Resumo: O presente artigo trata do trabalho escravo atualmente praticado no Brasil. Inicia-se com a conceituação de trabalho escravo. Faz-se um breve histórico da evolução da escravidão em nosso país, desde a sua origem até chegarmos às manifestações contemporâneas. Expõem-se os elementos que caracterizam o trabalhador escravo, abordando como se dá essa relação trabalhista.
Palavras-chave: escravidão, trabalho escravo, índio, negro.
Abstract: This study is about the slave labor in Brazil nowadays. It presents an evolution of this kind of labor in our country, from its origins until modern expressions. It exposes the elements that characterize the slave worker, pointing out the aspects of the labor relation.
Keywords: Slavery. Slave Labor. Indian. Black
Sumário: Introdução. 1. Evolução do trabalho escravo no Brasil.1.1. Considerações Gerais, 1.2. Escravidão do índio, 1.3. Escravidão do negro africano, 1.4. Movimento abolicionista, 1.5. O regime semi-servil dos imigrantes. 2. Manifestações contemporâneas da escravidão no Brasil. 2.1. considerações iniciais. 2.2. Escravidão contemporânea no Brasil. 2.3. Caso José Pereira. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A presente obra busca analisar a condição degradante que muitas pessoas são submetidas; mostrando que o trabalho escravo não foi efetivamente abolido, sendo uma realidade triste e notória.
No primeiro capítulo, estudaremos a evolução histórica da escravidão no Brasil, desde a origem até as manifestações contemporâneas. A análise compreende a escravidão indígena e sua posterior substituição pela mão-de-obra negra; o movimento abolicionista e o regime de semi servidão a que os imigrantes europeus foram submetidos.
O segundo capítulo trata da escravidão contemporânea. Tratamos do início da prática escravista, que teve suas primeiras denúncias nas décadas de 60 e 70, época de expansão econômica e desenvolvimento da Amazônia. Enfocamos também as condições degradantes de trabalho a que são submetidos os empregados, abordando, também, que não só a zona rural é alvo dessa prática, mas também a zona urbana, tendo como principais vítimas os imigrantes bolivianos.
No terceiro tópico do segundo capítulo, narramos o caso emblemático de José Pereira, que se destacou como primeiro caso contra o Brasil a chegar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ganhando notoriedade nacional e internacional e trazendo conseqüências positivas para a política de combate ao trabalho escravo no Brasil.
Por fim, ressaltamos que o tema proposto não foi escolhido apenas debater o tema com uma perspectiva garantista, democrática e participativa, mas sim pela gravidade e permanência do fenômeno da escravidão no Brasil. O que pretendemos é trazer a compreensão do que realmente é a escravidão contemporânea, que o problema ainda faz parte de nosso cotidiano e que ainda resta muito a ser feito para eliminar essa chaga de nosso país. O problema não deve ser combatido de forma solitária, mas contributiva. A escravidão envolve diversos problemas, a miserabilidade das pessoas, a desigualdade econômica, a falta de empregos, a ineficácia da reforma agrária, a prática de crimes ambientais e a falta de impunidade.
1. EVOLUÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL
1.1. Considerações Gerais
O termo trabalho possui derivação do latim vulgar tripaliare, que significa “martirizar com o tripalium” (instrumento de tortura composto de três paus).[1]
Como direito fundamental, o trabalho tem o poder de dignificar o homem, enaltecê-lo, enriquecê-lo, tornando-o capaz de desenvolver suas potencialidades; é por meio dele que as pessoas garantem seu lugar na sociedade. Sem ele o ser humano sente-se marginalizado. O direito de trabalhar propicia o desenvolvimento humano, pois além de garantir o sustento do homem e de sua família; é primordial para o crescimento do país.
Infelizmente, a atual conjuntura, marcada pela miséria, alto índice de desemprego, automação, falta de políticas que viabilizem a reforma agrária, levam muitos trabalhadores a se submeterem a condições análogas a de escravidão.
Como forma de proteger o trabalhador, garantindo uma relação laboral digna, com direitos mínimos, impõe-se a intervenção do Estado, através de normas de proteção ao trabalho.
A característica essencial do escravo reside na sua condição de propriedade de outro ser humano, noção que traz, necessariamente, a idéia de sujeição pessoal. Transcrevendo as palavras de Brion Davis:
“Em geral, tem sido dito que o escravo possui três características definidoras: sua pessoa é a propriedade de outro homem, sua vontade está sujeita à autoridade do seu dono e seu trabalho ou serviços são obtidos através da coerção”[2].
Brion Davis nos apresentou atributos inerentes ao escravo; um ser propriedade de outro; a sujeição do homem ao homem e a coerção como meio de manter os atributos anteriores. Não podemos deixar de citar o conceito de propriedade pronunciado por Aristóteles:
“Propriedade é uma palavra que deve ser entendida como se entende a palavra parte: a parte não se inclui apenas no todo, mas pertence ainda, de maneira absoluta, a uma coisa outra que ela mesma. Assim a propriedade: o senhor é simplesmente o senhor de escravo, porém não pertence a este essencialmente; o escravo, ao contrário, não só é escravo do senhor, como ainda lhe pertence de um modo absoluto.”[3].
