Resumo: A atividade regulatória, dada a sua própria natureza, tem por característica elevada autonomia. Essa autonomia, porém, não se dá de forma ilimitada. Assim, o ordenamento jurídico prevê diversos meios idôneos para o controle desta atividade, de forma a evitar abusos de poder e qualquer desvio às determinações legais e constitucionais. Nesse sentido de se frisar a atuação do Poder Legislativo, através do Congresso Nacional e do Tribunal de Contas da União, do Poder Judiciário, da Sociedade e da própria Administração, por meio do poder de auto-tutela e outras formas de controle interno.
Palavras-chave: Direito Constitucional e Administrativo. Agências Reguladoras. Autonomia. Controle.
Sumario: 1 – Introdução; 2 – Controle interno da atividade regulatória; 3 – Controle exercido pelo Poder Legislativo (Congresso Nacional e TCU); 4 – Limites ao controle exercido pelo Tribunal de Contas da União; 5 – Controle Jurisdicional (possibilidade e limites); 6 – Controle Social; 7 –Conclusão. Referencias.
1. Introdução.
Tem o presente trabalho por escopo analisar os mecanismos internos e externos de controle das atividades das Agências Reguladoras.
Conquanto a atividade regulatória goze de destacada autonomia no âmbito do nosso ordenamento, essa autonomia não se dá em termos absolutos, pois existem diversos instrumentos internos e externos de controle aptos a manter a atuação das agências dentro dos limites legal e constitucionalmente impostos.
O estudo em testilha traz à baila importante detalhamento acerca do controle a ser exercido pelo Poder Judiciário, pelo Poder Legislativo, pela sociedade e pelo próprio Executivo (controle interno), com o fito de verificar o grau de efetividade dessas formas de controle e diagnosticar possíveis falhas.
Enfrentar-se-á, ainda, a questão da legitimidade dos limites impostos, sob o ponto de vista constitucional.
Não será analisado neste artigo, todavia, a questão do relacionamento e controle das agências reguladoras em face dos Ministérios supervisores (Poder Executivo Central), posto que este tema já foi analisado com bastante detalhamento em outras obras do autor.[1]
2. Controle interno da atividade regulatória.
Dada a natureza da atividade desenvolvida, a atividade regulatória é função estatal exercida com elevado grau de autonomia.[2] A existência de mandato fixo para os dirigentes, a conseqüente estabilidade destes,[3] a falta de subordinação aos Ministérios, os poucos casos de recursos hierárquicos externos e outras garantias previstas nas respectivas leis de criação das autarquias asseguram, pelo menos em tese, uma maior desvinculação de suas decisões às vontades políticas da situação.
O fato de as agências necessitarem de prerrogativas para o seu correto funcionamento não significa que, sob essa mesma justificativa, seria aceitável qualquer tipo afronta às determinações legais e constitucionais.
Nesse sentido, precisas são as lições de Fernando José Gonçalves:
“Se, por um lado, a autonomia e independência necessárias para garantia de uma regulação isenta por parte das agências proporcionam uma possibilidade de ampla atuação, esta mesma amplitude demanda uma necessidade de controle e fiscalização acerca do exercício de suas competências no estrito cumprimento da legalidade e do alinhamento com o planejamento e políticas públicas.”[4]
Seguindo esta linha de raciocínio, passar-se-á a realizar uma análise das formas de relacionamento entre as agências e as demais entidades públicas com o fito de diagnosticar os instrumentos pelos quais tais entidades podem exercer controle sobre a ação regulatória das agências.
