aberta em presença da realidade circunjacente, exterior, em si mesma, à própria realidade, que ela organiza e regula juridicamente.”[50]
Kelsen elucida estas características assimiladas do juspositivista a partir do entendimento da existência da norma fundamental.
“Se queremos conhecer a natureza da norma fundamental, devemos, sobretudo, ter em mente que ela se refere imediatamente a uma Constituição determinada, efetivamente estabelecida, produzida através do costume ou da elaboração de um estatuto, eficaz em termos globais; e mediatamente se refere à ordem coercitiva criada de acordo com essa Constituição, também eficaz em termos globais, enquanto fundamenta a validade da mesma Constituição e a ordem coercitiva de acordo com ela criada. A norma fundamental não é, portanto, produto de uma descoberta livre. A sua pressuposição não se opera arbitrariamente, no sentido de que temos a possibilidade de escolha entre diferentes normas fundamentais quando interpretamos o sentido subjetivo de um ato constituinte e dos atos postos de acordo com a Constituição por ele criada como seu sentido objetivo, quer dizer: como normas jurídicas objetivamente válidas. Somente quando pressuponhamos esta norma fundamental referida a uma Constituição inteiramente determinada, quer dizer, somente quando pressuponhamos que nos devemos conduzir de acordo com esta Constituição concretamente determinada, é que podemos interpretar o sentido subjetivo do ato constituinte e dos atos constitucionalmente postos como sendo o seu sentido objetivo, quer dizer, como normas jurídicas objetivamente válidas, e as relações constituídas através destas normas como relações jurídicas.
Aqui permanece fora de questão qual seja o conteúdo que tem esta Constituição e a ordem jurídica estadual erigida com base nela, se esta ordem é justa ou injusta; e também não importa a questão de saber se esta ordem jurídica efetivamente garante uma relativa situação de paz dentro da comunidade por ela constituída. Na pressuposição da norma fundamental não é afirmado qualquer valor transcendente do Direito positivo.” [51]
Assim, Kelsen, partindo da premissa da norma fundamental, demonstra que a teoria constitucional deve se reportar a uma Constituição determinada e não a uma Constituição ideal, constituindo a fundamentação procedimental de um ordenamento, formado de um todo unitário, tendo sua fundamentação independente da realidade valorativa que possuir e mesmo dos efeitos que possa realizar na sociedade.
3.6. A concepção pós-positivista
A concepção pós-positivista[52] é proveniente de uma intensa atividade da doutrina constitucionalista no século XX, notadamente na sua segunda metade, após as duas grandes guerras mundiais que assolaram a humanidade. Essa concepção superestima a importância das Constituições[53], bem como cria um contraponto à lógica formalista e avalorativa do positivismo jurídico.
As características dessa concepção, incorporada pela doutrina mais avançada do constitucionalismo contemporâneo, apresentam a Constituição como um sistema aberto de normas jurídicas, constituídas por regras e princípios[54], com eficácia plena e com a capacidade de contribuir para transformação da realidade[55], buscando condições de vida digna para todas as pessoas[56], respeitando não só o regramento formal por ela própria instituído, em relação à sua própria mudança e à produção normativa do Direito, mas também resguardando um conteúdo proveniente dos principais valores sociais aceitos em determinado momento histórico[57], delineando, no mínimo, a forma de Estado, o sistema de governo, a organização do poder e os direitos fundamentais[58].
A lógica eminentemente procedimental do positivismo jurídico, não preocupado com o conteúdo do Direito, permitiu que inúmeras atrocidades fossem legitimadas pelo formalismo, única necessidade imposta pelas correntes juspositivistas para legitimar qualquer tipo de ato jurídico. Isso se tornou evidente nas ordens estatais de vários totalitarismos e ditaduras do século XX, que, mesmo cometendo atrocidades, mantinham sua condição de “Estado de Direito”.
A partir destes fatos da história, houve um resgate significativo por parte das Constituições Ocidentais de valores básicos da modernidade, de ordem liberal e social, que galgaram grau de fundamentalidade nos ordenamentos constitucionais do pós-guerra, e que se consolidaram na ordem global na Declaração dos Direitos Humanos de 1948 realizada pelas Nações Unidas.
