Fake News e o modelo jurídico brasileiro e internacional

Resumo: O referido artigo tem como escopo principal analisar o impacto da disseminação das notícias falsas no “mundo real”, especificando o porquê da sua facilidade de divulgação, pós-verdade, abordar como o Direito age a respeito dessa nova realidade fática, modos de controle, constitucionalidade do controle prévio, e analise legislativa nacional e internacional, além da tendência mundial de atuação nessa seara, e integrando soluções para os problemas relacionados a sociedade e novas tecnologias. A metodologia empregada parte do método indutivo, com pesquisa bibliográfica doutrinária e jurisprudencial como técnicas de pesquisa.

Palavras-chave: Fake News. Pós-verdade. Censura. Direito digital.

Abstract: This article has as main scope to analise the impact of fake news in the real world,explaining why it is só easy to spread, post truth, see how Law reacts to this new reality, how to control it, previous control, analise the legislation national and internacional, how the world is acting in this field and integrating solutions to the problems involving society and new technologies. The used method was inductive, with paper research and as seach technique.

Keywords: fake news. Post truth. Censorschip. Digital Law.

Sumário: Introdução.1.Fake News: conceito, pós-verdade e motivação. 1.1. Conceito de Fake News.1.2 Pós-verdade. 1.3 Motivação: por que as notícias falsas são criadas?. 2.Tratamento Jurídico Brasileiro e Mundial. 3. Fake News, Censura e Monitoramento de notícias. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

A mentira e a disseminação de boatos existem desde que se tem noção da própria existência da humanidade, e permeia o imaginário social até mesmo em contos infantis como o clássico “Pedro e o Lobo” . O artifício é utilizado em diversas situações, seja para manipular, reverter algum quadro ou inferir algo não verídico a alguém.

Se um boato ou uma mentira, tem o potencial de efeitos catastróficos quando disseminados boca a boca, esse efeito é expandido em proporções inimagináveis quando se trata de conteúdo colocado no meio digital, onde cada vez mais pessoas estão conectadas, e repassando conteúdos sem que haja a verificação do mesmo.

O volume de informações na era digital, com a quantidade de pessoas inseridas no ambiente, quase que vinte e quatro horas por dia, torna praticamente impossível de rastrear o início das notícias falsas, e mais impossível ainda determinar o seu fim. Uma vez na internet, a perpetuação de um conteúdo é uma realidade. E, numa sociedade que vem perdendo seu senso crítico, e sendo engolida por discursos de ódio e polarização, o alcance das fake news é perturbador.

Não se fala apenas de boatos e lendas urbanas como aquelas enviadas por e-mail no começo dos anos 90, onde se recebia um correio eletrônico com referências a alguma notícia incoerente, facilmente determinada com falsa, mas sim, de bombardeamentos de informações pré determinadas, atraentes em conteúdo, com motivação muitas vezes política ou criminosa, e potencial de alcance indeterminado, que encontra terreno fértil na falta de criticismo social e na “inocência” de acreditar em um conteúdo veiculado por meio da internet.

O objetivo do presente artigo, é clarear os conceitos e modalidades de fake news, vislumbrar as maneiras de disseminação das mesmas, analisar os aspectos legais referentes à divulgação das mesmas e traçar um panorama do atual dilema: como proibir previamente as fake news, protegendo ao mesmo tempo, direitos humanos e fundamentais, sem que isso seja luta e proibição seja caracterizada como censura.

1. FAKE NEWS: Conceito, pós – verdade e motivação

1.1 Conceito de Fake News

De acordo com o dicionário de Cambridge, fake news são estórias falsas que parecem ser notícias, espalhadas pela internet ou outra mídia, usualmente criada para influenciar visões políticas ou como uma piada.

Apesar de existir há tempos, desde o século XXIX como afirma o dicionário Merriam – Webster, a expressão, até algum pouco tempo, quase que não utilizada, generalizou-se em 2016, com as eleições norte americanas, onde descrevia-se descrevia artigos que eram fabricados a fim de promover “cliques” a favor dos candidatos, ou espalhar rumores de condutas desonestas.

Percebe-se, então, que o termo, como utilizado hoje, refere-se a informações, não verídicas, disseminadas por meios digitais, e que ganham amplitude por conta de seu conteúdo.

