Resumo: O presente trabalho monográfico visa abordar a Execução Fiscal, no âmbito administrativo e judicial, tomando por referencial o Projeto de Lei n.5.080/2009 em tramite no Congresso Nacional e a Lei n.6.830, de 22 de setembro de 1980. Inicialmente, apresentará uma análise das atividades essenciais do Estado, bem como um sucinto histórico sobre a execução fiscal no Brasil. Ato contínuo, explicará sobre o procedimento de execução fiscal, na esfera administrativa e judicial, e ainda discorrerá sobre a execução fiscal no direito comparado. Por fim, discorrerá sobre as modificações propostas pelo Projeto de Lei 5.080/2009 com apuração dos possíveis efeitos dessa nova disposição em face da legislação vigente.[1]
Palavras-Chave: Cobrança. Crédito Público. Dívida Ativa. Execução Fiscal. Eficiência.
Abstract: The aim of this monograph is to analyze Tax foreclosure in administrative and judicial field, based on bill 5.080/09, which has been proposed by the National Treasury General Attorney's Office (Procuradoria Geral da Fazenda Nacional) and the Federal Justice Council (Conselho de Justiça Federal), and Law No. 6,830/80. Firstly, it will establish an analysis of essential state activities as well as a brief history of the tax enforcement in Brazil. Afterward, it will explain the procedure for tax enforcement through the administrative and judicial requests and discourse about tax lien in comparative law. Finally, discuss the changes proposed by Bill 5.080/2009 and investigate the possible effects of this new provision in the face of current legislation.
Keywords: Recovery. Public Credit. Debt. Tax Enforcement. Tax Foreclosure. Efficiency.
Sumário: Introdução. Capítulo 1: Atividades essenciais do Estado. 1.1 Arrecadação e cobrança. 1.2 O tributo. 1.3 A dívida ativa. 1.4 Fazenda Pública. Capítulo 2: Breve histórico da execução fiscal no Brasil. 2.1. O Estado e o exercício do poder. 2.2 O Decreto-lei n 960/38. 2.3. O Código de Processo Civil de 1973. 2.4. A Lei n. 6830 de 1980. Capítulo 3: O Procedimento executivo fiscal. 3.1 O procedimento administrativo tribuário. 3.2 O processo judicial de execução fiscal. 3.3. Ritos do processo de execução fiscal. 3.3.1. Procedimento inicial. 3.3.2. A penhora. Capítulo 4: Breves considerações da execução fiscal no direito comparado. 4.1. Argentina. 4.2. Bolívia. 4.3. Chile. 4.4. Espanha. 4.5 Estados Unidos. 4.6. França. 4.7. México. 4.8 Peru. 4.9 Portugal. Capítulo 5: Execução administrativa fiscal – projeto de lei numero 5080/2009. 5.1. Legitimidade ativa –fundações de direito público. 5.2. Notificação administrativa obrigatória. 5.3. Prescrição ex officio. 5.4. Constrição preparatória do projeto de lei 5080/2009. 5.5. Foro da execução fiscal. 5.6. Defesa do executado. 5.7. Informatização da execução fiscal. 5.8. Sistema nacional de informações patrimoniais do contribuinte. 5.9. Análise da constitucionalidade do projeto de lei de cobrança da dívida ativa.Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A motivação da pesquisa sobre o tema a ser desenvolvido neste trabalho provém da experiência obtida durante estagio na Procuradoria Geral do Estado de Rondônia, mais precisamente no núcleo de execuções fiscais, onde se observou que a cobrança de crédito da Fazenda Pública nem sempre se dá satisfatoriamente, mas, ao revés, muitas vezes é ineficiente.
Os projetos de lei n. 5080/2009, 5081/2009, 5082/2009 e projeto de lei complementar 469/2009, trazem inovações relativas às cobranças do crédito tributário e não tributário, gerando debates sobre as matérias abordadas por esses embriões legislativos em fase de aprovação.
No que diz respeito a sua relevância, pretende-se incentivar a discussão da matéria, que por ser inovadora, poderá provocar debates sobre o tema, que ainda é considerado incipiente, mas que refletirá na sociedade, razão da importância da conscientização dos contribuintes quanto aos pontos favoráveis e desfavoráveis de cada uma das formas executivas previstas no diploma legal vigente e no projeto de lei n. 5.080/2009.
Os objetivos do presente estudo são a compreensão das modalidades de cobrança do crédito da Fazenda Pública, bem como a questão procedimental atinente a sua satisfação por meio de exame da proposta trazida pelo projeto de lei 5.080/2009 relativamente à ampliação do procedimento administrativo durante a execução fiscal e constitucionalidade do projeto de lei de execução fiscal administrativa da PGFN.
Quanto à metodologia utilizada, o trabalho foi elaborado através de pesquisa exploratória, qualitativa, bibliográfica, descritiva e documental na área dos Direitos Constitucional, Administrativo e Tributário, e o método utilizado na fase da investigação foi o dedutivo, informando que foram consultados livros, revistas, artigos publicados, teses, dissertações e publicações disponibilizadas em sítios eletrônicos.
O tema abordado no projeto de lei em estudo é pertinente e atual na medida em que reflete diretamente nas relações tributárias, entre o Estado e contribuinte, assim como as não tributárias, possuindo abrangência social de extrema relevância, se incorporando no cotidiano de pessoas físicas e jurídicas permeado pela prática de fatos geradores que desembocam na cobrança de tributos por parte do Estado, que poderá inscrever cada um desses entes na dívida ativa, com consequente execução judicial.
O modelo de execução fiscal atual é aquele disciplinado pela Lei n.6.830/1980, realizado por meio de um procedimento judicial, criticado em decorrência de sua eficácia questionável.
Na abordagem do primeiro capítulo relativo às atividades essenciais do Estado, enfatiza-se a arrecadação e a cobrança, como meios de satisfação do crédito estatal discorrendo sobre o tributo e a dívida ativa.
O segundo capítulo apresenta um breve histórico da dívida ativa no Brasil, pontuando os principais diplomas que regulamentaram a matéria.
Na sequencia, o terceiro capítulo versa sobre o procedimento executivo fiscal, na esfera administrativa e judicial, e suas respectivas especificidades.
Adiante, o quarto capitulo enfoca modelos comparativos no que concerne a cobrança e satisfação do crédito fiscal pelo Estado, analisando procedimentos alienígenas a fim de viabilizar as possibilidades de redução dos custos com vistas à implementação de um sistema eficiente.
Por fim, o quinto capitulo analisa as principais inovações relativas ao Projeto de Lei n. 5.080/2009 assim como os entendimentos doutrinários quanto tais perspectivas e os pontos controvertidos contidos na aludida proposta.
Dessa preocupação surge o desejo de aprofundamento do estudo sobre os mecanismos de cobrança para satisfação do crédito em favor da Fazenda Pública de maneira eficiente e eficaz em observância à Constituição Federal e seus princípios para evitar futura alegação de violação.
1 ATIVIDADES ESSENCIAIS DO ESTADO
1.1 Arrecadação e cobrança
O provimento do bem comum pelo Estado por meio da tutela das necessidades públicas depende da obtenção de recursos, que devem ser geridos e aplicados segundo planejamento elaborado em conformidade com as decisões políticas, objetivando primordialmente atender os direitos fundamentais previstos na Carta Magna.
O direito é usado como instrumento dos políticos, no atendimento as necessidades financeiras do poder público visando o abastecimento do Estado pelo dinheiro.
“Antigamente, quando não se podia falar em Estado de direito, o político usava do poder para obrigar arbitrariamente os súditos a concorrerem com seus recursos para o Estado (por isso Albert Hensel sublinha que só se pode falar em “direito” tributário onde haja Constituição e Estado de Direito. Fora disso, é arbítrio, o despotismo, v. Diritto Tributario, Giuffrè, 1956, Milão, p. 5, tradução de Dino Jarach). Hoje, o Estado exerce este poder segundo o direito constitucional e obedece, em todas suas manifestações, ao estabelecido na lei”.[2]
Segundo os ensinamentos de Aliomar Baleeiro o custeio das despesas estatais provém de cinco fontes: a) extorsões a outros povos ou doações voluntárias; b) rendimentos produzidos pelos bens públicos ou pelas empresas estatais; c) tributos ou penalidades exigidas coercitivamente; d) empréstimos de particulares ou de outras entidades publicas; e ) emissão de moeda.[3]
1.2 O Tributo
A divisão da receita pública feita pela doutrina e jurisprudência contemporânea, acompanhou a classificação alemã, dividindo-a entre originária e derivada, que, respectivamente, são a decorrente da exploração dos próprios bens do Estado por ele mesmo e aquela proveniente da constrição do patrimônio do particular. [4]
Dentre as fontes anteriormente enfocadas, a maior forma de custeio pelo Estado é o recebimento dos tributos. Para Amaro, pode ser assim definido: "Tributo é a prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não-estatais de fins de interesse publico".[5]
Aliomar Baleeiro, por sua vez, define aludido instituto sob o ponto de vista histórico, atribuindo-o conotação filosófica:
“O tributo é vetusta e fiel sombra do poder político ha mais de 20 séculos. Onde se ergue o governante, ela se projeta sobre o solo de sua dominação. Inúmeros testemunhos, desde a antiguidade ate hoje, excluem qualquer duvida”.[6]
Na evolução do imposto do Estado, não há como prescindir os regimes comunistas contemporâneos, razão pela qual o imposto deve ser aperfeiçoado moralmente, adaptando-se a fragilidade das formas políticas, refletindo sobre a economia ou sobre os reflexos por ela emanados, filtrando os princípios e regras jurídicas e utilizando diferentes técnicas para execução prática.