Para Aristóteles, a produção precisa de instrumentos inanimados e outros animados, sendo, portanto, o trabalhador um instrumento animado. O escravo é uma “propriedade viva”; um ser que é, ao mesmo tempo, coisa. É a sujeição do homem pelo homem, e na sua condição de escravo, não há mais como diferenciar as expressões “ser coisa” e “ser humano”.
O conceito de trabalho escravo utilizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) é o seguinte: toda forma de trabalho escravo é trabalho degradante, mas o recíproco nem sempre é verdadeiro. O que diferencia um conceito do outro é a liberdade.[4]
1.2. Escravidão do Índio
A formação aborígene desconhecia a escravidão até a chegada dos colonizadores. Até mesmo o prisioneiro de guerra, em condição de inferioridade, não era considerado escravo, pois trabalhava igual aos outros e era beneficiado com a distribuição igualitária dos produtos.
Com a chegada dos portugueses é que foi estabelecida, verdadeiramente, a escravidão. A primeira relação de trabalho entre os portugueses e os índios se deu pelo “escambo”; em troca de materiais baratos, como colares, pulseiras e espelhos, novidades aos olhos dos nativos, os aborígenes cortavam e carregavam madeira (pau-brasil) para os colonizadores.
Em 1530, com a experiência no cultivo da cana de açúcar nas ilhas do Atlântico – Cabo Verde, Madeira e Açores -, Portugal viabilizou, no Brasil, o cultivo da cana de açúcar, iniciando-se o processo de colonização.
Esporadicamente, as primeiras expedições portuguesas ao Brasil trataram de começar a escravizar a mão-de-obra indígena, normalmente recrutada de assentamentos jesuíticos. A Coroa portuguesa, assim que se interessou pela colonização sistemática, logo legalizou a escravidão dos aborígenes e o fez por meio das Cartas de Doação das capitanias hereditárias, pois a mão de obra nativa, no século XVI, era cerca de três vezes mais barata que a negra.
As chamadas “guerras justas” legitimavam a escravidão e, segundo a Carta Régia, eram definidas como aquelas autorizadas pela Coroa e pelos governadores ou travadas em defesa contra ataques dos índios pertencentes a tribos antropófagas. A Provisão de 17 de outubro de 1653 e a Provisão de 9 de março de 1718 estenderam esse conceito, elencando como condição única para escravidão o fato de serem selvagens, ou seja, qualquer índio, pois não há como se falar em índio que não possua tal característica.
As expedições de apresamento eram organizadas para a caça ao índio com a finalidade expressa de escravidão e tráfico. Os bandeirantes paulistas eram seus principais praticantes; levando a devastação de várias missões jesuíticas e provocando uma súbita expansão do mercado escravo índio.
A legislação da Coroa reconheceu, então, a legalidade da compra de índios prisioneiros condenados pelas tribos ao sacrifício ritual. Assim, as lutas intertribais foram estimuladas, a própria Fazenda Real fazia a intermediação exclusiva desse escambo. Foi o primeiro passo para o surgimento da “escravidão voluntária”, na qual os índios, induzidos pelos portugueses, ofereciam seus filhos como escravos, os quais perpetuavam essa condição aos seus filhos.
As leis pombalinas de 1755 e 1758 aboliram a escravidão indígena, porém, não tiveram muita efetividade. Em 1766, uma Carta Régia autorizou a prisão dos índios vagabundos, o que, na realidade, eram sinônimos de índios livres, gerando a perpetuação da escravidão aborígene.
Muitos morreram de epidemias trazidas pelos brancos, sobretudo de sarampo e rubéola. Grandes conhecedores da terra, eles fugiam para o interior da colônia em busca de proteção. A mão de obra aborígene, aos poucos, foi sendo considerada insuficiente e não especializada. O índio não produzia excedente, não era acostumado com o trabalho sistemático e com organização adequada para atender ao mercantilismo.
Os jesuítas catequizavam os índios e lucravam com a liberdade deles, pois o aborígene explorava as drogas do sertão (guaraná, cacau, gengibre, baunilha). Tanto para a Igreja quanto para a burguesia, a escravidão do índio não mais interessava; os lucros exorbitantes provenientes do tráfico negreiro eram mais atraentes. O dinheiro era repartido entre os traficantes, a Coroa Portuguesa e a Igreja Católica.
1.3. Escravidão do negro africano
O escravo negro foi trazido ao Brasil para trabalhar, principalmente, em canaviais e engenhos de açúcar. O tráfico negreiro teve seu inicio oficial no ano de 1559, quando a metrópole portuguesa permitiu o ingresso de escravos africanos no Brasil. Entre 1576 e 1600, cerca de 40.000 (quarenta mil) escravos africanos desembarcaram no Brasil, entre 1601 e 1625, esse número mais que triplicou, indo para aproximadamente 150.000 (cento e cinqüenta mil).
