Resumo: Este artigo propõe uma reflexão acerca do funcionamento do sistema policial brasileiro, identificando alguns dados criadores da atual problemática vigente no maquinário cominatório. Analisar-se-ão, frente aos números, as características do inquérito policial. Bem como a desvirtuação de alguns agentes do estado, a seletividade do sistema e a impunidade. Focalizando nos dados tendo em vista o caráter denunciador dos mesmos.
Palavras-chave: Polícia; Segurança pública; Sistema penitenciário; Criminalidade.
Abstract: This article proposes a reflection on machinery police in Brazilian; identifying some dice that result in the present problematic in the criminal system. Was analyzed, the data across, the characteristics of police investigation. As well as corruption some of the state agents, the system selectivity and the impunity. Focusing on the data in view of the character denounces of the same.
Keywords: Police; Public security; Prison system; Criminality.
Sumário: 1. Aspectos gerais da organização policial; 2. A violência, a corrupção policial e o moderno modelo de policiamento comunitário; 3. A polícia aos olhos da população: (des) confiança; 4. A ineficiência do inquérito policial; 5 Conclusões da análise da atuação policial.
Desde logo, adianta-se: o autor deste trabalho sabe que é consequência e erro crasso o atual estado de precariedade que paulatinamente digere a atuação policial civil e militar. Faltam materiais para trabalho (como viaturas, armas, munição, coletes à prova de balas), Delegacias de Polícia e policiais. Bem como ausência de remunerações dignas, gestão administrativa, treinamento e reciclagem decentes.
Todavia, mesmo diante do quadro descrito, pela virtude acadêmica de concessão de campo discricionário para críticas e debates, escolheu-se a análise da atuação policial em si mesma. Afinal, a crítica referente ao atual estado material das polícias é direcionada ao Poder Executivo (art. 144, §6º da CF).
A título de ilustração, citam-se algumas constatações feitas por Misse (2010, p. 52), através das quais os policiais civis reclamam de não conseguirem viaturas para visitar local de crimes e esclarecer dúvidas acerca de laudos; lamentam por, na maioria das vezes, em diligências externas, não serem acompanhados, de maneira que, quando insistem na realização, fazem sem apoio. Fazendo tais papeis mesmo com o dever de ficarem na delegacia no expediente de trabalho, frente ao abarrotamento de atividades burocráticas a serem feitas.
Mesmo o presente trabalho não tendo por interesse a análise politico-fiscal da aplicabilidade de recursos pelo Poder Executivo, far-se-ão críticas. Dito isso, passa-se à exposição.
Primeiramente, é relevante afirmar que à polícia militar cabe o patrulhamento ostensivo e a preservação da ordem pública (art. 144, §5º, CF). À polícia civil cabe a função de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares (art. 144, §4º, CF).
O Brasil tem um corpo policial civil e militar efetivo de número maior que 520 mil policiais. Isso resulta no índice de 1 policial para cada 363 habitantes. Mas há Estados nos quais a situação é mais caótica: no Maranhão, o índice é de 1 policial para cada 710 habitantes; em Santa Catarina, a cada grupo de 574 habitantes, 1 policial; o Ceará tem o número de 1 policial para cada 538 habitantes. A maior harmonia – no binômio efetivo policial e tamanho da população – é percebida no Distrito Federal, que traz 1 policial para cada 135 habitantes, número considerado adequado. Os guardas municipais também têm ganhado relevância já que representam 18% do efetivo das polícias estaduais (cerca de 100 mil membros) (SAPORI, 2013, p. 80).
Quanto à remuneração, o que salta aos olhos é a desproporção entre as remunerações entre as polícias civil e militar, que constitui problema para realização de ações conjuntas e articuladas, que necessitam da atuação de ambos os grupos (SAPORI, 2013, p. 80).
