Fundações públicas: breves comentários

1. Histórico


No direito romano, as fundações eram oneradas com o encargo de que era primordial que se cumprisse a vontade do fundador, realizando os propósitos que ele teve em mira.


No baixo império romano, com a expansão dos ideais cristãos, da filosofia da caridade, é que surgem as verdadeiras fundações, todas impulsionadas pela caridade evangélica, a exemplo das igrejas, mosteiros, estabelecimentos de beneficência como hospitais (nosocomia), orfanatos (orphanotrophia), hospícios (xenodochia), asilos para velhos desamparados (gerontocomia), etc. Para a fundação de igrejas, capelas e mosteiros era suficiente a permissão episcopal.


De acordo com a teoria individualista, que se deve a Jhering, o seu pensamento central, os titulares dos direitos são os próprios homens. Seguindo este entendimento, nas fundações, os destinatários dos direitos são aqueles em benefício dos quais as mesmas foram instituídas: os pobres, os enfermos, as viúvas e os órfãos.


As corporações e as fundações são como ser humano, entidades reais e providas da mesma subjetividade jurídica, segundo a teoria realista.


Os romanos não se preocuparam em criar uma teoria sobre o fenômeno da pessoa jurídica. A teoria que mais se adequou ao pensamento romano é o da teoria da realidade ideal.


Desenvolvendo-se nos tempos medievais e sob o patrocínio da Igreja, as fundações foram mesmo, de início, públicas, como instituições eclesiásticas, mas perderam em grande parte este caráter, com o aparecimento das nações modernas e a importância cada vez mais considerável atribuída ao direito civil.


As fundações, no Código Civil de 1916, em seu artigo 16, são consideradas como pessoas jurídicas de direito privado, ao lado das sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, as associações de utilidade pública, as sociedades mercantis e os partidos políticos.


Correspondem as “universitas bonorum” do antigo direito romano, ou seja, um patrimônio destinado a uma finalidade, um complexo de bens que se destina a um determinado escopo que, como as pessoas naturais, podem ser sujeitos de direito. Na fundação prepondera o elemento patrimonial.


Divergem das “universitas personarum” nos quais há interesses, fins e meios próprios, exclusivos dos sócios, enquanto que nas fundações os fins e interesses não são próprios, mas do instituidor, que pode ser uma pessoa natural, uma pessoa jurídica de direito privado ou uma pessoa jurídica de direito público. Além disso, nas fundações, os objetivos perseguidos são perenes e imutáveis, restringindo os administradores a executá-los simplesmente.


Ainda sob a perspectiva do Código Civil de 1916, nas fundações o patrimônio é fornecido pelo seu fundador, seja ele um particular ou o Estado, inclusive ele pode determinar qual a estrutura da fundação, criando uma organização administrativa e sua forma de gerenciamento, e, nas “universitas personarum”, o patrimônio é constituído pela contribuição dos sócios haja vista o interesse ser exclusivamente deles e deliberam livremente, determinando quais são os órgãos dirigentes ou dominantes.


Sob a ótica legislativa do Código Civil de 1916, a existência legal das fundações, começa com a inscrição dos seus atos constitutivos no registro peculiar, consoante lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973, Lei de Registros Públicos, que dispõe no artigo 114 que no registro civil de pessoas jurídicas serão inscritos os atos constitutivos e os estatutos das fundações e associações de utilidade pública.


Para criar uma fundação, far-lhe-á o seu instituidor, através de escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la, na conformidade do Código Civil de 1916.


Observa-se das regras do antigo Código Civil que a constituição dessa pessoa jurídica se desdobra em dois atos distintos: o ato de fundação e o ato de dotação.


O ato de fundação pode ser inter vivos ou mortis causa, ou seja, a fundação pode ser criada por escritura pública ou por testamento. Tanto numa como na outra modalidade, o ato depende de registro no registro civil de pessoas jurídicas.


O ato de dotação compreende a reserva de bens livres, a indicação dos fins a que se destinam e a maneira de administrá-los. Ressalte-se que bens livres são aqueles desembaraçados de ônus reais, a exemplo de hipoteca, penhor, anticrese, que possam ser utilizados para o pagamento de dívidas do instituidor da fundação.


Duas são as modalidades de formação: a direta e a fiduciária. Na primeira, o próprio fundador pessoalmente garante o patrimônio necessário e suficiente à criação da fundação e, se necessário, a sua manutenção nos primórdios de seu funcionamento; na fiduciária, o instituidor entrega a outrem a organização da obra projetada.


O artigo 25 do Código Civil de 1916 abriga dispositivo que prevê a solução para a hipótese do instituidor não fornecer o aporte financeiro necessário a criação da fundação, pois quando insuficientes os bens doados, estes serão convertidos em títulos da dívida pública, caso o fundador não preveja outra solução. Já na parte final do dispositivo em apreço, o legislador determinava que se o patrimônio fosse aumentado com os rendimentos ou novas dotações, que perfaçam o capital bastante, o requisito patrimonial para criar a fundação estava satisfeito.


Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas as fundações, fiscalizando os atos dos administradores lesivos aos objetivos traçados para as fundações e promovendo a anulação dos praticados sem observância dos estatutos.