O negro, tanto quanto o índio, era submetido a jornadas de trabalho extensas, de até 18 horas diárias. Os maus tratos eram constantes, em 1º de março de 1700, o Rei de Portugal, Dom Pedro II escreveu uma carta em forma de protesto ao governador-geral:
“Não lhe dando fardas e outros nem ainda farinha, e comentando dos cruéis castigos, por dias e semanas inteiras, havendo alguns que por anos se acham metidos em correntes, sendo mais cruéis as senhoras em alguns casos para com as escravas, apontando-se alguns que obram tanto os senhores como as senhoras com tal crueldade como são pingar de lacre e marcar com ferro ardente nos peitos e na cara, executando neles a mutilação de membros. De Francisco Pereira de Araujo se diz que cortou as orelhas a um, e pingou com lacre; outro veio do sertão, a quem o senhor cortou as partes pudendas, entendeu com uma sua negra; de outro, que se curou no hospital, se diz que foi tão cruelmente açoitado do seu senhor que lhe provocara especialmente o rigor da Justiça Divina, pelo que é de razão. Diz ainda de castigos que se fazem por suspensão de cordas em árvores, para que os mosquitos os estejam picando e desesperando, sobre os açoitarem e pingarem com a mesma crueldade que fazem os demais…”[5].
A produção canavieira no Brasil começou a declinar após a expulsão dos holandeses de Pernambuco. Detendo as técnicas necessárias para implementação da cultura do açúcar, os holandeses se instalaram na região do Caribe, tornando-se fortes concorrentes dos portugueses, assim, os luso-brasileiros passaram a se dedicar a procurar minerais na colônia conquistada.
Por volta do século XVI foram descobertas as “minas gerais” na região central do Brasil, provocando a migração da sociedade colonial do litoral para o interior. O africano passou a ser mais explorado que nos canaviais, levando ao aumento das fugas, formação de quilombos, matança dos senhores, rebeliões e suicídios. Entre 1720 e 1741, a quantidade de escravos trazidos ao Brasil superou a marca de 310.000 (trezentos e dez mil). [6]
No período da mineração, muitos escravos fugiam formando quilombos, que era uma aldeia onde se concentravam os escravos foragidos, localizando-se, geralmente, em áreas de difícil acesso. A atividade desenvolvida pelos escravos, na mineração, impossibilitava o controle rígido e íntegro, dos senhores, no processo de lavra, o que permitia aos negros esconder minérios para, futuramente, comprar a própria alforria.
Além do deslocamento do eixo econômico do Nordeste para o Centro-Sul, transferindo a capital de Salvador para o Rio de Janeiro, surgiram várias cidades na região das minas, possibilitando o desenvolvimento do capitalismo europeu e, por conseguinte, levando ao crescimento do trabalho livre.
1.4. Movimento Abolicionista
O sistema capitalista não comportava mais o escravismo, era necessário o trabalho assalariado para a formação de um mercado consumidor dos produtos industrializados. A Inglaterra, pólo central de desenvolvimento da Revolução Industrial, estimulava a migração do sistema mercantilista para o industrial. As colônias inglesas, localizadas nas Antilhas, não mais utilizavam a mão de obra escrava, assim, o açúcar produzido se tornava mais caro que o brasileiro, que era beneficiado pela manutenção do escravismo, prejudicando os interesses ingleses.
Entre 1840 e 1889 – Segundo Reinado -, a cafeicultura se desenvolveu em grande escala; seu cultivo era marcado pelo sistema de “plantation”: latifúndio, monocultura, mão de obra escrava e produção para exportação. Os grandes lucros provenientes do café foram implantados no desenvolvimento do setor industrial, o qual começou a partir da década de 40 (quarenta).
Em 1831, devido a ameaças externas, principalmente da Inglaterra, foi editada a Lei Feijó, proibindo o tráfico negreiro no Brasil. De fato, esta lei não teve efetividade, dando origem à expressão “para inglês ver”. Buscando efetividade, em 1845, os ingleses criaram um tratado – Bill Aberdeen – que autorizava o apresamento de navios brasileiros que estivessem transportando escravos; os navios eram incorporados a frota inglesa e os traficantes eram julgados por tribunais ingleses.
Foi então que, em 1850, o tráfico negreiro foi extinto por meio da Lei Eusébio de Queiroz, na verdade, uma simples reedição da Lei Feijó, a qual não produziu os efeitos esperados. Aliada a Lei Eusébio de Queiroz, foi publicada, em 1854, a Lei Nabuco de Araújo, que cominava pesadas sanções aos traficantes de escravos.
Em 1850, a Lei de Terras regularizou o regime de propriedade territorial no Brasil, dividindo-a em duas categorias: particulares e públicas. Dessa maneira, a aquisição de terras públicas só se concretizava através da compra e venda, ficando extinta a aquisição por posse e doação da Coroa, dificultando a formação de pequenas propriedades, mantendo os trabalhadores livres sob a subordinação dos grandes proprietários, dada à escassez de mão de obra decorrente do fim do tráfico de escravos.