É corriqueira a responsabilização social ao sistema policial pela elevação ou diminuição das taxas de criminalidade. Todavia,
“A polícia dos Estados da República Federativa do Brasil, suas polícias civis e militares, intervém principalmente na repressão violenta das favelas e dos bairros pobres nas regiões metropolitanas e capitais. Conseqüentemente, houve um crescimento das forças de segurança privadas formais e informais, incapazes de diminuir a consciência do risco e da insegurança entre os moradores das cidades (ZALUAR, 2007, p. 34).”
Se as taxas crescem, as pessoas reivindicam maior policiamento, aparelhamento técnico – e até maior truculência nas ações -, por exemplo, como se apenas fortalecendo tal aparelho resolver-se-iam todos os problemas.
Vale concluir ser incorreto o anseio populacional de mais efetivo policial e elevação da remuneração frente ao crescimento da criminalidade, como se tal fator constituísse a panaceia criminal:
“De modo geral, pode-se concluir que em termos de efetivo e de remuneração a situação as polícias no Brasil está melhorando. A despeito disso, a incidência dos crimes violentos permanece em franca ascensão, colocando em xeque o senso comum de que com mais policiais e salários crescentes seria possível conter a violência. O Distrito Federal é a comprovação de que isso não é o bastante, pois é a unidade da federação mais bem dotada de efetivo policial e que melhor os remunera. Entretanto, o Distrito Federal permanece com taxas de crimes violentos bem acima da média nacional (SAPORI, 2013, p. 80).”
Em 2009, o Relatório Anual da Human Rights Watch (HRW), fixou a violência policial como problema crônico brasileiro, sendo praticamente institucionalizada pelas corporações que detêm o dever de polícia (AZEVEDO, 2009, p. 101). Nessa violência incluem-se execuções extrajudiciais e tortura.
No relatório de 2013, a HRW descreve e ataca os mesmos abusos, tanto os cometidos pela polícia, bem como a superlotação do sistema carcerário do país. E afirma que, “segundo dados oficiais, a polícia foi responsável por 214 mortes no estado do Rio de Janeiro e 251 assassinatos no Estado de São Paulo, nos primeiros 6 meses de 2012”. Assevera, também, que a “tortura é um problema crônico em delegacias de polícia e centros de detenção" (HRW, 2013).
No Anuário de Segurança Pública de 2013, verificou-se que, no mínimo, “5 pessoas morrem vítimas da intervenção policial no Brasil todos os dias, ou seja, ao menos 1.890 vidas foram tiradas pela ação das polícias civis e militares em situações de ‘confronto’” (BUENO, S.; CERQUEIRA, D.; LIMA, R. S. de., 2013, p. 125).
Contudo, em regra, a truculência policial é ação legítima na consciência populacional. Além disso, conforme a HRW, as "autoridades responsáveis pela aplicação da lei que cometem abusos contra presos e detentos raramente são levadas à Justiça” (HRW, 2013). Diante de tais fatos, por vezes a polícia busca a segregação, o castigo e a eliminação do “inimigo”.
Faz-se necessária a análise acerca das execuções extrajudiciais de policiais – em serviço e fora dele-. Em 2007, 18% dos assassinatos no Rio de Janeiro foram cometidos pela polícia e registrados como “atos de resistência” ou casos de “resistência seguida de morte”. Em tese, são registrados nessas categorias os casos em que a polícia teve de usar a força na extrema necessidade e proporcionalidade à resistência dos criminosos. Mas, de fato, não é assim que ocorre (ALSTON, 2008, p. 3).
Outra constatação é atinente à existência do poder paralelo das chamadas “milícias”. Tal problemática se infiltra exageradamente nos poderes estatais. Na Comissão Parlamentar de Inquérito das Milícias, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, foram indiciados 226 políticos por manter relações com esses grupos paramilitares (MENDES, 2008). Além disso, baseado nos dados da Divisão de Homicídios, apurou-se que 45% das mortes no Rio de Janeiro são cometidas por milicianos (DANTAS, 2011).
Nas favelas, como as milícias detêm muito poder e status, tornam-se alvos de benefícios políticos. Políticos corruptos fazem acordos com determinados policiais milicianos. Eleição torna-se negócio. Voto vira mercadoria. E milícia, base eleitoral (PONTE JÚNIOR, 2013b).