Sendo o tributo considerado um dos fundamentos das finanças públicas, deve ser entendido como prestação pecuniária arrecadada pelo Estado, ente capaz de exigir a obrigação, revestida pela indisponibilidade, decorrente do princípio que resguarda o interesse público, proibindo-o de dispensar o pagamento do tributo ou deixar de cobrá-lo.
A atividade estatal não encerra apenas a cobrança fiscal, mas todos os procedimentos e etapas inerentes a ela, as quais devem ser realizadas em conformidade com as normas constitucionais vigentes, observando, igualmente, as autorizações expressas no ordenamento jurídico pátrio.
Em suma, trata-se, essencialmente, do respeito ao princípio da legalidade, que veda o arbítrio dos governantes.[7]
“El concepto de “rule of law” (principio de legalidad) – según Kelsen – indica que las funciones administrativas y judiciales del Estado tendrían que ser determinadas en lo posible por normas generales de rango legal establecidas previamente, dejando de este modo el menor poder discrecional posible a los órganos administrativos y judiciales. De tal manera – concluía Kelsen – está garantizada la libertad porqué se evita el gobierno arbitrario”.[8]
1.3 A Dívida Ativa
Como discorrido alhures, os recursos financeiros que ingressam nos cofres públicos se denominam genericamente de receitas, possuindo algumas fontes que podem se revestir ou não de natureza tributária. Logo, deve ser considerado que as receitas tributárias derivam das normas constitucionais e das leis especiais que regulamentam a tributação e o orçamento.
Relevante também destacar que o tributo é exigido compulsoriamente, decorrendo de obrigação legal e sua incidência não depende da vontade do devedor.
Em observância ao princípio da legalidade, a criação e exigência do tributo advêm do império da lei, significando que sua incidência deve ser expressamente prevista em ordenamento legal. Isto por que, é a previsão na legislação tributária que descreve genérica ou abstratamente um fato. Assim, a obrigação tributária nasce da produção legal de fato imponível, concreto, que se enquadre integralmente às características abstratas e hipotéticas da lei.[9]
“O nascimento da obrigação tributária independe de manifestação de vontade do sujeito passivo dirigida à sua criação. Vale dizer, não se requer que o sujeito passivo queira obrigar-se; o vínculo obrigacional tributário abstrai a vontade e até o conhecimento do obrigado: ainda que o devedor ignore ter nascido a obrigação tributária, esta o vincula e o submete ao cumprimento da prestação que corresponda ao seu objeto. Por isso, a obrigação tributária diz-se ex lege. Do mesmo modo, a obrigação de votar, de servir às Forças Armadas, de servir como jurado, entre outras, são obrigações ex lege, que dispensam, para seu aperfeiçoamento, o concurso da vontade do obrigado”.[10]
Entretanto, não só o surgimento da obrigação tributária é suficiente para o Estado exigir a prestação pecuniária concernente ao tributo; isto por que prescinde da aplicação concreta da lei ao fato tipificado como irregular que deve ser declarado por meio de ato administrativo formal denominado lançamento, a partir do qual a obrigação torna-se exigível. Portanto, a obrigação tributária nasce com a ocorrência do fato gerador.
Doutrinariamente a conceituação de Dívida Ativa destaca que se trata de um crédito exigível a partir dos requisitos legais que o definem, sempre acompanhado de decurso de prazo para pagamento, que não realizado, acarretará inscrição na dívida ativa no órgão administrativo respectivo, após o que se transformará na dívida ativa propriamente dita.[11]
O ato de inscrição destina-se ao controle de legalidade inerente a Administração Pública, atribuindo exigibilidade, certeza e liquidez ao crédito. Contudo, algumas correntes doutrinárias, defendem a dispensa da inscrição para constituição da Dívida Ativa, aludindo que basta apenas o não pagamento do crédito em tempo e momento oportunos para sua caracterização, entendendo que o ato de lançamento tributário já se respalda na vinculação legal. Adiante, discorremos acerca do temor na adoção dessa posição.
1.4 Fazenda Pública
No estudo das atividades essenciais de Estado imperioso conceituar a expressão Fazenda Pública, posto que nas lições de Cândido Rangel Dinamarco, o termo Fazenda Pública representa a personificação do Estado, abrangendo as pessoas de direito público. [12]
Entretanto, para a legislação processual civil o termo fazenda pública refere-se à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal e as suas respectivas fundações, conforme dicção legal dos artigos 20, §4º; 27; 188; 277, caput, parte final; 988, IX, 999: 1002 e 1007 do Código de Processo Civil é possível verificar o uso desse termo, sendo que nos artigos 475, 511, §1º; 943 e 1143 o Código discrimina as modalidades fazendárias, posicionamento que se adota nesse trabalho. [13]
2 BREVE HISTÓRICO DA EXECUÇÃO FISCAL NO BRASIL
2.1 O Estado e o exercício do poder
Após o período absolutista, o Estado passou a ser denominado de Estado de Policia ou Estado de Poder, sendo que o detentor desse poder possuía ampla e irrestrita liberdade, inexistindo submissão, defendendo o interesse privado camuflado de público.[14]
Contrapondo-se a esse exercício de poder, apareceu o Estado de Direito, concebendo a submissão de todos à lei, sem distinguir governante e governado, os quais deveriam pautar suas condutas conforme os ditames legais com vistas a consecução do bem comum.[15]
Posteriormente, as estruturas de poder se desenvolveram criando limites ao seu exercício. O Estado de Direito com limitação prevista em lei se sobrepôs ao arbítrio do Estado de Poder. Todavia, nessa sistemática ocorreu a transferência do absolutismo, que passou a ser detido pelo poder legiferante, pelo qual era delimitado o alcance e o modo de agir de governante e governados.[16]
Entretanto, antepondo-se a demasiada liberdade do Poder Legislativo no Estado de Direito, surgiu o Estado Constitucional, confirmando a necessidade de edificação de uma lei maior, destinada a restringir a justaposição dos Poderes.[17]
Referindo-se a criação do Estado Constitucionalista Roque Antonio Carrazza ressalta:
“Diferentemente, nos Estados Constitucionais, a Constituição, Lei das Leis, é o fundamento de validade de toda a ordem jurídica nacional, disciplinando a atuação não só dos Poderes Executivo e Judiciário, senão, também, do Poder Legislativo.
Por outra retórica, no Estado Constitucional a Constituição regula a situação do indivíduo diante do Poder Público, criando-lhe um campo privativo, que o coloca a salvo das investidas não só do Executivo e do Judiciário, como, principalmente, do Legislativo. ”[18]
Apesar da evolução no seio organizacional do Estado, com a preocupação em manter a estruturação nos moldes do Constitucionalismo observando suas consequências jurídicas, tal não ocorreu com a legislação, posto que grande parte do arcabouço normativo foi irregularmente recepcionado em razão do descompasso com os novos princípios que sustentavam a Constituição então vigorante, fato esse pouco ou raramente contestado no campo doutrinário e jurisprudencial.[19]
2.2 O Decreto-lei n. 960/38
Ao final da década de 30 foi editado referido diploma normativo, objetivando unificar o procedimento executivo praticado no país, respaldado pela competência prevista na Carta Magna de 1934, a qual, a exemplo da atual, conferia competência privativa à União.
Segundo os ensinamentos de Cláudia Rodrigues[20], o aludido Decreto-lei antecedeu o procedimento técnico a ser tratado pelo Código de Processo Civil de 1939, relativamente à cobrança dos títulos executivos extrajudiciais, estabelecendo como meio de defesa do executado, a utilização dos Embargos, que possibilita defesa de amplitude irrestrita.
Nada obstante, a Fazenda Pública insatisfeita com o processo de cobrança especial, se contrapôs a concepção originária,buscando junto ao Congresso Nacional, por meio de propostas de alteração legislativa modificar o procedimento executivo fiscal de 1938, objetivo conseguido por diversas vezes, sendo seus argumentos fundamentados na desobstrução do Poder Judiciário então sobrecarregado pelas inúmeras ações fiscais executivas em andamento, que, em verdade, buscavam a cobrança dos créditos de forma mais célere e eficaz.
2.3 O Código de Processo Civil de 1973
O procedimento executivo fazendário e entre particulares foi unificado com o advento da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, tendo o novo Diploma Legal possibilitado a todos que tivessem para cobrança quantia determinada contra devedor solvente, pudessem fazê-lo por meio de rito próprio denominado de execução por quantia certa contra devedor solvente.
Para o sábio professor Clito Fornaciari Junior[21], a vigência do novo Código de Processo Civil revogou totalmente o Decreto-Lei n. 960/38, já que o conteúdo de direito material fora revogado pelo Código Tributário Nacional de 1966, tendo o diploma processual de 1973 em vigor revogado as normas adjetivas dispostas no Decreto-Lei de 1938.