Quanto aos bens das fundações, esses são geralmente inalienáveis, pois sua existência é imprescindível à concretização dos fins visados pelo instituidor. Entretanto, comprovada a necessidade da alienação, esta pode ser autorizada pelo juiz após audiência do Ministério Público. Mesmo que o instituidor tenha imposto a cláusula de inalienabilidade a autorização pode ser concedida.


Se verificada que uma fundação é nociva ao interesse público, ou impossível sua manutenção, ou vencido o prazo de sua existência, não existindo dispositivo em contrário no ato constitutivo, ou nos estatutos, o patrimônio será incorporado em outras fundações, com fins iguais ou semelhantes.


Com o intuito de verificar se os fins são iguais ou semelhantes, só o caso prático pode solucionar tal questão, pois acredita-se que a semelhança não se restrinja somente ao objeto das atividades das fundações mas também o fim visado que deve ser sempre o interesse público.


Entre as fundações criadas pelo Estado na década de 30, as mais importantes são os estabelecimentos de instrução pública superior e secundária subordinados ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores.


Desde a primitiva distinção que se fez e ainda dentro do direito privado, havia de par com as fundações privadas as fundações oficiais, ou seja, o reconhecimento do caráter público de certos patrimônios, sob esta categoria jurídica instituídos. E a primeira conseqüência desse entendimento foi a isenção dessas entidades, notadamente institutos federais de ensino, ao regime de fiscalização próprio das fundações, de competência do Ministério Público, para submetê-las, nos termos de seus regulamentos, à fiscalização de órgãos centrais de administração.


O método escolhido pelo Estado para descongestionar a atividade administrativa, sua burocracia, foi a da personalização, que consiste em tornar determinado serviço em centro próprio de direitos e deveres. A Administração Pública ao descentralizar sua atividade o faz, comumente, por duas formas: ou delega serviços públicos a particulares ou outorga serviços a entidades públicas ou privadas, as chamadas paraestatais, que autoriza a criação mediante lei.


No decreto-lei n.º 200/67, as fundações foram equiparadas às empresas públicas e integraram à Administração Pública Indireta.


O Decreto-lei n.º 900, de 26 de setembro de 1969, tinha como regra que as fundações não integravam a Administração Indireta, provavelmente, numa tentativa sem sucesso de moldar a fundação ao Código Civil, sem perceber que por mais autonomia que tenham as fundações, estas estão sujeitas ao regime jurídico administrativo, a exemplo da observância de princípios fundamentais como o da indisponibilidade do interesse público, da continuidade do serviço e o da tutela.


Ademais, mesmo não inserindo as fundações no rol das entidades pertencentes à Administração Indireta, sujeitava-as à supervisão ministerial, desde que recebessem subvenções ou transferências à conta do orçamento da União.


Enquanto que o Decreto-lei n.º 2.299, de 16/11/1986, que mudou a redação do artigo 4º do Decreto-lei n.º 200, incluindo o parágrafo 2º, inseriu novamente entre as entidades da Administração Indireta as fundações criadas através de lei federal ou mantidas pela União, com o escopo de subordiná-las aos mecanismos e normas de fiscalização, controle e gestão financeira, e inclusão dos cargos, empregos, funções e respectivos titulares no Plano de classificação de cargos estabelecidos pela Lei nº 5.645/1970.


De forma gradual, com a volta das fundações a categoria da Administração Pública Indireta, verificou-se uma tendência de publicização dessas entidades e o maior controle de suas atividades.


Após a edição da Lei n.º 7.596/87, as fundações passaram a ter natureza jurídica predominantemente pública porque a elas não se aplicam diversas normas civilistas, como as que regulam a destinação dos bens doados pelo instituidor se forem insuficientes para iniciar os trabalhos da entidade, no que diz respeito ao controle do Ministério Público, no que tange a elaboração e alteração dos estatutos e sobre a extinção da entidade.


Nesta lei, as fundações ficaram subordinadas ao Código Civil somente no que tange a forma de constituição. O tratamento jurídico de seu pessoal ficou igual ao das autarquias.


Seja qual for o regime jurídico da fundação instituída pelo Poder Público, a finalidade da lei que cria a fundação é sempre o interesse público. A entidade administrativa criada irá executar uma atividade tipicamente social que compete ao seu instituidor, inclusive se for necessário adaptar, as funções da fundação ao interesse público, por motivo superveniente, o Poder Público, através de lei, pode alterar a lei instituidora da fundação, independente de consulta da vontade dos administradores da mesma.


Por sua vez, as fundações privadas não podem ser fiscalizadas pelo seu instituidor, haja vista que adquirem vida própria e independência, e sua fiscalização é confiada ao Ministério Público, diferente das fundações governamentais que são permanentemente acompanhadas pelo Poder Público que as criou com o intuito de descobrir se estão cumprindo seu papel institucional e adequando-se as políticas governamentais que mudam a cada eleição.


Na redação original da Constituição Federal de 1988, o texto constitucional fazia distinção entre fundações públicas e privadas. A redação de alguns dispositivos preceituava em administração fundacional ou em fundação instituída ou mantida pelo Poder Público. Exemplificativamente, dois artigos usavam a expressão fundação pública: o artigo 39 e o 19 das Disposições Constitucionais Transitórias.