Outras Leis de caráter abolicionistas foram criadas até a efetiva proibição da escravidão. Lei Visconde Rio Branco, de 1871, conhecida como lei do Ventre Livre; Lei Saraiva Cotegipe, de 1885, popularmente chamada de Lei dos Sexagenários; e, finalmente, Lei João Alfredo, de 1888, intitulada como Lei Áurea, declarando extinta a escravidão no Brasil.
Importante destacar que o Ceará foi o estado pioneiro na abolição, ocorrendo em 1884, o que só se tornou possível tendo em vista o número reduzido de escravos; as atividades econômicas desenvolvidas, como a pecuária, por exemplo; o alto custo da manutenção do negro; o tráfico interprovincial de escravos e os movimentos abolicionistas, como o promovido pela Sociedade Cearense Libertadora, impulsionada por Manuel de Oliveira Paiva.
A emancipação dos escravos ocorreu de maneira lenta e gradual, sendo marcada, no início, com a indenização oferecida pelo governo aos senhores; o que se pode observar com a Lei do Ventre Livre, na qual o proprietário do escravo deveria criar os menores até que completassem oito anos, quando os entregariam ao Governo, recebendo indenização, ou mantê-los-ia sob sua posse, até completarem 21 anos, tempo este em que prestavam serviços aos senhores para compensar os gastos com seu sustento. Foi criado um Fundo de Emancipação, destinado a pagar os senhores pela libertação de um determinado número de escravos por província.
A situação do escravo continuou a mesma, não se falava em indenização aos negros, somente aos senhores. Apesar de movimentos liderados por abolicionistas, não houve a integração social do ex-escravo. A idéia de inferioridade do negro em relação ao branco, como forma de justificar a escravidão, perdurou dando origem ao preconceito racial até os dias atuais.
Marginalizados, os ex-escravos enfrentaram o desemprego, a falta de moradia, enfim, não havia programas que integrassem o negro a sociedade. Os reflexos dessa escravidão perduram até hoje, não há democracia racial, mas tolerância racial. Os negros, estatisticamente, recebem menos que os brancos, não estão em grande número nas universidades, e compõe grande parte da população pobre brasileira.
1.5. O regime semi-servil dos imigrantes
Diante da escassez de mão de obra, os fazendeiros do café passaram a financiar a vinda de imigrantes europeus para trabalharem em suas fazendas através do “Sistema de Parceria”, no qual os imigrantes deveriam reembolsar aos fazendeiros as despesas gastas com transporte, moradia, alimentação, ferramentas utilizadas no cafezal, produtos comprados nos armazéns. Os colonos vinham em família, permitindo a obtenção de trabalho a baixo custo fornecido pelas mulheres e pelas crianças.
Em regime de trabalho semi-servil, os trabalhadores ficavam vinculados às fazendas até quitarem todos os seus débitos, dívidas estas que, quase sempre, mostravam-se abusivas. As fazendas eram organizadas em base escravista e os colonos europeus recebiam remuneração baseada na rentabilidade do trabalho. Essa forma semi-servil de exploração guarda especial analogia com as manifestações contemporâneas da escravidão.
“Precisa-se de muitos empreiteiros para a limpa de cafezais com mato de menos de um mês. Paga-se a seco: por mil pés 18$000 e 20$000. Diária, a molhado, 3$000. Por mês corrido, a molhado, 70$000, a seco 100$000. Muita atenção. A colheita de café será começada depois da Semana Santa.”[7].
Anúncios, como o supracitado, publicado no jornal paulista A Gazetinha, após a Abolição, eram feitos para estimular a vinda de estrangeiros, os quais sonhavam com um pequeno lote de terra em que pudessem se instalar com a família e plantar. O governo brasileiro investiu intensamente na propaganda, descrevendo um paraíso tropical onde se enriquecia rapidamente, porém o que havia eram baixos rendimentos aliados ao elevado preço da terra, concorrendo para que o colono permanecesse indefinidamente na fazenda, não havendo, portanto, a necessidade do emprego da violência para assegurar a produção dos trabalhadores.
Os imigrantes sofriam com a falta de liberdade religiosa; com as moradias feitas de pau-a-pique, sem forro, de chão batido e até nas antigas senzalas, e, principalmente, com o tratamento recebido pelos fazendeiros, acostumados com o regime de escravidão.
A entrada maciça de imigrantes no Brasil tornou dificultoso o financiamento das passagens pelos fazendeiros, assim, atendendo as necessidades dos cafeicultores, em 1860, o Governo deu inicio à imigração subvencionada, a qual transferia ao erário as despesas gastas com o transporte dos colonos e os liberando da obrigação de reembolso de tais gastos, aumentando, portanto, a remuneração recebida.
A mão de obra imigrante levou a superação do escravismo, acelerando o processo abolicionista que culminou com a Lei nº 3.353/88, conhecida como Lei Áurea.
2. MANIFESTAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL
2.1. Considerações Iniciais
A escravidão ainda persiste no mundo. No Brasil, as manchetes dos periódicos nos mostram essa realidade. Em 20/07/2012, foi publicada a seguinte matéria:
“Quatro trabalhadores em situação análoga à de escravos foram libertados no município de Nova Monte Verde (MT), a 950 km da capital Cuiabá, aplicando veneno em pastagens de uma fazenda de gado bovino para corte. Apesar de exercerem atividade considerada de risco à saúde, pela possibilidade de intoxicação, eles não tinham equipamentos de proteção individual necessários ou treinamento para a aplicação de agrotóxicos. Além disso, o grupo vivia em condições degradantes, sem instalações sanitárias ou acesso à água tratada.. ”[8].
Em 23/10/2012, notícia informa que o Ministério Público do Trabalho encontrou trabalho escravo em obra do Minha Casa, Minha Vida em Alagoas:
“O Ministério Público do Trabalho (MPT) encontrou operários em condições de escravidão num canteiro de obras para a construção de casas do Programa Minha Casa, Minha Vida, na cidade de Penedo, interior de Alagoas. A empresa Federação das Entidades Comunitárias e União de Lideranças do Brasil (Feulb), responsável pelas obras, foi autuada e obrigada regularizar a situação dos trabalhadores, além de pagar multas a cada uma das pessoas que foram submetidas à situação degradante de trabalho..” [9]
Até o dia 22 de outubro de 2012, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 1.684 trabalhadores de condições análogas a de escravo, contabilizando 91 ações em todo país.[10]
O trabalho forçado e a escravidão por dívidas não ficaram no passado; podem ser encontrados nos garimpos, nos seringais, nos desmatamentos, na produção de carvão, em indústrias de vestuário, em fábricas de CDs piratas. São frutos do lucro exacerbado, da omissão, da impunidade. A questão social, através da desigualdade social gritante, da falta de empregos, da política deficiente de reforma agrária, estimula a exploração do trabalhador hipossuficiente.
“o principal instrumento de escravização no Brasil de hoje é o endividamento – a imobilização física de trabalhadores em fazendas, até que terminem de saldar dívidas a que ficaram submetidos através de fraude e pelas próprias condições da contratação do trabalho. Trabalhadores de regiões atingidas pela recessão ou pela seca são aliciados por contratos verbais, e depois levados em caminhões que os transportam a milhares de quilômetros de distância, para trabalhar em condições perigosas. Ao chegar ao destino, os salários atraentes que lhes haviam sido prometidos são reduzidos, e depois confiscados para pagar o custo do transporte, da alimentação e até dos instrumentos de trabalho. Normalmente os trabalhadores não têm acesso aos cálculos dos encargos debitados em seu nome, e não recebem dinheiro vivo. Com o passar do tempo, a dívida dos trabalhadores vai ficando maior, de tal modo que lhes é impossível ir embora. A identidade e a carteira de trabalho freqüentemente são retidas para que os trabalhadores não escapem. A intimidação e a força física são comuns para evitar fugas. ”[11].
2.2. Escravidão contemporânea no Brasil
As primeiras denúncias de trabalho escravo contemporâneo no Brasil ocorreram nas décadas de 60 e 70, época de expansão econômica e desenvolvimento da Amazônia. Processo iniciado pelo governo militar, através do estímulo à ocupação por camponeses das regiões Nordeste e Sul do país; e por incentivos fiscais.
A Amazônia recebeu recursos de quase todos os programas governamentais. As grandes empresas foram contempladas com reduções de até 50% de todo o imposto por elas devido, desde que o correspondente a mais de dois terços desse abatimento fosse revestido em projetos agrícolas ou industriais na Amazônia Legal.
Empresas multinacionais como Volkswagen, Nixdorf, Liquigás, e grupos bancários nacionais como Bradesco, Banco Real e Bamerindus, foram beneficiados com as políticas governamentais de incentivo.
No início da década de 70, a igreja começou a fazer denúncias da existência de trabalhadores submetidos a escravidão. Em 1983, na fazenda-modelo da empresa Volkswagen, em Santana do Araguaia, no Sul do Pará, foram identificados aproximadamente mil homens submetidos a trabalho forçado. A denúncia foi feita pela Comissão Pastoral da Terra; o inquérito policial responsabilizou os aliciadores e empreiteiros pelos maus-tratos sofridos pelos trabalhadores. A Volkswagen não foi responsabilizada. A denúncia não resultou em ação penal, e somente quatro dos mil trabalhadores receberam indenizações trabalhistas, após quatorze longos anos de processo.[12]
“Ao invés de se constituir numa abertura do território com bases nos valores da democracia e da liberdade, a expansão da frente pioneira deu-se numa expansão apoiada num quadro fechado de ditadura militar, repressão e falta de liberdade política. Sobretudo num contexto de anticomunismo em que, justamente as classes trabalhadoras, na cidade e no campo, se tornavam suspeitas de subversão da ordem política sempre que reagiam às más condições de vida que o regime lhes impusera.” [13]
A vasta extensão territorial da Amazônia tornou a fiscalização bastante complicada, estimulando a ação dos “gatos” em regiões pobres do Norte e Nordeste. Para efetivar o desmatamento, para formação de pastos, produção de carvão para as indústrias siderúrgicas, os “gatos” fazem a intermediação da mão-de-obra, sendo, em muitos casos, utilizados para encobrir o vínculo empregatício entre o trabalhador e o latifundiário. O ordenamento jurídico brasileiro não admite a contratação de trabalhadores por pessoa interposta.
