Exceção de pré-executividade: breve reflexão sobre o seu cabimento e os seus efeitos na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

Resumo: o presente texto tem por objetivo analisar, em linhas gerais, a exceção de pré-executividade enquanto meio de defesa consagrado na jurisprudência, destacando as hipóteses em que é cabível e debatendo os seus efeitos perante a execução.

Palavras-chave: Exceção de pré-executividade. Execução Civil. Cumprimento de Sentença. Honorários advocatícios.

Abstract: this text aims to analyze, in general, the pre-execution exception as a mean of defense enshrined in the jurisprudence, highlighting its requirements and discussing its effects before the execution.

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Keywords: Pre-execution exception. Civil execution. Sentence execution. Attorney’s fees.

1. Como regra, a execução forçada não comporta defesa interna, já que o direito está devidamente aparelhado em um título executivo (judicial ou extrajudicial). Não significa que não possam ser visualizados casos em que o executado possa se voltar contra os atos executivos. Assim, no curso do cumprimento de sentença, prevê o diploma processual a impugnação – meio típico para que sejam apontados específicos vícios – e, também, na ação de execução prevê a lei especial forma de defesa manifestada através de nova demanda titulada embargos à execução, ou, embargos do devedor.

2. Há, porém, uma conhecida defesa forjada jurisprudencial e doutrinariamente com o fito de evitar atos constritivos (como a penhora) e, frequentemente, obstar o seguimento de atos mais gravosos (como a expropriação de bens). Trata-se da exceção de pré-executividade. Objeção atípica, mas que, nas lides forenses tem presença constante.

3. Como não é da natureza do procedimento executivo a realização de ampla cognição, por mais que aceita a citada medida defensiva, o seu objeto é limitado. Não é qualquer matéria que pode ser conjurada em sede de exceção de pré-executividade. Assim, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou tese restritiva, no sentido de que apenas matérias conhecíveis de ofício e que não demandem dilação probatória poderiam ser conhecidas neste degrau (vide, p. ex.: Súmula 393, STJ).[1]

4. Não se pode descurar, entretanto, que mesmo questões que não poderiam ser analisadas sem a provocação da parte, são reconhecidamente aceitas por esta via. Assim, já se aceitou exceção de pré-executividade para discutir os mais variados temas, dos quais se exemplifica: pagamento[2], nulidade do título[3], excesso de execução, compensação[4] . Daí se pode concluir que a tese restritiva vai gradativamente cedendo[5] em detrimento do único critério seguro, a saber, a existência ou não de prova pré-constituída acerca de eventual vício. É dizer, se a questão não demanda dilação probatória, poderá ser afirmada e depois julgada. Na prática, critério é exclusivamente probatório.[6]

5. Não se podem identificar, a priori, quais situações cobram, ou não, dilação probatória. Indispensável, no ponto, a reflexão pelos Tribunais.

6. Quanto aos efeitos, é preciso destacar que a exceção de pré-executividade não tem o condão de suspender a execução. No ponto, o curso do procedimento executivo somente pode ser suspenso caso haja garantia do juízo e estejam preenchidos os demais requisitos legais que, em certo sentido, se assemelham aos da antecipação da tutela (vide o confronto: art. 273; art. 475-M; art. 739-A, §1º, CPC). Merece reflexão, porém, a tese segundo a qual, preenchidos tais requisitos, mesmo que não tenham sido opostos embargos ou apresentada impugnação, a exceção possa paralisar os atos executórios.[7] Ora, sob a perspectiva da realização adequada da tutela jurisdicional, seria leviano, quiçá proibido, reconhecer a existência da situação de urgência e não autorizar a suspensão por inadequação de forma. Vale frisar que a técnica processual goza de autonomia em relação ao procedimento e suspensão da execução poderia (aqui no plano conjectural), ser deferida mesmo sem que houvesse uma defesa típica (procedimento), mas estivem presentes os seus requisitos (técnica processual).

7. E mesmo que não haja efeito suspensivo, a apresentação da exceção de pré-executividade, por si só, já causa inconvenientes de ordem prática, pois, será necessária manifestação judicial e, por conseguinte, dilação dos atos inerentes à execução.

8. Como a exceção busca, a seu modo, fulminar o procedimento executivo, seja através de questões de direito material, seja através de questões de direito processual, se a irresignação for exitosa, poderá até mesmo ensejar a extinção da execução. Exemplo clássico é a arguição de prescrição do débito.

9. Dessa sorte, ainda no plano dos efeitos, merece igual reflexão a problemática da verba de sucumbência. Se o executado é vitorioso na exceção, ainda que parcialmente, fato é que estava sofrendo uma execução contrária à ordem jurídica e, graças ao trabalho de seu patrono, logrou êxito em evitá-la. Por esta razão, a 1ª Turma do STJ reiterou recentemente que: “julgada procedente em parte a exceção de pré-executividade, os honorários de advogado são devidos na medida do respectivo proveito econômico” [8]. Tese que se afina com outro precedente julgado pela sistemática do art. 543-C, no sentido de que “é possível a condenação da Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios em decorrência da extinção da Execução Fiscal pelo acolhimento de Exceção de Pré-Executividade”. [9] Curiosamente, ainda em matéria de honorários, há firme posicionamento no sentido de que não são cabíveis honorários advocatícios em sede de exceção de pré-executividade julgada improcedente[10], questão polêmica, já que a parte contrária não envidou esforços para defender a liceidade da execução e, mesmo que o patrono tenha êxito (note que o exequente já fora penalizado com a dilação indevida haurida do incidente), não será beneficiado com a verba sucumbencial.

