A reforma legislativa imposta pela Lei 12.403/11, ao mudar o critério qualitativo (penas de reclusão ou detenção) para determinação dos casos em que a Autoridade Policial pode arbitrar fiança, bem como para os casos de cabimento de Prisão Preventiva, adotando doravante um critério quantitativo (pena máxima acima de 4 anos para a preventiva e até esse patamar para a fiança pela Autoridade Policial – artigos 313, I e 322, CPP), retirou os operadores do direito do seu confortável leito dos conceitos jurídicos, lançando-os na árida senda dos cálculos matemáticos donde procuraram sempre se distanciar até mesmo, na maior parte dos casos, no momento da escolha da formação profissional na área das ciências humanas e não nas exatas.
Entretanto, conforme já abordado em outro trabalho [1], não há como fugir da necessária interdisciplinaridade em qualquer estudo científico que se pretenda qualificado não somente na área jurídica como em outras. A aproximação entre o Direito Processual Penal e a Matemática no caso ora enfocado é das mais simples, qual seja, o uso das operações aritméticas e lógicas para a solução da tipicidade processual em alguns casos concretos.
Ao optar pelo critério quantitativo o legislador impõe ao jurista uma avaliação numérica do caso concreto para estabelecer a afiançabilidade pela Autoridade Policial e o cabimento da preventiva. Essa avaliação numérica pode ser muito simples, apenas observando o tempo máximo de prisão abstratamente cominado em cada tipo penal. Por exemplo: no furto simples, cuja pena máxima é de 4 anos (reclusão de 1 a 4 anos) cabe fiança pela Autoridade Policial e não cabe preventiva. Já no estelionato, sendo a pena máxima de 5 anos (reclusão de 1 a 5 anos), não cabe fiança pela Autoridade Policial e cabe o decreto preventivo.
Mas, as questões podem se complicar quando presentes concursos de infrações penais, crime continuado e causas de aumento ou diminuição de pena. No caso das agravantes e atenuantes genéricas não há problema, pois que é razoavelmente cediço que estas não devem influir no cálculo do “quantum” da pena “in abstrato”, mas somente serem aplicadas no momento da cominação efetiva, pois que nem sequer apresentam um valor de exasperação ou diminuição expresso. Havendo, porém previsão de aumento ou diminuição por qualquer motivo deverão entrar em jogo as operações aritméticas para determinação tanto da afiançabilidade pela Autoridade Policial como do cabimento ou não do decreto preventivo pelo critério da pena máxima. Embora deva trabalhar com operações básicas, lógica elementar e números racionais simples, não há como fugir o operador do direito do uso da matemática em seu dia a dia.
Conforme já exposto, dentre as quatro grandes áreas da matemática (aritmética, álgebra, geometria e lógica), dever-se-á lançar mão somente de duas delas (aritmética e lógica) e sem a necessidade de grandes aprofundamentos. Aliás, diga-se de passagem, essas duas grandes áreas da matemática estão sempre presentes no mundo jurídico. Alguns exemplos podem nos fazer recordar essa realidade com muita clareza: o que dizer dos cálculos trabalhistas, cálculos prescricionais, cálculos de execução penal e de dosimetria de penas? Não são eles constantes aplicações da aritmética no campo jurídico? E a lógica? Ela não se faz sempre presente nas avaliações da proporcionalidade e razoabilidade nas mais diversas áreas do Direito? Na subsunção de condutas a tipos penais pelo método dedutivo? Então se trata nesse caso de apenas mais uma aplicação interdisciplinar da Matemática e do Direito, nada de assustador ou preocupante.
A aritmética provém do latim “arithmetica” e do grego “arithmetiké tekhné”, referindo-se à arte numérica (“arithmos” – número). Por seu turno a lógica deriva do grego “logos”, que significa palavra, pensamento, idéia, argumento, relato, referindo-se às regras do bem pensar. A lógica é um instrumento do pensar. Ela não subsiste por si mesma, mas apenas como um meio para chegar ao bem pensar, em busca da verdade ou da solução mais adequada. Pois é com essas duas grandes áreas do pensamento matemático que o cultor do Direito terá de trabalhar continuamente na área processual penal a partir da opção quantitativa do legislador conforme acima mencionado.
