O Supremo Tribunal Federal decidiu, a meu ver acertadamente, que o mandato pertence à legenda, não ao parlamentar.
Não pretendo, neste artigo, cuidar de casos singulares que decorram da decisão do STF, mas sim abordar a matéria sob um ângulo doutrinário.
Aliás, procuramos sempre lançar um olhar de maior alcance sofre os fatos, mesmo aqueles do cotidiano. Assim aconteceu quando eu me manifestei contra o voto parlamentar secreto. Não se tratou de um “posicionamento de ocasião”, como o que pudemos observar em alguns casos, ou seja, políticos que apoiaram a ditadura, sem nenhum compromisso com a Democracia, defendem o voto parlamentar aberto, à face de um caso específico, por mera conveniência circunstancial. Não nos confundimos com esses e até me incomoda que estejam defendendo tese idêntica à minha, por razões completamente diferentes.
Publicamos artigos contra o voto parlamentar secreto, em muitas outras ocasiões.
Agora, da mesma forma, aplaudimos, doutrinariamente, a tese de pertença do mandato ao partido, e não ao cidadão eleito.
Não é exclusivamente dentro do sistema partidário que pode haver regime democrático. Outros modelos podem cultivar os valores básicos da Democracia, adotando caminhos diferentes de representação política. O Ocidente não pode pretender o monopólio do ideal democrático.
Entretanto, no Brasil, a Democracia foi sempre fundada em partidos políticos. Nas fases da vida brasileira em que se suprimiram os partidos, não tivemos outros modelos possíveis de Democracia, mas sim ditadura.
Os partidos, no modelo de Democracia adotado pelo Brasil, devem corporificar correntes de pensamento. É indispensável que todo partido tenha um programa e seja fiel a esse programa. O programa partidário deve traduzir escolhas em face dos mais diversos temas. Como conseqüência, os que integram um partido devem lutar pelas teses do programa partidário.
Se assim acontece, o eleitor escolhe, em primeiro lugar, o partido de sua preferência. Depois, dentro do partido cujo programa apóia, o eleitor escolhe o candidato que julgue melhor. Decorrência lógica dessa estrutura política é que o candidato eleito, que muda de partido, perca o mandato. Se os partidos têm um programa, sair do partido significa abandonar o programa.
Esse sistema procura estabelecer um duplo liame. Primeiramente, entre partido e programa partidário. Depois, entre cidadão eleito e partido. Esses liames dão maior garantia ao eleitor, que não vota em pessoas, mas em idéias.
Uma observação atenta dos costumes vigentes entre nós mostra que a realidade está muito distante desses padrões teóricos. Mas a decisão do STF pode, a meu ver, indicar um horizonte que contribuirá para o saneamento da vida política brasileira.
Livre-docente da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor
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