Com a emenda constitucional n.º 19/98, não se adotou mais a expressão fundação pública, o que não significa deixaram de existir as fundações públicas, isto é, não implica na abolição das fundações com personalidade de direito público. As alterações demonstram que a Constituição não diferencia a personalidade jurídica das fundações, logo, as normas da Constituição abrangem todos os tipos de fundação.


Na forma do parágrafo 2º do artigo 150 da Constituição Federal, o patrimônio, a renda e os serviços vinculados às finalidades essenciais ou as delas decorrentes têm imunidade tributária, isto é, sobre esse patrimônio não podem incidir impostos. Atente-se para o fato de que a imunidade abrange unicamente os impostos e, não, taxas e as contribuições de melhoria. O benefício constitucional alcança tanto as fundações públicas como as privadas.


Por força da Lei Federal 8.666/93 e da Constituição Federal de 1988, que obrigam as entidades da Administração direta e indireta a somente celebrar ato ou contrato de seu interesse após o procedimento licitatório, as fundações sejam públicas ou privadas não escapam desta regra.


2. Conceito


Fundação é um patrimônio personalizado afetado a um fim. Sua personalização ocorre porque sobre o patrimônio incide normas jurídicas que o torna sujeito de direitos e obrigações. Afetado a uma finalidade implica que seu objetivo é perseguir um interesse, sempre público, pré-determinado no ato de instituição.


Carlos Maximiliano assim define a fundação:


Denomina-se fundação um instituto com objetivo religioso, humanitário ou cultural, oriundo de liberalidade feita por meio de ato inter vivos ou causa mortis. Diverge da corporação ou sociedade; porque estas são formadas pela convergência da vontade de diversas pessoas, que administram e dirigem o conjunto; ao passo que advém aquela da resolução magnânima ou piedosa de um só indivíduo, que destina vultoso patrimônio para se constituir e manter a instituição por ele almejada. Em regra, ele mesmo indica o modo de funcionamento e a direção geral; não raro, incumbe sociedade já existente, do encargo de organizar e orientar a fundação[1]


Segundo as lições da Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, conceituam-se as fundações instituída pelo Poder Público como sendo:


“… o patrimônio, total ou parcialmente público, dotado de personalidade jurídica, de direito público ou privado, e destinado, por lei, ao desempenho de atividades do Estado na ordem social, com capacidade de auto-administração e mediante controle da Administração Pública, nos termos da lei.”[2]


Neste conceito, surgem os seguintes elementos: dotação patrimonial; personalidade jurídica pública ou privada, dependendo da lei instituidora; função social da fundação, isto é, o exercício de uma atividade da Administração que de caráter social; capacidade de gerenciamento próprio; e controle da Administração Direta, nos limites estabelecidos em lei.


A lei n.º 7.596, de 10 de abril de 1987, que alterou o artigo 4º do Decreto-lei n.º 200, classificou de forma definitiva as “fundações públicas” na mesma categoria das entidades da Administração Indireta e, no artigo 5º do Decreto-lei n.º 200, conceituou as fundações da seguinte forma:


A entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes


O Supremo Tribunal Federal, na vigência da Constituição anterior, já decidiu que as fundações de direito público são espécie do gênero autarquia. Prevalecendo este entendimento, que faz das fundações públicas uma espécie do gênero autarquia, portanto, aplicam-se as fundações públicas as mesmas normas, direitos e restrições referentes às autarquias.


Nossos tribunais vêm entendendo que estas fundações têm natureza jurídica de autarquia. Diógenes Gasparini enumera algumas fundações nesta situação:


“… É verdade que nesses casos são verdadeiras autarquias, consoante vêm decidindo nossos pretórios, e disso é exemplo o STF, que, ao julgar o CJ 6.728-3, considerou a Fundação Centro de Formação do Servidor Público (Funcep), fundação federal, como de natureza autárquica. Em razão disso, observam seu regime jurídico. São dessa natureza a Fundação da Casa Popular, a Fundação Brasil Central, a Fundação Nacional do Índio e a Fundação Mobral, no âmbito da União; a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e a Fundação Padre Anchieta Rádio e TV Educativas, no campo do Estado de São Paulo[3]


A intenção da Administração é sempre superar a rigidez dos métodos administrativo clássicos para, a partir da descentralização da ação estatal, usar de processos mais flexíveis e eficientes com o intuito de melhor alcançar o interesse público.


A fundação originariamente nada mais era do que um patrimônio voltado a realização de uma finalidade definida pelo seu instituidor. Nos primórdios da criação do esquema teórico que embasava a fundação, sem dúvida, regia-se exclusivamente pelo direito privado, ou seja, o regime jurídico das fundações era privatístico. Hoje, entretanto, com o direito público se imiscuindo no direito privado e vice-versa, aceita-se naturalmente as fundações de natureza privada tanto quanto a pública.


A Carta Magna de 1988 refere-se explicitamente, em seu artigo 37, inciso XIX, a fundação pública, in verbis:


Somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo a lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação


Observa-se no dispositivo constitucional que a estrutura fundacional foi absorvida pelo direito público, isto é, a destinação de um patrimônio ao atendimento de uma finalidade pré-estabelecida. Partindo deste preceito comum que dá identidade ao gênero fundação, do qual são espécies as públicas e as privadas, pois a Administração Pública pode criar ambas.


