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Equidade como instrumento de integração de lacunas no direito

Resumo: As lacunas do Direito têm existência comprovada, seja considerado o ordenamento jurídico completo ou incompleto, fazendo-se necessária sua integração, pois, ante o mandamento do non liquet, o magistrado não pode deixar de julgar alegando a não existência de uma norma adequada ao caso. Destarte, a legislação civil introdutória (Decreto-Lei nº 4.657/42), em seu artigo 4º prevê a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito como meios integradores de lacunas. Contudo não menciona de forma expressa a utilização da equidade como recurso integrador do Direito. No artigo 5º do mesmo dispositivo legal, impõe ao magistrado no plano fático a busca pelo bem comum e pela função social da lei. O presente trabalho, fundando-se neste último preceito, defende a eqüidade como instrumento de integração das lacunas, embora não haja na lei menção expressa a ela, e contrapõe-se à rígida hierarquia das fontes de direito tradicionalmente utilizadas. Assim, faz-se um estudo do conceito de equidade, à luz da aporia das lacunas a fim de superar a dicotomia doutrinária fornecendo ao juiz diretrizes de aplicação da justiça ao caso concreto.


Palavras-chave: Eqüidade, Aristóteles, lacunas, integração.


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Sumário: Introdução 1. O Ordenamento Jurídico. 1.1. Norma e ordenamento jurídico. 1.2. As fontes do Direito. 1.3. Conflito entre normas. 2. As lacunas no Direito. 2.1. O problema das lacunas. 2.2. Existência e constatação das lacunas. 3. Integração do Direito 3.1. Auto integração e hetero-integração. 3.2. Analogia. 3.3. Costumes. 3.4. Princípios gerais de Direito. 4. Equidade como Instrumento de Integração de Lacunas. 5. Conclusão. Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO


O Direito é o conjunto das normas que regulam a conduta dos indivíduos de uma determinada sociedade. Esse conjunto de normas de conduta é denominado ordenamento jurídico, estruturando de forma hierárquica as várias espécies de normas jurídicas.


A lei é a fonte de direito principal do ordenamento jurídico. Diante da pretensa completude do ordenamento jurídico, sustentada pelos positivistas, e, por outro lado, diante da impossibilidade do legislador em prever todos os casos concretos que poderão surgir na realidade fática, surge a complexidade do tema relativo às lacunas no Direito, isto é, ausência de norma reguladora para um caso  concreto específico, ou quando a aplicação de uma norma existente na ordenamento se mostrar indesejável.


O magistrado, no ato de aplicação do Direito, em certos casos, se depara com ausência de norma reguladora que discipline tal conduta concreta posta sob sua apreciação, ou talvez considera a aplicação da norma existente como indesejável, isto é, se aplicada, poderia resultar em decisão não razoável. Assim, diante da proibição do non liquet,[1] o juiz se vê obrigado a recorrer aos instrumentos que a lei dispõe para supressão e colmatação destas, como está previsto no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, prescrevendo que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito”.


Surge assim o seguinte problema, que se constitui na própria problemática que ora se suscita nesta pesquisa: a equidade pode ser considerada instrumento de integração de lacunas no Direito brasileiro, tendo em vista a ausência de menção expressa a esse instrumento no supra citado dispositivo legal?


Como hipótese, tem-se que o próprio legislador admite o sistema jurídico como lacunoso, fornecendo ele mesmo os meios de integração das lacunas. Dessa forma, a analogia, os costumes e princípios gerais de Direito são instrumentos fornecidos pelo próprio legislador ao juiz para a solução de lacunas. Vislumbra-se a omissão legislativa em relacionar a equidade como instrumento integrador de forma expressa, mencionando, contudo, tacitamente, seu uso no artigo 5º, também da Lei de Introdução ao Código Civil, dispondo que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Ou seja, dispondo de forma ampla, o legislador permite ao juiz, quando da aplicação da lei, recorrer à equidade, de modo a adequar a norma ao caso concreto conforme seus fins sociais e a exigência do bem comum. Além disso, é recorrente a menção ao uso da equidade em legislação esparsa no ordenamento pátrio, além de constantes decisões do Supremo Tribunal Federal no sentido da garantir o seu uso.


A presente pesquisa tem por objetivo analisar o uso da equidade como instrumento de adequação da norma jurídica ao caso concreto da forma, se esse uso propicia uma decisão equânime, buscando seu uso como meio supletivo de lacunas, por meio da prudência do juiz, e tendo em vista sua proximidade do caso concreto.


Como referencial teórico, utiliza-se a teoria aristotélica sobre a equidade. Aristóteles considerava a equidade como o corretivo do justo legal, ou seja, adequação da norma ao caso concreto da forma mais equânime e razoável possível. Ou seja, é a correção da norma quando esta se mostra omissa ou não razoável, fazendo que esta atinja o fim social a que fora destinada. A equidade se manifesta no plano concreto, no ato de aplicação da norma pelo juiz, que diz o que diria o legislador se ali estivesse diante do caso particular e concreto.


Tal pesquisa se justifica pelo fato de que, por mais que não esteja elencada no rol do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, o uso a equidade é recorrente tanto em legislação esparsa como em grande número de decisões dos Tribunais Superiores com base nesse mecanismo de supressão de lacunas.


Esse trabalho é dividido em quatro capítulos. O primeiro procura explicar conceitos inerentes a teoria do ordenamento jurídico, como o próprio conceito de sistema, extraindo-se daí os conceitos kelsenianos de sistema estático e dinâmico; o conceito de norma jurídica e os conflitos entre si, além da disposição sobre as fontes do Direito, sua distinção em fontes materiais e fontes formais e sua pretensa hierarquia. 


O segundo capítulo trata da aporia das lacunas, demonstrando que na doutrina, há duas correntes distintas: a que considera o sistema jurídico completo, excluindo-se a possibilidade da existência de lacunas, representada pelos positivistas Kelsen e Bobbio; e a corrente que defende a incompletude do sistema, sendo consequentemente lacunoso.


O terceiro capítulo faz menção aos instrumentos integradores das lacunas, considerando os meios auto e hetero-integradores, analisando as formas institucionalizadas pelo legislador de supressão das lacunas, que são a analogia, costumes e princípios gerais de direito.


O quarto capítulo é dedicado à equidade, remontando suas origens em Aristóteles, estudando a ética aristotélica, em especial, a Ética à Nicômaco, discorrendo sobre sua teoria da virtude e da justiça, ponderando sobre a prudência e a επιεικέια[2]. Posteriormente, passa a expor as opiniões doutrinárias que defendem a aplicação eqüitativa da norma ao caso concreto, ou, na ausência de norma aplicável, o preenchimento equânime das lacunas no direito. Expõe alguns julgados do Supremo Tribunal Federal, no sentido de demonstrar o uso e a garantia da equidade em suas decisões. Além disso, demonstra que, não obstante a omissão com relação à equidade na lei introdutória é constante a menção ao seu uso expressamente em legislação especial, como forma de demonstrar e comprovar a hipótese.


1. O ORDENAMENTO JURÍDICO


1.1. Norma e ordenamento jurídico


A discussão acerca das lacunas do Direito exige um entendimento prévio sobre norma jurídica e ordenamento jurídico, pois tal problema é conseqüência lógica da afirmação do sistema como um todo coerente de conteúdos normativos ligados entre si que regulam de forma dinâmica as relações humanas.


Norma jurídica é uma proposição prática diretiva da conduta humana, de caráter coercitivo. Jhering, citado por Ferraz Júnior (2003) afirma que “o conteúdo da norma é um pensamento, uma proposição (proposição jurídica), mas uma proposição de natureza prática, isto é, uma orientação para a ação humana; a norma é, portanto, uma regra conforme a qual nos devemos guiar” (JHERING apud FERRAZ JR., 2003, p. 99).


Entretanto, as normas jurídicas “nunca existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas com relações particulares entre si (…). Esse contexto de normas costuma ser chamado de ‘ordenamento’” (BOBBIO,1999, p. 19). Então, ordenamento jurídico é o conjunto das normas jurídicas que regulam a conduta dos indivíduos em sociedade.


O ordenamento jurídico, sendo caracterizado como esse conjunto de normas diretivas de conduta, não é composto apenas de elementos normativos, mas também de elementos não normativos conforme doutrinado por Ferraz Jr. (2003), pois neles estão contidas classificações legais das coisas, organizações de matérias, etc. O ordenamento, para ele, “é também uma estrutura, isto é, um conjunto de regras que determinam as relações entre os elementos. (…) O sistema é um complexo que se compõe de uma estrutura e um repertório. Nesse sentido, organização é sistema (FERRAZ JR., 2003, p. 176).


Kelsen (1998) afirma que, os sistemas de normas, com relação à natureza de seu fundamento de validade, se dividem em dois: estático e dinâmico. Segundo ele,


“as normas de um ordenamento do primeiro tipo, quer dizer, a conduta dos indivíduos por elas determinada, é considerada como devida (devendo ser) por força do seu conteúdo: porque a sua validade pode ser reconduzida a uma norma a cujo conteúdo pode ser subsumido o conteúdo das normas que formam o ordenamento, como o particular ao geral. (…)O tipo dinâmico é caracterizado pelo fato de a norma fundamental pressuposta não ter por conteúdo senão a instituição de um fato produtor de normas, a atribuição de poder a uma autoridade legisladora ou – o que significa o mesmo – uma regra que determina como devem ser criadas as normas gerais e individuais do ordenamento fundado sobre esta norma fundamental” (KELSEN, 1998, p. 136-137)


Ou seja, o sistema estático é aquele caracterizado pela força de seu conteúdo, partindo do particular ao geral, sem que suas normas se derivem umas das outras, encontrando-se numa posição de igual hierarquia e o sistema dinâmico é o sistema que tem acentuado seu aspecto formal, encontrando-se na Constituição a norma produtora de todas as demais e, portanto, hierarquicamente superior a todas elas.