2.4 A Lei n. 6.830 de 1980
Posteriormente, os governantes insatisfeitos com o rito de cobrança da dívida pela Fazenda Pública, elaboraram um projeto prevendo um procedimento autônomo, ao tempo em que destacavam a cobrança especial do Estado em detrimento do particular.
O legislador consciente da qualidade normativa do estatuto processual editado em 1973, inspirado na legislação italiana, incluiu, no caput do art. 1º, a aplicação subsidiária deste no procedimento executório especial.
Entre as várias opções de alteração que os relatores dos projetos dispunham, optaram por aquela que preservava as linhas gerais do Código, para que este servisse de suporte à Lei 6830/80.[22]
3 O PROCEDIMENTO EXECUTIVO FISCAL
3.1 O Procedimento administrativo tributário
O Processo Administrativo Tributário, conhecido como PAF, surge de um conflito de interesses entre o contribuinte-administrado e o Estado-fisco, sempre que uma obrigação tributaria, independentemente de ser principal ou acessória, não for completamente satisfeita pela pessoa determinada pelo ordenamento jurídico, competindo ao Estado exigir o pagamento do tributo ou a penalidade pecuniária correspondente, nos termos do art. 5º, LV da Constituição Federal, no Código Tributário Nacional e na legislação específica de cada ente. [23]
Por conseguinte, o órgão competente para iniciar o procedimento necessário para constituição do credito tributário, denominado lançamento, o qual poderá dar ensejo à eventual divergência de interesses e consequentemente a instauração de um processo no âmbito administrativo.[24]
O lançamento, segundo definição do próprio Código Tributário Nacional, artigo 142, é procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor, a aplicação da penalidade cabível. [25]
Em se tratando de procedimento, Rui Barbosa Nogueira afirma que na fase do lançamento, não há que se falar em processo administrativo, mas sim em procedimento:
“(…) é a forma administrativa de exame e apuração das possíveis obrigações e, como elas, igualmente regulado por lei e, por isso mesmo, a própria forma de proceder constitui um direito assegurado às partes. É o ‘devido processo legal’. Para que a solução não venha a ser errônea ou resulte em injustiça, a lei prevê um método, uma carta ordem. O procedimento fiscal é, pois, um ordenamento do modo de proceder para que tanto a imposição, como a arrecadação e a fiscalização sejam feitas na medida e na forma previstas na lei”.[26]
Assim, se o contribuinte concordar com o lançamento e efetuar o pagamento no prazo fixado, extingue-se a obrigação. Contudo, caso não aceite a imposição poderá socorre-se do processo administrativo contencioso. [27]
Sobre o tema, merece destaque as lições do ilustre jurista James Marins:
“(…) a etapa contenciosa (processual) caracteriza-se pelo aparecimento formalizado do conflito de interesses, isto é, transmuda-se a atividade administrativa de procedimento para processo no momento em que o contribuinte registra seu inconformismo com o ato praticado pela administração, seja ato de lançamento de tributo ou qualquer outro ato que, no seu entender, lhe cause gravame, como a aplicação de multa por suposto incumprimento de dever instrumental. A mera bilateralidade do procedimento não é suficiente para caracterizá-lo como processo. Pode haver participação do contribuinte na atividade formalizadora do tributo e isso se dá, por exemplo, quando este junta documentos contábeis que lhe foram solicitados ou quando comparece ao procedimento para esclarecer esta ou aquela conduta ou procedimento fiscal que tenha adotado na sua atividade privada. Até esse ponto não se fala em litigiosidade ou em conflito de interesse, até porque o Estado ainda não formalizou sua pretensão tributária. Há mero procedimento que apenas se encaminha para a formalização de determinada obrigação tributária (ato de lançamento). Após essa etapa, que se pode mostrar mais ou menos complexa, praticado o ato de lançamento e portanto, formalizada a pretensão fiscal do Estado, abre-se ao contribuinte a oportunidade de insurgência, momento em que, no prazo legalmente fixado, pode manifestar seu inconformismo com o ato exacional oferecendo sua impugnação, que é o ato formal do contribuinte em que este resiste administrativamente à pretensão tributária do fisco. A partir daí instaura-se verdadeiro processo informado por seus peculiares princípios (que são desdobramentos do due process of law) e delimita-se o instante, o momento em que se dá a alomorfia procedimento processo modificando a natureza jurídica do atuar administrativo.
(…) o processo administrativo tributário contempla o conjunto de normas que disciplinam o regime jurídico processual aplicável às lides tributárias deduzidas perante a administração pública (pretensões tributárias e punitivas do Estado impugnadas administrativamente pelo contribuinte). Integra, ao lado do Processo Judicial Tributário, o Direito Processual Tributário.”[28]
Há um conjunto de normas que integra o ordenamento jurídico tributário brasileiro, ao qual chamamos de sistema tributário, que rege o processo administrativo.
No que tange a sua finalidade, observa-se que se destina a assegurar ao contribuinte todo o direito de tentar desconstituir a exação, mediante a utilização do processo administrativo tributário, que é regido por uma legislação específica.[29]
Quanto a sua competência, a princípio, houve divergência sobre a aplicação dos artigos 22, I e 24 da Constituição Federal, já que pela inteligência do primeiro tem-se a convicção de que a expressão "direito processual" está relacionada ao direito processual judicial e não a todo e qualquer processo. [30]
Entretanto, a Carta Magna assegurou no segundo dispositivo que em caso de inexistência da lei de sua competência, como ocorre com o processo administrativo tributário, essa será concorrente e suplementar.[31]
James Marins, com a autoridade que dispõe para tratar da questão, a quem rendemos homenagem, mas ousamos discordar, afirma, textualmente, que:
“Compete, portanto, à União a disciplina do Sistema processual tributário nacional, estabelecendo por via de lei ordinária as garantias de processo que assistem ao cidadão contribuinte – em toda a federação – quando da solução administrativa de sua relação tributária litigiosa com o ente da tributante; deve ainda a União criar normas gerais de procedimento em matéria de processo, com o fito de uniformizar em toda a federação o modo de exercício (procedimento) das garantias constitucionais do processo;” [32]
Conclui-se, portanto, que cada ente tem competência para editar Lei sobre o seu processo administrativo tributário, aplicando-se o art. 22, I, da Constituição Federal apenas ao processo judicial.
3.2 O Processo judicial de execução fiscal
O processo judicial de execução fiscal tem inicio quando concluído o procedimento administrativo fiscal o débito permanece inadimplido, após a devida apuração do crédito pelo competente órgão fazendário acerca da liquidez e certeza do titulo cuja exigibilidade se pretende a fim de promover a inscrição na divida ativa.
Consigne-se que tão somente após a inscrição é que será providenciada a certidão que materializa a obrigação existente entre as partes, conforme prescrito em lei, configurando título executivo.
Referido documento deverá atender aos requisitos constantes no art.202 do Código Tributário Nacional, assim como aqueles elencados no art.2º, §5º da Lei n.6.830/80.
Ao abordar o tema, Aliomar Baleeiro afirma que “a inscrição e a extração da certidão de divida ativa hão de ser feitas com o severo rigor formal”.[33]
Por conseguinte, Herta Rani Teles ensina que “extraída a certidão da dívida ativa, tem-se inicio o processo de execução judicial, o qual devera seguir o rito da Lei n.6.830/80 e, subsidiariamente, o do Código de Processo Civil.” [34]
Sobre essa aplicação subsidiaria da norma infraconstitucional, o ilustre processualista Alexandre Câmara leciona:
“(…) regulada pelo CPC quando de sua entrada em vigor, esta modalidade de execução originaria passaria, depois, a ser regida por diploma especifico, a Lei n.6.830/80, até hoje em vigor. O Código de Processo Civil, portanto, aqui atua como fonte subsidiaria, permitindo a integração das lacunas encontradas na legislação especial”. [35]
Destarte, verifica-se que a integração das normas jurídicas não só é permitida pelo ordenamento jurídico como vem sendo ratificada por iterativa jurisprudência.
Alem disso, a execução fiscal também se enquadra na modalidade de execução por quantia certa contra devedor solvente, no caso contribuinte inadimplente, por meio do qual se busca o cumprimento forçado de uma obrigação de pagar em dinheiro.
Nesse contexto, merecem destaque as lições de Alexandre Câmara ao distinguir o objetivo da execução do instrumento utilizado:
“Como todos os demais procedimentos executivos, esse rito se divide em três fases: postulatória, instrutória e satisfativa. A primeira fase é formada pelo ajuizamento da demanda e pela citação, ato de angularização da relação processual (sendo possível que, nesta fase, se realize um arresto). A segunda, pela penhora e demais atos preparatórios para o pagamento. A fase satisfativa é formada pelo pagamento ao demandante, que pode se dar de várias formas”.[36]
Inconteste, portanto, que a finalidade precípua da execução é a satisfação do crédito exequendo, sendo que a fase satisfativa apresenta os instrumentos de expropriação dos bens que compõem o patrimônio do executado disponibilizado ao credor em caso de manifesta e continua inadimplência do devedor para liquidação da dívida.