A corrupção do policial e do político, respectivamente, o protetor e o representante do cidadão, é um fator que engessa o sistema, transformando o direito não no controlador da ordem social, mas sim, no mantenedor de uma ordem injusta e desigual (SILVA, 2003, p. 28). Estabelecem uma espécie de Estado paralelo.
Além dos milicianos, existem os grupos de vigilância, esquadrões da morte e grupos de extermínio que, em Pernambuco, são autores de cerca 70% dos homicídios (ALSTON, 2008, p. 2).
Outro prisma da corrupção do corpo policial[2] se percebe na afirmação do Secretário da Administração Penitenciária de São Paulo que admitiu, em entrevista a determinado canal jornalístico, que “todos os meses são encontrados nos presídios paulistas pelo menos 900 celulares, que são recolhidos e que, no mês seguinte, lá estão novamente a serviço dos bandidos” (BRASIL, 2009, p. 50). A entrada se dá tanto através das visitas íntimas como através da corrupção dos agentes que fazem a vigilância.
Sobre as execuções fora de serviço, e reforçando a tese dos esquadrões da morte e das milícias, afirma Alston (2008, p. 3):
“A polícia do estado, em especial a polícia militar do estado, frequentemente tem um segundo trabalho quando fora de serviço. Alguns formam esquadrões da morte ou milícias que se envolvem na violência, incluindo execuções extrajudiciais que ocorrem por muitas razões. Primeiro, sua desonesta proteção, em que comerciantes e outros são coagidos a dar dinheiro ao grupo, são reforçadas violentamente. Segundo, para impedir que outros grupos minem o seu controle, pessoas suspeitas de colaborar com o crime organizado são mortas. Terceiro: embora esses grupos geralmente não comecem como esquadrões da morte, a relacionamento ilícito que eles desenvolvem com as pessoas mais poderosas da comunidade, frequentemente resultam no envolvimento em assassinatos por encomenda.”
No relatório de 2013, a HRW também afirma que magistrados sofrem retaliações quando atuam energicamente nos casos de violências de milícias (HRW, 2013).
É vergonhosa uma atuação policial se pautar na violência. Contradita à atual demanda pelo respeito aos direitos humanos e de um policiamento comunitário.
Policiamento comunitário é aquele que busca “erradicar as causas da violência atuando de forma planejada nas mais diversas áreas, contornando problemas socioeconômicos e não permitindo que a violência surja ou se dissemine” (XAVIER, 2012, p. 592). Este, para ser implantado, depende do incentivo ao respeito aos direitos humanos. Boa parte da desconfiança social com a polícia e da falência do modelo de gestão operacional de atuação policial tem vínculo com violações à cidadania e aos direitos humanos (Ibid., p. 585).
Para a qualidade ser atingida, é necessária uma série de mudanças (SENASP, 2007, p. 119-135). Dos princípios, destacam-se alguns: policiamento descentralizado, práticas policiais tendentes a estabelecer uma relação saudável com a comunidade (SENASP, 2007, p 90) (XAVIER, 2012, p. 590). Como novas práticas, citam-se: policiais fixos em comunidades, patrulhamento feito a pé ou de bicicleta, formação permanente e constante atualização, organização de encontros sobre prevenção, incentivo à criação de conselhos comunitários, organização de atividades culturais, esportivas e de lazer e realização de consultas populares quanto à qualidade do serviço (SENASP, 2007, p. 88) (XAVIER, 2012, p. 589).
O IPEA, em 2010, formulou um estudo no qual os critérios para resposta eram “concorda plenamente”, “concorda”, “discorda” e “discorda plenamente”. No item “a polícia atende a emergências via telefone de forma rápida”, mais de 60% dos entrevistados assinalaram nos itens discordo ou discordo plenamente. No “a polícia realiza investigações de forma rápida e eficiente”, pouco mais de 30% assinalou concordo ou concordo plenamente. No dado referente à assertiva “a polícia é competente”, 46,9% discordam e 8,5% discordam plenamente. Somente cerca de 30% dos entrevistados concordam que “a polícia respeita os direitos do cidadão”, e apenas 4,4% concordam plenamente com essa afirmação (OLIVEIRA JÚNIOR, 2011, p. 12).