“… a constituição normativa, para se qualificar como um conceito de dever ser, ou, por outras palavras, para ser qualificado como conceito de valor, não se basta com um conjunto de regras jurídicas formalmente superiores; estas regras tem que transportar ‘momentos axiológicos’, corporizados em normas e princípios dotados de bondade material (garantia de direitos e liberdades, separação de poderes, controlo do poder, governo representativo).”[59]
A concepção pós-positivista acaba por resgatar algumas lições desenvolvidas por outras concepções do constitucionalismo, porém conduzindo todas à percepção da existência de um conteúdo historicamente concebido e à necessidade de reconhecimento não mais apenas de validade e legitimidade das normas constitucionais, mas principalmente de eficácia das mesmas.
“A Constituição não está desvinculada da realidade histórica concreta do seu tempo. Todavia, ela não está condicionada, simplesmente, por essa realidade. Em caso de eventual conflito, a Constituição não deve ser considerada, necessariamente, a parte mais fraca. Ao contrário, existem pressupostos realizáveis (Realizierbare Voraussetzungen), que mesmo em caso de confronto, permitem assegurar a força normativa da Constituição. Somente quando estes pressupostos não puderem ser satisfeitos, dar-se-á a conversão dos problemas constitucionais, enquanto questões jurídicas (Rechtsfragen), em questões de poder (Machtfragen).”[60]
Como observa Konrad Hesse, a Constituição está condicionada por fatores sociais e materiais. Porém, não se torna refém destes, auferindo na lógica pós-positivista a capacidade de contrapô-los e modificá-los, de acordo com a quantidade de vontade humana convergente à sua realização.
“… na concepção hesseniana, a força vital e eficacial da Constituição assenta-se na sua vinculação às forças espontâneas e as tendências dominantes do seu tempo – o que possibilita o seu desenvolvimento e a sua ordenação objetiva – mas sua força normativa não deriva dessa adaptação a uma realidade, antes se devendo a um fator de natureza espiritual e cultural, que HESSE sugestivamente denomina de vontade de Constituição.”[61]
Em razão disto, a Constituição se torna um instrumento que interage com as demais forças sociais, sendo afetada por estas, porém, as afetando também, constituindo fator de organização das relações sociais, individuais e coletivas, concebendo um “campo de disputa” destas forças vivas, preservando, porém, uma lógica progressista e acumulativa de direitos, sustentada e guiada, na época atual, pelo princípio básico da dignidade da pessoa humana.
“Enquanto parcela do ordenamento jurídico do Estado, a Constituição é elemento conformado e elemento conformador de relações sociais, bem como resultado e fator de integração política. Ela reflete a formação, as crenças, as atitudes mentais, a geografia e as condições económicas de uma sociedade e, simultaneamente, imprime-lhe caráter, funciona como princípio de organização sobre os direitos e os deveres de indivíduos e dos grupos, rege os seus comportamentos, racionaliza as suas posições recíprocas e perante a vida coletiva como um todo, pode ser agente ora de conservação, ora de transformação.
Porém, por ser Constituição, Lei fundamental, Lei das leis, revela-se mais do que isso. Vem a ser a expressão imediata dos valores jurídicos básicos acolhidos ou dominantes na comunidade política, a sede da idéia de Direito nela triunfante, o quadro de referência do poder político que se pretende ao serviço desta idéia, o instrumento último de reivindicação de segurança dos cidadãos frente ao poder. E, radicada na soberania do Estado, torna-se também ponte entre a sua ordem interna e a ordem internacional.”[62]
Assim, a Constituição torna-se “fator de poder”[63], por vezes independente, por vezes não, concebida para influir e para ser influenciada, na qualidade de um sistema aberto e dinâmico[64], sempre disputando espaço com a realidade histórico-social para poder se constituir, se consolidar e, principalmente, para poder se efetivar e, com isso, para poder alterar a realidade, na dinâmica de concepção do mundo que prescreveu em suas normas[65].
