Resumo: A questão que se coloca em debate no presente artigo é analisar se com a “recriação” da Sudene e da Sudam pelas Leis Complementares nºs. 124 e 125, ambas de 3 de janeiro de 2007, as atribuições relacionadas ao FINOR e ao FINAM teriam sido restituídas aos organismos regionais, afastando a competência da União instituída pela Medida Provisória nº. 2.156-5. Tal conclusão fora encampada por alguns juízes federais, que passaram a inadmitir pedidos de assistência simples formulado pela União em processos movidos contra os agentes financeiros dos referidos fundos de investimento regional, ante uma suposta ilegitimidade da administração direta com o advento das leis que “recriaram” as autarquias de desenvolvimento regional.
Sumário: 1. Introdução; 2. Vida e “morte” das autarquias de desenvolvimento regional; 2.1. Sudene e da Sudam como organismos gestores de fundos de investimento regional; 2.2. A extinção das superintendências de desenvolvimento regional e o deslocamento da competência de gestão dos fundos de investimento regional para a União; 3. A recriação das superintendências de desenvolvimento regional e o início da celeuma jurídica; 4. Conclusão; 5. Referências
Palavras-chave: Fundos de investimento regional; FINAM; FINOR.
1. Introdução
A questão que se coloca em debate no presente artigo é analisar se com a “recriação” da Sudene e da Sudam pelas Leis Complementares nºs. 124 e 125, ambas de 3 de janeiro de 2007, as atribuições relacionadas ao FINOR e ao FINAM teriam sido restituídas aos organismos regionais, afastando a competência da União instituída pela Medida Provisória nº. 2.156-5. Tal conclusão fora encampada por alguns juízes federais, que passaram a inadmitir pedidos de assistência simples formulado pela União em processos movidos contra os agentes financeiros dos referidos fundos de investimento regional, ante uma suposta ilegitimidade da administração direta com o advento das leis que “recriaram” as autarquias de desenvolvimento regional[1].
2. Vida e “morte” das autarquias de desenvolvimento regional
2.1. Sudene e da Sudam como organismos gestores de fundos de investimento regional
A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) foi criada pela Lei nº 3.692, de 15 de dezembro de 1959, na gestão do presidente Juscelino Kubitschek, sendo inicialmente vinculada de modo direto à Presidência da República. Em linhas gerais o organismo estatal seguiu uma linha de política de desenvolvimento regional trilhada por Celso Furtado, economista que coordenou o Grupo de Trabalho de Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), que contou com a participação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE).
Pode-se dizer, portanto, que a Sudene é resultado do pensamento keynesiano que norteou a Política de Desenvolvimento Econômico do Nordeste (PDEN), lançada em 1959, estando inserida na chamada fase Nacional-Desenvolvimentista, que foi do pós-guerra à ascensão dos militares ao poder, em 1964[2]. Na ideia inerente ao modelo adotado, a autarquia serviria de âncora para o deslinde de uma política que tinha por destinatários Estados-membros considerados “subdesenvolvidos” em relação à região do país “mais desenvolvida”.
Nas palavras de Celso Furtado, em seu famoso artigo “Uma política de desenvolvimento para o Nordeste”, o celebrado economista destacou as razões para a instituição de uma política pública voltada para uma das regiões do país:
“Se sobram razões para que nas instâncias mais altas haja crescente preocupação com o problema das desigualdades em escala mundial e da ampliação de cinturão de pobreza em torno aos países ricos, como admirar-se de que entre nós se denuncie a existência de problema idêntico em âmbito nacional? Certo: no caso do Brasil não se trata apenas de uma divisão entre beneficiários e vítimas de um intercâmbio desigual, fundado em uma visão dicotômica do valor do trabalho humano. A fratura que nos alquebra tem projeções negativas num como no outro lado do País. No Nordeste perpetua-se a miséria de grandes massas de população; no Centro-Sul freia-se o progresso social e cresce a marginalidade urbana”[3].