De acordo com a britânica Claire Wardle, estrategista e pesquisadora do First Draf, existem sete tipos de notícias falsas:

1. Sátira ou paródia (sem intenção de fazer mal, mas com potencial para enganar)

2. Falsa conexão ( quando as manchetes visuais das legendas não dão suporte a conteúdo)

3. Conteúdo enganoso ( má utilização da informação para moldar um problema ou um indivíduo)

4. Conteúdo falso ( quando o verdadeiro conteúdo é compartilhado com informações falsas contextuais)

5. Conteúdo de impostor (quando fontes verdadeiras são forjadas com conteúdo falso)

6. Manipulações de conteúdo ( quano informação genuína ou imagens são manipuladas para enganar, como fotos adulteradas)

7. Conteúdos fabricados ( conteúdo novo é cem por cento falso, projetado para enganar e fazer mal)

Atualmente, na sociedade brasileira, o termo cunhou-se popular pelo seu uso em manobras políticas e manipulações em massa, utilizando-se, especialmente, das modalidades: manipulações de conteúdo, conteúdos fabricados, e conteúdo enganoso. A propagação de notícias desse teor referente a eleições foi tão impactante, que houve uma verdadeira cruzada à caça dessa produção de conteúdo por instituições como o Tribunal Superior Eleitoral e o próprio Supremo Tribunal Federal.

1.2 Pós Verdade

Definida pelo dicionário de Cambridge, pós-verdade é uma expressão substantiva que “se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”.

A pós-verdade relaciona-se de modo íntimo, embora não seja sinônimo, com as fake news. De fato, este é um fenômeno de produção de conteúdo falso, enquanto aquele baseia-se na explicação de que há força no conteúdo, visto que ele tem cunho apelativo e refere-se a opiniões e crenças pessoais, dando alcance e legitimidade para as informações não verdadeiras.

As neo plataformas digitais como Facebook, Twitter e Whatsapp, são palco para a replicação dessas notícias, e muitas vezes, a origem da disseminação é uma página falsa ou um perfil falso, que goza de um certo grau de credibilidade pela falta de senso crítico dos usuários. Além do mais, a facilidade de compartilhamento, é um combustível para o alcance dessas reproduções.

1.3 Motivação: por que as notícias falsas são criadas?

Atualmente, mais do que nunca, vivemos em uma guerra de informação. E a informação está mais lucrativa e manipuladora , especialmente quando percebe-se que a sociedade está indo ao da polarização, tanto política, quanto de crença.

Eliot Higgens apresentou, em Paris, os chamados “4 P’s da motivação”. Mais a frente, esse contexo foi ampliado, e hoje, determina-se que as fake news são motivadas por: Poor Journalism (Jornalismo Pobre); Parody (Paródia), Provoke (Provocação_ , Passion (Paixão), Partisanship (Aderência de Participação), Profit (Lucro), Political Influence or Power (Influência ou Poder Político) e Propaganda (Propaganda).

Ou seja, existem inúmeros motivos pelos quais há disseminação de notícias falsas. Alias, essas mentiras contadas com subterfúgios, existem desde o começo da humanidade, mas atualmente, com o advento de novas tecnologias e velocidade de propagação das informações o potencial destrutivo e manipulativo das fake news elevou-se a níveis alarmantes, inclusive a ponto de colocar em risco valores individuais, direitos humanos, e até mesmo o próprio regime democrático.

2 TRATAMENTO JURÍDICO DAS NOTÍCIAS FALSAS: CENÁRIO BRASILEIRO E MUNDIAL

Como demonstrado em linhas anteriores, as fake news não são apenas notícias inseridas em um contexto de disseminação sem maiores consequências. Pelo contrário, aliando sociedade integrada na cibercultura, potencial de proliferação de notícias, e falta de senso crítico, essas notícias desprovidas de conteúdo real, têm um potencial influenciador e lesivo, a ponto de determinar influência até mesmo na máxima do Estado Democrático de Direito: as eleições.

Nessa seara, o Tribunal Superior Eleitoral vem tentando lutar mais ferrenhamente contra a disseminação deste conteúdo, por meio de várias frentes de ataque, como por exemplo, um grupo de trabalho em conjunto com a Polícia Federal, e a troca de informações com agências internacionais, como o FBI, alem da criação de um Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, o qual desenvolve pesquisa e estudos, relacionando a sistemática legal com a influência cibernética.