Com base em Kelsen, Bobbio (1999) distingue os dois sistemas no sentido de que o estático


“é aquele no qual as normas estão relacionadas umas às outras como proposições de um sistema dedutivo, ou seja, pelo fato de que derivam umas das outras partindo de uma ou mais normas de caráter geral, que têm a mesma função dos postulados ou axiomas num sistema científico” (BOBBIO, 1982, p. 71-72),


O sistema dinâmico, “é aquele no qual as normas que o compõem derivam umas das outras através de sucessivas delegações de poder, isto é, não através de seu conteúdo, mas através da autoridade que as colocou (BOBBIO, 1999, p. 72).


Destarte, Bobbio (1999) conclui que, no primeiro sistema (estático), as normas estão relacionadas entre si no tocante ao conteúdo, e, no segundo sistema, as normas se relacionam apenas no aspecto formal. Para Kelsen, os ordenamentos jurídicos são sistemas dinâmicos.


As normas jurídicas se expressam por meio de regras e princípios, se constituindo como gênero, e os princípio e as regras, como espécies desse gênero.


São características da lei, em sentido amplo, a generalidade e a abstração, ou seja, o ato emanado pelo legislador é aplicável a todos de forma geral, e é abstrata, pois é uma proposição vinculativa a casos fáticos, concretos. Daí, como a lei é produto atividade humana do legislador, é presente a questão acerca da possibilidade de previsão legal de todos os comportamentos que poderão aparecer na realidade.


“A concepção do ordenamento como sistema dinâmico envolve, por fim, o problema de saber se este tem a propriedade peculiar de qualificar normativamente todos os comportamentos possíveis ou se, eventualmente, podem ocorrer condutas para as quais o ordenamento não oferece qualificação. (…) Trata-se da questão da completude (ou incompletude) dos sistemas normativos também conhecida como problema das lacunas do ordenamento.” (FERRAZ JR., 2003, p. 218)


Logo, é dessa dicotomia que nasce a questão referente às lacunas no Direito, pois, se se considera o sistema completo, não se admite a existência de lacunas; porém, se se considera o sistema como incompleto, deve ser considerada, consequentemente, a existência de omissões dos legisladores, e ainda, devem ser estipulados pelo próprio ordenamento, instrumentos de colmatação destas omissões diante do caso concreto.


1.2. As fontes do direito


O conceito de “fonte do Direito” é conforme Diniz (2003) empregado de forma metafórica, no sentido de “nascente de onde brota uma corrente de água” (DINIZ, 2003, p. 280).  Juridicamente, esse termo designa,


“o conjunto de pressupostos de validade que devem ser obedecidos para que a produção de prescrições normativas possa ser considerada obrigatória, projetando-se na vida de relação e regendo momentos diversos das atividades da sociedade civil e do Estado. Quando uma lei, uma sentença, um costume ou um negócio jurídico são produzidos de acordo com os parâmetros superiores que disciplinam sua elaboração, eles adquirem juridicidade, determinando o que pode e o que deve ser considerado “de direito” por seus destinatários.” (REALE, 1999, p. 14, grifo do autor).


Conforme os ensinamentos de Bobbio (1999), as “fontes do Direito” são “aqueles fatos ou atos dos quais o ordenamento jurídico faz depender a produção de normas jurídicas” (BOBBIO, 1999, p. 45).


Porém, tal conceito, por se tratar de uma metáfora, uma figuração, tende a possuir caráter multifacetário e ambíguo, tendo em vista que


“por fonte quer-se significar simultaneamente e, às vezes confusamente, a origem histórica, sociológica, psicológica, mas também a gênese analítica, os processos de elaboração e de dedução de regras obrigatórias, ou, ainda, a natureza filosófica do direito, seu fundamento e sua justificação” (FERRAZ JR., 2003, p. 225)


Kelsen (1998), ao tratar das fontes do direito, relaciona estas com a noção de pertinência ao ordenamento e sua obediência à norma hierarquicamente superior. De acordo com esse autor


“só costuma designar-se como “fonte” o fundamento de validade jurídico-positivo de uma norma jurídica, quer dizer, a norma jurídica positiva do escalão superior que regula a sua produção. Neste sentido, a Constituição é a fonte das normas gerais produzidas por via legislativa ou consuetudinária; e uma norma geral é a fonte da decisão judicial que a aplica e que é representada por uma norma individual. Mas a decisão judicial também pode ser considerada como fonte dos deveres ou direitos das partes litigantes por ela estatuídos, ou da atribuição de competência ao órgão que tem de executar esta decisão. Num sentido jurídico-positivo, fonte do Direito só pode ser o Direito”. (KELSEN, 1998, p.163)


Isso significa que Kelsen considera como fontes do direito, apenas elementos que lhe são inerentes. Considera também que esse termo pode ser utilizado em sentido não jurídico, que influenciam na criação e aplicação do direito, porém não lhe são inerentes, como os princípios morais de direito e políticos, as teorias jurídicas, pareceres de especialistas, etc.; nesses casos, não têm efeito vinculante enquanto a ordem jurídica não as delegue essa característica, como possuem as fontes de direito positivo. 


A doutrina distingue as fontes em materiais e formais. Tal dicotomia terminológica, de acordo com Ferraz Jr. (2003), já aparece no séc. XIX, em Savigny, reafirmada no séc. XX, pelas idéias do francês François Geny, que dividiu as fontes em substanciais e formais. Ferraz Jr. (2003), explicando a divisão de Geny diz que


“de um lado temos, assim, as fontes substanciais, que são dados, como é o caso dos elementos materiais (biológicos, psicológicos, fisiológicos) que não são prescrições, mas que contribuem para a formação do direito […]. De outro lado, fala ele em fontes formais, correspondendo ao construído, significando a elaboração técnica do material (fontes substanciais) por meio de formas solenes que se expressam em leis, normas consuetudinárias, decretos regulamentadores, etc.“(FERRAZ JR., 2003, p. 225)


A fonte material “aponta a origem do direito, configurando sua gênese, daí ser fonte de produção, aludindo a fatores éticos, sociológicos, históricos, políticos, etc., que produzem o direito, condicionam o seu desenvolvimento e determinam o conteúdo das normas.” (DINIZ, 2003, p.281-282).


A fonte formal, por sua vez,


“lhe dá forma fazendo referência aos modos de manifestação das normas jurídicas, demonstrando quais os meios empregados pelo jurista para conhecer o direito ao indicar os documentos que revelam o direito vigente possibilitando sai aplicação a casos concretos, apresentando-se, portanto, como fonte de cognição”. (DINIZ, 2003, p. 282).


As fontes formais, segundo ensinamentos de Diniz (2003), são estatais ou não estatais, sendo que as primeiras se consistem em fontes legislativas e jurisprudenciais, e as segundas abrangem o costume, a doutrina e convenções ou negócios jurídicos.  


Dentre as fontes formais do direito, a lei é a mais importante. Diniz (2003) conceitua lei sob três acepções: amplíssima, onde lei é sinônimo de norma jurídica, tendo como conceito “toda norma geral de conduta que define e disciplina as relações de fato incidentes no direito e cuja observância é imposta pelo poder do estado” (DINIZ, 2003, p. 286); numa acepção ampla, “designa todas as normas jurídicas escritas, sejam as leis propriamente ditas, decorrentes do Poder Legislativo, sejam os decretos, os regulamentos, ou outras normas baixadas pelo Poder Executivo” (DINIZ, 2003, p. 286); em sentido estrito, pode ser entendida como “norma jurídica elaborada pelo Poder Legislativo, por meio de processo adequado.( DINIZ, 2003, p. 287).


 Portanto, na ausência de lei que regule um caso concreto, o ordenamento jurídico dispõe de outras fontes que podem ser aplicadas ao caso concreto, como a jurisprudência, costume, doutrina e as convenções. Esgotadas essas fontes, então surge a lacuna que deve ser preenchida pelo juiz, pelos meios de integração do direito.


1.3. Conflito entre normas


Outra discussão encontrada no cerne da teoria do ordenamento jurídico é a questão da sua consistência. Ferraz Jr. (2003) conceitua este termo como “inocorrência ou a extirpação de antinomias, isto é, da presença simultânea de normas válidas que se excluem mutuamente” (FERRAZ JR., 2003, p. 206).  Portanto, quando coexistem no mesmo ordenamento jurídico duas normas igualmente válidas, porém incompatíveis entre si, tem-se um conflito de normas, uma antinomia jurídica.


Antinomia é o “conflito entre duas normas, dois princípios, ou de uma norma e um princípio geral de direito em sua aplicação prática a um caso particular. É a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas deve ser aplicada ao caso singular”. (DINIZ, 2003, p. 471).


O conflito de normas surge, para Kelsen (1998), quando “uma norma determina uma certa conduta como devida e outra norma determina também como devida uma outra conduta, inconciliável com aquela” (KELSEN, 1998, p.143) .   


Assim, reconhecendo-se a ciência do Direito como isenta de contradições, conforme assevera o mencionado autor, este tipo de conflitos são solucionados pelas vias hermenêuticas, isto é, pelos critérios de interpretação já consagrados, tendo-se em vista a forma que este conflito se apresenta.