A boa notícia é que enquanto o Direito é altamente mutável, tal qual ocorreu com a reforma legislativa promovida pela Lei 12.403/11, a matemática é perene e praticamente imune ao passar do tempo. Nas palavras de Bellos:
“Diferentemente das ciências humanas, em permanente estado de reinvenção, com novas ideias e tendências substituindo as mais antigas, e diferentemente das ciências aplicadas, em que as teorias são continuamente refinadas, a matemática não envelhece”. [2]
Quando a legislação passa a estabelecer o critério quantitativo e afirma que caberá fiança arbitrada pela Autoridade Policial sempre que a pena máxima abstratamente prevista para dada infração penal não ultrapassar quatro anos, estabelece aquilo que se pode chamar de uma “proposição lógica”, ou seja, uma afirmação passível de assumir valor lógico verdadeiro ou falso. A verdade ou falsidade, nesse caso será aferida no caso concreto através do raciocínio lógico dedutivo. A partir da proposição supra, ao analisar-se o caso, por exemplo, do furto simples, conclui-se que cabe fiança pela Autoridade Policial, já que sua pena máxima é de 4 anos. O mesmo raciocínio vale para o cabimento da prisão preventiva para crimes de pena máxima superior a 4 anos. Essa proposição é avaliada em sua verdade ou falsidade no cotejo lógico dedutivo com o caso concreto submetido à análise. Por exemplo, no crime de roubo, com pena máxima de 10 anos cabe prisão preventiva. Trata-se da espécie de raciocínio lógico proposicional mais simples possível, ou seja, “se A, então B”. Aliás, essa espécie de raciocínio já era aplicável para o sistema da legislação anterior que optava pelo critério qualitativo de pena. Se o crime era apenado com reclusão, cabia preventiva e não cabia fiança pela Autoridade Policial. Se a infração era apenada com detenção ou prisão simples, não cabia preventiva e cabia fiança pela Autoridade Policial. Ora, o raciocínio era o mesmo, ou seja, “se A (reclusão) então B (nada de fiança pelo Delegado e possibilidade de preventiva)”; se A (detenção ou prisão simples), então B (fiança pelo
Delegado e nada de preventiva). Acontece que agora se alia à lógica a aplicação necessária da aritmética, pois que já não se trabalha com a qualidade jurídica da pena, mas com a quantidade de 4 anos. Então, não basta somente analisar a proposição e aplicar o raciocínio dedutivo. Este deve ser complementado pela arte numérica (aritmética).
Num caso simples de inexistência de causas de aumento ou diminuição bastará a mais elementar avaliação da sequência progressiva dos números inteiros positivos ou naturais (0,1, 2, 3, 4….∞), tendo por orientação o número 4 (até 4 anos ou acima de quatro anos). [3] Isso vale também para as qualificadoras que preveem penas majoradas mínimas e máximas, de modo que basta verificar a pena máxima (ex. furto qualificado, cuja pena do furto simples, de reclusão de 1 a 4 anos, passa a ser de reclusão de 2 a 8 anos, de modo que se altera a possibilidade de preventiva e a impossibilidade de fiança pela Autoridade Policial). E a essa conclusão se chega pela simples constatação do número inteiro positivo ou natural máximo previsto no preceito secundário do tipo penal e seu cotejo com a baliza dos 4 anos.
Há um incremento da complexidade quando ocorre o concurso material de crimes. Nada de muito complexo, mas apenas o uso de uma operação aritmética básica de adição [4]. Suponha-se um crime afiançável pela Autoridade Policial e para o qual não caberia a preventiva ordinariamente. Um crime qualquer apenado, por exemplo, com 3 anos de pena máxima. Se houver um concurso material de dois crimes dessa espécie, determina a lei o cúmulo material, ou seja, a adição das penas para obter-se a reprimenda aplicável ao caso concreto (artigo 69, CP). Nesse caso a soma das penas máximas resultará em 6 anos, de modo que o crime passa a ser inafiançável para o Delegado e passível de decreto preventivo.