 Como a Administração Pública pode criar os dois tipos de fundação, a Constituição Federal sempre faz referência a palavra fundação sem os adjetivos pública ou privada, portanto, abrindo espaço para que o poder público use o tipo de fundação que mais facilitar a consecução de seus objetivos e concretizar o princípio da supremacia do interesse público.


Ocorre que nas fundações governamentais é usual que sua viabilidade financeira seja mantida e garantida através de dotações no orçamento da Administração Pública Federal, Estadual, Distrital ou Municipal, isto é, na administração centralizada. As fundações de direito público, portanto, assemelham-se neste item as próprias autarquias, inclusive porque ambas são regidas pelo direito administrativo.


Existem, portanto, duas correntes sobre a natureza jurídica das fundações: uma que defende a fundação de natureza privada e outra que defende a possibilidade da existência de fundações de direito público, que será uma modalidade de autarquia.


Na opinião da Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o Estado pode instituir fundações com personalidade jurídica de direito privado e de direito público. Há viabilidade jurídica da aplicação de dispositivos de direito privado as fundações criadas pelo Poder Público, pois:


Quando o Estado institui pessoa jurídica sob a forma de fundação, ele pode atribuir a ela regime jurídico administrativo, com todas as prerrogativas e sujeições que lhe são próprias, ou subordina-la ao Código civil, neste último caso com as derrogações por normas de direito público. Em um e outro caso se enquadram na noção categorial do instituto da fundação, como patrimônio personalizado para a consecução de fins que ultrapassam o âmbito da própria entidade. Em cada caso concreto, a conclusão sobre a natureza jurídica da fundação – pública ou privada – tem que ser extraída do exame da sua lei instituidora e dos respectivos estatutos.”[4]


Para se verificar qual a natureza jurídica da fundação, em cada caso concreto, deve-se analisar sua lei instituidora e os respectivos estatutos.


3. Polêmica sobre a natureza jurídica das fundações públicas


De todas as entidades da Administração Indireta, a fundação é, sem dúvida, a que tem provocado maiores divergências doutrinárias no que diz respeito à sua natureza jurídica e as conseqüências que daí decorrem. A grande discussão que se tem travado, há algum tempo, cria grande confusão tanto nos tribunais quanto no próprio seio da Administração.


Formaram-se, basicamente, três correntes:


a) A primeira defende a natureza privatística de todas as fundações instituídas pelo poder público, ou seja, o fato de ser o Estado o instituidor, não desmente a caracterização dessa entidade como de direito privado, de acordo com o disposto no Código Civil. Essa era a opinião clássica de Hely Lopes Meirelles, para quem constituía uma contradictio in terminis expressões como autarquias fundacionais ou fundações pública, explicando que se a entidade era uma fundação estaria ínsita sua personalidade privada e que, se era uma autarquia, a personalidade seria de direito público. Advertia o saudoso jurista:


“uma entidade não pode, ao mesmo tempo, ser fundação e autarquia; ser pessoa de direito privado e ter personalidade de direito público! E arrematava: o fato de o Estado servir-se de instituto de direito privado para a realização de atividades de interesse público não transfigura a instituição civil em entidade pública, nem autarquiza esse meio de ação particular”.


Advogam também a mesma tese autores como Manoel Oliveira Franco e Sérgio D’Andréa.


b) Para a segunda corrente, defendida por Cretella Júnior, Miguel Reale, Clóvis Beviláqua, Lacerda de Almeida, Geraldo Ataliba, Lafayette Ponde, Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Zanella di Pietro, o Poder Público, ao instituir fundações públicas, tanto pode dar-lhe personalidade de direito privado quanto de direito público. Por esse entendimento, as fundações públicas de natureza de direito público são caracterizadas como verdadeiras autarquias, razão porque são denominadas, algumas vezes, de fundações autárquicas ou autarquias fundacionais. Esta é a posição dominante, a adotada pelo STF e por isso acolhida por nós para tentar esclarecer tão debatida questão.


c) A terceira corrente, minoritária, defende que, após a promulgação da Carta Magna de 1988, o Poder Público somente poderia instituir fundações de direito público.


Ora, observa-se que o Estado pode criar e instituir tanto fundação de direito público como de direito privado, para, por intermédio delas, oferecer aos cidadãos os serviços que julgar úteis e necessários ao bem-estar e ao desenvolvimento da sociedade.


A rigor, o instituto “fundação” sempre esteve na órbita do direito privado, consoante o disposto no artigo 11 da Lei de Introdução ao Código Civil, no artigo 16 do velho Código Civil, nos artigos 62 a 69 do novo Código Civil e nos artigos 1199 a 1204 do Código de Processo Civil. Entretanto, apesar da normatização legal, uma enorme celeuma jurídica afligiu inúmeros respeitáveis doutrinadores, tanto do direito privado como do direito público, quando o Poder Público começou a utilizar-se de um instituto do direito privado, o ente “fundacional”, para realizar as mais variadas ações institucionais. Aí começou a discussão: são públicas ou privadas, estatais ou públicas?


Esta celeuma refletiu-se também nas decisões do nosso judiciário e por isso é pertinente, neste momento, mostrar uma ementa de decisão em Recurso Extraordinário, onde o STF reformou a decisão do STJ:


“Fundação Pública – Autarquia – Justiça Federal.


1. A Fundação Nacional de Saúde, que é mantida por recursos orçamentários oficiais da União e por ela instituída, é entidade de direito público.