Nesta linha, o diploma normativo que lhe deu origem dispunha que a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste teria a finalidade de: a) estudar e propor diretrizes para o desenvolvimento do Nordeste; b) supervisionar, coordenar e controlar a elaboração e execução de projetos a cargo de órgãos federais na região e que se relacionem especificamente com o seu desenvolvimento; c) executar, diretamente ou mediante convênio, acordo ou contrato, os projetos relativos ao desenvolvimento do Nordeste que lhe foram atribuídos nos termos da legislação em vigor; e d) coordenar programas de assistência técnica, nacional ou estrangeira, ao Nordeste.
Por sua vez, as origens da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia remontam à antiga Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), órgão vinculado à Presidência da República, criado pela Lei n°. 1.806, de 6 de janeiro de 1953. A criação da entidade decorrera de um esforço do governo federal no sentido de soerguer a região amazônica, que à época sofria com o declínio do ciclo da borracha, tornando-se responsável pela execução de um sistema de medidas, serviços, empreendimentos e obras, destinados a incrementar o desenvolvimento da produção extrativa e agrícola pecuária, mineral, industrial e o das relações de troca, no sentido de melhores padrões sociais de vida e bem-estar econômico das populações da Amazônia.
Com a tomada do poder pelos militares em 1964, dá-se início a uma fase caracterizada pelo extremo centralismo decisório, que partia de uma premissa fincada integração nacional como forma de pôr em prática o desejo de elevar o Brasil ao status de potência mundial. Assim, os planos diretores das políticas de desenvolvimento regional do Nordeste e da região Amazônica deixaram de possuir autonomia para serem incorporados aos chamados Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs).
A mudança na forma de conduzir à política se refletiu na estrutura administrativa dos organismos de desenvolvimento regional, que perderam seu vinculo direto com a Presidência da República para se submeterem à supervisão do Ministério do Interior. Nessa esteira, o SPVEA acabou sendo extinto pela lei n°. 5.193, de 27 de outubro de 1966, para dar vida à Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), agora com estrutura análoga à da Sudene.
Com o advento do II Plano Nacional de Desenvolvimento (1974-1979), o governo militar apostou numa estratégia de agir em áreas integradas mediante investimentos públicos diretos e incentivos fiscais e creditícios à iniciativa.
Nesta linha, o Decreto-Lei nº 1.376, de 12 de dezembro de 1974 instituiu o Fundo de Investimentos do Nordeste (FINOR) foi criado pelo Decreto-Lei nº 1.376/74, tendo como agente administrador a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste e o Banco do Nordeste do Brasil S.A. (BNB) como agente operador; fazendo o mesmo com o Fundo de Investimentos da Amazônia (FINOR), gerido pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia e operado pelo Banco da Amazônia S.A. (BASA).
2.2. A extinção das superintendências de desenvolvimento regional e o deslocamento da competência de gestão dos fundos de investimento regional para a União
Segundo Wilson Cano, o Brasil experimentou desde os anos oitenta um gradativo abandono das políticas de desenvolvimento tanto regional quanto nacional. Em suas palavras, “decorridos pouco mais de vinte anos da instituição da política de desenvolvimento regional no Brasil (…) constatou-se, embora tardiamente, que não atingira seus maiores objetivos: o problema da miséria e do desemprego, aberto ou disfarçado”[4].
No início da década de noventa, foram adotadas algumas medidas que visaram reestruturar fundos e os organismos de desenvolvimento regional, no que durante o governo Fernando Collor sobreveio a lei n°. 8.167, de 16 de janeiro de 1991, com o intuito de alterar a legislação do imposto sobre a renda relativa a incentivos fiscais e de estabelecer novas condições operacionais dos fundos de investimento regional.
As medidas, no entanto, sucumbiram ao longo da década de 90 com a sequencia de escândalos políticos que envolveram tanto a Sudene quanto a Sudam, aliada à perda da capacidade operacional das autarquias, o que ocasionou o fomento de um discurso pautado “na incapacidade do Estado Brasileiro em manter o padrão de financiamento do desenvolvimento regional” em função da crise financeira ocorrente desde os anos oitenta[5].
