1.1. Definição
Todos nascemos, crescemos e morremos. Este é o ciclo natural da vida. No entanto, será que alguém tem o direito de antecipá-lo? É com base nesta reflexão que traremos neste artigo uma discussão sobre a eutanásia levando em consideração os aspectos jurídicos e bioéticos.
Antes, porém, de iniciar se faz relevante definir a palavra eutanásia. Ela vem do grego, e tem como prefixo “eu”, que significa “bom” e “thanatos”, que equivale a “morte”. Assim, pode-se dizer que eutanásia é boa morte, morte sem dor, morte sem sofrimento, morte tranqüila e serena ou morte digna. (Francis Bacon: Historia vitae et mortis, 1623)[1].
Se faz necessário citar ainda que há quatro classificações para a eutanásia. São elas: ativa (direta), quando a morte é provocada por uma ação; passiva (indireta), quando a morte é provocada pela omissão do cuidado; voluntária, quando a morte é provocada atendendo um pedido do paciente e involuntária, quando a morte é provocada contra a vontade do paciente.
1.2. Histórico
Quando se busca a história da eutanásia temos diferentes os costumes, de acordo com a região em que se vive. Os celtas, por exemplo, tinham por hábito que os filhos matassem os seus pais, quando estes estivessem velhos e doentes. Já na Índia, os doentes incuráveis eram levados até a beira do rio Ganges, onde tinham as suas narinas e a boca obstruídas com o barro. Na seqüência, eram atirados ao rio para morrerem.
Regredindo um pouco mais no tempo, no segundo livro de Samuel da Bíblia também há uma situação que evoca a eutanásia, o que revela que a discussão vem desde a Grécia antiga, onde Platão, Sócrates e Epicuro defendiam a idéia de que o sofrimento resultante de uma doença dolorosa justificava o suicídio. Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates, por outro lado, condenavam esta prática. Desta forma, a escola hipocrática já se posicionava contra o que hoje tem a denominação de eutanásia e de suicído assistido.
Ao olhar-se para o mundo, se verá diferentes posturas. Em 1931, na Inglaterra, o Dr. Millard, propôs uma Lei para Legalização da Eutanásia Voluntária, que foi discutida até 1936, quando a Câmara dos Lordes a rejeitou. Esta proposta serviu de base para o modelo holandês. Durante os debates, em 1936, o médico real, Lord Dawson, revelou que tinha “facilitado” a morte do Rei George V, utilizando morfina e cocaína.
Dois anos antes, o Uruguai incluiu a possibilidade da eutanásia no seu Código Penal (“homicídio piedoso“). Baseada na doutrina do Prof. Jiménez de Asúa, penalista espanhol, proposta em 1925, esta foi a primeira regulamentação nacional sobre o tema e continua em vigor até hoje.
Vinte anos depois, em 1956, a Igreja Católica posicionou-se de forma contrária à eutanásia por ser contra a “Lei de Deus”. Um ano depois, o Papa Pio XII em alocução a médicos aceita a possibilidade de encurtamento da vida como efeito secundário a utilização de drogas para diminuir o sofrimento de pacientes com dores insuportáveis. Já na década de 80, o Vaticano divulgou nova declaração sobre eutanásia, onde existe proposta do duplo efeito[2] e em 90, o Papa João Paulo II reitera por meio de carta sua posição contrária a eutanásia e aborto.
Ainda em 90, a Real Sociedade Médica dos Países Baixos e Ministério da Justiça também estabeleceram rotina de notificação para eutanásia, isentando assim os profissionais de procedimentos criminais, sem torná-la legal.
É nesta década (1996), que os territórios Norte da Austrália aprovam lei que possibilita a eutanásia, revogada meses após. Na Colômbia (1997), a Corte constitucional estabeleceu que “ninguém pode ser responsabilizado criminalmente por tirar a vida de um paciente terminal, que tenha dado seu claro consentimento”. Já o Estado americano de Oregon, passou a permitir o suicídio assistido2.
A inovação, no entanto, ocorreu em 2000, quando o parlamento holandês aprovou em 28 de novembro projeto de lei que legalizava a prática da eutanásia e do suicídio assistido por médicos. O projeto seguiu para o Senado, onde também recebeu parecer favorável[3].
1.3. No Brasil
No ordenamento jurídico pátrio, a prática da eutanásia não está normatizada. Aplica-se a tipificação prevista no art. 121 do Código Penal , isto é, homicídio, simples ou qualificado, sendo considerado crime a sua prática em qualquer hipótese. Dependendo as circunstâncias, a conduta do agente pode configurar o crime de participação em suicídio (art. 122 do Código Penal) (GUERRA FILHO, 2005)[4].
A Lei Penal prevê a figura do homicídio privilegiado, que se dá quando o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima (art. 121, §1°). O valor moral a que se refere o dispositivo diz respeito a interesses particulares do agente (compaixão, piedade, etc.).