Em avaliação do serviço prestado, os dados advertiram que 56,6% dos analisados classificaram o atendimento como regular, ruim ou péssimo. De acordo com o nível de segurança depositada no maquinário policial, tem-se: na Polícia Militar, apenas 4,2% dos entrevistados confiam muito e 25,1% simplesmente confiam; na Polícia Civil, os números se repetem, sendo praticamente idênticos. Portanto, 69,9% confiam pouco ou não confiam; referente à Polícia Federal, os números melhoram, sendo: 13% confiam muito e 35% confiam, contrapondo-se à ideia, 33,6% confiam pouco e 17,5% não confiam (OLIVEIRA JÚNIOR, 2011, p. 13).
Cidadãos insatisfeitos com a polícia estão menos propensos a prestar informações sobre ilícitos e a pedir auxílio quando necessário. Essa imagem negativa da polícia influencia diretamente para a redução de eficácia policial, o que termina por auxiliar no aumento do número de crimes. Vale explicitar: a confiança é o elo entre cidadãos e instituições que defendem interesses públicos. E essa confiança se desenrola juntamente com a credibilidade policial, que cresce na medida em que as instituições de segurança pública e da justiça criminal se aprimoram e demonstram efeitos e consequências concretas (OLIVEIRA, 2011, p. 7).
Ademais, como afirma Soares (2007, p. 79), os indivíduos não procuram auxílio da polícia quando necessitam, por três razões principais: medo de ser maltratado pela própria polícia, medo de vingança do autor criminoso ou de seus cúmplices e, descrença na atuação policial.
O inquérito policial é procedimento administrativo, sigiloso, dispensável e prévio, feito pela polícia judiciária.
Tem fim a apuração de suposto fato delituoso, através de levantamento da materialidade delitiva e da identificação dos autores do fato típico, com objetivo de embasar futura ação penal. Isso, com sensibilidade, traz a importância do inquérito.
Quanto à eficácia investigativa, segundo Zaluar (SOARES, 1996 apud ZALUAR, 2007, p. 43):
“Uma porcentagem incrivelmente elevada de homicídios não é objeto de inquérito policial, e seus autores não são jamais identificados. Um estudo do sistema criminal de Justiça em São Paulo revelou que as maiores porcentagens de condenação estão entre os acusados de tráfico de drogas ou de roubo, e não entre os acusados de homicídios e assalto à mão armada, os dois crimes que mais apavoram as pessoas. Ainda um outro provou que, de 4.277 boletins de ocorrência de homicídios, apenas 4,6% tiveram o autor e o motivo conhecidos e registrados. […] um grande porcentual de bandidos nunca é preso nem punido, o que é para eles um encorajamento para repetir outros atos delinquentes. E visto que o dinheiro pode garantir a impunidade, pois um policial não registrará o ato, começando o fluxo do processo jurídico, ou visto que advogados bem pagos sabem como evitar os processos e as condenações penais, reunir-se às quadrilhas de tráfico de drogas torna-se muito mais atraente.”
Segundo estimativa de Adorno (2008), o desconhecimento do autor do crime se evidencia em grande parte dos fatos: são 93,3% dos crimes violentos e 94,93% dos crimes não violentos.
Mas há causas. Primeiramente, os erros começam no registro da ocorrência, pois geralmente os registros se limitam a descrever um resumo do fato levado ao conhecimento da autoridade policial e, por isso, vários detalhes que poderiam auxiliar no desvendar do fato não chegam ao conhecimento efetivo da polícia, seja por “falta de vontade de escrever, por falta de condições para investigar, por convicções a respeito do que é relevante e o que não é” (MISSE, 2010, p. 40).