Ao ensejo do oportunismo político, o governo federal entendeu que a melhor solução seria extinguir as superintendências de desenvolvimento regional para ser implantado um novo modelo de gestão, o qual traria os organismos de desenvolvimento regional como agências multilaterais de desenvolvimento.
Assim, a Medida Provisória nº 2.156-5, de 24 de agosto de 2008, extinguiu Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, dispondo-se que as competências atribuídas pela legislação à Sudene e ao seu Conselho Deliberativo seriam transferidas para a União (art. 21. §1º). Na mesma oportunidade, houve a criação da Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene), a qual não foi conferida a atribuição de administrar os projetos relativos ao FINOR que estivessem em andamento na extinta Sudene. Tal competência foi repassada ao Ministério da Integração Nacional, nos termos do art. 21, § 5º, II:
“Art. 11. Fica criada a Agência de Desenvolvimento do Nordeste – ADENE, de natureza autárquica, vinculada ao Ministério da Integração Nacional, com o objetivo de implementar políticas e viabilizar instrumentos de desenvolvimento do Nordeste. […]
Art. 21. […]
§ 2º A União sucederá a SUDENE nos seus direitos e obrigações. (Revogado pela Lei Complementar nº 125, de 2007)[…]
§ 5º Compete ao Ministério da Integração Nacional: (Revogado pela Lei Complementar nº 125, de 2007)[…]
II – a administração dos projetos em andamento na SUDENE, relacionados com o seu Fundo de Investimento, podendo cancelar tais projetos, nas hipóteses previstas na legislação específica; (Revogado pela Lei Complementar nº 125, de 2007)
III – o inventário e a administração dos bens e direitos da SUDENE; e (Revogado pela Lei Complementar nº 125, de 2007)”
Em suma, a Medida Provisória nº 2.156-5 determinou: a) a extinção da Sudene; a) a criação da Agência de Desenvolvimento do Nordeste; e, c) a atribuição do Ministério da Integração Nacional para administrar os projetos relativos ao FINOR que estivesse em andamento na extinta Sudene, bem como promover o inventário e administração de seus bens e direitos.
Do modo idêntico, a Medida Provisória nº 2.157-5, de 24 de agosto de 2008, extinguiu Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, atribuindo as competências conferidas à Sudam e ao seu Conselho Deliberativo pela legislação à União (art. 21. §1º). Da mesma forma, instituiu-se a Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA), que também não possuía poderes para administrar os projetos relativos ao FINAM. Esta última competência fora igualmente repassada ao Ministério da Integração Nacional (art. 21, § 5º, II).
No uso da competência presidencial para dispor autonomamente sobre a organização e funcionamento da administração federal (art. 84, VI, “a”, da Constituição Federal), o Presidente da República expediu os Decretos nºs. 4.984 e 4.985, ambos de 12 de fevereiro de 2004, para encerrar, respectivamente, a inventariança das extintas Sudam e Sudene. Dessas normas, importa destacar que a administração dos projetos do FINAM e do FINOR seguiram sob o comando do Ministério da Integração Nacional (art. 4º, IV, de ambos os decretos), ao passo que outras atribuições foram repassadas à ADA e à Adene.
3. A recriação das superintendências de desenvolvimento regional e o início da celeuma jurídica
No curso da sua campanha para a Presidência da República, o então candidato Luis Inácio Lula da Silva prometera extinguir as agências de desenvolvimento regional e recriar as antigas superintendências. Ao ser eleito encaminhou ao Congresso Nacional projetos de lei complementar neste sentindo, em que pese mantivesse praticamente a mesma estrutura organizacional instituída pelo governo anterior.
Depois de longa tramitação, o Congresso Nacional, no uso da competência estatuída pelo art. 47 da Constituição Federal, editou as Leis Complementares nºs. 124 e 125, ambas de 3 de janeiro de 2007, as qual promoveram, respectivamente, a extinção da ADA e da Adene, instituindo a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).