Neste sentido, Ferraz Jr. (2003) considera que


“os ordenamentos modernos contêm uma série de regras ou critérios para a solução de conflitos normativos historicamente corporificados, como os critérios hierárquicos (lex superior derogat inferiori), de especialidade (lex specialis derogat generalis), cronológicos (lex posteriori derogat lex priori).” (FERRAZ JR. 2003, p. 211).


Conclui Ferraz Jr. (2003) que, dessa forma, as normas emanadas de um mesmo contexto de forma contraditória não se configurariam em antinomias, pois são solucionadas pelos critérios acima descritos. Têm-se portanto antinomias quando existirem conflitos entre critérios.


Então, prefere o referido autor pela definição de antinomia jurídica como sendo a oposição entre normas emanadas de autoridades igualmente competentes sob o mesmo patamar não solucionáveis pela ausência ou inconsistência de critérios aptos dentro de um mesmo ordenamento.


Neste caso, fala-se em lacunas de critérios de resolução de antinomias, e conforme doutrinado por Diniz (2003), há possibilidade de resolução por meio da interpretação eqüitativa. Assevera a mencionada autora que


“Como em caso de lacuna de conflito, de antinomia de segundo grau, existem várias soluções incompatíveis, não havendo univocidade, ocorre a discricionariedade do órgão aplicador, que hoje pode aplicar uma delas, amanhã outra. Assim, o magistrado, ao compreender as normas antinômicas, deverá ter presentes os fatos e valores, para optar pela que for mais favorável, baseado na experiência ideológica do momento atual”. (DINIZ, 2003, p.479)


Portanto, as lacunas aparecem também com relação aos critérios hermenêuticos consolidados para a solução das antinomias, ou seja, quando surge a impossibilidade de se orientar por esses critérios estabelecidos por se encontrarem em contradição.     


2. AS LACUNAS DO DIREITO


2.1. O Problema das Lacunas


O problema das lacunas, conforme já dito alhures, surge devido à impossibilidade de previsão pelo legislador dos casos concretos que poderão ocorrer. O juiz, no ato de subsunção da norma ao fato, às vezes se depara com a falta da premissa maior (norma), e pelo imperativo da proibição do non liquet, se vê obrigado a decidir um litígio posto sob sua apreciação, mesmo ausente disposição legislativa regulamentadora do caso em questão. O termo lacuna então designa “os possíveis casos em que o direito objetivo não oferece em princípio uma solução” (DINIZ, 2003, p. 436).


Engisch (2001) diz que lacuna “se trata de uma incompletude insatisfatória no seio do todo jurídico” (ENGISCH, 2001, p.276). Ferraz Jr. (2003) explica que quando Engish assim conceitua o termo lacuna, quer dizer que esta “expressa uma falta, uma insuficiência que não devia ocorrer, dentro de um limite”. (FERRAZ JR. 2003, p. 219).


Diante desses casos que carecem de previsão legal, surgem questões prático-teóricas no sentido de que “se o comportamento que não está previsto expressamente, que nem é proibido nem obrigatório, está automaticamente permitido? Existe um âmbito de comportamentos não jurídicos?” (DINIZ, 2003, p. 433).


2.2. Existência e constatação das lacunas


A questão das lacunas está intrinsecamente ligada ao modo de concepção do ordenamento jurídico, conforme explicitado por Diniz (2003). Nesse sentido, segundo a mencionada autora, a doutrina se divide em duas correntes: uma que considera o ordenamento como um todo orgânico completo suficiente para disciplinar qualquer conduta fática, negando, portanto a existência de lacunas; outra que considera que, devido o dinamismo da vida social, é impossível o sistema prever todos os comportamentos tendo em vista a rapidez de sua transformação, aceitando, então, a existência de lacunas.


Ferraz Jr. (2003) mostra que alguns autores afirmam ser a incompletude do sistema uma ficção prática, como consideram os positivistas; outros, porém, consideram a completude uma ficção prática.


Kelsen (1998), ao considerar o ordenamento um sistema jurídico completo, afirma que este, quando não prevê uma norma jurídica singular regulamentadora em um caso concreto, qualifica a conduta de forma negativa, ou seja, por meio de uma norma que diz que “o que não é juridicamente proibido, é permitido”. Segundo o autor,


“uma ordem jurídica pode sempre ser aplicada por um tribunal a um caso concreto, mesmo na hipótese de essa ordem jurídica, no entender do tribunal, não conter qualquer norma geral através da qual a conduta do demandado ou acusado seja regulada de modo positivo, isto é, por forma a impor-lhe o dever de uma conduta que ele, segundo a alegação do demandante privado ou do acusador público, não realizou. Com efeito, neste caso, a sua conduta é regulada pela ordem jurídica negativamente, isto é, regulada pelo fato de tal conduta não lhe ser juridicamente proibida e, neste sentido, lhe ser permitida”. (KELSEN, 1998, p. 171).


Trata-se então de uma ficção prática, pois é o legislador conferindo ao juiz no caso concreto, poder para a fixação de norma jurídica individual, quando a norma geral por ele elaborada for insatisfatória diante às peculiaridades do caso.


“O legislador pode ser levado a utilizar esta ficção pela idéia de que a aplicação da norma geral por ele estabelecida possa conduzir a um resultado insatisfatório em certas circunstâncias por ele não previstas nem previsíveis e de que, por isso, é aconselhável conferir poder ao tribunal para, em tais casos, em vez das normas gerais que predeterminam o conteúdo da sua decisão, fixar o próprio tribunal uma norma jurídica individual, por ele criada, adaptada às circunstâncias pelo legislador não previstas”. (KELSEN, 1998, p. 173).


Nesse patamar, infere-se que Kelsen (1998) considera que não existem lacunas no ordenamento, pois, no processo decisório em que ausente norma singular disciplinadora da conduta, o magistrado encontra solução na própria ordem jurídica, visto que esta é um todo fechado e completo.


“A aplicação da ordem jurídica vigente não é, no caso em que a teoria tradicional admite a existência de uma lacuna, logicamente impossível. Na verdade, não é possível, neste caso, a aplicação de uma norma jurídica singular. Mas é possível a aplicação da ordem jurídica – e isso também é aplicação do Direito.” (KELSEN, 1998, p.172)


É assim também o pensamento de Engisch (2001), tendo em vista que também considera o todo jurídico como sistema harmônico e completo, sendo composto não só por atos normativos legislativos, mas também por normas consuetudinárias.


“O conceito de lacuna jurídica, na verdade, entrelaça-se com o próprio conceito de Direito. Se ao falarmos do Direito apenas pensarmos no direito legislado, lacuna jurídica é o mesmo que lacuna da lei. Mais exactamente, falaremos de uma lacuna da lei sempre que desta se não conseguir retirar, através da interpretação (no sentido atrás explicitado) qualquer resposta para uma questão jurídica que temos de pôr. Se, pelo contrário, ao falarmos de direito pensarmos no direito positivo na sua totalidade, o qual, além de direito legislado, também abrange o direito consuetudinário, então só teremos lacunas quando nem a lei nem o direito consuetudinário nos dêem uma resposta a uma questão jurídica.” (ENGISGH, 2001, p. 277).


Outros doutrinadores, como Diniz (2003), por exemplo, defendem o caráter lacunoso do Direito, pois considera o sistema jurídico conforme o pensamento de Miguel Reale, composto por três dimensões: normativa, fática e axiológica.   Assim, conforme a mencionada autora,


“se se conceber o sistema jurídico como aberto e incompleto, revelando o direito como uma realidade complexa, contendo várias dimensões, não só de avaliação em que os fatos e as situações jurídicas devem ser entendidas como um entralaçamento entre a realidade viva e as significações do direito, no sentido de que ambas se pretendem uma a outra, temos um conjunto contínuo e ordenado que se abre numa desordem, numa descontinuidade, apresentando um vazio, uma lacuna, por não conter solução expressa para determinado caso.” (DINIZ, 2003, p.435).


Dessa forma, discorda das correntes que sustentam a completude do ordenamento, baseado no principio de que “tudo o que não é proibido é permitido”, pois entende que “esse princípio não constitui uma norma jurídico-positiva, não conferindo, portanto, direitos e obrigações a ninguém, sendo assim um mero enunciado lógico, inferido da análise do sistema normativo.” (DINIZ, 2003, p. 436).  Conclui que “o direito deve ser considerado sob o prisma dinâmico, em constante mutação, sendo assim, lacunoso, no nosso entendimento”. (DINIZ, 2003, p. 439)


O próprio ordenamento jurídico brasileiro reconhece o sistema como lacunoso. O art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, ao estabelecer que, “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” (BRASIL, 1942), faz menção a possibilidade da imprevisão legislativa, ou seja, da hipótese de se ocorrerem casos para os quais não haja solução no ordenamento jurídico.


A constatação da lacuna, de acordo com Diniz (2003), “resulta de um juízo de apreciação, porém o ponto decisivo não é a concepção que o magistrado tem da norma de direito, nem tampouco sua Weltanschauung, do conteúdo objetivo da ordem jurídica, mas o processo metodológico por ele empregado” (DINIZ, 2003, p. 447).


Disso resulta, portanto, que se faz necessária a legitimidade da determinação e natureza dos métodos empregados como instrumentos de colmatação de lacunas, pois, segundo Diniz (2003), “os mecanismos de constatação de lacunas são, concomitantemente, de integração” (DINIZ, 2003, p. 448), tendo em vista que são correlatas a constatação e a colmatação das lacunas.