Inicialmente, deve-se partir do pressuposto de que cumpre ao Estado, em uma análise precisa do princípio da legalidade, a obrigação de regular e limitar (dentro dos contornos constitucionalmente estabelecidos) a atuação dos seus próprios órgãos, o que inclui, naturalmente, as agências. É que, dado o seu papel fundamental na promoção da observância dos ditames legais, não pode o Estado se furtar ao poder-dever de, uma vez criadas entidades regulatórias, exercer certo controle de modo a evitar a ocorrência de excessos e deformações no funcionamento destes órgãos. Dentre os aspectos a serem avaliados desponta-se, naturalmente, a correção de possíveis incongruências da atuação das agências com as políticas públicas.[5]
Observe-se, em um momento inicial, que se deve dar primazia ao controle interno desempenhado pelas agências. Ou seja, importa ter em mente que as agências reguladoras devem ser responsáveis pelo controle de legalidade dos seus próprios atos. Tal como sucede em todo o âmbito da administração pública, cada agência deve ser apta a fiscalizar a legalidade e adequação de seus atos, além de dever possuir estruturas tais como as corregedorias, a fim de responsabilizar as autoridades displicentes. Os atos administrativos, em geral, podem ser revistos em caso de desvio de legalidade ou de finalidade, em função do poder geral de autotutela da administração. Assim, o preferível é que a agência sempre se paute pela legalidade e que, por meios internos, corrija as distorções eventualmente existentes.
A autotutela, nas precisas lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“[…] corresponde ao poder que tem a Administração de rever os próprios atos, para corrigir ou anular os ilegais, bem como revogar os inoportunos ou inconvenientes, sem necessidade de recorrer ao Poder Judiciário”.[6]
Neste sentido, também os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho:
“A autotutela envolve dois aspectos quanto à atuação administrativa: 1) aspectos de legalidade, em relação aos quais a Administração, de ofício, procede à revisão de atos ilegais; e 2) aspectos de mérito, em que reexamina atos anteriores quanto à conveniência e oportunidade de sua manutenção ou desfazimento”.[7]
Temos então que compete às agências manterem-se em contínua e regular fiscalização da adequação e legalidade de seus atos, devendo sempre pautar-se no escopo da anulação, revogação ou convalidação dos atos inoportunos ou viciados.
3. Controle exercido pelo Poder Legislativo (Congresso Nacional e TCU).
Não sendo suficientes os meios de controle interno, os quais, em uma concepção ideal, deveriam ser suficientes para sanar quaisquer vícios oriundos das atividades regulatórias, poderá, ou melhor, deverá o Poder Público, por intermédio de outros meios, proceder ao devido controle dos atos regulatórios.
Nesse sentido, é de se ressaltar a atividade de fiscalização das agências desempenhada pelo Congresso Nacional. Sendo as agências integrantes da Administração Direta, estão sujeitas ao disposto no artigo 49, inciso X, da Constituição Federal, que estabelece ser competência exclusiva do Congresso Nacional “fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta.” Assim, em tese, os atos normativos que venham a extrapolar os seus limites podem ser invalidados pelo Poder Legislativo.
No que tange ao correto emprego dos recursos públicos, as agências estão sujeitas à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, no que se refere à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas. Este controle é exercido tanto pelo Poder Executivo, por meio da Controladoria-Geral da União, quanto pelo Poder Legislativo, por intermédio do Tribunal de Contas da União, nos termos da Constituição:
“Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder”.
O Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do Congresso Nacional, tem suas atribuições estabelecidas no artigo 71 da Constituição Federal.[8] Esta competência abrange a administração direta e indireta, o que inclui as agências reguladoras, conforme entendimento uníssono da doutrina.
No dizer de Fernando José Gonçalves, “a principal questão relativa à atuação do TCU nas auditorias realizadas junto às autoridades regulatórias, em especial aquelas dotadas de independência, é a avaliação de desempenho da atuação regulatória”.[9] No dizer de Walton de Alencar Rodrigues, citado pelo primeiro autor:
“Assente a competência constitucional do TCU de realizar auditorias e inspeções, de natureza operacional, e aferir a obediência ao princípio constitucional da eficiência, bem como a legitimidade da ação estatal, não poderia prescindir a Corte de Contas de fiscalizar a ponta de lança final da atuação das agências reguladoras, os contratos de concessão, os de permissão e os atos de autorização para prestação de serviços públicos.”[10]
Essa amplitude na competência do Tribunal de Contas seria oriunda do fenômeno de ampliação de escopo de atuação dos entes fiscalizadores, como preleciona Eduardo Granha Magalhães Gomes:
“Na esteira dos preceitos da nova gestão pública, particularmente da gestão focada em resultados ou, mais precisamente, da busca de responsabilização dos administradores públicos tendo por base seu desempenho, o Tribunal de Contas da União, similarmente ao que vêm fazendo entidades “irmãs” em outros países como EUA (US General Accounting Office — GAO) ou Reino Unido (UK National Audit Office — NAO), ampliou seu escopo de atuação além das auditorias de regularidade.”[11]