2. Conflito de competência entre justiça Comum e a Federal. Artigo 109, I, da Constituição Federal. Compete à Justiça Federal processar e julgar ação em que figura como parte a fundação pública, tendo em vista sua natureza jurídica conceitual assemelhar-se, em sua origem, às autarquias.


3. Ainda que o art. 109, I da CF não se refira expressamente às fundações, o entendimento desta Corte é o de que a finalidade, a origem dos recursos e o regime administrativo de tutela absoluta a que, por lei, estão sujeitas, fazem delas espécie do gênero autarquia.


4. Recurso extraordinário conhecido e provido para declarar a competência da Justiça Federal”.


O Professor Diogo Freitas do Amaral, lecionando, assegurava sobre a figura das fundações públicas, como instituto autônomo, ao lado das fundações de direito privado destacando que:


“Damos por conhecido o conceito de fundação. Acrescentar-se-á apenas que a fundação pública é uma fundação que se reveste da natureza de pessoa colectiva pública. Enquanto a generalidade das fundações são pessoas colectivas privadas, reguladas pelo Código Civil, há umas quantas fundações, que são pessoas colectivas públicas, reguladas pelo direito Administrativo. Trata-se, portanto, de patrimônios que são afectados à prossecução de fins públicos especiais”. (AMARAL, Diogo Freitas.Curso de Direito Administrativo. Coimbra, 1986: Almedina)


No direito brasileiro as fundações de direito público já eram mencionadas por clássicos como J. M. de Carvalho Santos que, inclusive, destacava que o Estado


“mantém diferentes organizações de difícil enquadramento no sistema legal, compreendendo diferentes espécies de pessoas jurídicas de Direito Administrativo.”(CARVALHO SANTOS,J M.Repertório Enciclopédico de Direito Brasileiro, vol.XXIII. Rio de Janeiro, 1947: Borsoi, p.225)


Essas divergências seriam adensadas, com a entrada em vigor do decreto-lei 200/67 e, sobretudo, com sua alteração pelo decreto-lei 900/69. Esse último tido como relevante por boa parcela da doutrina, como evidência da adoção da tese da inexistência de fundações de direito público no direito brasileiro.


De um lado, autores como Manoel Oliveira Franco Sobrinho afirmavam que:


“Fundações como públicas inexistem. A pessoa jurídica chamada fundação não há como forçar argumentos que se perdem na abstração sejam quais sejam os seus fins específicos, somente poderão ser de direito privado, porque assim está institucionalizado e consagrado pelo direito positivo.“(FRANCO SOBRINHO, Manoel Oliveira. Fundações e Empresas Públicas. São Paulo, 1972:Revista dos Tribunais, p.11)


Por outro lado, autores como José Cretella Junior procuravam demonstrar a existência das fundações de direito público, que:


“partindo-se da categoria jurídica da fundação-patrimônio personalizado dirigido a um fim atingem-se as das modalidades paralelas e inconfundíveis, a fundação de direito privado (patrimônio privado, personalizado pelo registro, afetado a fins particulares) e a fundação de direito público (patrimônio público personalizado pela lei e afetado a fins de interesse público) realidades absolutamente inconfundíveis, o que se verifica pela compreensão rigorosa entre os respectivos regimes jurídicos, levando-se em conta uma a uma todas as conotações … uma pessoa jurídica administrativa, de substrato patrimonial estatal, criada por lei, regida pelo direito administrativo, que não pode auto-desfazer-se, que edita atos administrativos, sujeitas à tutela da entidade matriz criadora, que não pode receber liberações que importem em desvio de finalidade, cujas contas são fiscalizadas pelo Tribunal de Contas, de modo algum pode identificar-se como uma fundação de direito privado.”(CRETELLA JUNIOR, José. Fundação de Direito Público. São Paulo, 1976:Forense, p.92)


Admitir apenas a fundação privada é aceitar o primado do direito civil, promovendo-o por antiguidade, à matriz mesma da ciência jurídica, ramo-fonte do direito do qual derivam os demais. Errôneo, ainda, seria admitir a fundação de direito público, filiando-se à fundação de direito privado, quando entre os dois institutos a relação que existe não é de matriz para filial, não é a de gênero para a espécie, mas sim, a identidade de irmãs paralelas, a fundação privada mais velha, a fundação pública, irmã caçula.


A matéria viria a ser, paulatinamente, pacificada a partir da predominância dessa última posição, sendo marcante para tal a argumentação de Celso Antônio Bandeira de Mello, quando aquele autor, após aprofundado exame da doutrina sobre a matéria, ressaltava o equívoco em rotular-se um instituto pela denominação dada e de se supor que a fundação seria um instituto próprio do direito privado e não da teoria geral do direito. Admitiu aquele jurista que o Estado participasse da criação, instituição e manutenção de fundação de direito privado, não se confundindo essa hipótese com a de criação de fundações para o exercício de atividades típicas, com titularidade de competências estatais, sendo essas, evidentemente de direito público, espécies do gênero autarquia. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Natureza e Regime Jurídico das Autarquias. São Paulo, 1968: RT, p.363 e ss.)


A jurisprudência, por sua vez, também evoluiu no sentido da aceitação e reconhecimento da publicização desses entes fundacionais, conforme se observa na decisão da Quarta Turma do TRF da 4ª Região:


“Processual Civil. Ausência de duplo grau de Jurisdição. Fundação de Direito Público. Nulidade Afastada.