Em termos práticos, pouca coisa mudou, a não ser pela mudança de nomes das autarquias, que agora traziam na sua intitulação a marca de um saudosismo político. Nesta linha, ambas as leis complementares trouxeram previsões de que as superintendências sucederiam as agências de desenvolvimento regional, convalidando os atos praticados com lastro nas medidas provisórias editadas no ano de 2001.
É interessante notar, porém, que as novas leis complementares não seguiram o padrão dos textos normativos que regulavam a estrutura dos organismos de desenvolvimento regional anteriormente. Isso porque não se dispôs expressamente acerca da entidade pública federal competente para gerir os projetos relativos ao FINOR e ao FINAM, circunstância que poderia gerar dúvidas. A par disso, as cláusulas revocatórias das leis complementares nº. 124/2004 (art. 22) e 125/2004 (art. 24) poderiam gerar indagações ao intérprete a partir do momento em que dispunham sobre a revogação integral dos arts. 21 das Medida Provisória nºs. 2.156-5/01 e 2.157-5, cujos incisos II do parágrafo 5º atribuíam a administração dos referidos projetos ao Ministério da Integração Nacional. Veja-se, por exemplo, a redação do art. 24 da lei complementar nº. 125/2004:
“Art. 24. Ficam revogados a Lei Complementar nº 66, de 12 de junho de 1991; os arts. 1º, 2º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 30 e o parágrafo único do art. 5º da Medida Provisória nº 2.156-5, de 24 de agosto de 2001; e o art. 15-A da Lei no 7.827, de 27 de setembro de 1989.”
Daí surge a controvérsia: haveria tal disposição retirado a competência do Ministério da Integração Nacional para administrar os projetos dos Fundos de Investimentos do Nordeste e da Amazônia? Em caso positivo, haveria repasse dessa atribuição às novas autarquias?
Em primeiro lugar, cumpre registrar que a mens legislatoris representa fator secundário no processo hermenêutico e que a interpretação do ordenamento positivo não se confunde com o processo produtivo da norma. Nesse sentido, costuma-se dizer que seria impossível determinar a intenção de centenas de parlamentares de modo a delimitar o porquê da norma jurídica, razão pela qual não se deve considerar a vontade do legislador, mas a intenção que se extrai da própria norma:
“Com o acto legislativo, dizem os objetivistas, a lei desprende-se do seu autor e adquire uma existência objectiva. O autor desempenhou o seu papel, agora desaparece e apaga-se por detrás da sua obra”[6].
Vem do Direito romano o princípio basilar de hermenêutica jurídica segundo o qual a lei não contém palavras inúteis (verba cum effectu sunt accipienda). Seria isso um indicativo de que, por uma interpretação lógico-extensiva, a norma decidiu atribuir competência à Sudene e à Sudam para gerir os projetos do FINOR e FINAM, respectivamente?
A resposta não pode ser definida de forma apriorística. Ao discorrer sobre o brocado latino supracitado, Carlos Maximiliano ensina que:
“Se de um trecho se não colige sentido apreciável para o caso, ou transparece a evidência de que as palavras foram insertas por inadvertência ou engano, não se apega o julgador à letra morta, inclina-se para o que decorre do emprego de outros recursos aptos a dar o verdadeiro alcance da norma. Bem avisados, os norte-americanos formulam a regra de Hermenêutica nestes termos: ‘deve-se atribuir, quando for possível, algum efeito a toda palavra, cláusula, ou sentença’. Não se presume a existência de expressões supérfluas; em regra, supõe-se que leis e contratos foram redigidos com atenção e esmero; de sorte que traduzam o objetivo dos seus autores. Todavia é possível, e não muito raro, suceder o contrário; e na dúvida entre a letra e o espírito, prevalece o último”[7].
A precedência da vontade da norma sobre a intenção do legislador não significa o desprezo pelo intérprete dos textos que embasaram a formação da norma jurídica como forma de extrair o seu espírito. Assim, a análise histórica das mudanças operadas pelas casas legiferantes nos projetos de lei pode fornecer subsídios que ajudem na definição do propósito normativo.