Em se tratando de execução forçada, impõe-se dizer que os princípios que regulamentam o procedimento são os mesmos do processo cognitivo, porém a doutrina costuma realçar aqueles que possuem peculiaridades procedimento executório, tais como: princípio da máxima utilidade da execução; princípio do menor sacrifício do executado; princípio do respeito à dignidade humana; princípio da disponibilidade da execução; princípio da realidade; princípio da satisfatividade; princípio da economia da execução; princípio da especificidade da execução; princípio da livre iniciativa; princípio do contraditório.[37]
3.3 Ritos do processo de execução fiscal
3.3.1 Procedimento Inicial
O procedimento de instauração da execução fiscal ocorre com o ajuizamento da petição inicial acompanhada do título executivo: a certidão da dívida ativa. [38]
Atendidos os requisitos formais, a petição inicial será recebida e o feito regularmente processado, devendo o magistrado condutor do feito exarar despacho determinando a citação do executado e penhora ou arresto de bens, se a dívida não for paga nem garantido o juízo, com a devida avaliação e respectivo registro, além da fixação dos honorários advocatícios.[39]
Por conseguinte, o executado será citado, para no prazo de 05 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros de mora, encargos indicados na Certidão da Dívida Ativa, acrescida das custas judiciais; ou garantir a execução (art.9º, da Lei n.6.830/80). [40]
Se optar pela segunda alternativa, deverá fazê-lo por meio da oposição de embargos, que serão processados como procedimento cognitivo autônomo, porém não necessitam ser distribuídos por dependência aos autos da execução fiscal, contrariando o disposto no parágrafo único, do art. 736, do CPC, como bem observado no voto da lavra do insigne Des. Silas Vieira da Corte Mineira:
“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – EMBARGOS – APENSAMENTO DAS AÇÕES – DESNECESSIDADE – ART. 736, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. – A necessidade de apensamento entre os embargos e a execução restou superada pela inclusão do parágrafo único ao artigo 736, do CPC, através da Lei n. 11.382/06 e, ainda, pela alteração conferida pela Lei nº 12.322/10. (…)
A controvérsia reside na possibilidade (ou não) de determinar o apensamento dos embargos aos autos da execução fiscal.
Pois bem. O Código de Processo Civil – legislação subsidiária à Lei n. 6.830, de 1980 – ao tratar da distribuição dos "embargos do devedor" quando das alterações conferidas pela Lei n. 11.382/06 e pela Lei nº 12.322/10, assim dispôs:
Art. 736. (…)
Parágrafo único. Os embargos à execução serão distribuídos por dependência, autuados em apartado e instruídos com cópias das peças processuais relevantes, que poderão ser declaradas autênticas pelo advogado, sob sua responsabilidade pessoal. (Redação dada pela Lei nº 12.322, de 2010).
A redação original do dispositivo previa que os embargos seriam autuados em apenso aos autos do processo principal. Portanto, a necessidade de apensamento entre os embargos e a execução restou superada pela atual redação.
A meu ver, a reforma introduzida pela Lei n. 11.382/06 veio prestigiar a celeridade processual, principalmente considerando que o art. 739-A do CPC determina que "Os embargos do executado não terão efeito suspensivo." e, ainda, que o embargante deve instruir a inicial com cópias das peças processuais relevantes, o que reforça a tese de que não haverá prejuízos à defesa do embargado”.[41]
Não ocorrendo à satisfação da obrigação ou garantia do juízo no prazo assinalado, passa-se a fase seguinte do procedimento: a penhora.
3.3.2 A Penhora
O art. 653 do Código de Processo Civil estabelece o instrumento do arresto provisório, caso o devedor não seja localizado em seu domicilio habitual. Para tanto possibilita a constrição de bens (para futura conversão em penhora) do devedor não achado pelo Oficial de Justiça.[42]
Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, a penhora é “o procedimento de segregação dos bens que efetivamente se sujeitarão à execução, respondendo pela dívida inadimplida.” [43] Contudo, observa-se que a penhora não retira do titular a propriedade do bem, mas torna inoperante o poder de disposição sobre ele, impedindo que o devedor se desfaça do bem constrito ou oculte-o. [44]
Não ocorrendo o pagamento, nem a garantia da execução, será procedida a penhora ou arresto dos bens do executado, tantos quanto bastem para garantia da execução na forma dos arts. 10 e 11 da Lei n.6.830/80, devendo ser nomeado depositário e cientificado o executado.[45]
Recaindo a penhora sobre bens imóveis (se casado for o executado), intimar-se-á o cônjuge, ou bens móveis ou em ações, debêntures ou quota ou qualquer título, crédito ou direito societário nominativo, procedera-se ao registro, mediante o consignado no art.7º, IV e art.14 e respectivos incisos da Lei n.6.830/80.[46]
O art.11 do referido diploma processual apresenta a ordem de preferência a ser seguida, ratificada pela nova redação dada ao art. 655-A do CPC possibilitou ao credor a constrição de valores por meio do sistema eletrônico, o que denominamos penhora on-line.[47]
Segundo as lições de Herta Rani Teles, “a lei concede ao dinheiro status prioritário para a penhora e a via eletrônica passa a ser o meio mais propicio para constrição desses ativos financeiros”. [48]
Sobre o tema, Araken de Assis aduz haver distinções procedimentais:
“Embora designe a lei de ‘arresto’ à constrição, a oportuna providência semelha antes à penhora antecipada ou pré-penhora, regulada no direito alemão, essencialmente idênticas, ressalva feita a algumas diferenças procedimentais. (…). Como a pré-penhora pressupõe a ausência do executado, parcela considerável da doutrina brasileira conferiu natureza cautelar à medida contemplada no art. 653. Ora, a pré-penhora outorga ao credor o direito de preferência (art. 612) no instante mesmo em que se efetiva o ato. Esta eficácia ínsita à afetação dos bens do executado e, no caso, antecipada à própria conversão em penhora, operada nos termos do art. 654, é elemento satisfativo estranho ao verdadeiro arresto (art.813). O autêntico arresto cautelar não se transmuda automaticamente em penhora, conforme resulta do art. 818, ao contrário da pré-penhora. (…) Em realidade, o art. 653 prevê a consumação de ato de natureza executiva, caracterizado pela inversão da ordem natural subsumida no art. 652, porque coloca antes da citação do devedor a apreensão de seus bens.”.[49]
Filiam-se ao mesmo entendimento o Des. Alexandre Freitas Câmara[50], o Ministro Jorge Scartezinni[51] e a Des. Maria do Socorro Luz Santa Rita[52]. Logo, verifica-se que a penhora possui função conservativa e não de custodia.
4 BREVES CONSIDERAÇOES DA EXECUCAO FISCAL NO DIREITO COMPARADO
A Lei n. 6.830, de 1980, regula o processo de execução fiscal no Brasil, todavia a sistemática introduzida por esse ordenamento legal, tem se revelado moroso, caro e ineficiente.[53]
Diante dessa realidade, atendendo determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Instituto de Pesquisa Econômica (IPEA), pôs em prática, entre os meses de novembro de 2009 e fevereiro de 2011, o projeto de pesquisa denominado Custo Unitário do Processo de Execução Fiscal, objetivando mensurar qual o tempo e o custo de tramitação das ações de execução fiscal na Justiça Federal, informações disponibilizadas ao usuário em comunicado do IPEA.[54]
Buscando o aperfeiçoamento do sistema brasileiro, foi imperioso estudar os modelos comparados, para viabilizar as possibilidades de redução dos custos com vistas à implementação de um sistema eficiente.