4. Limites ao controle exercido pelo Tribunal de Contas da União.
Cumpre então estabelecer a discussão sobre quais seriam os limites impostos à atuação do TCU, no exercício do controle externo da atividade regulatória. Essa discussão acaba por potencializar o próprio debate relativo às características dessa atuação. É que, partindo-se da premissa constitucionalmente chancelada de que é papel da corte de contas da União exercer o controle sobre a atividade das agências, pontuar os seus limites seria o mesmo que especificar os próprios contornos em que essa atuação deve se desenvolver.
O cerne dessa discussão está em definir se entre as atribuições do TCU estariam competências relacionadas à apreciação do próprio mérito das soluções regulatórias adotadas pelas agências.
Uma fria análise do texto constitucional permite-nos afirmar, com certa segurança, que a atuação do TCU deve estar necessariamente ligada aos aspectos relacionados à gestão dos recursos públicos[12], pelo que não seria licito a realização de análise meritória, por parte da Corte de Contas, em relação às atividades-fim das agências.
Em sentido contrário ao nosso, existe a posição já mencionada de Walton de Alencar Rodrigues, que defende uma interpretação mais alargada para o rol de competências constitucionalmente estabelecidas para o TCU, pugnando pela possibilidade de o referido pretório aferir, na atuação das agências, a obediência ao princípio constitucional da eficiência, bem como a legitimidade da ação estatal.
Essa posição, porém, não nos parece encontrar aval na maior parte da doutrina, conforme se pode observar nas lições de Marçal Justen Filho, que, com a precisão que lhe é peculiar, aduz que: “não caberá ao Tribunal de Contas investigar o conteúdo das decisões regulatórias emitidas pela agência.”[13] No mesmo sentido Luís Roberto Barroso, que preconiza que: “nada, rigorosamente nada, no texto constitucional o autoriza a investigar o mérito das decisões administrativas de uma autarquia, menos ainda de uma autarquia com as características especiais de uma agência reguladora.” [14]
Conclui-se, portanto, pela impossibilidade da fiscalização exercida pelo TCU adentrar no campo material da atividade desempenhada pelas agências. É que a fiscalização exercida pela corte de contas, conquanto legítima e constitucionalmente estabelecida, deve limitar-se aos aspectos relacionados à gestão de recursos públicos, sob pena de ferir-se a autonomia das autoridades reguladoras, bem como o princípio da separação dos poderes.
5. Controle Jurisdicional (possibilidade e limites).
Outro ponto importante a ser levantado diz respeito ao controle jurisdicional da atuação das agências reguladoras. A esse respeito, uníssono é o entendimento no sentido de que é possível ao Judiciário exercer forte controle quanto ao aspecto da constitucionalidade e legalidade dos atos das agências.
O ponto controverso da discussão diz respeito aos limites desse controle, haja vista que os atos das agências possuem, em geral, natureza de especificidade técnica, o que abre margem à discussão sobre a possibilidade de revisão judicial das decisões baseadas na denominada discricionariedade técnica.
É cediço que o controle judicial das decisões da Administração Pública, nos casos de discricionariedade, deve estar sujeito a regras restritivas para que a divisão de Poderes, imprescindível ao Estado Democrático de Direito, não seja burlada. Destarte, a questão versa basicamente, sobre a possibilidade e a amplitude do controle jurisdicional sobre a atividade regulatória.
A esse respeito, Fernando José Gonçalves traz as seguintes indagações:
“[…] em que amplitude a reputada discricionariedade técnica das agências reguladoras está sujeita ao controle jurisdicional? A opção técnica constante das soluções adotadas pelas agências pode ser adequadamente analisada pelo Poder Judiciário?”[15]
Pela própria natureza de sua autonomia, a atividade das agências carece de certo controle. A regulação é uma atividade administrativa de intervenção do Estado no domínio econômico, mediante a ponderação entre interesses em tensão, buscando maximizar os benefícios em relação aos custos criados por esta restrição da liberdade. Destarte, a intervenção é orientada pelo princípio da proporcionalidade.