Nos casos vertentes, o observe-se, por exemplo, que o projeto que resultou na Lei Complementar nº. 125/07 (PLP-76/2003) fora encaminhado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo no dia 31.07.2003, contendo a seguinte cláusula revocatória:
“Art. 16. Ficam revogadas a Lei Complementar nº 66, de 12 de junho de 1991 e a Medida Provisória nº 2.156-5, de 24 de agosto de 2001, com exceção dos seus arts. 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 21.”
Como é de notar, a iniciativa presidencial fora exercida com o intento de manter preservado integralmente o art. 21 da Medida Provisória nº. 2.156-5/01, de modo a manter indene a competência transferida à administração direta da União face à extinção da antiga autarquia de desenvolvimento da região Nordeste. Portanto, a gestão dos projetos relacionados com o FINOR permaneceria como tarefa do Ministério da Integração Nacional.
Contudo, já no corpo daquele projeto de lei complementar havia a previsão de transferência de competências contidas noutros dispositivos do mesmo art. 21 da Medida Provisória nº. 2.156-5/01 – todas para a autarquia a ser criada. Em suma, as atribuições ali elencada seriam retalhadas entre a União e a nova entidade pública, o que, tecnicamente, exigiria uma discriminação mais detalhada de quais os dispositivos (parágrafos e incisos) deveriam ser realmente revogados.
É importante notar que, em 12 de fevereiro de 2004, o Presidente da República editou os Decretos nºs. 4.984 e 4.985, atos normativos autônomos não só por previsão literal em sua ementa, mas também pela natureza dos comandos normativos nele contidos, uma vez que transferiu algumas atribuições para a ADA e Adene, mantendo expressamente sob o manto do Ministério da Integração Nacional as demais competências das antigas superintendências de desenvolvimento regional.
Ainda tomando como exemplo o caso da nova Sudende, em 11 de agosto de 2004, o PLP-76/2003 teve sua redação final aprovada na Câmara dos Deputados. Ao antever futuras incompatibilidades com manutenção integral do art. 21 da Medida Provisória nº. 2.156-5/01, o parlamento decidiu revogá-lo integralmente por intermédio do seguinte texto: “Art. 18. Ficam revogados a Lei Complementar nº 66, de 12 de junho de 1991, e os arts. 1º, 2º, 5º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31 e 32 da Medida Provisória nº 2.156-5, de 24 de agosto de 2001”.
Da análise dos pareceres da “comissão especial destinada a proferir parecer ao projeto de lei complementar nº. 76, de 2003” é possível observar que sequer houve debates sobre a gestão dos projetos do Fundo de Investimentos do Nordeste (FINOR), enquanto o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste – criado pela Medida Provisória nº. 2156-5/01 – foi alvo de intensa discussão. Nesse sentido, o parecer final da mencionada comissão sintetizou a atuação da nova Sudene da seguinte forma:
“Os instrumentos de ação da SUDENE são: os planos quadrienais e anuais, articulados com os planos federais, estaduais e locais, os incentivos fiscais e financeiros, na forma da lei e da Constituição, e outros definidos em lei. Suas receitas são: as dotações orçamentárias consignadas no Orçamento Geral da União, as transferências do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste, equivalente a dois por cento do valor de cada liberação de recursos, para a remuneração pela gestão do Fundo, além de outras receitas previstas em lei.” [8]
Desse mesmo relatório, merece destaque o fato de que as únicas menções feitas ao FINOR no processo legislativo se resumiram à composição do relatório histórico da atuação do organismo de desenvolvimento regional do Nordeste:
“Foi com o golpe militar, em 1964, que a SUDENE passou a desempenhar o papel de mera executora de programas de impacto e de estratégias de desenvolvimento regional e de administradora do “34/18”, que se transformaria mais tarde, em 1974, no FINOR. Foi incorporada ao Ministério do Interior e teve sua autonomia, recursos e objetivos restringidos. O processo de esvaziamento institucional, político e orçamentário sofrido pela Superintendência, agravado com o “vazamento” de incentivos, reduziu gravemente o volume de recursos de que dispunha para o desenvolvimento regional. A partir de então, o FINOR passou a ser o principal incentivo oferecido pela SUDENE para estimular a economia da Região, oferecendo apoio financeiro a empresas que pretendiam se instalar ou ampliar sua atuação no Nordeste, Norte de Minas Gerais e Vale do Jequitinhonha, e no Norte do Espírito Santo.” [9]
Após o encaminhamento do PLP nº. 76/2003 ao Senado Federal, o projeto retornou com substitutivo para votação na Câmara dos Deputados, tendo sido aprovado em 28.11.2006 para conter a seguinte cláusula revocatória:
Art. 24. Ficam revogados a Lei Complementar nº 66, de 12 de junho de 1991; os arts. 1º, 2º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 30 e o parágrafo único do art. 5º da Medida Provisória nº 2.156-5, de 24 de agosto de 2001; e o art. 15-A da Lei no 7.827, de 27 de setembro de 1989.