4.1 Argentina
Na Argentina o processo de execução fiscal foi dividido em duas fases: administrativa e judicial, prevalecendo, na prática, os atos administrativos, âmbito no qual se verifica a existência de um Tribunal Fiscal, atuando na apreciação de matérias tributárias, inclusive a nível recursal.[55]
Na fase administrativa é facultado aos agentes fiscais realizarem penhora, e citação, podendo adotar medidas cautelares, assim como requerer ordem de busca e apreensão ao poder judiciário, na hipótese de comprovação de presunção de dívida de valores cobrados pelo fisco.[56]
4.2 Bolívia
O modelo do processo de execução fiscal adotado pela Bolívia é essencialmente administrativo, mesmo na existência de sentença judicial, haja vista que a administração é competente para apreciar todos os incidentes processuais. Seguindo essa linha, o contencioso administrativo não afasta o princípio da unidade jurisdicional, previsto no texto constitucional. [57]
O ato do leilão pode ser realizado pela administração ou terceirizado, havendo possibilidade de interposição de embargos de terceiro. Entretanto, é proibido o concurso de leilão, assim como os procedimentos de liquidação em outros processos, caso típico das concordatas. Veda-se, igualmente, aos funcionários públicos arrematação dos bens leiloados, mesmo que o façam por meio de terceiros. O leilão de mercadorias apreendidas possui regras específicas, decorrentes do descumprimento da legislação aduaneira.[58]
4.3 Chile
A execução fiscal no Chile se dá em duas fases bem distintas: uma administrativa, outra fiscal. No âmbito administrativo é o agente fiscal que comanda o processo de execução, sendo-lhe facultado realizar penhora. Na fase judicial, a matéria compete a advogado público, conhecido como advogado provincial. [59]
A articulação do conjunto de ações e diligências administrativas de interesse do fisco compete ao Tesorero General de La República, autoridade a quem a lei confere discricionariedade para não prolongar débitos de valor irrisório, hipótese em que ocorre a suspensão do crédito tributário.[60]
A execução e a penhora no Chile são primordialmente encaminhadas por agente fiscal local, que possui atuação de juiz, presidindo o feito. O ato da penhora é de grande amplitude, fase em que poderá ocorrer autorização de constrição de salários do executado, garantindo-se a esse o mínimo para sua sobrevivência, observado os limites legais. Nesse procedimento, também podem ser penhorados créditos do executado, com expedição de comunicação aos responsáveis. [61]
Na fase de execução fiscal, mesmo no âmbito administrativo, o agente condutor do processo possui a faculdade de requerer força policial. O bem imóvel executado pelo poderá ser objeto de penhora no curso do processo executivo, a qual poderá ser reforçada, em caso de insuficiência para quitação da dívida fiscal.[62]
4.4 Espanha
O processo de execução fiscal na Espanha é realizado em duas fases, no curso das quais pode ocorrer o pagamento dos créditos tributários, que são reconhecidos em um primeiro momento e, posteriormente, cobrados em fase executiva. A administração fiscal espanhola é formada por um conjunto amplo de prerrogativas, que autorizam inclusive a implementação de medidas cautelares na fase administrativa. [63]
Os documentos relacionados com a investigação poderão ser livremente acessados pela autoridade fiscal. Todavia, a investigação de alguns casos prescinde de autorização judicial, considerando-se a proteção constitucional, o âmbito ou natureza onde recaia o processo investigativo fiscal.[64]
4.5 Estados Unidos
Nos Estados Unidos da América do Norte, existe a possibilidade de processo executivo fiscal administrativo e judicial. Entretanto, na prática, adota-se os modelo administrativo. [65]
A cobrança nesse âmbito contencioso é alvo de elogios da literatura especializada, por conta da celeridade, agilidade e eficiência do processo. O objetivo primordial do procedimento administrativo é cobrar dívidas passíveis de recebimento, dentro da margem de discricionariedade, visando atingir o equilíbrio entre o custo e o benefício. Nos Estados Unidos existe previsão de penas severas pelo não recolhimento dos tributos, o que leva a legislação penal a incentivar a prática administrativa na cobrança dos créditos fiscais.[66]
O conceito de Voluntary Compliance é adotado nos EUA, como forma de conscientizar o cidadão do seu dever fundamental do recolhimento do tributo. O modelo norte-americano parte da premissa do comprometimento do contribuinte com a obrigatoriedade do pagamento do tributo, resultado perceptível pelas raras discussões judiciais acerca do lançamento tributário realizado.[67]
O inicio da execução fiscal administrativa norte-americana é a inscrição do débito (assessment of tax), seguida por preenchimento do documento pelo agente público (form 23-C, assessment certificate), com identificação do contribuinte e natureza da dívida inscrita. Posteriormente a inscrição do débito no rol de devedores, começa a fluir o prazo de 60 dias para o fisco notificar o contribuinte quanto ao pagamento, após esse prazo da notificação, a lei faculta até 10 anos para cobrança do débito na esfera administrativa ou judicial.[68]
4.6França
O modelo francês se caracteriza por ser essencialmente administrativo, tendo a Administração competência para adotar as providências que antecedem as medidas coercitivas passíveis de aplicação, como meio de preservar a validade do ato. Para tanto, emite avisos de cobrança, envia notificação de inscrição, confecciona e encaminha cartas de lembrança, notifica o contribuinte inadimplente, avisando-o, ainda, da iminência da penhora.[69]
4.7México
A previsão legal mexicana possibilita a realização de penhora administrativa provisória sobre os bens do devedor, exigindo em sua confecção ata circunstanciada do fato. [70]
Aludido procedimento é necessariamente precedido pelo lançamento, estando à autoridade fiscal autorizada a declarar administrativamente a indisponibilidade dos bens do devedor. Entre as possibilidades de decretação de indisponibilidade dos bens do devedor, está o desaparecimento do credor, ou da recusa reiterada do devedor. [71]
De igual modo, a irregularidade do contribuinte, em circunstâncias atípicas a execução fiscal administrativa, qualifica e justifica a indisponibilidade administrativa do contribuinte inadimplente.[72]
4.8 Peru
O processo executivo fiscal peruano segue o modelo administrativo, podendo o executado recorrer ao Poder Judiciário, quando esgotadas as instâncias contenciosas. A propositura da execução fiscal é feita por um agente denominado de ejecutor administrativo, com título de bacharel em Direito, que não só representa a fazenda pública, atuando também como julgador, dispondo de auxiliares chamados de auxiliares coativos. [73]
O procedimento de cobrança administrativo, por sua vez, deve ser instruído com os documentos indicadores do débito. Nesse modelo inexiste certidão de dívida ativa, como acontece no Brasil. Aqui, uma decisão administrativa impondo o recolhimento da dívida executada ou a emissão de documento registrando a inadimplência de parcelamento, por exemplo, pode instruir o procedimento administrativo.[74]
4.9 Portugal
No país luso a execução fiscal é conhecida como cobrança coercitiva, com previsão na legislação específica, indicando a competência do representante da Fazenda Pública na condução da execução nos órgãos periféricos e regionais. [75]
O Ministério Público, por seu turno, possui a atribuição de conduzir referido processo nos tribunais tributários. Também existe a possibilidade do redirecionamento do feito, caso em que se denomina de chamamento a execução dos responsáveis subsidiários.[76]
5 EXECUÇÃO ADMINISTRATIVA FISCAL – PROJETO DE LEI N.5.080/2009
Atualmente o processo de execução fiscal está disciplinado na lei n.6.830/80, tem por escopo a satisfação do crédito da Fazenda Pública com agilidade e eficácia. Entretanto, a fase executória não tem atendido a finalidade precípua esperada pelo legislador, em face da morosidade dos procedimentos e onerosidade dos cofres públicos, prejudicando o processo fiscal judicial, contribuindo grandemente para a sobrecarga do Poder Judiciário.
Diante desses pontos negativos apontados no modelo de cobrança do crédito público brasileiro, a proposta do Projeto de Lei n. 5.080/2009 elaborado em conjunto pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e pelo Conselho da Justiça Federal, pretende modificar a Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980, instituindo um sistema de cobrança híbrido, possibilitando a fase de cobrança administrativa, que antecederia a fase judicial. Contudo, a matéria não é pacífica, ensejando estudo e enfoque acerca dos pontos doravante aduzidos.
A justificativa da exposição de motivos para a substancial alteração proposta seria transferência do atual processo conduzido por Juiz em processo administrativo, a ser dirigido por procuradores federais, estaduais e municipais, como meio de evitar a morosidade administrativa, conforme EM Interministerial n.186/2008- MF/AGU, §§ 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 12, 13, 14 e 29.[77]
Todavia, a alegada morosidade do processo judicial, ocorre por inúmeros motivos, como a precária estrutura cartorária, estrutura física, recursos humanos, falta de capacitação de magistrados, de funcionários, entre outros. Portanto, não é mérito apenas do processo executivo fiscal.
Nada obstante as razões apresentadas, a referida proposta recebeu parecer contrário da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional São Paulo (OAB/SP), ao argumento de que violaria o principio da presunção de inocência e a garantia do devido processo legal em conflitos envolvendo a cobrança de valores tributários por parte do Poder Público.[78]
Atualmente, o projeto em comento encontra-se apensado ao projeto de lei n. 2412/2007, o qual dispõe sobre a execução administrativa da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de suas respectivas autarquias e fundações públicas, e dá outras providências, e desde 03/05/2010 está aguardando Parecer do Relator Dep. Sandro Mabel (PR-GO) na Comissão Especial de Constituição e Justiça e de Cidadania com previsão de julgamento para 16/03/2011, a ser submetido à aprovação no plenário.[79]
5.1 Legitimidade ativa – Fundações de direito público
O preâmbulo do projeto em estudo ao definir a regência da lei, também concede legitimidade às fundações de direito público para propositura de execuções fiscais, prerrogativa até então limitada à esfera de competência dos Estados federados e suas autarquias.[80]
Registre-se, que a dilatação da abrangência na aplicabilidade da lei, especialmente quanto às fundações, já foi pacificada pelos tribunais superiores, vindo a alteração somente por termo a discussão, já ultrapassada na prática, vejamos:[81]
“FUNDAÇÃO – APELAÇÃO – EXECUÇÃO FISCAL – LEGITIMIDADE DAS FUNDAÇÕES PARA PROPOR EXECUÇÃO NOS MOLDES DA LEI Nº 6.830/80
– Os serviços educacionais prestados por autarquias ou fundações são vinculados ao Município, pois ambas compõem a Administração Indireta, consoante dispõe o art. 37 da CF e, como tal, realizam atividades atreladas à obrigação do Poder Público, não havendo óbice à cobrança por meio de CDA. Recurso Provido.[82]
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZOS FEDERAIS DA 11A. E DA 7A. VARA DA SJ/PE. EXECUÇÃO FISCAL PROPOSTA PELA ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL EM FACE DE FUNDAÇÃO ESTATAL. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICAL. CDA. ALTERAÇÃO DE REGIME PROCEDIMENTAL NA EXECUÇÃO. IRRELEVÂNCIA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DAS EXECUÇÕES FISCAIS.