3. INTEGRAÇÃO DO DIREITO


Já dissemos alhures que a constatação e a integração do direito são correlatas. Constatada uma lacuna, cabe ao magistrado utilizar-se dos meios de integração para supri-la, em virtude da proibição do non liquet, princípio que veda a abstenção de uma decisão pelo juiz diante de um caso colocado sob sua apreciação. 


Os meios de integração do direito são “instrumentos técnicos à disposição do intérprete para efetuar o preenchimento ou colmatação da lacuna” (FERRAZ JR., 2003, p. 299).


3.1. Auto-integração e hetero-integração


Bobbio (1999) explica que Carnelutti divide integração em duas terminologias distintas: a hetero-integração e auto-integração. Segundo ele,


“o primeiro método consiste na integração operada através do: a) recurso a ordenamentos diversos; b) recurso a fontes diversas daquela que é dominante (identificada, nos ordenamentos que temos sob os olhos, com a Lei). O segundo método consiste na integração cumprida através do mesmo ordenamento, no âmbito da mesma fonte dominante, sem recorrência a outros ordenamentos e com o mínimo recurso a fontes diversas da dominante”. (BOBBIO, 1999, p. 146/147).


A hetero-integração, portanto, ocorre quando se busca recursos de preenchimento de lacunas fora do ordenamento jurídico, e a auto-integração quando a resposta para a omissão legislativa se encontra no próprio ordenamento jurídico.


A hetero-integração, conforme exposto por Bobbio (1999) se consistia na utilização do Direito Natural, quando o Direito positivo era lacunoso, sendo que o primeiro é imaginado como sistema jurídico perfeito, sendo reconhecida a natureza imperfeita do segundo.


Com relação a hetero-integração, ou seja, a busca de recursos a fontes jurídicas diversas das dominantes do ordenamento, cuja fonte predominante é a Lei, assume três formas, na concepção de Bobbio (1999): costumes, equidade e doutrina. Quanto a auto-integração, o mesmo autor sustenta que esta se divide em analogia e princípios gerais de Direito, como serão demonstrados especificamente cada um mais tarde.


Ferraz Jr. (2003), por sua vez, distingue os instrumentos de integração em quase-lógicos e institucionais.


“Os primeiros são aqueles que exigem alguma forma de procedimento analítico, como é o caso da analogia, da indução amplificadora e da própria interpretação extensiva. Os segundos buscam apoio na concepção de instituição, como é o caso dos costumes, dos princípios gerais de direito, da equidade”. (FERRAZ JR., 2003, p.300)


Conclui Ferraz Jr. (1999) que caso sejam expressamente previstos pelo ordenamento jurídico, estes instrumentos adquirem o status de norma, ocasião em que não há que se falar em lacuna ou preenchimento, como ocorre no ordenamento brasileiro, no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, prevendo que, “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” (BRASIL, 1942). Portanto, quando o juiz recorre a estes meios para a solução do litígio posto sob sua apreciação, o juiz está recorrendo ao próprio ordenamento jurídico, pois há neste caso autorização expressa para isto.


3.2. Analogia


A analogia é o primeiro instrumento auto-integrador ao qual o juiz recorre diante de uma lacuna. Originariamente, como explicado por Bobbio (1999), o termo fora encontrado denominação de paradigma no Organon de Aristóteles, mais tarde traduzido para o latim como exemplum. Conforme exemplificado pelo Filósofo, “a guerra dos focenses contra os tebanos é um mal; a guerra dos atenienses contra os tebanos é semelhante à guerra dos focenses contra os tebanos; a guerra dos atenienses contra os tebanos é uma mal” (ARISTÓTELES apud BOBBIO, 1999, p.152).


Consiste-se então a analogia em “aplicar, a um caso não contemplado de modo direto ou específico por uma norma jurídica, uma norma prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não contemplado” (DINIZ, 2003, p.448).


Conceitualmente, conforme exposto por Ferraz Jr. (2003), não há consenso entre juristas e lógicos sobre uma definição precisa de analogia, afirmando também que este problema conceitual reside-se no fato da imprecisão da determinação das relações essenciais ou de semelhança entre os supostos fáticos.


Diniz (2003) afirma que a analogia é procedimento quase-lógico, envolvendo duas fases, como constatação por meio da comparação no campo empírico de que há semelhança entre os fatos-tipos diferentes, e um juízo de valor que demonstra a relevância das semelhanças em detrimento das diferenças, tendo em vista uma decisão perseguida.  É quase-lógico no sentido de que não se trata de um processo estritamente analítico, porque pressupõe um juízo empírico de constatação da semelhança que, conforme assevera Ferraz Jr. (2003), “exige valoração, o que torna o procedimento de menor rigor formal. Daí a idéia de que é quase-lógico.” (FERRAZ JR. 2003, p.302).


Bobbio (1999) sustenta a analogia deve utilizar o silogismo como forma de determinação e constatação das semelhanças, e conclui que


“para fazer a atribuição ao caso não-regulamentado das mesmas conseqüências jurídicas atribuídas ao caso regulamentado semelhante, é preciso que entre os dois casos exista não uma semelhança qualquer, mas uma semelhança relevante, é preciso ascender dos dois casos a uma qualidade comum a ambos, que seja ao mesmo tempo a razão suficiente pela qual ao caso regulamentado foram atribuídas aquelas e não outras conseqüências.” (BOBBIO, 1999, p. 153)


Para o mencionado autor, essa razão suficiente para a constatação da semelhança relevante entre os casos, é a ratio legis, ou seja, “é necessário que os dois casos, o regulamentado e o não-regulamentado tenham em comum a ratio legis” (BOBBIO, 1999, p. 154).  Assim é o brocardo latino: ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositio.


3.3. Costumes


O costume é, conforme entendimento de Ferraz Jr. (2003), “uma forma típica de fonte do direito nos quadros da chamada dominação tradicional no sentido de Weber. Baseia-se, nesses termos na crença e na tradição, sob a qual está o argumento de algo deve ser feito, e deve sê-lo porque sempre o foi.” (FERRAZ JR. 2003, p. 241). Para Bobbio (1999), costume é uma das formas assumidas pela heterointegração, recorrendo-se a ele como fonte subsidiária da lei. Para Diniz (2003), costume “é outra fonte supletiva, seja ele decorrente da prática dos interessados, dos tribunais e dos jurisconsultos, seja secundum legem, praeter legem, contra legem” (DINIZ, 2003, p. 457). Entretanto, somente poderá se recorrer a ele quando esgotadas as hipóteses legais de preenchimento de lacunas.


Parece mais adequada a definição de Diniz (1997), que entende por costume “uma norma que deriva da longa prática uniforme ou da geral e constante repetição de dado comportamento sob a convicção de que sua obrigatoriedade corresponde a uma necessidade jurídica” (DINIZ, 1997, p. 96).


Extrai-se desse conceito dois elementos, como explicita Ferraz Jr. (2003), a saber, o uso continuado e a convicção de obrigatoriedade, e a presença dessas duas características que distingue o simples uso, do costume propriamente dito.


Costuma-se distinguir o costume em contra legem, praeter legem e secundum legem.


Costume contra legem é aquele que contraria leis expressas, ou seja, conforme Ferraz Jr. (2003), normas derivadas da norma-origem com força própria e efeitos revogatórios. A doutrina tende a rejeitar a possibilidade da utilização do costume contra legem, tendo em vista que, conforme o art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, uma lei somente poderá ser revogada por outra.


Costumes praeter legem são aqueles que “disciplinam matérias que a lei não conhece” (FERRAZ JR., 2003, p. 243). Esse é o costume utilizado na supressão das lacunas do direito.


Costume secundum legem é aquele que coincide com a lei.


3.4. Princípios gerais de direito


Os princípios gerais de direito são “cânones que não foram ditados, explicitamente, pelo elaborador da norma, mas que estão contidos de forma imanente ao ordenamento jurídico” (DINIZ, 2003, p. 458).


Como ensina Jeanneau[3] os princípios não existem por si só, manifestando-se apenas no ato de aplicação do Direito ao caso concreto. Isto significa que, muitas das vezes, os princípios gerais de direito estão implícitos no ordenamento jurídico, e ao se deparar com uma lacuna no direito o magistrado utiliza-o como instrumento de colmatação, dando-lhe, dessa forma, concretude.


Ferraz Jr. (2003) afirma que os princípios gerais do direito são reminiscência do direito natural como fonte. Segundo ele,


“há autores que os identificam com este, outros que os fazem repousar na equidade, enquanto sentimento do justo concreto.[…] De qualquer modo,, ainda que se entenda que possam ser aplicados diretamente na solução de conflitos, trata-se não de normas, mas de princípios” (FERRAZ JR. 2003, p. 247)


Conceitualmente, princípio pode ser definido como “diretriz para a integração de lacunas estabelecida pelo próprio legislador, mas é vago em sua expressão, reveste-se de caráter impreciso, uma vez que o elaborador da norma não diz o que se deve entender por princípio” (DINIZ, 2003, p. 459).


Não obstante muitas vezes encontrarem-se implícitos na ordem jurídica, por vezes é encontrado também de forma expressa. Como exemplo disso, encontra-se o princípio da legalidade, consubstanciado no art. 5º da Constituição da República de 1988, dizendo que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei”.


Sua função como meio de integração do Direito vem estabelecida no art. 4º da LICC, e será utilizada quando o uso da analogia e dos costumes não se mostrar a forma mais adequada para a colmatação da lacuna.