Observe-se que, dado o relevante grau de intervenção que a atividade regulatória gera na esfera do particular, imprescindível é o controle judicial de suas atividades para possibilitar uma maior segurança e estabilidade à intervenção estatal. Assim, posto que o controle exercido pelo executivo, consoante já abordado, é deliberadamente limitado, a revisão judicial se torna um relevante mecanismo para reforçar este controle.
Corroborando com o entendimento aqui esposado, Leila Cuéllar abaliza a imperatividade do controle jurisdicional desta atuação: “além do controle exercido pelo Tribunal de Contas, é de fundamental importância a possibilidade de revisão dos atos praticados pelas agências pelo Poder Judiciário.” [16]
Assim como ocorre com relação ao controle exercido pelo Tribunal de Contas, o cerne da questão versa sobre a possibilidade de o controle jurisdicional atingir o mérito da solução regulatória adotada.
Observe-se inicialmente que a regulação sobre a atividade econômica é de competência típica das agências regulatórias, pelo que, seguindo a guisa do raciocínio expendido no debate sobre o controle das agências por parte do TCU, é mister que qualquer forma de controle externo sobre a atividade regulatória não se intrometa na competência eminentemente discricionária dos entes reguladores.
Importa traçar, entretanto, os limites e contornos em que se desenvolve esse campo discricionário de atividades. Para Marcos Juruena Villela Souto, por exemplo, somente se poderia falar em discricionariedade, imune a controle externo, quando o ato fosse motivado por uma escolha passível de plurais soluções:
“O artigo 2º da Constituição Federal não pode ser fundamento para afastar o controle, sob fundamento de invasão de esfera de discricionariedade técnica. A tecnicidade do ato exige a busca de um ponto de equilíbrio entre custos e benefícios. A técnica é instrumento de interpretação do conceito jurídico indeterminado “eficiência”. Somente se provado que várias técnicas levam ao mesmo resultado de equilíbrio entre custos e benefícios é que se veda a interferência judicial”.[17]
Neste mesmo sentido, também as lições de Celso Antonio Bandeira de Mello, para quem, a discricionariedade somente encontra respaldo quando não se pode “extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente”.[18]
Abordando o tema com mais profundidade, Germana de Oliveira Moraes afirma que a sindicabilidade do ato administrativo sofre limitações quando se tratar do “núcleo político” da discricionariedade. Segundo a autora, o conceito de discricionariedade administrativa apresenta-se, ora:
“[…] mediante a ponderação comparativa de interesses, integrando a norma aberta, ora quando procede à complementação, mediante valoração e aditamento, dos pressupostos de fato necessários à edição do ato administrativo (discricionariedade quanto aos pressupostos); ora quando decide se e quando vai editá-lo (discricionariedade de decisão); ora quando escolhe seu conteúdo, dentre mais de uma opção igualmente prevista pelo Direito, compreendido este como o conjunto de princípios e regras (discricionariedade de escolha optativa); ou, ainda, quando colmata o conteúdo do ato administrativo descrito com lacunosidade na lei (discricionariedade de escolha criativa)”.[19]
Assim, conforme os autores acima, o mérito do ato administrativo, dentro de certos limites precisamente definidos, seria insindicável, ou pelo menos teria sua sindicabilidade reduzida, enquanto que fora destes limites haveria a plena possibilidade de apreciação da juridicidade do ato pelo Poder Judiciário.
Nesse ínterim, indaga-se quais seriam as bases aptas a permitir uma revisão judicial coerente, isto é, como deverá ser feita a averiguação de amoldamento material da opção regulatória adotada com o ordenamento jurídico.
Inicialmente, há que se fazer referência ao fato de que o controle judicial, por ser deliberação a posteriori, encontra maiores elementos para garantir o acerto da decisão. A análise feita pelas agências no processo de formulação das normas regulatórias é a priori, ou seja, em tese, por meio de juízo de prognose desprovido de embasamento real e empírico quanto à concretude de seus resultados. Já a verificação judicial finca-se na experiência que a aplicação prática da disposição normativa traz à sua análise.