Frente à notitia criminis ou à delatio criminis, caso o delegado julgue cabível, far-se-á o procedimento de verificação de procedência de informação (VPI). Este fenômeno existe no Rio de Janeiro, e é tendente a verificar se vale ou não a pena abrir um inquérito. Assim, já nesse procedimento, há possibilidade de suspensão frente à ausência de indícios que embasem uma investigação (MISSE, 2010, p. 41). E é o que ocorre em parte dos procedimentos: até abril de 2009, de 14.000 ocorrências registradas em 2008, 2.285 estavam em VPI suspensas. Em regra, uma vez suspensa, dificilmente é reaberta.
Tal procedimento contraria a determinação do art. 5º, §3º do Código de Processo Penal.
Uma vez instaurado o inquérito policial, outros problemas são encontrados. A começar pelo abarrotamento de trabalho e insuficiência de contingente. Assim descreve Misse (2010, p. 53):
“Diante da impossibilidade de dar-se conta do volume total dos inquéritos nos prazos regulamentados, os policiais e delegados selecionam os casos que devem ser priorizados segundo critérios como a sua repercussão na mídia, a gravidade do ato, a posição social da vítima e as motivações pessoais dos agentes. Quando há interesses particulares em determinados casos, todas as dificuldades enumeradas são prontamente superadas para se garantir maior rapidez nos procedimentos.”
Ademais, em regra, também por causa da quantidade de trabalho, a atividade de polícia judiciária se resume ao trabalho administrativo, pouco se destinando à investigação de crimes. É o que fica claro com a afirmação de Andrade e Oliveira (2011, p. 106).
“Portanto, o que menos se faz na polícia judiciária, a polícia investigativa, é investigar. A prioridade são os prazos do inquérito; os ofícios em resposta ao MP; os memorandos aos superiores hierárquicos; a organizações do arquivo do cartório e entre outras inúmeras ações secundárias e na maioria das vezes desnecessárias a elucidação dos crimes.”
O número deficiente de agentes do corpo policial tem culpa ligada ao Poder Executivo. Deste advém a destinação do orçamento anual e o provimento de concursos públicos. Em outro viés, há limitação natural de crédito, de forma que não há recursos para todas as necessidades.
Para completar a noção do caos, transcreve-se o grito de alarme quanto à atuação de uma delegacia em Belo Horizonte:
“Por mês, a delegacia movimenta 615 inquéritos desse delito no trâmite processual, entre Judiciário e Polícia Civil. Esta média é de 115 para os inquéritos de roubos. Somando essas movimentações e dividindo por 20 dias trabalhados, chegamos a um resultado de 36,5 inquéritos movimentados por dia nesta delegacia. Pode-se dizer que os flagrantes (APFD) movimentam o cotidiano, principalmente se somarmos esses dois tipos de crimes, furtos e roubos: 2 APFDs por dia útil trabalhado. Média semelhante pode ser observada para os inquéritos concluídos/relatados: 2,12 por dia. Ou seja, o volume de trabalho nesta delegacia pode ser considerado grande, principalmente se levarmos em conta o número de agentes (12), escrivães (2) e delegados (1 titular e 1 adjunto) nela lotados (SILVA; SOARES, 2009, p. 6).”
Misse afirma que pode existir “uma correlação entre o volume de ocorrências, o efetivo de investigadores em atividade e a capacidade de processamento de crimes pela polícia” (MISSE, 2009, p. 48). Assim, repete-se a crítica do déficit no número de policiais.
Há pouco contato entre os membros do MP e delegados, o que prejudica a cooperação na fase pré-processual, seja por orgulho institucional ou trabalho excessivo em ambos os cargos (MISSE, 2010, p. 174).
Outros problemas: não há preservação da cena do crime. Por vezes, os peritos sequer se deslocam para a mesma (MISSE, 2010, p. 47). Demora na feitura de laudos periciais, ausência de testemunhas (MISSE, 2010, p. 80).
Quanto às estatísticas, analisar-se-ão especificamente os números de alguns crimes, percebendo os procedimentos adotados pelo Ministério Público até 2009, em inquéritos policiais registrados no Rio de Janeiro (Capital) em 2005[4]. Os dados não incluem os autos de prisão em flagrante.