10. No ponto, com razão a qualificada doutrina: “entender que só há condenação em honorários advocatícios se o juiz acolhe a exceção, por exemplo, viola o direito à igualdade. Se há objeção de executividade, há trabalho advocatício, qualquer que seja seu resultado, e este deve ser remunerado de acordo com os padrões legais”.[11] De todo modo, havendo condenação em honorários no procedimento executivo, deverá ser observado o critério qualitativo (art. 20, §4º, CPC), observando-se: a) o grau de zelo do profissional; b) o lugar de prestação do serviço e c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido.

11. Ainda o óbvio: se a exceção de pré-executividade tiver o condão de por fim à execução, será a decisão combatida por apelação (art. 513, CPC). Do contrário, se rejeitada, ainda que parcialmente, poderá o pronunciamento judicial ser atacado pela via do agravo de instrumento (art. 522, CPC).

12. O presente esboço, incisivo recorte em tema amplo e assaz debatido em doutrina, buscou apresentar as hipóteses de cabimento da exceção de pré-executividade e suas consequências no plano processual. Em síntese:

– Como causa (cabimento), a exceção de pré-executividade é cabível para as matérias que, conjuntamente preencham dois requisitos: a) não demandem dilação probatória; b) possam ser conhecidas de ofício. Muito embora o último requisito tenha sofrido constante mitigação.

– Como consequência (efeitos), a exceção de pré-executividade: a) não suspende a execução, mas pode provocar tumulto processual; b) em caso de acolhimento, ainda que parcial, ela poderá extinguir (mesmo que em parte) a relação executiva e enseja honorários advocatícios; c) em caso de rejeição, a execução se mantém e não serão devidos honorários advocatícios.

 

Referências Bibliográficas
ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 13ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de Processo Civil. Volume 2. Execução obrigacional, execução real, ações mandamentais. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2010.
DIDIER JR., Fredie (et. al.). Curso de Direito Processual. v. 5. 4ª ed. Salvador: Juspodivm, 2012.
FUX, Luiz. O novo processo de execução: o cumprimento da sentença e a execução extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel Francisco. Código de processo civil: comentado artigo por artigo. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo XIII. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1961.
Notas:
[1] Súmula 393 – A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória. (Súmula 393, 1ª Seção, julgado em 23/09/2009, DJe 07/10/2009). Confira-se, no mesmo sentido: REsp 1.110.925/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, 1ª Seção, julgado em 22/04/2009, DJe 04/05/2009; REsp 1104900/ES, Rel. Ministra Denise Arruda, 1ª Seção, julgado em 25/03/2009, DJe 01/04/2009.
[2] A 4ª Turma, por exemplo, já assentou que “a alegação de pagamento dos títulos levados à execução é tese, em princípio, possível de ser arguida por exceção de pré-executividade – sempre que a comprovação se evidenciar mediante prova pré-constituída -, porquanto se trata de causa que retira a exigibilidade do título e, por consequência, impede o prosseguimento da execução (art. 618, inciso I, do CPC)” (REsp 1078399/MA, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, julgado em 02/04/2013, DJe 09/04/2013).
[3] REsp 776.272/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, julgado em 17/08/2010, DJe 24/08/2010.
[4] REsp 1318418/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma , julgado em 07/08/2012, DJe 14/08/2012; AgRg no REsp 1085914/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, julgado em 20/05/2010, DJe 15/06/2010.
[5] Assim: “o espectro das matérias suscitáveis através da exceção tem sido ampliado por força da exegese jurisprudencial mais recente, admitindo-se a arguição de prescrição e de ilegitimidade passiva do executado, desde que não demande dilação probatória (exceção secundum eventus probationis)” (AgRg no REsp 1.041.556/RN, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe de 16/10/08).
[6] Confira-se, a propósito: “para se avaliar tal ilegitimidade passiva, conforme alegado pelo recorrente, ora agravado, não se faz necessário o reexame de prova, visto que deve o Magistrado de origem apenas verificar se foram juntados aos autos documentos que comprovam a decretação de falência da empresa; ressalta-se, ainda, que a legitimidade das partes figura como matéria de ordem pública, devendo ser reconhecida de ofício, inclusive em exceção de pré-executividade, desde que a sua percepção se possa fazer de plano.” (AgRg no AREsp 284.170/RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, julgado em 21/03/2013, DJe 09/04/2013).
[7] Nesse sentido: DIDIER JUNIOR, Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil. v. 5. 4ª ed. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 400.
[8] REsp 1276956/RS, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/02/2014, DJe 13/02/2014
[9] REsp 1185036/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/09/2010, DJe 01/10/2010
[10] REsp 1256724/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 14/02/2012 – este recurso conta com inúmeros precedentes citados.
[11] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel Francisco. Código de processo civil: comentado artigo por artigo. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 124.

Informações Sobre o Autor

Felipe Scalabrin

Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale dos Sinos, vinculado à linha Hermenêutica, Constituição e Concretização de Direitos. Membro do Grupo de Pesquisas em Direito Processual Civil vinculado ao CNPQ “O processo civil contemporâneo: do Estado Liberal ao Estado Democrático de Direito”. Professor de Direito Processual Civil e Direito Constitucional na Instituição Educacional São Judas Tadeu – Porto Alegre/RS.


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