Deve-se levar em conta, por outro lado, se o aspecto técnico constante nas soluções regulatórias adotadas pelas autoridades seria apto a representar óbice à análise e interferência jurisdicional sobre suas atividades.
Neste ponto, Fernando José Gonçalves se manifesta pela impossibilidade de se traçar limitações desse viés, tendo em vista que assim se reconheceria uma capacidade regulatória extremamente livre, o que poderia sujeitar as atividades reguladas aos mais diversos tipos de arbitrariedades:
“[…] o reconhecimento da impossibilidade de controle jurisdicional do ato regulatório sob argumento da discricionariedade técnica, seria reconhecer uma capacidade regulatória extremamente livre das agências, podendo facilmente transformar-se em arbitrariedade”.[20]
O impasse restante se refere ao fato da necessidade de conhecimentos técnicos específicos para se efetuar esse controle. É que o magistrado, quando da análise da norma, deverá necessariamente levar em conta as especificidades que compõem a racionalidade que lhe deu origem. Surge daí a necessidade de se valer o judiciário de perícia técnica especializada.
Ultrapassada, porém, essa fase é legítima a intervenção jurisdicional sobre a atividade regulatória. Como observa Rafael Wallbach Schwind, provida esta “carência técnica” por meio de especialistas, “o fato de o julgador não dispor dos conhecimentos técnicos detidos pela agência reguladora não é fator que exclua o controle jurisdicional do ato praticado por esse ente mediante apreciações técnicas.” [21]
Egon Bockmann Moreira reforça tal posição, inferindo:
“Não existe decisão altamente técnica que não possa ser imparcialmente avaliada em juízo, nem tampouco existe uma perícia exclusiva, sigilosa, desconhecida dos demais cientistas e expertos. Não será essa nomenclatura instrumento hábil a afastar o exame e controle jurisdicional.”[22]
Ressalte-se que a análise técnica feita pelo órgão regulador é integrante do motivo que deu ensejo ao ato regulatório e o motivo, por sua vez, é condição de validade do ato administrativo.[23] Desta feita, como preleciona Celso Antônio Bandeira de Mello, “[…] não há como fugir da conclusão de que o controle dos atos administrativos se estende, inevitavelmente, ao exame dos motivos. A ser de outra sorte, não haveria como garantir-se a legitimidade dos atos administrativos”.[24]
Assim, os atos normativos das agências estão sujeitos ao controle de juridicidade, que compreende o exame da sua legalidade e da juridicidade stricto sensu, consistente esta última no exame “da compatibilidade dos elementos discricionários [dos atos] com os princípios.” [25]
Nesse diapasão, tendo sido analisada a possibilidade de controle judicial sobre os atos das agências regulatórias, faz-se importante salientar a competência do Ministério Público para o ajuizamento de Ações Civis Públicas em face das agências. Tendo o Ministério Público competência para a defesa dos interesses sociais e individuais, bem como sendo o defensor e fiscalizador da ordem jurídica em sentido amplo, de acordo com o instituído pela Constituição Federal de 1988, também poderá ele exercer fiscalização em relação às condutas das agências reguladoras e dos respectivos setores regulados. Assim, constatando medidas regulatórias viciadas, e respeitando os limites da sindicabilidade judicial dos atos regulatórios, compete ao Ministério Público questioná-las, especialmente mediante o manejo de Recomendações e de ações civis públicas. Trata-se, sem dúvida, de mais uma forma de controle sobre os atos das agências reguladoras.
6. Controle Social.
Por derradeiro, outro controle que se faz presente sobre as agências reguladoras é o controle social, consistente em uma série de mecanismos que permitem aos particulares a participação direta e efetiva nas atividades desempenhadas pelas agências.