1.A determinação da competência da Vara Privativa da Fazenda Pública é delineada pela natureza da dívida, independentemente do pólo passivo da demanda, configurando-se inapropriada a transmudação de sua competência pela incidência de regime procedimental diverso do previsto na Lei 6.830/80.
3.Tratando-se de Execução Fiscal instrumentalizada por Certidão de Dívida Ativa (CDA) e visando à obtenção do adimplemento de crédito tributário da Ordem dos Músicos do Brasil, autarquia federal constituída sob a forma de pessoa jurídica de direito público, devidamente constituído, vencido, exigível e não pago por ente público estatal, competente para o seu julgamento é a Vara Privativa da Fazenda Pública. Precedente desta colenda Corte Regional: CC 1.553-PE, Rel. Des. Federal LÁZARO GUIMARÃES, DJU 18.09.2007.
4.Conflito de Competência que se conhece e se declara como competente o Juízo Suscitado, qual seja, o da 11ª Vara Federal da SJ/PE”.[83]
5.2 Notificação administrativa obrigatória
A proposta do projeto em estudo inova na disposição contida no art. 4º, tornando obrigatória a notificação do teor da Certidão da Dívida Ativa ao devedor, ainda na esfera administrativa, após encerramento do procedimento de apuração da certeza e liquidez do título.[84]
Para os defensores do projeto, em caso de aprovação da redação desse dispositivo, o Poder Judiciário seria desobstruído dos inúmeros processos de execução fiscal, onde muitas vezes o devedor sequer é localizado, existindo grande possibilidade do processo se encerrar na esfera dos entes fazendários, pelo pagamento da dívida no prazo de 05 (cinco) assinalado na notificação encaminhada ao endereço do devedor, com aviso de recebimento, contado a partir dessa data, após a qual o contribuinte inadimplente se submeterá ao pagamento de juros, multa e demais encargos descritos na Certidão da Dívida Ativa (CDA).[85]
Não sendo localizado o devedor, a notificação será realizada por edital publicado em órgão da imprensa oficial local.[86]
Ressalte-se, por relevante, a disposição expressa no parágrafo 3º do artigo 4º, quanto ao efeito interruptivo da prescrição, que seria a partir do ato de notificação administrativa e não mais da data do despacho judicial que determine a citação para pagamento, ou indicação de bens a penhora, retroagindo à data da propositura da ação no Poder Judiciário. [87]
Aludida alteração proposta no projeto, obrigaria a Fazenda Pública a promover a ação executiva judicial somente após o esgotamento das possibilidades de recebimento da dívida fiscal na esfera administrativa.[88]
O espírito da norma proposta no dispositivo em referência é uma tentativa da comissão em desobrigar o fisco de ajuizar ações executivas fiscais, com finalidade exclusiva de obstruir a consumação da prescrição, como ocorre no modelo atual. [89]
Uma vez interrompida a prescrição pela notificação administrativa, os entes fazendários seriam munidos do tempo necessário à localização de patrimônio do devedor passível de penhora, viabilizando, conforme o caso a execução forçada.[90].
Todavia, não se pode olvidar, que por força do artigo 146, II, alínea “b”, da Constituição Federal, a prescrição dos créditos tributários é atributo das normas gerais, reservada à alçada de lei complementar, razão pela qual o projeto de lei também propõe alteração do parágrafo único, do artigo 174 do Código Tributário Nacional, para incluir entre as causas de interrupção da prescrição, a notificação ao devedor da inscrição do débito em dívida ativa.[91]
Na prática, já se realiza a notificação administrativa para pagamento da dívida, contudo, até então, essa conduta não tem demonstrado a efetividade esperada, vez que não compele o devedor ao pagamento da dívida fiscal.[92]
5.3 Prescrição ex officio
Outra modificação proposta pelo projeto está disposta no art. 15, que traz a previsão de decretação da prescrição ex officio pela autoridade judiciária. Entretanto, talvez o dispositivo em comento não encerre grande eficácia, na medida em que o parágrafo do 5º do art. 219 do Código de Processo Civil continuará sendo utilizado subsidiariamente à LEF, já prevendo desde a alteração trazida pela Lei n.11.280/2006, a decretação da prescrição de ofício pelo juiz, matéria já pacificada pela jurisprudência.[93]
Destaque-se, por relevante, a Prescrição e o poder público, assim como a Execução Fiscal e a Prescrição.[94]
No primeiro caso, a Prescrição e Poder Público, conforme disposto na regra proposta transforma a matéria em questão de ordem pública, obrigando a autoridade judicial a proclamar a prescrição em todas as suas manifestações, mesmo contrárias a União, Estados, Municípios, Distrito Federal, autarquias, empresas públicas fundações públicas e sociedades de economia mista federais, estaduais, distritais e municipais. [95]
No segundo caso, na Execução Fiscal e a Prescrição, não se admite a decretação de ofício da prescrição da ação executiva fiscal, que segundo o art. 219 do CPC, recai sobre direitos patrimoniais, conforme entendimento do STJ-RT 706/184, o qual restou superado com a edição da Lei n. 11.280/2006, que dando nova redação ao parágrafo 5º do art. 219 do Diploma Processual, determinou ao juiz o conhecimento desse instituto, a ser tomada de forma geral.[96]
Nesse contexto, poder-se-ia dizer que a proposta do dispositivo em alusão não encerra grandes inovações; todavia, deve-se ter em mente que o projeto foi elabora no ano de 2005, quando ainda não vigorava o dispositivo processual citado.[97]
Com o mesmo espírito inovador os autores da proposta em estudo previram que a decretação da prescrição deverá ser precedida pela oitiva do órgão fazendário exequente, o qual poderá, eventualmente, se opor as causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional, desconhecidas do juiz.
5.4 A constrição preparatória do projeto de lei 5.080/2009
A doutrina de José Carneiro da Cunha ensina que o ato de penhora consiste na apreensão e depósito de bens de propriedade do devedor, conforme preconizado pelo art. 591 do CPC, ou de propriedade de terceiros, como disposto no art. 592, do mesmo Diploma Legal, patrimônio utilizado na satisfação do débito executado.[98]
Vasta é a discussão quanto à natureza jurídica da penhora, tendo a corrente predominante adotada por Enrico Túllio Liebman, Ovídio Batista da Silva, Humberto Theodoro Júnior, Araken de Assis, Alexandre Freitas Câmara, Bruno Garcia Redondo, Mário Vitor Sares, entre outros, entendido que é um ato “essencialmente executivo”, por meio do qual ocorre a apreensão dos bens do devedor, mesmo que insuficiente para o cumprimento da obrigação contraída junto ao credor.[99]
O ilustre Leon Frejda Szklarowky, respeitável subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado e um dos co-autores do projeto originário da Lei de Execução Fiscal, entende que “a penhora administrativa não figura atividade jurisdicional e, portanto, não necessita realizar-se sob as vistas do juiz, como ressalva enfaticamente o Min. Carlos Velloso”.[100]
Nos termos da LEF, a prática desse ato é prerrogativa do Poder Judiciário, entretanto, consoante proposto no art. 3º do projeto de lei, os atos constritivos passariam a ser executados pela Fazenda Pública credora, ficando o Poder judiciário responsável apenas por seu controle.
A proposta do dispositivo em discussão, conforme relatado no EM Interministerial n. 186/2008 – MF/AGU incorporou sugestões do projeto de Lei da Penhora Administrativa, apresentado pelo ex-senador Lúcio Alcântara em 1996 e 1999, e reapresentado pelo Senador Pedro Simon, em 2005.[101]
O renomado mestre Kyoshi Harada, comunga o entendimento do nobre Leon Fredja Szklarowsky, quanto a não atribuição do juiz na busca do executado e seus bens, imputando a Fazenda exequente à culpa pela morosidade, nos seguintes termos:
"A penhora administrativa, portanto, é a medida que se impõe até mesmo para forçar a Administração a reaparelhar as Procuradorias, tanto para localização dos contribuintes devedores, como também para encontrar os bens penhoráveis. Não é, nem deve ser função do juiz ficar investigando o paradeiro do devedor. Sabe-se que a maior responsável pela paralisação dos autos em cartório é a espera de providências da exeqüente para localização do executado ou para indicar os bens penhoráveis. Em última análise, a morosidade, nestes casos, não é do Judiciário, mas da Fazenda exeqüente." [102]
O não menos notável Humberto Gomes de Barros, advoga que a cobrança dos créditos públicos seja tarefa da própria Administração, e não do Poder Judiciário, afirmando:
"A modernização do Poder Judiciário, acredito, dará um passo decisivo quando a cobrança dos créditos estatais deixar de ser um encargo do Poder Judiciário, deslocando-se para a Administração, onde ganhará agilidade e rendimento econômico. Quando isso ocorrer – estou certo -, o Poder Judiciário respirará aliviado. Em paralelo, será reduzido o número de devedores contumazes." [103]
Para Szklarowsky, a criação da modalidade de penhora administrativa visa à desobstrução da via judicial, extraído do Poder Judiciário a realização de atos eminentemente administrativos, imprimindo celeridade na tramitação da cobrança da dívida ativa.