4. EQUIDADE COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO DE LACUNAS


O termo equidade deriva do termo grego επιεικέια, e tem origem no pensamento de Aristóteles. Nos dias atuais, a equidade é por vezes reconhecida como fonte de direito, em alguns ordenamentos jurídicos, e como instrumentos de integração em outros. O ordenamento jurídico brasileiro não faz menção genérica ao uso da equidade, seja como fonte de direito, seja como instrumento integrador. O já mencionado art. 4º da LICC não prevê a possibilidade do uso da equidade em casos de omissões legislativas, restringindo-se ao uso da analogia, costumes e princípios gerais de direito.


No entanto, o art. 5º desse mesmo dispositivo legal diz que, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Então, o legislador tacitamente, ao estabelecer tal norma, conduz o magistrado à busca de decisões eqüitativas com o escopo de se atingir o bem comum e aos fins sociais pretendidos pela ordem jurídica, viabilizando o uso da equidade como parâmetros de uma decisão razoável..


Antes de adentrarmos especificamente neste problema, faz-se mister a explanação da origem aristotélica do termo, para melhor entendimento do uso e conceito utilizados hodiernamente.


A equidade em Aristóteles é relacionada à justiça, sendo esta última considerada pelo filósofo como a principal das virtudes, visto que se manifesta na relação com o próximo, por meio de práticas reiteradas de ações justas. Assim é necessário tecer a teoria aristotélica da ética, bem como sua teoria das virtudes e da justiça.


A virtude é o ponto chave de toda a teoria da ética em Aristóteles, partindo do conceito de teleologia, no sentido de que todas as formas existentes tendem a uma finalidade (thélos). Nessa linha, “toda ação e todo propósito visam um bem”, entendendo-se por bem ”aquilo a que todas as coisas visam”. (ARISTÓTELES, 1996, p.118)


Portanto, daí infere-se que as ações humanas também são sempre voltadas, por meio da razão, a atingir um fim, que é a busca pelo bem supremo (summum bonum). Essa busca, porém, se trata de um bem que deve necessariamente ser considerado em si mesmo, pois, como explana o Filósofo,


“se há, então, para as ações que praticamos, alguma finalidade que desejamos por si mesma, sendo tudo mais desejado por causa dela, e se não escolhemos tudo por causa de algo mais (se fosse assim, o processo prosseguiria até o infinito, de tal forma que nosso desejo seria vazio e vão), evidentemente tal finalidade deve ser o bem e o melhor dos bens.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 118)


Assim, constitui a vida humana na busca de algo que está no humanamente possível, o que Aristóteles acredita ser a felicidade (eudaimonia), pois, conforme doutrinado por Bittar (2010), a noção de felicidade é criação humana, sendo plenamente alcançável e obtida pela razão teleológica.


A razão é a faculdade que distingue os seres humanos dos demais seres vivos. É por meio dela que o indivíduo se guia teleologicamente, como forma de obter o bem supremo, ou seja, a eudaimonía.


A felicidade é “a atividade conforme a excelência” (ARISTÓTELES, 1996, p. 128), e é esta “que torna o homem capaz de praticar ações nobilitantes […]” (ARISTÓTELES, 1996, p. 134). A excelência por sua vez se classifica em excelência intelectual e excelência moral. Em seus próprios dizeres:


“certas formas de excelência são intelectuais e outras são morais (a sabedoria, a inteligência e o discernimento são intelectuais, e a liberalidade e a moderação, por exemplo, são formas de excelência moral). “(ARISTÓTELES, 1996, p. 136)


A excelência intelectual se deve tanto o seu nascimento quanto o seu crescimento à instrução (experiência e tempo), enquanto à excelência moral é produto do hábito (ethós). Logo, ninguém é virtuoso por natureza, pois isso é fruto de práticas reiteradas de ações moralmente boas e do conseqüente desenvolvimento de uma disposição da alma para o agir excelente, e não do aprimoramento das habilidades naturais.


A razão teleológica é que permite ao ser humano guiar-se pelos caminhos do meio, que se encontra entre dois extremos, o do excesso e o da falta, considerados pelo Filósofo como deficiências morais. De maneira eqüidistante entre os extremos se encontram as virtudes (areté). Cabe à razão discernir e optar pelo meio-termo de forma habitual, que cuja prática contínua e reiterada das virtudes leva à excelência moral, e por conseguinte, se atinge a felicidade.


A justiça, no pensamento aristotélico, é compreendida como uma virtude, e como tal, localiza-se no meio-termo (mesotés). Ela se difere das demais virtudes e se coloca em posição superior por ser uma virtude que manifesta na aplicação da excelência moral em relação às outras pessoas, não em relação a si mesmo.


O Filósofo, no Livro V da Ética a Nicômaco, trata da dikayosyne (justiça) e da aidikía (injustiça), dizendo que nas pessoas, a primeira é a “disposição da alma que graças à qual elas dispõem a fazer o que é justo, a agir justamente e a desejar o que é justo; de maneira idêntica, diz-se que a injustiça é a disposição da alma de graças à qual elas agem injustamente e desejam o que é injusto”. (ARISTÓTELES, 1996, p. 193)


Introdutoriamente, considerando a justiça e a injustiça, indaga, pretendendo demonstrar sobre “quais são as espécies de ações com as quais elas se relacionam, que espécie de meio-termo é a justiça, e entre que extremos o ato justo é o meio-termo” (ARISTÓTELES, 1996, p. 193).   


A justiça, conforme dito alhures, é considerada como a maior das virtudes, pois esta visa o “bem do outro”, relacionando-se com o próximo. Aristóteles, citando as Elegias de Têognis, diz que “nem a estrela vespertina nem a matutina é tão maravilhosa (…); na justiça se resume toda excelência” (ARISTÓTELES, 1996, p. 195).


Nas palavras de Aristóteles:


“A justiça é a forma perfeita de excelência moral porque ela é a prática efetiva da excelência moral perfeita. Ela é perfeita porque as pessoas que possuem o sentimento de justiça podem praticá-la não somente a sim mesmas como também em relação ao próximo”. (ARISTÓTELES, 1996, p. 195).   


A ação justa se é reconhecida pelo seu contrário, ou seja, pela ação injusta, pois, “muitas das vezes se reconhece uma disposição da alma graças a outra contrária, e muitas vezes as disposições são idênticas por via das pessoas nas quais elas se manifestam”. (ARISTÓTELES, 1996, p. 193).


Assim, de forma ampla, Aristóteles divide a justiça em duas classes: a justiça universal e a justiça particular.


Pela analogia dos contrários, Aristóteles conclui que


“o termo injusto se aplica tanto às pessoas que infringem a lei quanto às pessoas ambiciosas (no sentido de quererem mais do que aquilo a que têm direito) e iníquas, de tal forma que as cumpridoras da lei e as pessoas corretas serão justas. O justo, então, é aquilo conforme à lei e correto, e o injusto é o ilegal e iníquo. (ARISTÓTELES, 1996, p. 194)


Daí se extrai o conceito de justo universal, pois este é o cidadão cumpridor da lei. Trata-se de uma obediência ao nómos, ou seja, ao ordenamento jurídico expresso pelas normas, englobando também os costumes e princípios preponderantes em uma determinada comunidade.


Como magistralmente explica Bittar (2010),


“se a lei (nómos) é uma prescrição de caráter genérico e que a todos vincula, então seu fim é a realização do Bem da comunidade, e, como tal, do Bem Comum. A ação que se vincula à legalidade obedece a uma norma que a todos e para todos é dirigida; como tal, essa ação deve corresponder a um justo legal e a forma de justiça que lhe é por conseqüência é a aqui chamada justiça legal. “(BITTAR, 2010, p. 130)


Explica ainda o supramencionado autor que esse é o conceito de justiça em sentido amplo, o qual, de todos os sentidos é o mais genérico, daí ser também denominado de justiça total ou integral, haja vista que tem aplicação mais abrangente e extensa, pois “as leis valem para o bem de todos, para o bem comum”. (BITTAR, 2010, p. 130)


 A justiça particular é uma espécie de justiça que, ao contrário do que ocorre com a justiça universal (díkaion nominon), se corresponde a apenas uma parte da virtude e não à virtude total (BITTAR, 2010, p. 132). Portanto, o justo particular é espécie do gênero justo total.


Divide-se em duas espécies, a saber, justiça distributiva e justiça corretiva.


A justiça distributiva é a que se observa na distribuição pela polis, isto é, pelo Estado, de bens, honrarias, cargos, assim como responsabilidades, deveres e impostos (BITTAR, 2010, p. 133). Conforme dito pelo próprio Filósofo, na Ética:


“Uma das espécies de justiça em sentido estrito e do que é justo na acepção que lhe corresponde, é a que se manifesta na distribuição de funções elevadas de governo, ou de dinheiro, ou das outras coisas que devem ser divididas entre os cidadãos que compartilham dos benefícios outorgados pela constituição da cidade, pois em tais coisas uma pessoa pode ter participação desigual ou igual à de outra pessoa.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 197)


Nessa perspectiva, conforme doutrinado por Bittar (2010) o injusto seria o desigual quando há o recebimento de benefícios e encargos em quantia menor ou maior ao que lhe é devido.


“O justo nesta acepção é, portanto o proporcional, e o injusto é o que viola a proporcionalidade. Neste último caso, um quinhão se torna muito grande e outro muito pequeno, como realmente acontece na prática, pois a pessoa que age injustamente fica com um quinhão muito grande do que é bom e a pessoa que é tratada injustamente fica com um quinhão muito pequeno. No caso do mal o inverso é verdadeiro, pois o mal maior, já que o mal menor deve ser escolhido em preferência ao maior, e o que é digno de escolha é um bem, e o que é mais digno de escolha é um bem ainda maior. “(ARISTÓTELES, 1996, p. 199).