1. As fundações instituídas pelo poder público, que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem ao regime administrativo, devem, obrigatoriamente, ser consideradas fundações de direito público, que integram o gênero das autarquias.


2. Hipótese não enquadrável no Art-475 do CPC, dispensando o duplo grau de jurisdição”


E ainda:


“Preparo – Fundação pública – Isenção – CPC, art.


1. As fundações de direito público, instituídas pelo poder público para a satisfação de uma finalidade do Estado, submissa ao regime do Direito Administrativo, equiparam-se às autarquias, gozando dos privilégios processuais outorgados à Fazenda Pública, como dilação de prazo, na forma do artigo 188, do CPC e isenção e custas processuais, como disposto no artigo 511, do mesmo estatuto processual.”


Pode-se afirmar que o STF apresentou várias fases interpretativas em relação a essa questão. Primeiramente adotou a tese privatista de Hely Lopes Meirelles e outros. Posteriormente, aquela Corte passou a aceitar a tese da existência das fundações de direito público, entendendo que aquelas que assumiam a gestão de serviços públicos seriam enquadráveis como espécie do gênero autarquia. Nesse sentido, dentre outros o Recurso Extraordinário 101.126, de 24 de outubro de 1984, que teve como relator o Ministro Moreira Alves, com a seguinte Ementa:


“Nem toda Fundação instituída pelo Poder Público é Fundação de Direito Privado. As Fundações instituídas pelo Poder Público que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo previsto, nos Estados-membros, por leis estaduais, são Fundações de direito público e, portanto, pessoas jurídicas de direito público. Tais Fundações são espécies do gênero autarquia, aplicando-se a elas a vedação a que alude o parágrafo 2º , do art. 99, da Constituição Federal.”


Também, no mesmo sentido, o Conflito de Jurisdição 6.566 – Relator Aldir Passarinho, no qual esse, em seu voto condutor, destacou:


“… as Fundações instituídas pelo Poder Publico, que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo previsto, nos estados membros, por leis estaduais, são fundações de direito público que integram o gênero autarquia. O mesmo obviamente ocorre em relação a fundações que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo no âmbito da União por leis federais.”


Essa tendência jurisprudencial, juntamente com os novos textos legais e com a postura doutrinária publicista, influenciou decisivamente a Carta de 1988, que consagrou a figura da fundação de direito público, várias vezes referenciada em seu texto, inclusive, expressamente constando a expressão “administração fundacional” no texto original do caput do art.37. É sabido que a redação desse dispositivo foi alterada pela EC n°19/98 que suprimiu a referencia fundacional, não devendo, entretanto, tal ser entendida como afastamento das fundações públicas do elenco de entes da Administração pública, mas sim de mera supressão de um equívoco, pois ao referir-se o citado caput do art. 37 à administração indireta estaria a alcançar aquele tipo de pessoa jurídica.


Com o advento da Constituição Federal de 1988 a discussão arrefeceu, vez que a fundação pública é uma realidade. Houve uma preocupação do constituinte, nos vários dispositivos em que se referiu à administração indireta, em fazer expressa referência às fundações. Exemplo disso é o que rezava o artigo 39 da CF/88 em seu texto original:


Art. 39: A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.


Ademais, nota-se que a Constituição, em sua redação original, fazia distinção entre fundações públicas e privadas. Em certos dispositivos, falava, genericamente, em administração fundacional ou em fundação instituída ou mantida pelo poder público (arts. 22, XXVII, 37, caput e inciso XVII, 71, II e III, 150, VI, a, 163, II, 165, §5°, e 169, parágrafo único).


Com a Emenda Constitucional n° 19/98, muitos desses dispositivos foram alterados, não mencionando mais a expressão fundação pública. Todavia, isto não significou que não possam ser instituídas fundações com personalidade de direito público. Pelo contrário, a opção continua a ser do poder público que, ao instituir uma fundação, poderá outorgar-lhe personalidade de direito público, igual à da autarquia, ou personalidade de direito privado.


De qualquer forma, como a Constituição não faz distinção quanto à personalidade jurídica, tem-se que entender que todos os seus dispositivos que se referem às fundações abrangem todas, independentemente da personalidade jurídica, pública ou privada.


A nosso ver, com a devida vênia, a existência, após a Constituição Federal de 1988, de fundações públicas de direito público, é notória e não há mais o que discutir a respeito. Contudo, para analisarmos uma fundação criada pelo Poder Público, é necessário que tenhamos algumas informações adicionais específicas, para desvendarmos sua natureza jurídica e o seu modelo de gerenciamento. Tudo depende, em regra, de seus atos constitutivos.


 Não basta apenas o Poder Público instituir uma fundação, por mera liberalidade, para que a mesma faça parte do ordenamento jurídico público. A bem da verdade, a Constituição Federal de 1988, com a introdução da Emenda Constitucional 19/98, apenas deixou claro que podem existir fundações instituídas pelo Estado. O fato de o Poder Público instituir fundações antes da Carta Magna de 1988, não estatiza tais fundações a ponto de serem consideradas fundações de direito público. A realidade de o ente instituidor ser “pessoa jurídica de direito público”, não significa, necessariamente, que a fundação será regida pelo direito público.