As mercadorias produzidas pela mão-de-obra escrava são a pecuária, a cana-de-açúcar, a madeira, o algodão, a soja, o carvão vegetal para o aço. Muitos desses itens são produzidos em grande escala e, em parte, utilizados para a exportação. Dessa forma, o fazendeiro explora a todo custo a mão-de-obra escrava para obter o máximo de lucro e conseguir competir no mercado internacional, gerando, na prática, uma concorrência desleal com relação àqueles que operam seguindo a legislação trabalhista. Observa-se, portanto, que a maioria das empresas responsáveis pela prática da escravidão é de grande porte.
O Tocantins e a região Nordeste, tendo à frente os Estados do Maranhão e Piauí, são os maiores fornecedores de mão-de-obra escrava. Os altos índices de desemprego nessas regiões gera um contingente significativo de pessoas em busca de trabalho, visando o seu sustento e o de sua família. Maranhão é a unidade da federação com menor Índice de Desenvolvimento Humano, possuindo a maior quantidade de trabalhadores libertos da escravidão. Pará e Mato Grosso são os campeões em resgates de trabalhadores pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
O aliciamento é feito com promessa de garantia de assistência médica, contrato, bons salários, transporte e dinheiro para a diversão. Iniciando a dívida do trabalhador, o “gato” já fornece o alimento, o transporte; não raro é deixado um adiantamento para a família do obreiro, valor que não alcança um salário-mínimo.
Muitos vão espontaneamente. A falta de recursos, de oportunidades; a necessidade de renda para o sustento próprio e da família, são os principais impulsionadores. Buscam fugir da rotina em que vivem, almejam mudar de vida; querem ser respeitados, como um trabalhador, pela família e pela comunidade.
Há também os chamados “peões do trecho”, os quais, após terem saído de sua terra natal, não possuem residência fixa, vão de trecho em trecho a procura de trabalho. Geralmente se hospedam nos “hotéis peoneiros”, localizados próximo à rodoviária ou aos pontos de aliciamento, onde os intermediários os encontram e “compram” suas dívidas, levando-os para as fazendas. Muitos intermediários são, também, os donos das pensões; sendo, os trabalhadores, verdadeiras mercadorias.
O transporte até as fazendas, em geral, é feito de forma clandestina, em caminhões ou ônibus sem as mínimas condições de segurança. Chegando às fazendas, os trabalhadores já se encontram endividados, as condições de trabalho as quais são submetidos são bem diferentes das prometidas pelo “gato”. As fazendas são isoladas, os alojamentos são precários e coletivos; não há comércio, postos de saúde. Os gastos com transporte; alimentação; instrumentos de trabalho, como luvas, botinas e chapéus, são anotados em um “caderno”. Qualquer produto só pode ser adquirido no armazém de propriedade do fazendeiro, onde os preços das mercadorias são muito superiores àqueles praticados no comércio corrente.
Isolado da rede econômica, social e cultural na qual estava inserido, o obreiro fica impedido de se retirar do trabalho sob a alegação de que possui dívidas a pagar, dívidas estas que nunca serão saldadas. Sem acesso ao “caderno” com seus débitos, o trabalhador fica eternamente refém do sistema escravista. O obreiro permanece vigiado pelo aliciador; ao reclamar ou tentar fugir, é submetido a torturas, maus-tratos, podendo até perder a vida.
Doenças tropicais endêmicas, como malaria e febre amarela, são comuns nas fronteiras agrícolas. Doentes, os trabalhadores se tornam indesejáveis, não há atendimento médico na região; nos casos mais graves, o obreiro percorre quilômetros até alcançar uma estrada, na esperança que apareça alguém que possa levá-lo a uma cidade mais próxima. É comum que muitos deles venham a falecer. Não há saneamento, água potável, muito menos sanitário; a água tirada do córrego é usada para beber; cozinhar; tomar banho; lavar roupas, panelas e os equipamentos usados no serviço. Não raro as chuvas carregam o veneno aplicado no pasto para o córrego.
O trabalho escravo não se limita à zona rural; há incidência do trabalho escravo na zona urbana, notoriamente no estado de São Paulo, tendo como vítimas imigrantes ilegais. São bolivianos, chilenos, paraguaios e peruanos que compõe uma oferta abundante de mão-de-obra barata em São Paulo.
