Em artigo publicado na Folha de São Paulo (edição de 21 agosto de 2008), intitulado “Sabe aquilo que chamávamos privacidade?”, Fábio Ulhoa Coelho – professor e jurista cuja obra é admirável e de quem pude ouvir excelentes palestras na minha época de Faculdade de Direito na PUC-SP – defende que a tecnologia acabou com a privacidade e vai acabar com o direito à privacidade; está em desenvolvimento uma máquina que lê pensamentos, de modo que, em breve, “nem meditando teremos sossegando”; “O excessivo apego à privacidade pode nos conduzir a uma sociedade de falsos, patéticos avatares”; e um mundo sem privacidade não seria de todo ruim, senão mais seguro e tolerante.
Salvo se o artigo contém, nas entrelinhas, irônica crítica aos constantes achaques que diariamente molestam a intimidade das pessoas (no Brasil e no mundo), nele se defende algo, a meu ver, inimaginável: o fim da privacidade e do direito que lhe corresponde.
Primeiramente, não há dúvida de que a privacidade já não é mais a mesma. Com o desenvolvimento tecnológico, especialmente com a internet, esse direito assumiu uma nova configuração, que deve ser levada em conta pelos legisladores e juízes. Instrumentos como google, orkut e similares aumentaram sobremaneira a exposição. Hoje bastam alguns cliques para descobrirmos se o sujeito já cometeu crimes, se é ou não bom pagador ou quais são suas preferências musicais e literárias. Entretanto, na maioria das vezes, (1) a própria pessoa abre mão do sigilo sobre determinadas informações, tornando-as disponíveis no ambiente virtual ou, então, (2) trata-se de dados de inegável interesse público, como a ficha criminal do sujeito, se goza de crédito na praça, os trabalhos que já publicou (livros, revistas etc.), as funções que exerce ou já exerceu etc. Nestes casos, é plenamente justificável o acesso público e irrestrito, até porque informações como essas jamais estiveram sob a tutela do direito à privacidade.
Entretanto, quando o uso da tecnologia descamba para a avacalhação, para a exposição desprovida de interesse público e motivada exclusivamente por propósitos comerciais ou de mera exposição barata da vida alheia (vide caso Daniela Cicarelli), o direito deve fazer-se presente para proteger a privacidade do cidadão.
Para citar um exemplo, o que poderia justificar que todos saibam o saldo de minha conta bancária? Qual o interesse público envolvido nessa informação? Na verdade, a publicização de informações hoje protegidas por sigilo constitucional (tais como sigilos bancário, financeiro, fiscal e de dados), longe de ser benéfica e tornar a convivência entre as pessoas mais tolerante, tende a institucionalizar, de uma vez por todas, a segregação social com base no critério capitalístico da riqueza, barateando ainda mais as relações humanas. De modo que o sistema que hoje discrimina conforme o “patrimônio visível” da pessoa (carro, roupa, jóias, apetrechos, locais freqüentados, companhias e demais exteriorizações inevitáveis de riqueza), passará a discriminar também com base no que hoje se pode chamar de “patrimônio invisível” (protegido pelo direito à intimidade) e, num mundo em que somos indiscutivelmente valorizados pelo “ter” (não pelo “ser”), tornar a convivência insuportável para os menos afortunados financeiramente.
Esse seria apenas um dos efeitos de uma sociedade sem privacidade, pois da nossa “ficha pública” constariam ainda todas as nossas preferências, a casa de praia e os nossos pensamentos. Embora mais seguro, um mundo em que as pessoas fossem completamente despojadas de privacidade seria enfadonhamente previsível.
O certo é que, dos mais tímidos aos mais extrovertidos (mesmo aquele que se declara “um livro aberto”), todos temos uma esfera de privacidade a ser protegida pela mais absoluta incolumidade, um espaço reservado às “conversas sem interlocutores”, onde talvez só os analistas (ou nem eles!) devam transitar. Porque a intimidade é aquele recôncavo indevassável que o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de reconhecer como “o direito de excluir, do conhecimento de terceiros, aquilo que diz respeito ao modo de ser da vida privada” (STF, Pleno, MS 23.669/DF, Celso de Mello).
Finalmente, a evolução dos meios tecnológicos, que atualmente nos impõe uma superexposição, é a mesma que deverá nos assegurar a proteção contra o aniquilamento da privacidade, como que num sistema de “freios e contrapesos”. Nesse sentido, não há dúvida de que a inventividade e a inteligência humanas serão capazes de desenvolver os antídotos necessários para a proteção desse direito. Não por outro motivo, os “hackers” são os criadores dos vírus que destroem nossos computadores, mas também são eles que desenvolvem os anti-vírus que os protegem.
Bacharel em Direito pela PUC/SP. Pós-graduado em Direito Civil. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Autor de artigos nas áreas de Direito Civil, Direito de Família e Direito Processual Civil. Advogado em São Paulo.
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