Assim, o poder público (Federal, Estadual e Municipal) pode a qualquer tempo fazer nascer um ente fundacional que terá natureza pública ou privada, criando autarquias fundacionais ou fundações paraestatais. A lei é que permitirá sua instituição, suas peculiaridades e, especialmente, o regime jurídico a elas dispensado, possibilitando identificar a natureza jurídica dessas pessoas.


É necessário enfocar de forma mais pragmática, mais aprofundada, tanto a realidade como a legislação. Para que tenhamos uma fundação pública de direito público, é mister que o poder público, que a instituiu, assuma de fato a sua manutenção e que ela dependa de dotações orçamentárias para sobreviver, assumindo a gestão de serviço estatal sob a direção do poder instituidor.


Nesse mesmo sentido, em seu artigo “Fundações Públicas e a Nova Constituição”, o ilustre professor Edmir Neto de Araújo enfrentando o tema, esclareceu:


“ As fundações de direito público, sujeitas ao regime de direito público, e que também se denominam autarquias fundacionais, só podem ser instituídas pelo Poder Público, e são criadas por lei. As fundações de direito privado podem ser instituídas pelo particular, por escritura pública registrada, ou pelo Poder Público, neste caso autorizadas por lei (autorização necessária por envolver disponibilidade de patrimônio e recursos de origem pública), mas também através do registro de escritura pública de instituição no cartório competente. A diferença é flagrante: as autarquias ( fundações públicas ou corporações) ingressam no mundo jurídico a partir da promulgação da lei que as cria, não sendo necessário qualquer ato notorial ou de registro para que, de imediato, passem a existir, com personalidade jurídica própria; as fundações de direito privado, mesmo instituídas pelo Poder Público, adentram o mundo jurídico a partir do registro dos seus atos constitutivos (escritura de instituição e constituição) no cartório competente, e não a partir da lei que autoriza sua instituição. Só então adquirem personalidade jurídica e capacidade obrigacional. (NETO DE ARAÚJO, Edmir. As Fundações Pùblicas e a Nova Constituição, Revista da Procuradoria Geral do Estado, dezembro de 1989, páginas 179/192)


Não se deve, entretanto, afirmar que o Estado não possa participar, devidamente autorizado por lei, da instituição ou manutenção de alguma Fundação de direito privado que exerça atividade de interesse público.


Logo, a finalidade do ente fundacional instituído, seu regime jurídico, a natureza e a forma de dotação de seu patrimônio, autoridades públicas que intervieram no ato da criação, o processo de aquisição da personalidade jurídica, ser ou não, após o nascimento, uma longa manus do poder instituidor, é que determinará a natureza da fundação, tornando possível afirmar ser ela governamental de direito público ou de direito privado.


A existência das fundações públicas é aceita pelos principais ordenamentos jurídicos, normalmente tidos como referenciais para as construções jurídicas brasileiras e por seus doutrinadores.


4. Classificação


Procurar estabelecer uma classificação para fundações é de grande importância não só doutrinária, como prática. De fato e de direito, fundação é uma pessoa jurídica de tipo especial, pois resulta de uma construção da técnica jurídica altamente valiosa para a realização de fins socialmente úteis.


As pessoas físicas, as pessoas jurídicas e o próprio Estado juridicamente organizado, desde muito, aperceberam-se de que atribuir personalidade a um conjunto de bens destinados à realização de uma finalidade é realmente um recurso técnico indispensável para que uma obra possa sobreviver ao seu criador, como ter independência necessária para conduzir seus próprios destinos.


Atendendo a essas noções iniciais, e considerando ab initio que as fundações nasceram sob a inspiração do direito privado, mas que o Estado, dentro de sua obrigação maior de oferecer e propiciar aos cidadãos quaisquer serviços que sejam úteis, tornou possível que existam, hoje, as fundações públicas, ou seja, aquelas instituídas pelo poder público com patrimônio, total ou parcialmente público, dotado de personalidade jurídica, de direito público ou privado, e destinadas, por lei, ao desempenho de atividades do Estado na ordem social, com capacidade de auto-administração e mediante controle da Administração Pública, nos limites da lei.


Logo, diante da conceituação do que seja fundação pública já exposta mais acima e também de toda análise sobre a sua natureza jurídica, podemos classificá-la em:


· Fundação pública de direito público


· Fundação pública do direito privado


5. Fundação pública de direito público


Vimos, no item anterior, que o poder público pode fazer nascer entidades fundacionais nos dois ramos do direito, possíveis para a espécie ( público ou privado), bastando para isto que não se afaste da premissa maior do “patrimônio personalizado e dirigido a um fim”, vez que não é possível fundação vazia, sem patrimônio, quer esteja inserido no direito público, quer no direito privado.


O estado passou, cada vez mais, a prestar serviços aos administrados, ora corretamente, ora com um certo desvio de finalidade embasado no exagero em tentar tudo resolver. Desta forma, tornou-se imperativo que ocorresse a descentralização do poder central, deslocando numerosas atividades para pessoas jurídicas de direito público ou privado.


Desde a década de sessenta, por necessidade do poder público federal, nasceram várias fundações com o objetivo de auxiliar a administração pública centralizada.