Em suma, a justiça distributiva é um meio termo com quatro termos na relação: dois sujeitos comparados entre si e dois objetos. Será justo, portanto se atingir a finalidade de dar a cada um aquilo que lhe é devido, na medida de seus méritos.


A justiça corretiva se difere da distributiva no sentido de que esta utiliza como critério de justa repartição aos indivíduos os méritos de cada um, enquanto aquela visa o “restabelecimento do equilíbrio rompido entre os particulares: a igualdade aritmética.” (BITTAR, 2010, p. 135).


Conforme os ensinamentos do Filósofo, a justiça corretiva


“é a que desempenha função corretiva nas relações entre as pessoas. Esta última se subdivide em duas: algumas relações são voluntárias e outras são involuntárias; são voluntárias a venda, a compra, o empréstimo a juros, o penhor, o empréstimo sem juros, o depósito e a locação (estas relações são chamadas voluntárias porque sua origem é voluntária); das involuntárias, algumas são sub-reptícias (como o furto, o adultério, o envenamento, o lenocínio, o desvio de escravos, o assassino  traiçoeiro, o falso testmunho), e outras são violentas, como o assalto, a prisão, o homicídio, o roubo, a mutilação, a injúria e o ultraje.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 197).


 A aplicação da justiça corretiva fica ao encargo do juiz (dikastés), que é o mediador de todo o processo. O juiz é considerado para Aristóteles, a personificação da justiça, pois, “ir ao juiz é ir à justiça, porque se quer que o juiz seja como se fosse a própria justiça viva (…) é uma pessoa eqüidistante e, em algumas cidades são chamados de ‘mediadores’, no pressuposto de que, se as pessoas obtêm o meio-termo, elas obtêm o que é justo.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 200).


A justiça política se dá no âmbito das relações dos indivíduos na polis, pertinente ao status civitatis do cidadão perante seus iguais. Bittar (2010) explica que “existente no meio social, é a justiça que organiza um modo de vida que tende à autossuficiência da vida comunitária (autárkeian), vigente entre homens que partilham de um espaço comum” (BITTAR, 2010, p. 140).


Conforme se extrai dos escritos de Aristóteles, o justo político


“se apresenta entre as pessoas que vivem juntas com o objetivo de assegurar a auto-suficiência do grupo – pessoas livres e proporcionalmente ou aritmeticamente iguais. Logo, entre pessoas que não se enquadram nesta condição não há justiça política, e sim a justiça em um sentido especial e por analogia. “(ARISTÓTELES, 1996, p. 205).


Portanto, as pessoas consideradas cidadãs na polis na época de Aristóteles formavam um conjunto restrito e excludente (pois se excluem deste conjunto os estrangeiros, mulheres, escravos, menores e aqueles que não são livres), não se aplicando a justiça política sobre os demais membros, atingindo-os apenas obliquamente.


A justiça doméstica é a que se encontra no âmbito da casa, no que se refere ao filho, escravos e a mulher. Assim, “pode-se dizer que a justiça doméstica tem estas últimas como espécies (justiça para com a mulher; justiça para com os filhos; justiça para com os escravos).” (BITTAR, 2010, p. 142).


Aristóteles sustenta que


“a justiça do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho não são iguais à justiça política, embora se lhe assemelhem; na realidade, não pode haver injustiça no sentido irrestrito em relação a coisas que nos pertencem, mas os escravos de um homem, e seus filhos até uma certa idade em que se tornam independentes, são por assim dizer partes deste homem, e ninguém faz mal a si mesmo (por esta razão uma pessoa não pode ser injusta em relação a si mesma).” (ARISTÓTELES, 1996, p. 205)


Portanto, não há que se falar em justiça ou injustiça nesses casos, pois ninguém é capaz de fazer mal a si, como justifica Aristóteles o poder irrestrito do pai e senhor sobre seu filho e seu escravo.


A justiça legal e a justiça natural são divisões do gênero que é a justiça política. Bittar (2010) explica a distinção aristotélica entre o justo legal (díkaion nomikón) e o justo natural (díkaion physikón) no sentido de que aquele corresponde às prescrições derivadas do nómos, isto é, das regras vigentes entre os cidadãos políticos, e este, encontra fundamento na própria natureza. É assim a distinção feita por Aristóteles:


“A justiça política é em parte natural e em parte legal; são naturais as coisas que em todos os lugares têm a mesma força e não dependem de as aceitarmos ou não, e é legal aquilo que a princípio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra, mas depois de determinado já não é indiferente”. (ARISTÓTELES, 1996, p. 206).


A justiça legal tem fundamento na lei, que é definida pela vontade do legislador. Possui força não natural, e é fundada na convenção, pois a vontade do órgão que emana o ato legislativo é soberana e pressupõe consenso de todos os súditos; uma vez vigente a lei adquire obrigatoriedade e vincula todos os cidadãos.


A justiça natural, entretanto se consiste no


“conjunto de todas as regras que encontram aplicação, validade, força e aceitação universais. Assim pode-se definir o justo natural como sendo parte do justo político que encontra respaldo na natureza humana, e não depende do arbítrio volitivo do legislador, sendo por conseqüência, de caráter universalista.” (BITTAR, 2010, p. 145).


Portanto, a justiça natural tem uma força que rompe com as barreiras políticas, sendo que transcende a vontade humana e são imutáveis, e tem a mesma forma em todo lugar, “como o fogo que queima aqui e na Pérsia” (ARISTÓTELES, 1996, p. 206).


No livro VI da Ética à Nicômaco, Aristóteles trata da prudência como uma das virtudes dianoéticas, associando-a ao discernimento. Conforme expõe em sua dissertação, Hordones (2007) com base em Aristóteles, as virtudes se dividem em éticas e dianoéticas, sendo que


“as primeiras responsáveis pelo caráter, as segundas responsáveis pelo intelecto. A alma também se compõe de duas partes, uma irracional e a outra racional. Esta se subdivide em duas partes: uma é chamada de razão teorética ou científica, pela qual o homem contempla as coisas invariáveis, e a outra parte, chamada de razão prática, calculativa ou opnativa, pela qual o homem percebe as coisas passíveis de variação. Cada uma dessas partes têm sua respectiva virtude: a razão teorética tem como virtude a sabedoria (sophia), enquanto que a razão prática tem como virtude a phronesis.” (HORDONES, 2007, p. 36)


Para buscar a definição de phronesis[4],  Aristóteles considera as pessoas que são dotadas dessa forma de excelência.


“Pensa-se que é bem característico de uma pessoa de discernimento ser capaz de deliberar bem acerca do que é bom e conveniente para si mesma, não em relação a um aspecto particular – por exemplo, quando se quer saber quais as espécies de coisas que concorrem para a saúde e para o vigor físico – , e sim acerca das espécies de coisas que nos levam a viver de um modo geral. A evidência disto é o fato de dizermos que uma pessoa é dotada de discernimento em relação a algum aspecto particular quando ela calcula bem com vistas a algum objetivo bom, diferente daqueles que são objetivo de uma arte qualquer.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 219/220).


A phronesis é muito importante na vida ética do ser humano, uma vez que este é guiado por ela em todas as suas escolhas que têm por finalidade alcançar a felicidade por meio das práticas virtuosas. A prudência então


“é a virtude dianoética sem a qual não se pode exercer qualquer uma das virtudes éticas, inclusive a justiça. Para que uma ação possa ser considerada justa é preciso que ela seja também phronética, e vice-versa. De tal modo, não é possível existir um ato justo sem que ele seja precedido por uma deliberação e uma escolha, que dê a justificação racional do ato que se pretende justo” (HORDONES, 2007, p. 39)


Destarte, pode-se conceber a phronesis como a maior das virtudes, inclusive do que a própria justiça, posto que é a qualidade inata ao ser humano que o faz guiar-se pelos caminhos retos, praticando virtudes e observando a justiça em suas ações. Portanto, não há ação justa e eqüitativa se esta não for fruto de deliberação da faculdade phronética.


Ao tratar da eqüidade, Aristóteles a compara com justiça, e conclui que são “a mesma coisa, embora a eqüidade seja melhor. O que cria o problema é o fato de o eqüitativo ser justo, mas não justo segundo a lei, e sim um corretivo da justiça legal”. (ARISTÓTELES, 1996, p. 212)


Na impossibilidade de previsão pelo legislador de todos os casos que poderão surgir na realidade, o aplicador das leis deve se ater às peculiaridades do fato concreto, “dizendo o que o próprio legislador se estivesse presente, e o que teria incluído em sua lei se houvesse previsto o caso em questão” (ARISTÓTELES, 1996, p. 213).


O eqüitativo é, pois, a correção da lei quando esta é omissa em virtude de sua generalidade. De forma ilustrativa, Aristóteles a compara à régua de Lesbos, que se molda à forma da pedra devido a sua maleabilidade.


“Com efeito, quando uma situação é indefinida a regra também tem de ser indefinida, como acontece com a régua de chumbo usada pelos construtores em Lesbos; a régua se adapta à forma da pedra e não é rígida, e o decreto se adapta aos fatos de maneira idêntica”.


(ARISTÓTELES, 1996, p. 213)


A equidade, portanto, é a adequação da lei ao caso concreto, atendidas suas peculiaridades, tendo em vista o caráter genérico e abstrato da atividade do legislador, atribuindo ao juiz a ponderação proporcional da norma à situação fática.