Todos os anos muitos imigrantes, em especial bolivianos, saem de seus países, clandestinamente, fugindo da miséria e buscando melhores condições de vida no Brasil. Sem documentação, os imigrantes recorrem a oficinas de costuras também clandestinas, muitas localizadas no centro da cidade de São Paulo. Lá eles cumprem longas jornadas de trabalho, trabalham sem garantias sociais, ganham bem menos que outros trabalhadores e permanecem confinados em cômodos acanhados na região central da capital, como Brás, Bom Retiro e Pari.
2.3. Caso José Pereira
O caso José Pereira foi o primeiro caso contra o Brasil a chegar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ganhando notoriedade nacional e internacional. A denúncia foi realizada pela Comissão Pastoral da Terra juntamente ao Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL). O Brasil violou a Convenção e a Declaração de Direitos Humanos, pois não cumpriu a obrigação de proteger todos aqueles submetidos a condições análogas à escravidão, permitindo sua permanência por omissão ou cumplicidade.
José Pereira partiu de sua cidade em direção a Xinguara (PA), juntamente com outros trabalhadores, permanecendo hospedados em uma pensão. Dias depois, um intermediário comprou a dívida contraída pelos trabalhadores na pensão – alimentação e hospedagem. Começava, então, a escravidão por dívida.
Na fazenda, havia mais 30 homens trabalhando na roça, preparando o pasto paro o gado criado na fazenda. Os obreiros não sabiam quanto deviam, só tinham conhecimento que o valor da dívida era alto e que era necessário que trabalhassem bastante para liquidar os débitos. José Pereira e seu colega de trabalho, Paraná, decidiram que não havia mais condições de permanecer ali por muito tempo.
“José Pereira – E, aí, nós fugimos de madrugada, numa folga que o gato deu. Andamos o dia todo dentro da fazenda. Ela era grande e tinha duas estradas, mas a gente só sabia de uma. Nessa, que a gente conhecia, eles não passavam. Mas já tinha rodeado pela outra e botado trincheira na frente, tocaia, né. Não sabíamos… Mais de cinco horas passamos na estrada, perto da mata. E quando saímos da mata, fomos surpreendidos pelo Chico, que é o gato, e mais três, que atiraram no Paraná, e ele caiu morrendo. Eles foram buscar uma caminhonete e, com uma lona, forraram a carroceria. Aí colocaram o Paraná de bruços e me mandaram andar. Eu andei uns 10 metros e eles atiraram em mim.[…]
José Pereira – É. Acertou meu olho. Pegou por trás. Aí eu caí de bruços e fingi de moro. Eles me pegaram também e me arrastaram, me colocaram de bruços, junto com o Paraná, me enrolaram na lona. Entraram na caminhonete, andaram uns 20 quilômetros e nos jogaram na rodovia PA-150, em frente da fazenda Brasil Verde. O Paraná estava morto. Eu me levantei e fui para a Brasil Verde. Procurei socorro e o guarda me levou ao gerente da fazenda, que autorizou um carro a me deixar em Xinguara, onde fui hospitalizado.”.[14]
O episódio ocorreu em 1989, quando José Pereira tinha 17 anos de idade; em Belém, ele fez tratamento no olho, porém não conseguiu recuperar a visão. Após o ocorrido, o labutador denunciou a fazenda Espírito Santo à Polícia Federal.
A Polícia Federal já havia recebido denuncias da prática de trabalho escravo na Fazenda Espírito Santo desde 1987 pela Comissão Pastoral da Terra. Um mês após à denúncia, somente em virtude da insistência de grupos ativistas de direitos humanos ao governo central em Brasília, José Pereira retornou à fazenda acompanhado de autoridades policiais. No local, havia mais 60 trabalhadores vivendo sob regime de trabalho escravo. Os responsáveis não foram localizados.
Transcorridos mais de quatro anos dos fatos, em fevereiro de 1994, a Comissão Pastoral da Terra uniu-se à CEJIL e denunciou o Estado brasileiro à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos com sede em Washington. A petição formulada apontava o desinteresse e ineficácia nas investigações. Até o momento da denúncia, ninguém havia sido procurado ou condenado pelo caso em análise, nem por nenhum outro caso relativo a trabalho escravo, no Estado do Pará. Alegou cumplicidade de policiais estaduais, que, em muitos casos, apreendem os trabalhadores submetidos à escravidão e os devolvem às fazendas, além de fazerem “vista grossa” quando os aliciadores prendem os obreiros fugitivos. Denunciou o descaso do governo diante do aumento do número de trabalhadores escravizados e submetidos à extrema violência, pois nenhum fazendeiro ou capataz havia sido condenado até a data da denúncia.