5.5 Foro da execução fiscal
O projeto traz inovação relativamente à competência de ajuizamento da execução fiscal, determinado seja concentrada somente na Justiça Federal, não mais se aplicando a disposição do inciso I, do art. 15, da Lei n. 5010/66, delegando competência para a Justiça Estadual, tendo em vista a interiorização da Justiça Federal.[104]
Atualmente, a maioria dos processos executivos fiscais contra devedores residentes no interior dos estados, onde não existe a Justiça Federal, são propostos na Justiça Estadual, em virtude dos juízes federais declinarem de sua competência.[105]
Segundo entendimento dos autores do projeto a situação deverá se alterar com a nova lei, posto que não concebem prejuízo para os devedores domiciliados ou que possuam bens em comarcas sem atuação da Justiça Federal, sendo que, nesses casos, poderão ser alcançados mediante execução por carta.[106]
Todavia, merece reflexão, a situação prática das cartas precatórias que inevitavelmente imprimem morosidade ao procedimento. Nesse particular, o projeto estaria agilizando somente a parte executiva, prevalecendo a comodidade da Fazenda Pública que concentraria as causas em varas federais determinadas. Nesse sentido, posiciona-se o advogado Bruno Mattos:
“A perda da competência da Justiça Estadual para o processamento das execuções movidas por entidades federais é o pior aspecto do projeto original. Parte de um pressuposto errado: a existência de "interiorização" da Justiça Federal. Embora já exista um grande número de varas federais no interior do Brasil, a esmagadora maioria das cidades do Brasil não conta ainda com varas federais nem as terão no curto ou médio espaço de tempo”.[107]
Outra alteração que o projeto pretende introduzir diz respeito ao parágrafo único do artigo 6º, determinando a prevenção do juízo que apreciou a primeira execução fiscal, para todas as subseqüentes, tendo o presente dispositivo o objetivo de tornar conexas as ações executivas entre as mesmas partes, na mesma comarca ou subseção judiciária, evitando despesas desnecessárias nas diligências cartorárias.
5.6 Defesa do executado
Relativamente à defesa do executado, o projeto não traz novidades, não tendo os autores se afastado do regime proposto na execução fiscal comum de título extrajudicial, onde é possível opor embargos independentemente de não garantir o juízo, sem que haja suspensão da execução.
A intenção do projeto, nesse particular, é a garantia do princípio da ampla defesa, que poderá ser utilizado também pelo executado sem bens passíveis de penhora judicial, facultando sua defesa contra eventuais excessos da Fazenda Pública.[108]
Com essa medida, o projeto pretende alterar o sistema atual que apóia em larga escala a oposição de embargos meramente protelatórios, retardando sem justificativa a satisfação do crédito, sem, contudo, suspender obrigatoriamente a execução.[109]
Esse posicionamento proposto se amolda a alteração recente introduzida na execução civil, pelo art. 736 do Código de Processo Civil, alterado pela Lei n. 11.382/06, pelo qual o executado poderá opor embargos à execução, independente de realização de penhora.[110]
Destaque-se, que para os mentores do projeto, a concessão de efeito suspensivo aos embargos e demais ações autônomas ajuizadas pelo devedor, relativas ao débito constante na CDA, somente se dará, após observância de alguns requisitos, quais sejam: relevância dos fundamentos, perigo de dano de difícil ou incerta reparação e outorga de garantia do juízo, representada por depósito em dinheiro, fiança bancária ou caução real.[111]
A inovação visível na proposta, diz respeito à possibilidade do executado em se opor à dívida executada por meio de ação autônoma, a ser distribuída ao juiz da execução em curso ou àquele competente.[112]
5.7 informatização da execução fiscal
Considerando a evolução dos meios eletrônicos e a real possibilidade prática de comunicação dos atos processuais, o projeto prevê a utilização de recursos tecnológicos no processo executivo fiscal, visando imprimir celeridade e economia processual.[113]
Em verdade, a redação do § 1º do artigo 4º não traz inovação, entretanto, possibilita que a execução fiscal seja processada em modelo virtual, o que em caso de aprovação, deverá forçar a informatização dos Tribunais para essa modalidade processual, já praticada em outras áreas processuais.
Consigne-se, nesse particular, a importância da utilização do sistema Bacen-Jud, mais conhecido como penhora on-line, instrumento desenvolvido pelo Banco Central do Brasil que possibilita aos magistrados solicitar informações acerca da movimentação dos clientes das instituições financeiras, assim como determinar o bloqueio de contas-correntes ou qualquer conta de investimento.[114]
Em se tratando de informatização, impõe-se analisar a discussão quanto à possibilidade dessa modalidade de penhora ser levada a efeito de forma prioritária ou se é necessário o prévio esgotamento de bens do devedor.[115]
A jurisprudência do Egrégio STJ já adotou a tese, no sentido de que a Lei 11.382/06 é o marco que separa a possibilidade de utilização do Bacen-Jud como forma prioritária de penhora, porque tem por objeto a constrição de dinheiro[116]. Nesse sentido:
“EXECUÇÃO FISCAL. ESGOTAMENTO DOS MEIOS PARA LOCALIZAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS. PRESCINDIBILIDADE. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO. SISTEMA BACEN JUD. PENHORA DE DINHEIRO. ORDEM LEGAL DE PREFERÊNCIA. LEI 6.830/1980.
I – A despeito de não terem sido esgotados todos os meios para que a Fazenda obtivesse informações sobre bens penhoráveis, faz-se impositiva a obediência à ordem de preferência estabelecida no artigo 11 da Lei nº 6.830/1980, que indica o dinheiro como o primeiro bem a ser objeto de penhora.
II – Nesse panorama, objetivando cumprir a lei de execuções fiscais, é válida a utilização do sistema BACEN JUD para viabilizar a localização do bem (dinheiro) em instituição financeira.
III – Observe-se ademais que, de acordo com o artigo 15 da Lei de Execuções Fiscais, a Fazenda Pública pode a qualquer tempo substituir os bens penhorados por outros, não sendo obrigada a preferir imóveis, veículos ou outros bens, o que realça o pedido de quebra de sigilo, indo ao encontro do princípio da celeridade processual.
Precedente: REsp 984.210/MT, Rel. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO, julgado em 06/11/2007.” (REsp 1.009.363/BA, Min. Francisco Falcão, DJ de 16.04.2008)
PENHORA SOBRE A CONTA BANCÁRIA DO DEVEDOR. SISTEMA BACEN JUD. ORDEM LEGAL DE PREFERÊNCIA. VIABILIDADE. MEDIDA CAUTELAR. CONJUGAÇÃO DOS REQUISITOS. AUSÊNCIA.
I – A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça tem o mesmo posicionamento apresentado pelo Tribunal a quo, ou seja, de que a execução é feita no interesse do credor e que é viável a substituição do bem indicado pelo exeqüente, por outro com maior liquidez, in casu, dinheiro, através do sistema BACEN JUD.”
(AgRg na MC 14302 / RJ Data da Publicação/Fonte DJe 27.08.2008)
A celeridade da prática virtual já vem sendo adotada pelo estado de São Paulo, onde já se detecta uma considerável redução nos processos de execução fiscal em tramitação.
5.8 Sistema nacional de informações patrimoniais dos contribuintes
O artigo 4º do projeto autoriza o Poder Executivo a instituir o Sistema Nacional de Informações Patrimoniais dos Contribuintes – SNIPC, onde serão compiladas as informações relacionadas ao patrimônio, à renda e o endereço dos contribuintes. [117]
Esse sistema será alimentado pelos DETRAN’S e Cartórios de Registros de Imóveis, conforme previsão do § 2º, do art. 4º, como mecanismo facilitador da busca de informações patrimoniais desses, acelerando a verificação da existência de bens e/ou direitos dos devedores. Na prática, o art. 16, constituir-se-á em devassa a vida privada do cidadão, atingindo seu sigilo financeiro e patrimonial.[118]
Diante dessa proposta é de se preocupar com a plenitude da Democracia brasileira, onde é vedado o cerceamento de liberdade do cidadão e a ofensa a sua privacidade, rememorando-se que inexiste poder absoluto, não podendo o Poder Executivo, obter benefícios em proveito próprio, estando seus membros como de quaisquer dos outros poderes sujeitos a “rule of the Law”.[119]
A despeito disso, o procurador da Fazenda Nacional Joédi Barboza Guimarães, entende que a criação do banco de dados proposto é “a racionalização da cobrança em seu grau máximo”, modificando o modelo atual e moroso, onde as pesquisas sobre existência de bens em nome dos devedores são realizadas individualmente, por meio de ofícios encaminhados aos órgãos, que possuam finalidade de cadastrar, registrar e controlar bens e direitos, “gerando trabalho burocrático e inútil”.[120]
5.9 Análise da constitucionalidade do projeto de lei de cobrança da dívida ativa
Em tempo não tão distante não era raro os juristas aplicarem e interpretarem os ramos do Direito respaldado apenas na norma regulamentadora daquela matéria, olvidando a Carta Magna, significando que um criminalista interpretaria o caso concreto exclusivamente sob a ótica do Código Penal, um civilista no Código Civil e os processualistas nos diplomas processuais.[121]
Todavia, as mudanças se operam vindo à classe jurídica, buscar aplicação dos direitos lhes apresentados com base na Lei Maior, em conjunto com a legislação infraconstitucional, reguladora do caso específico.[122]
Nesse contexto evolutivo, a análise da proposta do projeto com objetivo de alterar o processo executivo fiscal brasileiro deve ser estudada, mesmo que sucintamente, para aferição de sua constitucionalidade.