Conforme explana Lacerda (2005), citado por Hordones (2007), a equidade está ligada ao justo legal e não ao justo particular.


“É interessante destacar que a eqüidade se liga ao justo como lei, universal, e não ao justo particular, ou seja, à igualdade. O justo particular visa restabelecer a proporção violada num negócio jurídico, em que uma das partes ganhou mais que deveria e a outra perdeu mais do que deveria. Como ocorre no seguinte exemplo: o juiz deve tirar 10 do que ganhou injustamente 50 e os dar ao que ficou sem nada, objetivando igualá-los, dando a cada um o que é devido. A eqüidade, por sua vez, se liga ao justo legal, corrigindo a lei no caso concreto, porque foi pensada para situações abstratas que não coincidem plenamente com o caso concreto.” (LACERDA apud HORDONES, 2007. p. 40)


A equidade então se liga à lei no sentido de corrigi-la no ato de sua aplicação ao caso fático, tendo em vista a generalidade e abstração do produto da vontade do legislador.


A correção da lei se faz por meio da prudência do magistrado, no sentido de atender às exigências de razoabilidade e equanimidade, pois a lei “somente alcança sua normatividade quanto consegue se adaptar, por meio de um decreto corretivo, ao caso singular; assim, uma lei geral atualiza concretamente a sua normatividade” (HORDONES, 2007, p. 42).


Portanto, a lei só atinge seus fins sociais se for aplicada de forma prudente do magistrado, este guiado pelo juízo de equidade, visando a adequação da norma ao caso concreto.


Oliveira (2001) diz que “o processo de aplicação da lei, portanto, concretiza a lei a partir do caso, sob o pano de fundo inquestionado das tradições éticas da pólis que são representadas pela própria lei a aplicar”. Ou seja, a lei só se torna concreta quando da sua aplicação na realidade fática, imprescindindo, contudo, das convenções éticas de determinada comunidade, pois presume-se que as leis emanadas pelo poder instituído para tal finalidade, são expressões destas convenções.


Galuppo (2001) citado por Hordones (2007) afirma que “o homem prudente é justo na medida em que sabe o que é preciso fazer numa dada situação, dando a cada um o que é devido de modo eqüitativo e obedecendo a lei que disciplina aquele caso singular” (GALUPPO, apud HORDONES, 2007, p. 38). Ou seja, quando a lei é insuficiente para determinar uma decisão razoável, do ponto de vista eqüitativo, o juiz, por meio phronesis, uma das virtudes dianoéticas (intelectuais), conforme já supra mencionado, atinge a justiça do caso concreto quando obedece aos critérios distributivos de dar a cada um o que lhe é devido.


Atualmente, a equidade como instrumento de integração do Direito é ainda controverso, sendo que seu uso é, conforme Amaral Neto (2010) excepcional, aplicável apenas nas hipóteses expressas em lei.


Seu conceito atual é multifacetário, pois tem várias significações. Conforme o autor supra citado, tem-se a equidade interpretativa “quando o juiz, perante a dificuldade de estabelecer o sentido e o alcance de um contrato, por exemplo, decide com um justo comedimento” (AMARAL NETO, 2010, p. 17); equidade corretiva “que contempla o equilíbrio das prestações, reduzindo, por exemplo, o valor da cláusula penal” (AMARAL NETO, 2010, p. 17); a eqüidade quantificadora, “que atua na hipótese de fixação do quantum indenizatório” (AMARAL NETO, 2010, p. 17); a eqüidade integrativa, “na qual a eqüidade é fonte de integração, e ainda a eqüidade processual, ou juízo de eqüidade, conjunto de princípios e diretivas que o juiz utiliza de modo alternativo, quando a lei autoriza, ou permite que as partes a requeiram, como ocorre nos casos de arbitragem” (AMARAL NETO, 2010, p. 17).


Diniz (2003), com base na classificação de Alípio Silveira, divide o termo em três acepções correlatas: latíssima, considerada como princípio universal da ordem normativa, configurando-se como uma suprema regra de justiça a qual os homens devem obedecer; lata, no sentido de justiça absoluta ou ideal, confundindo-se com a própria idéia de direito natural; estrita, enquanto aplicação do ideal de justiça ao caso concreto.


Na definição de Ferraz Jr. (2003), tem-se por equidade “o sentimento do justo concreto, em harmonia com as circunstâncias e adequado ao caso. O juízo por equidade, na falta de norma positiva, é o recurso a uma espécie de intuição, no concreto, das exigências da justiça enquanto igualdade proporcional” (FERRAZ JR., 2003, p. 305).


Afirma também Nunes (2002) que “quando surge um caso que não é abrangido pela declaração universal da lei, é justo corrigir a omissão. A essa concepção dá-se o nome de equidade. A equidade supre o erro proveniente de caráter absoluto de diposição legal” (NUNES, 2002, p. 281).


O juízo de equidade é dirigido ao caso particular, livre de tendência generalizante, pois se aplica apenas ao caso concreto em questão, não se aplicando a outros casos, embora semelhantes. Daí infere-se que a equidade não pode ser considerada como fonte do direito, mas tem função completiva na integração das lacunas como se pretende demonstrar no presente trabalho. Neste sentido, Ferraz Jr. (2003) afirma que a equidade não é fonte de direito, mas é meio de integração, pois “na falta de norma, a equidade integra o ordenamento sumariamente, assentando-se nas circunstâncias do caso concreto” (FERRAZ JR., 2003, p. 305).


 Com relação à hierarquia dos meios supletivos de lacunas, verifica-se que se trata de prevalência de meios de integração, e não ordenação hierárquica das fontes do direito. Doutrinariamente, costuma-se considerar que o legislador, no art. 4º da LICC, estabeleceu uma hierarquia implícita entre analogia, costumes e princípios gerais de direito, excluindo-se desse rol a equidade. Portanto, o recurso aos princípios gerais de direito somente seria possível quando esgotados os demais, ou seja, a analogia e os costumes.


Entretanto, quando o mesmo diploma legal, no art. 5º estabelece que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, o legislador dá margem a uma interpretação mais maleável, valorizando o fim social da norma em contraposição ao rigorismo hierárquico das fontes supletivas das lacunas. Conforme interpretação de Diniz (2003), o referido artigo é “que permite corrigir a inadequação da norma ao caso concreto. A equidade seria uma válvula de segurança que possibilita aliviar a tensão e a antinomia entre a norma e a realidade, a revolta dos fatos contra os códigos” (DINIZ, 2003, p. 469).


Em defesa do uso da equidade na integração das lacunas, Diniz (2003) assevera:


“Do que foi exposto infere-se a inegável função da equidade de suplementar a lei, ante as possíveis lacunas. No nosse entender, a equidade é elemento de integração, pois, consiste, uma vez esgotados os mecanismos previstos no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, em restituir à norma, a que acaso falte, por imprecisão de seu texto ou por imprevisão de certa circunstância fática, a exata avaliação da situação a que esta corresponde, a flexibilidade necessária à sua aplicação, afastando por imposição do fim social da própria norma o risco de convertê-la num instrumento iníquo”. (DINIZ, 2003, p. 469).


Para se evitar que o uso da equidade se degenere devido a subjetividade que lhe é inerente, Ráo (1999) enumera alguns pontos a serem observados pelo magistrado ao recorrer a este instituto:


“a) por igual devem ser tratadas as coisas iguais e desigualmente as desiguais; b) todos os elementos que concorreram para constituir a relação sub iudice, coisa ou pessoa, ou que, no tocante a estas tenham importância, ou sobre elas exerçam influência, devem ser devidamente considerados; c) entre várias soluções possíveis deve-se preferir a mais humana, por ser a que melhor atende à justiça.” (RÁO, 1999, p. 85).


Diniz (1997) defende o uso da equidade em duas hipóteses: quando há previsão legal para seu uso, ou na hipótese de se verem esgotados o uso da analogia, costumes e princípios gerais de direito, por imposição do art. 4º da LICC.


Destarte, é assente na doutrina o uso da equidade como instrumento de integração de lacunas no direito.


Nunes (2002) diz que


“haverá situações em que o caso concreto apontará um real conflito entre normas ou entre princípios ou entre estes e as normas […] É como se estivéssemos falando de uma espécie de lacuna semântica ou axiomática. A equidade, então, aí aparece, colmatando esse estranho vazio do sistema, resolver a questão sem tornar ou declarar nenhuma lei inconstitucional nem alguma norma ilegal.” (NUNES, 2002, p. 283)


De forma diversa de Maria Helena Diniz (1999), o autor supra afirma que “a equidade implica um modo de avaliação do ato interpretativo mais amplo do que apenas o de ser a última alternativa para a colmatação” (NUNES, 2002, p. 264).  Assevera de forma conclusiva que pode ter, assim “a equidade como meio de preenchimento das lacunas, como parâmetro orientador ao intérprete, que por ela deve guiar-se, visando a atenuar e corrigir os excessivos rigores das normas jurídicas.” (NUNES, 2002, p. 265)


Na legislação, também sempre foi e é recorrente a menção ao uso da equidade de forma explícita, porém esparsa.


O artigo 137, inciso XXXVII da Constituição Federal de 1934, que preconizava: “Nenhum juiz deixará de sentenciar por motivo de omissão na lei. Em tal caso deverá decidir por analogia, pelos princípios gerais de direito, ou por eqüidade”.


Atualmente, o Código Civil, por exemplo, em seu art. 479, determina que, no caso de onerosidade excessiva, “a resolução poderá ser evitada, oferecendo o réu a modificar equitativamente as condições do contrato” (BRASIL, 2002). Também o art. 944, parágrafo único, do mesmo códex, dispõe que “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização” (BRASIL, 2002).