Segundo Pedroso (2000, p. 282)[5]:
“Na Eutanásia, elimina o agente a vida da sua vítima com intuito e escopo de poupá-la de intenso sofrimento e acentuada agonia, abreviando-lhe a existência. Anima-o por via de conseqüência, o sentimento de comiseração e piedade. Nosso Código não aceita nem discrimina a Eutanásia, mas não vai ao rigor de não lhe conceder o privilégio do relevante valor moral. Comumente, as pessoas ao ouvirem falar em Eutanásia, exemplo quem é o homicídio privilegiado por motivo de relevante valor moral, logo, a associam a doença e a enfermidade de desfecho fatal. No entanto, para os efeitos penais concernentes à concessão do privilégio, cumpre realçar-se que nem sempre há de estar a Eutanásia indissoluvelmente vinculada a doença de desate letal. Sobrepuja ao fato objetivamente, considerado a compulsão psíquica que leva o agente a agir, a sua motivação, punctum purieris e cerne do privilégio. Nem é por outra razão que não se contenta a lei penal, nesse passo, com a simples ocorrência do relevante valor moral presente no episódio, requestando e exigindo que o crime seja cometido por relevante valor social ou moral. Importa e denota vulto, sobretudo, o motivo ou erupção interior psíquica do agente, e não o mero episódio em seu evolver objetivo, no seu quadro externo.”
No Brasil o projeto de lei 125/96, de autoria do senador Gilvam Borges, é o único que está tramitando no Congresso Nacional para tratar sobre a legalização da eutanásia, no entanto, jamais foi colocado em votação. A proposta permite eutanásia, desde que uma junta de cinco médicos ateste a inutilidade do sofrimento físico ou psíquico do doente. O próprio paciente teria que requisitar a eutanásia. Se não estiver consciente, a decisão caberia a seus parentes próximos[6].
De acordo com o art. 2°, eutanásia é permitido nos casos de morte cerebral, desde que haja manifestação de vontade do paciente para tanto; seu § 1°, dispõe que a manifestação de vontade deve ser expressa e feita como se fosse uma manifestação de última vontade e o § 2° dispõe sobre a forma de constatação da morte cerebral. O art. 3° do projeto de lei aborda a eutanásia nos casos de morte cerebral quando a autorização é dada expressamente pela família. O § 1° define quem é considerado familiar para efeito da lei e o 2° levanta a hipótese do paciente não ter familiares. Neste caso, a autorização será pedida ao juiz pelo médico ou pessoa que mantenha alguma relação de afetividade com o paciente. O art. 4°, por sua vez, dispõe que nos casos do art. 3°, §2°, o juiz deverá ouvir o Ministério Público e mandará publicar citação por edital para que dê ciência aos possíveis familiares. O § único deste art. determina que a petição inicial venha obrigatoriamente acompanhada das conclusões da Junta Médica. Já o art. 7° permite a eutanásia por omissão. O § 1° dispõe sobre a avaliação do estado do paciente por uma Junta Médica e exige o consentimento expresso do paciente. Já § 2° aborda a forma pela qual deverá ser dado o consentimento do paciente, que é a mesma prevista no § 1° do art. 2°. O art. 3° permite que a família ou pessoa que mantém laços de afetividade com o paciente requeira autorização judicial para a prática da eutanásia, mas só nos casos de não haver consentimento prévio do paciente e este estar impossibilitado de se manifestar.
Ainda há os artigos de 8 a 12 que seguem transcritos abaixos, como no projeto de lei:
“art. 8° dispõe que, nos casos do art. 7°, §3°, se não houver concordância de todos os familiares, deverá ser instaurado um processo judicial por iniciativa de qualquer familiar. Art. 9° aborda a providência de citação pessoal de todos os familiares do paciente no caso de ocorrer a hipótese do art. 8°. O § único do art. 8°. O § único do art. 9 ° dispõe que a petição inicial deve ser instruída das conclusões da Junta Médica. Art. 10 e seus §s dispõem sobre a oitiva do Ministério público e a formação da Junta Médica. Art. 11 expõe que após todas as diligências o juiz deve proferir sentença, decidindo sobre a manutenção da vida ou pela consecução da morte sem dor. Art. 12 dispõe que da sentença cabe apelação e da decisão pela consecução da morte sem dor o recurso é ex officio para o Tribunal de Justiça[7].”
O anteprojeto de lei por sua vez altera os dispositivos do Código Penal e dá outras providências, legislando sobre a questão da eutanásia em dois itens do artigo 121 (homicídio) com reclusão de seis a vinte anos, que traz no § 3º o seguinte:
“Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima, imputável e maior, para abreviar-lhe o sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave, a reclusão é de três a seis anos, com exclusão de ilicitude. O § 4º traz: Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.”
1.4. Eutanásia, Ortotanásia e Distanásia
No mesmo grupo da eutanásia, estão a distanásia e a ortotanásia. A primeira pode ser definida como a morte provocada por sentimento de piedade à uma pessoa que sofre. Ao invés de deixar a morte acontecer naturalmente, na eutanásia o agente provoca o resultado morte, antecipando-o. Assim, a eutanásia só ocorrerá quando a morte for provocada em pessoa com forte sofrimento, doença incurável ou em estado terminal e movida pela compaixão ou piedade. Portanto, se a doença for curável não poderá ser classificada como eutanásia, mas enquadra-se como o disposto tipificado no art. 121 do Código Penal, pois a busca pela morte sem a motivação humanística não pode ser considerada eutanásia
De acordo com Maria Helena Diniz[8] a distanásia é o prolongamento artificial do processo de morte e por conseqüência prorroga também o sofrimento da pessoa. Muitas vezes o desejo de recuperação do doente a todo custo, ao invés de ajudar ou permitir uma morte natural, acaba prolongando sua agonia. Para a autora, trata-se do prolongamento exagerado da morte de um paciente terminal ou tratamento inútil. Não visa prolongar a vida, mas sim o processo de morte”.