Assevera Fernando Herren Aguillar que o controle social consiste no “controle que efetivamente caiba a setores da sociedade diretamente sobre serviços públicos, sejam eles desempenhados por empresas privadas ou pelo próprio Estado”, assim como no “poder de que desfrute a sociedade para inferir nas decisões estatais a respeito dos órgãos reguladores, na sua composição e modelagem.”[26]
As principais formas de controle social das agências são as seguintes:
a) Participação de membros da sociedade em conselhos superiores ou conselhos consultivos das agências. Esta participação decorre de nomeação para exercício de mandato fixo. Normalmente esta participação não é remunerada.
b) Participação em consultas públicas e audiências públicas, a fim de se sugerir melhorias nas minutas de resoluções ou outros atos normativos.[27]
c) formulação de denúncias ou reclamações, as quais implicam no dever da Administração apurar os fatos e tomar medidas administrativas aptas a corrigir o ilícito e punir o agente responsável. As denúncias ou reclamações também podem ser usadas pela coletividade em face da atuação irregular das delegatárias de serviços públicos, sendo um importante meio para otimizar e direcionar as atividades de fiscalização das agências.[28]
d) por meio das ouvidorias.
A efetividade dos meios de controle social é fundamental para o reforço da legitimidade democrática das agências, conforme já analisado em outros trabalhos do autor.[29]
Destarte, verifica-se que, apesar das agências reguladoras serem consideradas autarquias de regime especial e terem garantias de independência e autonomia, elas são sujeitas a várias formas de controle no intuito de impedir desvios em suas atuações e, por outro lado, garantir a maior legitimação de sua atuação.
6. Conclusão
Dada a natureza da atividade desenvolvida, a atividade regulatória é uma função estatal exercida com elevado grau de autonomia. Isso não significa, porém, que seria aceitável que esta atividade venha a afrontar as determinações legais e constitucionais.
Assim despontam em nosso ordenamento diversos mecanismos aptos a exercer uma espécie de controle da atividade das agências; sempre, contudo, nos expressos limites constitucionalmente estabelecidos.
Em um momento inicial, deve-se dar primazia ao controle interno desempenhado pelas agências. Ou seja, importa ter em mente que as agências reguladoras devem ser responsáveis pelo controle de legalidade dos seus próprios atos.
Apenas em não sendo suficientes os meios de controle interno, deverá o Poder Público, por intermédio de outros meios, proceder ao devido controle dos atos regulatórios.
Nesse sentido, é de se ressaltar a atividade de fiscalização das agências desempenhada pelo Congresso Nacional. É que, sendo as agências integrantes da Administração Direta, estão sujeitas ao disposto no artigo 49, inciso X, da Constituição Federal, que estabelece ser competência exclusiva do Congresso Nacional “fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta.”
No que tange ao correto emprego dos recursos públicos, cabe ao Tribunal de Contas da União a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, no que se refere à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas. Este controle também é exercido tanto pelo Poder Executivo, por meio da Controladoria-Geral da União.
À fiscalização exercida pelo TCU, porém, não é licito adentrar no campo material da atividade desempenhada pelas agências, devendo o controle se limitar aos aspectos relacionados à gestão de recursos públicos, sob pena de ferir-se a autonomia das autoridades reguladoras, bem como o princípio da separação dos poderes.
Outro ponto importante a ser levantado diz respeito ao controle jurisdicional da atuação das agências reguladoras. A esse respeito, uníssono é o entendimento no sentido de que é possível ao Judiciário exercer forte controle quanto ao aspecto da constitucionalidade e legalidade dos atos das agências.
Assim, os atos normativos das agências estão sujeitos ao controle de juridicidade, que compreende o exame da sua legalidade e da juridicidade stricto sensu.
Por fim, outro controle que se faz presente sobre as agências reguladoras é o controle social, consistente em uma série de mecanismos que permitem aos particulares a participação direta e efetiva nas atividades desempenhadas pelas agências, destacando-se entre tais medidas a participação de membros da sociedade em conselhos superiores ou conselhos consultivos das agências; a participação em consultas públicas e audiências públicas; e a formulação de denúncias ou reclamações, as quais implicam no dever da Administração apurar os fatos e tomar medidas administrativas aptas a corrigir o ilícito e punir o agente responsável.
Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará, Procurador Federal em atuação no Estado do Ceará, pesquisador e autor de livros e artigos sobre temas de Direito Administrativo e de Direitos Fundamentais
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