A Consolidação das Leis do Trabalho, no art. 8º, dispõe que “as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais do Direito, principalmente do Direito do Trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o Direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”.


Também o artigo 108 do Código Tributário Nacional dispõe que “na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I – a analogia; II – os princípios gerais de direito tributário; III – os princípios gerais de direito público; IV – a eqüidade” (BRASIL, 1966). Dessa forma, o legislador instituiu de forma expressa uma hierarquia entre os instrumentos integradores do Direito, e admite o uso da equidade apenas quando esgotados os demais meios indicados pela norma.


O Supremo Tribunal Federal, que é a Suprema Corte do Poder Judiciário brasileiro, o qual tem a incumbência precípua de guarda da Constituição, tem decidido também com base na equidade, comprovado pelo exaustivo número de decisões nesse sentido, das quais se colaciona ementas de alguns julgados:


“EMENTA: EXTENSÃO EM “HABEAS CORPUS” – APLICABILIDADE DO ART. 580 DO CPP – RAZÃO DE SER DESSA NORMA LEGAL: NECESSIDADE DE TORNAR EFETIVA A GARANTIA DE EQÜIDADE – DOUTRINA – PRECEDENTES – AUSÊNCIA, NO CASO, DE CIRCUNSTÂNCIAS DE ORDEM PESSOAL SUBJACENTES À CONCESSÃO DO “WRIT” CONSTITUCIONAL EM FAVOR DO PACIENTE – Plena identidade de situação entre o paciente e aqueles em cujo favor é requerida a extensão da ordem concessiva de “Habeas Corpus” – Condenação pelos delitos de tráfico e de associação para o tráfico de entorpecentes – Pena-base (doze anos) fixada muito além do grau mínimo (cinco anos) previsto para o crime tipificado no art. 33 da lei nº 11.343/2006 – Ausência de fundamentação adequada – Ilegitimidade da operação de dosimetria penal – Situação de injusto constrangimento configurada – Pedidos de extensão deferidos. (STF – HC 101118 Extn / MS – MATO GROSSO DO SUL – EXTENSÃO NO HABEAS CORPUS – Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO – Julgamento: 22/06/2010 – Órgão Julgador:  Segunda Turma – Publicação: 27-08-2010) (grifo nosso)


EMENTA: RECURSO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CARÁTER INFRINGENTE. EMBARGOS RECEBIDOS COMO AGRAVO. PROVIMENTO DO EXTRAORDINÁRIO. PROCEDÊNCIA INTEGRAL DO PEDIDO. Sucumbência total caracterizada. Honorários advocatícios devidos. Verba calculada, por equidade, sobre o valor da condenação. Agravo regimental provido para esse fim. Aplicação do art. 20, § 4º, do CPC. Reconhecida a total procedência do pedido contra a fazenda pública, devem os honorários advocatícios ser fixados por equidade, podendo sê-lo com base no valor da condenação.(STF – AI 524355 ED/SP – SÃO PAULO”
Emb. Decl. no Agravo de Instrumento – Relator(a):  Min. CEZARPELUSO – Julgamento:  03/02/2009 – Órgão Julgador:  Segunda Turma – Publicação: 13-03-2009) (grifo nosso)


Em ambos os julgados apresentados, os Ministros decidiram equitativamente, como forma de amoldar as normas aos casos concretos. No primeiro julgado colacionado supra, o pedido de Habeas Corpus foi impetrado com fundamento no art. 580 do Código de Processo Penal[5], requerendo a liberdade extensivamente por haver identidade de situação entre o paciente e os demais réus no concurso de agentes, sem caráter exclusivamente pessoal, gerando, portanto, a necessidade de tornar efetiva a garantia da equidade, estendendo a concessão do writ [6] ao paciente.


No segundo julgado, trata-se de cálculo de verba de honorários advocatícios sucumbenciais por meio da equidade sobre o valor da condenação. Em seu voto, o Ministro Cézar Peluso fixou a verba por equidade considerando o valor do benefício logrado pelos vencedores.


O recurso à equidade não deverá ultrapassar os limites legais impostos pelo legislador, para que sua utilização não se torne instrumento do livre e desmedido arbítrio do juiz, sendo utilizado apenas quando o ordenamento jurídico não oferece alternativa na solução do litígio levado à cognição do magistrado, e para que não se torne um princípio contrário à justiça, mas um complemento desta que a torna plena. Conforme doutrinado por Diniz (2003), a equidade confere ao magistrado poder discricionário, mas não arbitrário, pois, trata-se de uma


“autorização de apreciar, segundo a lógica do razoável, interesses e fatos não determinados a priori pelo legislador, estabelecendo uma norma individual para o caso concreto ou singular, sempre considerando as pautas axiológicas contidas no sistema jurídico, ou seja, relacionando sempre os subsistemas normativos, valorativos e fáticos”. (DINIZ, 2003, p. 470)


O juízo equânime deve ser observado em toda a decisão judicial, pois este é atinente às peculiaridades do caso concreto, visto que comparada à régua de Lesbos, se ajusta mais adequadamente às superfícies irregulares da pedra. Assim deve ser a decisão judicial; deve o juiz, por meio da equidade, amoldar os fatos às normas jurídicas de tal modo que se ajustem perfeitamente, para assim se observar a justiça no caso concreto.


Diante da pretensa completude do ordenamento, tendo em vista ser composto por elementos hetero e autointegradores, e da proibição do non liquet, a equidade aparece como forma que atende melhor aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade das decisões.


O uso da equidade então é meio de integração no caso de lacunas no direito, e se mostra como medida mais ponderada e humana em casos que dela necessitem, devido suas características específicas.


CONCLUSÃO


O Direito, como se demonstrou ao longo desse trabalho, é por natureza, lacunoso, tendo em vista ser a incompletude uma de suas características. Existem casos concretos onde o Direito não oferece resposta satisfatória, isto é, não encontra em seu âmago uma norma regulamentadora cuja aplicação se dê de forma desejável, podendo gerar uma injustiça.


O juiz, quando está diante de uma situação concreta para a qual o ordenamento jurídico não oferece uma resposta, e diante da proibição do non liquet, se vê restrito a instrumentos integradores estabelecidos pelo próprio legislador, que implicitamente reconhece o sistema como lacunoso diante da impossibilidade da previsão de todos os casos que poderão surgir no plano concreto. Esses instrumentos são a analogia, costumes e princípios gerais de Direito, conforme positivados no art. 4º da LICC.


Porém, esses instrumentos não são de aplicação absoluta, sendo que o recurso a estes meios não são garantias de uma decisão justa, adequada ao caso concreto. Assim, surge a necessidade de se recorrer a meios hetero-integradores, isto é, recursos estranhos ao ordenamento jurídico responsáveis pela correção da justiça legal no caso concreto. O mais importante instrumento hetero-integrador é a equidade.


A equidade é o corretivo do justo legal. É a exigência de justiça quando a lei por si só não atende a esse imperativo, ou quando a aplicação legal se mostra indesejável aos anseios de justiça.


Dos vários enfoques doutrinários relacionados neste trabalho, a acepção terminológica da equidade que deve ser observada no ato de aplicação do Direito é a acepção integradora, pois só quando a legislação positiva se encontra deficitária com relação às especificidades concretas, deve o magistrado recorrer a este meio, dizendo o que o próprio legislador se estivesse presente, e o que teria incluído em sua lei se houvesse previsto o caso em questão.


Deve agir dessa forma o magistrado por estar mais próximo ao caso concreto, longe do caráter genérico e abstrato do ato legislativo, que em muitas das vezes, deixa omissões que só com a acuidade jurídica do juiz, poder-se-ão ter atendidos os anseios de justiça consagrados em determinado contexto social e histórico.


Portanto a equidade não deve ser utilizada apenas como última opção integradora de lacuna, como defendem alguns doutrinadores. Devido a sua maleabilidade, sendo por Aristóteles comparada à Régua de Lesbos, se adapta melhor às imperfeições jurídicas decorrentes da ausência de norma reguladora ou da sua indesejada aplicação.


É inegável a função integradora da equidade, sendo inclusive recorrentemente mencionada nos textos legislativos, devido ao próprio reconhecimento da impossibilidade de se delimitar toda e qualquer conduta humana por meio das leis, atos emanados por competente autoridade legislativa, como já foi exposto alhures na pesquisa que ora se intenta. 


Assim, diante dos anseios sociais por justiça, ante a dinâmica social e protestos por leis mais justas e mais adequadas ao contexto atual, têm-se na equidade o instrumento mais eficaz de correção da lei e integração do direito com um todo. A aplicação da equidade em casos que dela necessitem, constitui uma forma de flexibilização das normas aplicáveis para que estas não resultem em injustiça no plano concreto.


 


Referências bibliográficas:

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Notas:

1 A expressão latina “non liquet ” é a obrigatoriedade conferida ao magistrado de decidir todo e qualquer conflito posto sob sua apreciação. É a proibição da não decisão. (tradução nossa)

[2] Equidade em grego.

[3] JEANNEAU apud DINIZ, 2003, p. 458.

2  O termo phronesis significa prudência, em grego.

[5] Assim dispõe o art. 580 do Código de Processo Penal: “No caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros”.

[6] Writ é um termo em inglês que significa, juridicamente, mandado ou ordem por escrito. (Tradução nossa)

Informações Sobre o Autor

Fábio Luiz Antunes

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais


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Equipe Âmbito Jurídico

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