A definição de ortotanásia é dada por Tereza Rodrigues Vieira em Bioética e Direito[9]. Significa morte correta, ou seja, a morte pelo seu processo natural. Neste caso o doente já está em processo natural da morte e recebe uma contribuição do médico para que este estado siga seu curso natural. Assim, ao invés de se prolongar artificialmente o processo de morte (distanásia), deixa-se que este se desenvolva naturalmente (ortotanásia). Somente o médico pode realizar a ortotanásia, e ainda não está obrigado a prolongar a vida do paciente contra a vontade deste e muito menos aprazar sua dor.
A ortotanásia é conduta atípica frente ao Código Penal, pois não é causa de morte da pessoa, uma vez que o processo de morte já está instalado. Desta forma, diante de dores intensas sofridas pelo paciente terminal, consideradas por este como intoleráveis e inúteis, o médico deve agir para amenizá-las, mesmo que a conseqüência venha a ser, indiretamente, a morte do paciente.
1.5 Vida: Um Direito indispensável decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana
O direito à vida está garantido pela Constituição Federal e reafirmada pela cláusula pétrea. Em seu art. 5º afirma-se que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança…”
“…Esta (a vida) não é uma concessão jurídico-estatal, nem tão pouco o direito de uma pessoa sobre si mesma. Logo, não há como admitir a licitude de um ato que ceife a vida humana, mesmo sob o consenso de seu titular, porque este não vive somente para si, uma vez que deve cumprir sua missão na sociedade. (…) A vida exige que o próprio titular do direito à respeite”[10].
Ao se verificar a cláusula Pétrea, ela traz que por força do art. 60, § 4º, inciso IV, da C.F., os direitos e garantias individuais previstos na Lei Maior, dentre eles o direito à vida, não podem ser suprimidos, nem mesmo por emenda à Constituição.
Com base nestes preceitos é possível se dizer que a eutanásia é uma afronta a lei vigente e as leis da vida, onde as pessoas nascem, crescem e morrem, sem precisar ter suas vidas retardadas ou retiradas precocemente.
1.6 Sobre o Código de Ética Médica
O atual Código de Ética Médica afirma em seu primeiro capítulo que o guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano, ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
O documento ainda ressalta que é vedado ao médico no art. 56 desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida; deixar de utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do paciente (art. 57) e abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal (art.41), isto é praticar a eutanásia, mesmo nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis, de acordo com o parágrafo único.
No capítulo que trata sobre os Direitos Humanos é vedado ao médico pelo art. 22 deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo, sob o procedimento a ser realizado, salvo em risco iminente de morte”.
1.7 Dilema e polêmica
Casos como do polonês Jan Grzebski[11], do americano Terry Wallis[12], que acordaram depois de 19 anos em coma e da americana Terri Schiavo[13], que morreu após 15 anos pela prática da eutanásia nos levam a reflexão. Será que, enquanto homens, temos o direito de retirar a vida de alguém, mesmo que esta esteja comprometida, sem esperanças de reação e sobrevivência? A lei, pelo menos no Brasil, não permite tal atitude.
Jan Grzebski foi vítima de um acidente de trabalho em 1988. Após ser atropelado por um vagão, o ferroviário pareceu superar o trauma sem problemas, a não ser os diversos dentes quebrados que o faziam sofrer. Mas, algumas semanas mais tarde, ele perdeu a capacidade de falar, não consegue mais mexer os seus membros, e acabando em estado de coma. Ele permaneceu 19 anos neste estado, quando então acordou.
Terry Wallis também foi notícia no mundo inteiro porque abriu os olhos novamente depois de dezenove anos em estado de coma após sofrer um acidente de carro, nos Estados Unidos. Fato raro, segundo a Medicina, uma vez que a freqüência comum de reavivamento é de três meses.
Já a americana Terri Schiavo morreu após a prática da eutanásia. Ela ficou 13 dias sem receber alimentação e água devido ao desligamento da sonda que a mantinha viva por decisão judicial. A morte ocorre após uma intensa batalha legal, iniciada há sete anos e intensificadas nas últimas semanas com uma série de apelos dos pais de Terri para mantê-la viva. Terri, 41 anos, vivia há 15 anos em estado vegetativo e seu marido, Michael Schiavo, solicitou na justiça que a sonda que a alimentava fosse desligada, pois ela manifestou que não queria ser mantida viva artificialmente.
Mestrando em Filosofia do Direito (PUC -SP) , bacharel em Direito (PUC- SP) , Administrador de Empresas (FAAP)
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