No total 3.167 atos referentes ao crime de homicídio doloso foram registrados, e 2.928 se tornaram inquéritos. O dado é interessante, pois revela 92,5% de fatos relativamente apurados. Todavia, de 2.928, 2400 procedimentos retornaram à delegacia para novas diligências, 394 foram arquivados, em 23 foram tomadas outras providências e (apenas) 111 resultaram na denúncia (o que representa 3,8%).
Misse critica também a negligência policial, pois “não há a preocupação com a elucidação da morte dos chamados “vagabundos”, o que constitui a maioria dos inquéritos de homicídios” (2010, p. 77). Isso justifica, em outro viés, a falta de interesse na atuação policial em grande parte dos fatos típicos levados a apreciação, o que resulta em peças – a serem remetidas ao Ministério Público – sem precisão, que, por sua vez, motiva a determinação – do Parquet – de retorno do inquérito à delegacia para novas diligências. Assim, “muitos inquéritos existem há mais de cinco anos, permanecendo na inércia do chamado pingue-pongue entre delegacia e o MP, até que resultem em pedido de arquivamento ou, raramente, de denúncia” (MISSE, 2010, p. 57).
Quanto ao crime de roubo, vale também a percepção do número de registros comparado ao número de inquéritos que chegaram ao MP. Cerca de 70.000 foram registrados, mas somente 1.258 chegaram ao conhecimento do Ministério Público em até quatro anos e meio após o delito (1,8%), pois a maioria dos crimes de roubo não tem autoria identificada. Desta estatística de 1,8% que receberam tombos no MP, somente 370 foram denunciados (30%), 638 retornaram à delegacia para novas diligências, 133 foram arquivados e em 117 tomadas outras providências. Assim, se analisado frente ao número de ocorrências, apenas 0,5 das ocorrências transformaram-se em ações penais, salvo os autos de prisão em flagrante (MISSE, 2010, p. 93).
A grande desproporção entre o número de registros e o de inquéritos que receberam tombo no MP se dá, na grande maioria das vezes, pelos delegados só instaurarem o inquérito por roubo nos casos nos quais seja possível a identificação do autor do fato (MISSE, 2010, p. 86). Ou seja, uma espécie de VPI.
Quanto ao estelionato, foram registradas 9.101 ocorrências em 2005. Chegando ao conhecimento do MP, em até quatro anos e meio após o fato, somente 3.052 ocorrências (33,5%), índice mais alto que o de roubo. Os cientistas atribuíram tal fato às informações prestadas pela vítima, que facilitariam a investigação. De 3.052, 2.011 retornaram para a delegacia (em torno de 65%), 396 foram arquivados e em somente 489 houve denúncia (cerca de 15%). No fim das contas, de todas as ocorrências, somente 16% transformou-se em ação penal, salvo os autos de prisão em flagrante (MISSE, 2010, p. 47).
Em relação ao crime de homicídio em outras capitais, a pesquisa alarma: no Distrito Federal, cerca de 70% dos homicídios dolosos são esclarecidos (MISSE, 2010, p. 201). Não se tem informação se foram denunciados, arquivados ou se retornaram à delegacia.
Em Belo Horizonte, de janeiro a dezembro de 2008, quanto ao roubo, 75% dos registros não chegaram sequer a se tornar inquérito (mas também não foram arquivados, ficam aguardando novas provas), 17% foram arquivados e apenas 2,6% deles foram aceitos para denúncia (SILVA, SOARES, 2009, p.5).
Em Porto Alegre, nos homicídios dolosos, cerca de 75% dos inquéritos abertos há um ano não tinham sido enviados ao MP. Em Recife, nos anos de 2005 e 2006, da totalidade dos homicídios consumados e dos latrocínios, somente 32% se transformaram em inquérito. Destes, um terço foi arquivado ou retornou para a delegacia para novas diligências. Em média, cerca de 20% destes crimes foram denunciados (SILVA, SOARES, 2009, p. 7).