Outro caso simples é aquele em que há previsão de um aumento ou diminuição de pena determinado (dobro, um terço, dois terços etc.). Novamente se trabalhará com operações aritméticas básicas (multiplicação, divisão, adição e subtração). Observe-se o exemplo do crime de quadrilha ou bando previsto no artigo 288, CP. O crime simples tem pena máxima de 3 anos. No entanto, há causa de aumento de pena no Parágrafo Único quando a quadrilha ou bando é armado. Nesse caso a pena deve ser aplicada em “dobro” (aumento fixo de duas vezes). Bastará aplicar então a operação básica da multiplicação: 3 anos vezes 2 que resultará em 6 anos. Portanto, novamente um crime para o qual não caberia preventiva, passa a adimiti-la, bem como um crime que seria afiançável pela Autoridade Policial, deixa de sê-lo. [5]
Os casos de maior complexidade encontram-se nas situações em que há previsão de um aumento ou diminuição de pena delimitado num intervalo. São exemplos causas de aumento ou diminuição em que o legislador estabelece um intervalo de 1/3 a 2/3; de 1/6 a 1/2 ; de 1/2 ao dobro etc. (v.g. concurso formal 1/6 até metade de aumento – artigo 70, CP; crime continuado 1/6 a 2/3 – artigo 71, CP,; tentativa 1/3 a 2/3 de diminuição – artigo 14, II, Parágrafo Único, CP, entre outros). Nesses contextos não se fogem das operações aritméticas básicas, mas trabalhar-se-á algumas vezes com números fracionados de anos, meses ou dias. Além disso, será necessário balancear o cálculo tendo em mira o critério legal da pena máxima determinado pela legislação, de modo a escolher as causas de diminuição mínima ou máxima previstas no intervalo, sempre tendo em vista o objetivo de chegar ao valor máximo de pena abstratamente cominada para o delito em questão. É preciso lembrar que a proposição lógica que comanda o pensamento é aquela simples “se A, então B” em que A é a baliza máxima de 4 anos a permitir a fiança pelo Delegado e a impedir o decreto preventivo. Portanto, para chegar a B é preciso determinar A enquanto pena máxima abstratamente prevista em cada caso concreto e isso depende da escolha do patamar máximo ou mínimo de aumento ou diminuição em cada caso específico.
Assim sendo, surge uma regra simples:
a)Tratando-se de causas de aumento de pena, deve-se trabalhar com o incremento máximo previsto, pois somente assim se chegará à pena máxima abstratamente cominada a determinado delito, sendo esta a baliza para o raciocínio lógico dedutivo já estudado que levará à conclusão da afiançabilidade pelo Delegado ou não ou pela possibilidade ou negativa do cabimento da preventiva;
b)Tratando-se de causas de diminuição de pena, deve-se trabalhar com o abrandamento mínimo previsto, pois somente assim se chegará também à pena máxima abstratamente cominada a certa infração penal, sendo igualmente a baliza para o raciocínio lógico dedutivo acima mencionado;
Exemplificando:
Um caso de furto qualificado (pena de reclusão de 2 a 8 anos). Havendo tentativa, poderá ocorrer a diminuição de 1/3 a 2/3. Se é aplicada a diminuição mínima de 1/3 à pena máxima de 8 anos, chega-se a uma pena de 5 anos e quatro meses. Nesse caso o crime permanece inafiançável para o Delegado e passível de preventiva. E esta é a pena máxima prevista para essa infração, pena esta que é o critério adotado pelo legislador nos artigos 322 e 313, I,CPP. Se fosse aplicada a redução máxima de 2/3 à pena máxima de 8 anos, chegar-se-ia a uma pena de 2 anos e 8 meses, alterando todo o quadro anterior, mas desvirtuando a “mens legis” que visa a pena máxima cominada ao delito como critério. A proposição matemática estabelecida deve ser obedecida do início ao fim e essa proposição baseia-se na pena máxima cominada abstratamente, a qual deve ser identificada pelo operador. Agir de outro modo equivaleria a incidir num erro de interpretação da formulação de um problema matemático. É como se o legislador fizesse a proposta de um problema aritmético em que há uma pena máxima e patamares de redução mínimo e máximo e indagasse ao examinando a pena máxima par4a o caso. Este só a obteria, aplicando a redução mínima. De outra forma teria interpretado o problema matemático de forma errônea.
O mesmo pensamento vale para a solução de um caso de aumento. Imagine-se uma situação de dano qualificado com pena de detenção de 6 meses a 3 anos. Havendo, por exemplo, crime continuado, há exacerbação penal de 1/6 a 2/3. À pena máxima de 3 anos, deve ser acrescido o aumento máximo de 2/3, resultando um total de 5 anos, impedindo a fiança para a Autoridade Policial e permitindo a preventiva. O mesmo não ocorreria se fosse aplicado o aumento mínimo de 1/6, que resultaria numa pena abstrata de 3 anos e 6 meses. Mas, tal procedimento não levaria ao encontro da pena máxima abstratamente cominada para esse crime, que é o determinado pela proposição legislativa ou pelo problema matemático proposto pelo legislador.
Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós – graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal Especial e Criminologia na graduação e na pós – graduação da Unisal e Membro do Grupo de pesquisa em bioética e biodireito do programa de mestrado da Unisal.
Doutora em Engenharia e Tecnologia Espacial no INPE, Mestre em Física pela Unesp, Pós – Doutorado em Engenharia e Tecnologia Espacial no INPE, Pós – doutoranda em computação e matemática aplicada pelo INPE e Professora de Matemática Financeira, Estatística e Matemática Básica nos cursos de Matemática, Engenharia de Produção, Psicologia e Administração na Unisal.
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