4. Conclusão
Por tudo isso, percebe-se que da análise de seu processo criativo não há como extrair de seu âmago qualquer tendência destinada a conferir à nova Sudene, ou à nova Sudam, competência administrativa, ainda que presumida, para gerir os projetos relativos ao FINOR e ao FINAM, respectivamente. Daí a utilidade de citar a lição segundo a qual conhecer as leis não é compreender as suas palavras, mas o seu alcance e a sua força (scire leges non hoc est verba earum tenere sed vim ac potestatem – Celso, D.1.3.17).
Ademais, interpretação diversa encontraria óbice no princípio geral de Direito Público que determina a tipicidade das competências. Na lição já referida de Carlos Maximiliano, “competência não se presume”, assertiva que se completa com a conhecida frase lançada por Francisco Rezec, enquanto Ministro do Supremo Tribunal Federal: “não há competência vestida do estatuto do res nullius a espera de quem dela primeiro lance mão” (RDA 173/106).
Assim, conjugando a aplicação do princípio da tipicidade das competências com a teoria da descentralização administrativa (que exige determinação clara e específica para retirada do serviço do centro para transferir a setores periféricos), há de se firmar que a atribuição para gerir dos fundos de investimento regional segue na esfera da administração direta.
Não bastasse isso, descabe olvidar o caráter autônomo dos decretos que dispõem sobre a organização e o funcionamento da administração federal, quando não implicam aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos. Acerca dessa possibilidade, o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu seu cabimento como exceção ao princípio da simetria das formas (ADI 3.232, Rel. Min. Cezar Peluso, DJE: 03.10.08).
Desta maneira, incorreram em perda de vigência todos os comandos normativos das Medidas Provisórias nºs. 2.156-5/01 e 2.157-5 que dirigiam questões posteriormente disciplinadas nos Decretos nºs. 4.985/04 e 4.984/04, respectivamente. É o que aconteceu o artigo 21 da referida medida provisória nº. 2.156-5/01, cuja matéria restou inteiramente regulada por ato normativo de mesma força em momento ulterior, conforme disposto no art. 2º, §1º, da Lei de Introdução ao Direito.
Ora, assentada essa linha de raciocínio, forçoso é concluir que a pretendida revogação do art. 21 da Medida Provisória nº. 2.156-5/01 já havia sido operada com o advento do Decreto nº. 4.985/04, ocorrendo o mesmo com a Medida provisória nº. 2.157-5 em face do Decreto nº. 4.984/04. Assim, a competência para administrar os projetos relativos ao Fundo de Investimentos do Nordeste e ao Fundo de Investimentos da Amazônia é do Ministério da Integração Nacional, nos termos do art. 4º, IV, do Decreto nº. 4.985/2004, cujo comando normativo permaneceu inalterado com o advento da Lei Complementar nº. 125/2007.
Procurador Federal. Graduado em Direito pela UFPE. Pós Graduado em Direito Público. Consultor Jurídico do Ministério da Integração Nacional
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