Assim, “o nível de elucidação dos crimes é irrisório, a pobreza técnica do material produzido pela polícia, as investigações são demoradas e prolixas” (ANDRADE; OLIVEIRA, 2011, p. 6).
Diante do exposto, faz-se extremamente necessária uma nova formatação da investigação prévia. Os fundamentos que embasam a existência do inquérito são relevantes para a Justiça Penal. Não se pode abrir mão dos mesmos[5].
A continuação da sistemática atual só culmina em mais impunidade, causa problemas no aparelho policial, morte de agentes, seletividade penal e produção de injustiça. Todos esses números citados acima são dados que, no mínimo, foram trazidos ao Estado, mesmo que não tenham sequer resultado em investigação. Havendo, ainda, a cifra oculta dos crimes que não chegam aos ouvidos estatais. Tudo isso aumenta a desconfiança populacional, a insegurança, a impunidade e a confiança do criminoso de que é muito azar de alguém ser punido no Brasil.
Outro fator que tem sido alvo de críticas é a deficiência do setor da Inteligência Criminal, o qual tem importância suprema na dialética atual do crime, pois se faz basilar a existência de novas formas de combate, frente aos desafios atuais (MINGARDI, 2007, p. 66).
Em suma, com muita frequência, parcela da própria polícia age em excesso contraproducente e participa do crime organizado quando não está de farda. Todavia, também há problemas estruturais decorrentes da hierarquia e vinculação orçamentária. Nisso se constitui a maior explicação da análise negativa policial. Fica explícito, assim, que as polícias detêm porcentual da problemática atual. Seja por culpa do governante, seja dos policiais ou da Instituição.
Faça-se a crítica ao aparato policial que não pode constituir-se como um instrumento de vingança, possuidor da cólera da sociedade ameaçada. A força bruta policial não é meio legítimo para o revide criminoso.
As execuções, as torturas e todos demais procedimentos ilegais devem ser enfrentados energicamente, necessária também a mudança das estratégias no exercício da profissão, bem como das culturas pessoais dos policiais.
Há quem afirme que as taxas de mortalidade por homicídio dos policiais no Brasil é três vezes maior que a taxa de um cidadão comum. Assim, em virtude de intervenção policial morrem muitos civis “mas também muitos policiais, cuja mortalidade se dá especialmente fora de serviço, na evidência empírica de que o modelo de segurança pública brasileiro está em colapso” (BUENO; CERQUEIRA; LIMA, 2013, p. 126). Todavia, mesmo considerando o índice de mortalidade superior ao civil, a alta taxa de lesividade não justifica a truculência nas intervenções policiais, como afirmam os mesmos autores:
“Em uma breve comparação com dados internacionais, verificamos que as polícias brasileiras matam mais do que a de países com índices de criminalidade similares, ou até piores que o brasileiro, como é o caso de México, África do Sul e Venezuela. Ou seja, não se justifica em hipótese alguma que o tema da letalidade policial continue a ser tratado como um tabu; como uma agenda interditada na segurança pública brasileira. Trata-se de um assunto central para polícias, governos e sociedade civil discutirem claramente, e identificarem mudanças urgentes nos padrões de atuação das forças de segurança pública do Brasil (Idib, p. 126).”
Aqui foi encontrada outra pesquisa que traz penúria aos dados, já que, pelo menos aparentemente, contraria a primeira. A primeira pesquisa é a citada acima, e afirma sobre o Brasil. A segunda aborda a realidade do Rio de Janeiro especificamente. Na pesquisa carioca, as mortes de civis são absurdamente maiores que a vitimização policial. De 20 a 100 vezes maior (MISSE, 2011 p. 22). Ou a realidade carioca é extremamente distinta da brasileira ou as pesquisas têm conclusões opostas.
Por fim, conforme se demonstrou, os inquéritos policiais merecem outro tratamento, com devida reformulação, pois, atualmente, é mero propagador de ineficiência e impunidade, falhando na grande e única missão que a ele foi dado: apuração pré-processual do delito.
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