4. Conclusão
As diferentes abordagens realizadas nos últimos dois séculos sobre a Constituição bem como a forma como esta foi concebida na realidade de vários Estados permitiu o surgimento de diferentes entendimentos, garantindo uma riqueza significativa de percepções, usos e formas destes ordenamentos.
Todavia, ainda que diante de um número significativo de teorias explicativas, algumas qualidades da Constituição são repetidas em todas estas concepções ou quase todas, tais como a sua supremacia no ordenamento jurídico, a organização hierárquica das normas, a validade dos atos estatais, a legitimidade dos detentores do poder e a absorção de determinados conteúdos (direitos fundamentais).
Todas as concepções e doutrinas constitucionais reconhecem à Constituição um grau de importância social muito forte, nas mais diversas aceitações, desde a sua existência como forma de controlar ou de exercer o poder, passando pelo reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais, chegando-se às mesmas como expressão de valores e prática sociais ou ainda como mecanismo de alteração ou conservação da realidade.
Independente do sentido que venha a ter, é certo que a Constituição, como instrumento normativo, constitutivo do laço entre a realidade social, a política e o Direito, é fato de fundamental para a teoria jurídica contemporânea e para a organização do Estado e da Sociedade Moderna.
É certo também, como se pode observar, que o momento histórico-social interfere sobremaneira na realização dos entendimentos sobre a Constituição e na sua própria funcionalidade prática. O que nasce para ser apenas um instrumento de garantia de direitos de liberdade, compondo para tanto um esquema formal de organização do Poder, transforma-se diante das mudanças sociais, num instrumento de garantia de direitos que exigem desde a omissão do Estado e de outros agentes sociais, à total atuação destes, identificando-se nas ordens individuais de cada pessoa até chegarem às construções de reconhecimento coletivo, absorvendo perspectivas existenciais, que vão das necessidades materiais até as relacionadas ao espírito.
Mesmo assim, a fase atual em que se encontra a análise da Constituição impõe a todos um dilema: por que continuar organizando Estados e Sociedades através de Constituições, prescrevendo um sem número de direitos ou normas, se estes várias vezes não conseguem se efetivar?
Esse certamente é o principal entrave no aperfeiçoamento de todas as Declarações de Direito, não apenas das Constituições, bem como da teoria que as cercam.
Por outro lado, tal questionamento apresenta um conflito que permite a recomposição crítica de tudo o que até então foi dito e escrito sobre as Constituições, possibilitando um avanço significativo na leitura da realidade do constitucionalismo. Tal crítica observa que qualquer direito, valor ou comportamento inserido nos textos da Constituição não são suficientes para garanti-los e efetivá-los no mundo das pessoas.
A realização das Constituições é fator dinâmico da composição social, na qual estas contribuem, mas não garantem por si só sua plena efetivação. A organização social e as disputas internas e externas de cada Estado são decisivos para que a ordenação dada pelas Constituições para o Estado e a Sociedade se realizem.
Diante das Constituições, como em qualquer outro momento, fica claro que o ser humano é agente da sua própria história e que quaisquer Declarações de Direitos não são mais do que maneiras através das quais estes resolvem expressar suas vontades. No entanto, os outros vários mecanismos sociais continuam existindo paralelamente a estas, disputando formas de se realizarem.
Por tanto, conceber uma Constituição de um modo ou de outro é decorrência da orientação predominante constituída em uma sociedade e realizá-la é decorrência da capacidade humana de fazê-lo, diante dos obstáculos que o próprio ser humano se impõe.
Se uma Constituição vai se realizar, no todo ou em parte, isso depende da conjugação social à qual está inserida, podendo ela própria ser um destes fatores, ou ao menos instrumento de organicidade e densidade, na condução de todos aqueles agentes sociais que assim desejarem.
Advogado, Especialista em Direito Público pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC), Bacharel em Dirieto pela Universidade Federal de Santa Catarina, Secretário de Governo e Planejamento Estratégico do Município de Itapema/SC
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