Pelo atual sistema normativo, as execuções fiscais são processadas na esfera judicial, por meio de atos emanados de um juiz, sendo o contribuinte devedor citado, com prazo determinado para pagar o débito ou oferecer garantia corresponde, quando então passa a fluir o prazo para defesa, denominada de embargos à execução.[123]
Nesse modelo, deixando o contribuinte de se manifestar após a citação acerca da execução fiscal que lhe pesa, a autoridade judicial determina atos de constritivos ao seu patrimônio, que vão desde a penhora de bens móveis ou imóveis, até a penhora em moeda corrente, diretamente em sua conta bancária, denominada de penhora on line; tudo por intermédio de um juiz.[124]
O projeto de lei n. 5080/09, por sua vez, propõe instituir uma nova Lei de Execuções Fiscais, que imprimirá uma nova sistemática de cobrança da dívida tributária, concedendo a Fazenda Pública, representada por seu Procurador, competência administrativa a ser exercida sobre os bens e valores do contribuinte.[125]
Ressalte-se, inicialmente, que quando da elaboração do projeto inicial do presente trabalho, entendíamos ser a proposta do projeto plenamente constitucional, e, assim sendo, constituir-se-ia, num mecanismo inovador para simplificar o atual processo executivo fiscal, objeto da Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980.
Contudo, o estudo do tema, nos remeteu a outro posicionamento, levando-nos a reconhecer a inadequação das inovações instituídas, especialmente por dotar a fazenda pública dos poderes até então atribuídos ao Poder Judiciário, a qual poderá, notificar, identificar e constranger (bloquear) o patrimônio do contribuinte inadimplente, inclusive seus créditos bancários.[126]
O projeto em comento prever que logo após a inscrição do débito em dívida ativa, a Procuradoria realize a investigação patrimonial do devedor, autorizando, ainda, ao Poder Executivo a criar o Sistema Nacional de Informações Patrimoniais dos Contribuintes – SNIPC, a ser gerido pelo Ministério da Fazenda, o qual poderá ser compartilhado na esfera estadual, municipal e distrital.[127]
Por meio do referido sistema a Fazenda Pública poderá acessar eletronicamente as informações patrimoniais do contribuinte, obtendo informações sobre o patrimônio, renda, endereços, entre outros. Na prática, significa a quebra do sigilo bancário e patrimonial, entre outras garantias fundamentais protegidas pela Constituição, (art. 5º, XII, LIV, LV e LVIII), que somente poderão ser devassadas por autorização judicial.[128]
Por esse prisma a competência da Administração Pública em bloquear os recursos financeiros do devedor revela-se inconstitucional, ferindo a prescrição de que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. [129]
Ainda por essa ótica, inadmissível a permissão de constrição patrimonial sem o crivo do Poder Judiciário, devendo ainda ser considerado que a pretensão do diploma legal exige uma capacitação e aparelhamento que a Receita e a Procuradoria da Fazenda Nacional não dispõem tampouco as esferas estaduais, municipais e distritais.[130]
Também merece ressalva a disposição que autoriza a Fazenda a protestar a Certidão de Dívida Ativa (CDA), isto porque aludido instrumento já encerra em si a força executiva decorrente da própria lei, tornando o protesto inócuo para uma das finalidades pretendidas. [131]
De igual modo, merece restrição o cunho falimentar que a projeto pretende, haja vista o repúdio a essa iniciativa da Fazenda Pública, por grande parte da doutrina, posições pacificadas nos julgados do STF.[132]
Inegável que a essência do projeto tem trazido preocupação ao mundo jurídico nacional, envolvendo jornalistas especializados, tributaristas, renomados doutrinadores, procuradores da Fazenda Nacional e a Ordem dos Advogados do Brasil, a exemplo da seccional de São Paulo, que entregou ao Presidente da Câmara dos Deputados parecer contrário aos Projetos de Lei tendentes a excluir da tutela jurisdicional os atos de constrição da dívida fiscal.[133]
No ponto de vista desses estudiosos, e na nossa modesta visão, o projeto fere de morte o princípio do devido processo legal, pela permissão em transferir o patrimônio do contribuinte para os entes fazendários, sem o crivo do Poder Judiciário, aniquilando a presunção de inocência dos contribuintes, que muitas vezes respondem processos injustificados, por débitos até prescritos.
Ao se admitir a transformação do projeto em lei, com essas irregularidades apontadas, estarão os contribuintes irremediavelmente prejudicados, com abalo incalculável ao alicerce do Estado Democrático de Direito.
CONCLUSÃO
O estudo apresentado no presente trabalho leva a concluir que o projeto de lei n. 5.080/2009, se aprovado nos moldes propostos, não corresponderá as expectativas da comunidade jurídica brasileira.
É louvável o esforço dos autores do diploma normativo em estudo, na busca de uma fórmula jurídica para desobstruir o Poder Judiciário da excessiva demanda de processos de execução fiscal fadados ao arquivamento, ocasionado pela ineficiência da atual sistemática de cobrança da divida ativa da Fazenda Pública, que não atinge o percentual de 10% (dez por cento) nas tentativas de cobranças judiciais, levando a sociedade jurídica a repensar um novo modelo.
Essa preocupação, fez com que os operadores do direito, com atuação na área tributária e afins, lançassem projetos, a exemplo do ora estudado, tendentes a alterar a lei de Execuções Fiscais – LEF. Entretanto, para alguns especialistas a proposta original oriunda do Conselho da Justiça Federal contém vícios formais, que o tornariam inconstitucional, por ferir o princípio do direito de ação, entre outras garantias fundamentais do cidadão, inseridas nos incisos XII, LIV, LV e LVIII, do art. 5º da Carta Magna.
Inegável que a proposta possui pontos positivos, a exemplo da real possibilidade de utilização de recursos tecnológicos no processo executivo fiscal, alçando-o a condição de virtual, o que na prática forçaria a informatização dos Tribunais, imprimindo celeridade e economia nos procedimentos executivos fiscais.
Por outro lado, conforme se observou na abordagem da matéria relativa a cobrança da dívida ativa nos diversos países enfocados, a mesma é de grande complexidade, merecendo estudo aprofundado, como meio de encontrar soluções práticas passíveis de aparelhar a máquina judiciária com mecanismos capazes de aumentar a arrecadação pela Fazenda Pública, diminuindo a sonegação fiscal, sem contudo macular os princípios constitucionais.
A intenção dos autores em transferir o ônus da identificação de devedores e localização dos bens penhoráveis do Poder Judiciário para a Fazenda Pública, não solucionará o problema da cobrança fiscal no Brasil, em razão do mau aparelhamento dos órgãos fiscalizadores e executores dos procedimentos administrativos e judiciais, especialmente quanto ao diminuto quantitativo de técnicos em todas as esferas, o que resulta na evasão fiscal testemunhada diariamente em nossas extensas fronteiras.
No debate travado por outros estudiosos e, na nossa modesta visão, o projeto fere de morte o princípio do devido processo legal, pela permissão em transferir o patrimônio dos contribuintes para os entes fazendários, sem o crivo do Poder Judiciário, aniquilando a presunção de inocência daqueles, que muitas vezes respondem processos injustificados, por débitos até prescritos.
Diante dessa e de outras questões apontadas, impõem-se cuidadoso estudo e discussão consciente da sociedade, da classe jurídica, política e Ministério da Justiça, visando suprir as falhas existentes, para obtenção da efetividade do processo executivo fiscal, com observância dos princípios constitucionais inerentes ao Estado de Direito.
Concluí-se, portanto, que ao se admitir a transformação do projeto em lei, com as irregularidades apontadas, estarão os contribuintes irremediavelmente prejudicados, com abalo incalculável ao alicerce do Estado Democrático de Direito, haja vista o flagrante retrocesso ao tempo em que a justiça se fazia pelas próprias mãos.
Pós-graduanda em Direito Constitucional e Direito Processual Civil Lato Stricto Sensu na Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus. Possui graduação em Direito pelo Instituto Luterano de Ensino Superior de Porto Velho 2010 e especialização em Direito Público pela Universidade Anhanguera Uniderp 2011. Desde agosto/2010 exerce a função de assessora de juiz perante a 3 Vara Cível da Comarca de Porto Velho. Tem experiência na área de Direito com ênfase em Direito Civil e Direito Processual Civil.
Uma das dúvidas mais comuns entre clientes e até mesmo entre profissionais de outras áreas…
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) regula o trabalho aos domingos, prevendo situações específicas…
O abono de falta é um direito previsto na legislação trabalhista que permite ao empregado…
O atestado médico é um documento essencial para justificar a ausência do trabalhador em caso…
O cálculo da falta injustificada no salário do trabalhador é feito considerando três principais aspectos:…
A falta injustificada é a ausência do trabalhador ao trabalho sem apresentação de motivo legal…