De acordo com a legislação atual, a criação, propagação e compartilhamento de referidas notícias, não se adequam tipicamente a um modelo normativo, mas sim, podem se enquadrar em diversos crimes. Um notório exemplo ocorreu em 2014, onde um empresário compartilhou uma falsa pesquisa eleitoral, cujo endereço eletrônico era semelhante a um grande veículo de comunicação, passando uma ideia de veracidade. A pesquisa falsamente alardeava um crescimento de um determinado candidato, muito além do que diziam as pesquisas verdadeiras, o que estimulava leitores indecisos e dava garantias a pessoas que acreditavam que o respectivo candidato tinha chances reais de ganhar.

No determinado caso, o empresário foi indiciado pelas práticas dos crimes descritos no art. 33, §4º da Lei 9504/97 , e artigo 297 do Código Eleitoral.

“Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:

§ 4º A divulgação de pesquisa fraudulenta constitui crime, punível com detenção de seis meses a um ano e multa no valor de cinqüenta mil a cem mil UFIR.

 Art. 297. Impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio:

Pena – Detenção até seis meses e pagamento de 60 a 100 dias-multa.”

Observa-se, portanto, que a feitura e divulgação das referidas notícias falsas, podem ser adequadas em diversas capitulações, não necessitando necessariamente de uma nova tipificação legal, sob pena até mesmo de desobediência a princípios penais, como o da taxatividade, subsidiariedade e fragmentariedade. No entanto, apesar de tudo, o processo legislativo brasileiro se assemelha a grandes empresas de fast fashion, e fazem suas leis seguindo tendências sensacionalistas e sociais.

A respeito desse caso, alguns projetos de Lei que tornam crime a divulgação das fake news circulam por nossas casas legislativas, prevendo diversas sanções como pena de prisão e pagamento de multa, como é o caso das propostas apresentadas no bojo dos textos inseridos nos projetos de lei 6812/2017, 8592/2017, 9554/2018, 473/2017, dentre outros que circulam ou irão circular no meio das casas legislativas. Além de claramente serem projetos oportunos para calar um anseio social (ou de uma classe), estes projetos são vertentes de uma mão política que pode dar sustentação a censura. Sobre esse assunto, haverá um tratamento mais específico no próximo capítulo.

No contexto internacional, como por exemplo nos Estados Unidos e na União Europeia, por exemplo, até mesmo por se tratar de um modelo jurídico diferenciado, a força motriz do combate às fake news não é a crimininalização da mesma, mas sim a conscientização social, para que haja o freio na raiz do problema. Na UE, estudantes fizeram colaboração com o Departamento de Estudos de Guerra e com a OTAN, e produziram um documento com mais de cem páginas, denominado de Fake News: a Roadmap, o qual demonstra vários aspectos sociais, políticos e jurídicos das notícias, com enfoque no seu descobrimento e conscientização.

3. Fake News, Censura e Monitoramento de notícias

Uma das maiores dificuldades no combate às fake news, é justamente como coibi-las e evita-las, sem que haja a disrupção de garantias fundamentais, como o direito à liberdade de expressão, por exemplo.

No entanto, os operadores do Direito sabem que qualquer choque entre princípios fundamentais é apenas aparente, visto que nenhum princípio fundamental pode amparar uma ilegalidade, assim como a hermenêutica jurídica propõe soluções para dirimir os conflitos nos casos em concreto, como a utilização da ponderação.

O ordenamento jurídico protege as liberdades fundamentais, como a manifestação de pensamento, a liberdade de informação, e a liberdade de expressão. No entanto, os direitos fundamentais, apesar de serem pedras angulares da própria manifestação de sociedade em si, não podem ser utilizados como barreira de proteção de atos ilícitos, e o que ocorre é que, a feitura e disseminação de notícias falsas, ferem o próprio Estado Democrático de Direito por conta de seu animus e potencialidade lesiva, não podendo haver a invocação de princípios constitucionais para sua proteção.