No caso ora em análise, foi evidenciado que o Brasil violou os seguintes artigos da Declaração Americana dos Direitos e Deveres:
“Art. I. Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa. […]
Art. XIV. Toda pessoa tem direito ao trabalho em condições dignas e o direito de seguir livremente sua vocação, na medida em que for permitido pelas oportunidades de emprego existentes. Toda pessoa que trabalha tem o direito de receber uma remuneração que, em relação à sua capacidade de trabalho e habilidade, lhe garanta um nível de vida conveniente para si mesma e para sua família. […]
Art. XXV. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, a não ser nos casos previstos pelas leis e segundo as praxes estabelecidas pelas leis já existentes. Ninguém pode ser preso por deixar de cumprir obrigações de natureza claramente civil. Todo indivíduo, que tenha sido privado da sua liberdade, tem o direito de que o juiz verifique sem demora a legalidade da medida, e de que o julgue sem protelação injustificada, ou, no caso contrário, de ser posto em liberdade. Tem também direito a um tratamento humano durante o tempo em que o privarem da sua liberdade.”[15]
A Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, também foi infringida.
“Art. 6o – Proibição da escravidão e da servidão
1. Ninguém poderá ser submetido à escravidão ou servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas.
2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa de liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de proibir o cumprimento da dita pena, imposta por um juiz ou tribunal competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade, nem a capacidade física e intelectual do recluso.
3. Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste artigo:
a) os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviços devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado;
b) serviço militar e, nos países em que se admite a isenção por motivo de consciência, qualquer serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele;
c) o serviço exigido em casos de perigo ou de calamidade que ameacem a existência ou o bem-estar da comunidade;
d) o trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais. […]
Art. 8o – Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal;
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa;
d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;
e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;
f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos;
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e
h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.
3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.
4. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.
5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.[…]
Art. 25 – Proteção judicial
1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juizes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.
2. Os estados-partes comprometem-se:
a) a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso;
b) a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e
c) a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso.”[16]
Somente em 18 de setembro de 2003, os peticionários e o Estado brasileiro, após grande pressão internacional, assinaram acordo de conciliação, no qual o governo reconheceu a responsabilidade perante a comunidade internacional e foi estabelecido um rol de compromissos referentes ao julgamento e sanção dos responsáveis, medidas pecuniárias de reparação, medidas de prevenção, modificações legislativas, de fiscalização e sanção e medidas de sensibilização contra o trabalho escravo.
O reconhecimento público da responsabilidade do Estado brasileiro foi de suma importância, pois impulsionou a criação da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE) e a alteração do art. 149 do Código Penal, que trata da condição análoga a escravo, por meio da Lei 10.803, de 11 de dezembro de 2003, conforme trataremos nos próximos tópicos.
Em 2003, foi enviado ao Congresso um projeto de lei prevendo indenização, a José Pereira, por danos morais e materiais, contabilizando R$52 mil reais.
Apesar da grande repercussão do caso, os infratores não foram punidos, tendo em vista o grande espaço de tempo transcorrido entre o inquérito e o oferecimento da denúncia, chamado de prescrição retroativa. Os acusados continuam foragidos.
Esse caso é somente mais um dentre os milhares que acontecem todos os dias, principalmente na zona rural de nosso país. Por isso a Comissão Pastoral da Terra e a CEJIL propuseram a competência da Justiça Federal para o julgamento do crime de escravidão, além de uma série de mudanças legislativas e administrativas, almejando uma fiscalização mais eficaz e garantindo a punição dos infratores. Tais propostas foram incluídas no Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, no início de 2003.
CONCLUSÃO
O presente trabalho foi iniciado conceituando o trabalho escravo, a submissão do homem pelo homem. Em seguida, discorreu-se sobre a evolução do escravismo no Brasil, diferenciando as características escravistas ao longo da história.
O primeiro capítulo ressaltou que a chegada da escravidão em nosso país se deu com a vinda dos portugueses, perdurando até hoje.
Foi visto que o regime semi-servil a que eram submetidos os imigrantes, vindos da Europa, possui características bastante semelhantes com o escravismo contemporâneo, ambos marcados pela dívida
No segundo capítulo, a escravidão contemporânea foi abordada. Transcrevemos o depoimento de José Pereira, trabalhador submetido a escravidão, mostrando o sofrimento dos obreiros escravizados.
Ao final, concluímos que o combate ao trabalho escravo no Brasil deve ser uma prioridade não só do governo, mas de todos os setores da sociedade. Não se devem medir esforços para assegurar que o clima de impunidade atual não persista. Infelizmente a lei existe, mas não é aplicada; as relações de trabalho estão distorcidas, sendo incongruentes aos princípios e normas protetivas preconizados pela legislação brasileira. A aparente incapacidade do nosso sistema jurídico em fazer justiça nos casos que vão a julgamento na área dos direitos humanos garante a continuidade das práticas análogas à escravidão.
É preciso dar maior consciência à população da existência dessa prática; campanhas de informação ao público deveriam ser organizadas conjuntamente pelo governo, sindicatos, mídia, entidades não-governamentais.
É nosso desejo chamar a atenção para a gravidade do problema. É inaceitável a continuidade de uma prática que fere o próprio sistema democrático, e, sobretudo a dignidade da pessoa humana. A aplicação do disposto em nosso ordenamento seria um longo passo na caminhada pela extinção do trabalho escravo.
Pós Graduada Lato Sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Universidade Gama FIlho. Advogada. Graduada pela Universidade Federal do Ceará
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