O que não pode ocorrer, no entanto, é a censura prévia dessas informações. A retirada de páginas do ar sem que haja alguma constatação de veracidade, ou verossimilhança, afinal, medidas discricionárias podem acontecer, pendendo a balança novamente para que haja uma ruptura no Estado Democrático de Direito, assim como haveria se houvesse proteção irrestrita da divulgação de notícias. Percebe-se, portanto, o quão difícil é manter a balança social em equilíbrio.

A saída, portanto, é lutar por duas frentes de batalha contra as notícias falsas: a primeira frente, prévia, é conscientizando a sociedade, demonstrando os riscos de criar uma notícia desse gênero, mesmo que o conteúdo não seja especificamente danoso, e sim satírico, e apelando para o senso crítico da população, a fim de checar sempre os dados, antes de acreditar e repassar as informações recebidas. Para tanto, a mídia e as redes sociais, aquelas que são os ambientes mais propícios de disseminação das fake news, podem se tornar aliados fortes nessa batalha, produzindo e divulgando campanhas de conscientização, por exemplo.

A segunda frente de batalha é repressiva, atuando após a colocação no ar dessas informações, podendo ser realizada: pela própria sociedade, por agências de fact checking, e pelo Poder Judiciário, com a retirada do ar de páginas que atuam na formação desse conteúdo e responsabilização dos agentes.

Nesse último contexto, a legislação pátria se encontra em um bom patamar, não necessitando de uma legislação que fale especificamente acerca de fake news, visto que existem suporte legais para o combate, utilizando diplomas legais como os citados anteriormente, a exemplo do Marco Civil da Internet, do Código Penal, da Legislação Eleitoral, dentre outros.

Portanto, para que se coloque em harmonia os princípios basilares do Estado Democrático, deve-se analisar ponderadamente as situações em contexto. No entanto, é imperioso destacar que, qualquer retirada de notícias de forma prévia, pode ser contextualizada com censura, o que vai frontalmente de encontro com a democracia que é experienciada hoje. A conscientização e criticismo social sempre vão ser as melhores armas contra as fake news, e as frentes repressivas somente devem ocorrer quando o primeiro falhar, a fim de se proteger a ideia de sociedade em si.

CONCLUSÃO

Existe uma máxima jurídica, definida pelo brocardo em latim ubi societas, ibi jus, o qual determina que “onde está a sociedade, está o direito”, e desta frase, extrai-se uma verdade: o direito existe por causa da sociedade, e para ela. No entanto, o Direito, como uma ciência jurídica, não consegue se adequar ao rumo de mudanças sociais e novas tecnologias, perdendo, por muitas vezes, suas eficácias no constante a regulamentação de novas práticas.

Assim como, existe uma linha tênue em sua introdução nas relações sociais de maneira a adentrar em questões de princípios fundamentais. Até onde pode regulamentar e coibir ações, sem que haja uma quebra na proteção dos mesmos princípios os quais o Direito jurou proteger?

De fato, são questões que merecem o debruçamento e interpretação, para que não se tornem ações de censura e proibição, assim como não pode haver a liberdade social de agir contra liberdades fundamentais sob o pretexto de estar agindo de acordo com princípios constitucionais.  

A verdade é que invocar uma proteção fundamental para justificar um abuso ou arbitrariedade, vai ao encontro da noção de princípio a ser protegido. O manto constitucional não recai sob abusos, portanto, deflui-se que a incompatibilidade e choque de princípios é apenas aparente, devendo-se invocar a ponderação.

A sociedade não irá alcançar o pleno entendimento das novas tecnologias, que cresce em progressão geométrica. O Direito não pode querer abarcar a proteção regulamentar de todas as práticas nocivas ocorridas no meio digital, sob pena de ineficácia ou leis puramente simbólicas. Não existe uma nova sociedade na internet, mas sim a sociedade agindo por meios digitais. Na grande maioria das vezes, uma nova norma não é necessária para punir condutas cometidas por meio de novas tecnologias, mas sim o uso daquelas já existentes, para que não haja abarrotamento de normas, inseridas em um sistema já inflacionado.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Alessandra Cristina de Mendonça Siqueira

graduada em Direito pela Universidade Tiradentes servidora do Tribunal de Justiça do Estado do Sergipe membro da ISOC e fundadora do Grupo Sergipano de Estudos em Direito Eletrotônico


Equipe Âmbito Jurídico

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