Inicialmente, os fundamentos para o nascimento da fundações passavam pela excessiva burocracia do poder público que, com o novo ente, tinha a possibilidade de equiparar-se às entidades de direito privado e racionalizar todas verbas públicas destinadas para a ciência, cultura e assistência social.


Surgiu, então a descentralização com a transferência de atribuições do poder público central para diversos entes jurídicos.


De início, começaram a nascer as autarquias com pequena autonomia administrativa e financeira, descentralizando a Administração Pública certas atividades que, por serem especiais, mereciam uma maior especialização, possibilitando a persecução dos objetivos nos moldes da iniciativa privada, sem os empecilhos das verbas vinculadas, funcionários públicos estatutários, etc.


Com o passar dos anos, percebeu-se um erro primário no ente projetado, demonstrando as autarquias os mesmos entraves burocráticos da administração pública, pois, sendo longa manus do poder central, tinham as mesmas restrições deste, quer com relação ao controle, quer quanto à fiscalização de suas ações.


Não resolvida a questão, e especialmente para a consecução de objetivos nas áreas científicas e cultural, onde o Estado se mostrava impotente para a resolução dos problemas, pensou-se no modelo fundação, inserida inteiramente do direito privado, sem os inconvenientes das autarquias até então criadas.


Assim, a fim de conseguir maior elasticidade, por meio da autonomia administrativa e financeira, visando atingir níveis de eficiência comparáveis ao da iniciativa privada, pensou o poder público na criação de fundações insertas no direito privado: nasceram as fundações paraestatais.


Como as fundações governamentais privadas passaram dia a dia a agir por conta própria (era de se supor que o ente privado se desgarraria de vez do público), dando pouca ou nenhuma satisfação com relação aos gastos e contratações ao poder instituidor, pensou-se numa fórmula que possibilitaria um maior controle sobre o ente fundacional criado e seus dirigentes.


Para se evitarem abusos de gestão em certas áreas específicas, para se ter maior transparência administrativa com maior controle do poder central instituidor, foram criadas as fundações autárquicas, obviamente dentro do direito público.


Em relação às fundações de direito público, predomina na doutrina a tese que essas seriam espécie do gênero autarquia. É expressão dessa corrente Celso Antônio Bandeira de Mello, que defende:


“Em rigor as chamadas fundações públicas são pura e simplesmente autarquias às quais foi dado a designação correspondente à base estrutural que têm. É que, como se sabe, as pessoas jurídicas sejam elas de direito público, sejam de direito privado, são classificáveis em dois tipos, no que concerne ao “substracto básico” sobre que assentam: pessoas de base corporativa (corporações, associações, sociedades) e pessoas de base fundacional (Fundações). Enquanto as primeiras tomam como substrato uma associação de pessoas, o substrato das segundas é, como habitualmente se diz, um patrimônio personalizado ou, como mais corretamente dever-se-ia dizer, a personalização de uma finalidade. …a Constituição referiu-se às Fundações Públicas em paralelismo com as Autarquias, portanto, como se fossem realidades distintas porque, simplesmente existem estes nomes diversos, utilizados no direito brasileiro para nominar pessoas estatais. Seus objetivos foram pragmáticos. Colhê-las seguramente nas dicções a elas reportadas, prevenindo que, em razão de discussões doutrinárias e interpretações divergentes pudessem ficar à margem dos dispositivos que as pretendiam alcançar.” (.BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito administrativo. São Paulo: Editora Malheiros, 2002, 14ª edição, pág 160-163.)


José Cretella Junior, ao analisar a possibilidade da existência da fundação pública assim se expressa:


“Desse modo, como em outras ocasiões o fizemos, a fundação de direito público pode ser definida como pessoa jurídica de direito público interno, de índole exclusivamente administrativa, criada pelo Estado, constituída de substrato patrimonial instituído pela entidade matriz criadora, para que o novo ente persiga os fins específicos que tem em mira, informada por princípios publicísticos, derrogativos e exorbitantes do direito comum”. (CRETELLA JUNIOR, José. Fundação de Direito Público. São Paulo, 1976:Forense, p.30e 31 e 68/69)


5.1 Características


É válido ressaltar, que sendo a fundação pública de direito público uma espécie de autarquia, receberão o influxo das mesmas prerrogativas e especificidades atribuídas àquela categoria de pessoas administrativas.


Diante de todas as análises e diferenciações já feitas ao longo deste trabalho, algumas características das fundações governamentais de direito público já foram apontadas. Todavia, para efeitos didáticos e para melhor ressaltar cada uma delas, iremos abordá-las em separado.


5.2 Finalidade


As fundações foram inspiradas pela intenção do instituidor de dotar bens para a formação de um patrimônio destinado a atividades pias, sociais e beneficentes. Desse modo, é de se reconhecer que tal objetivo não pode comportar o intuito de obtenção de lucros, próprio das sociedades civis e comerciais.


As fundações são entidades sem fins lucrativos e se, em sua atividade, houver valores que ultrapassem os custos de execução, tais valores não se configurarão tipicamente como lucro, mas sim como superávit, necessário ao pagamento de novos custos operacionais, sempre com o intuito de melhorar o atendimento dos fins sociais. Nelas, portanto, o aspecto social está acima do fator econômico.


A definição legal das fundações, contida no art. 5°, inc.IV, do Decreto-lei 200/67, indica expressamente a característica de fins não lucrativos. Mesmo o referido artigo mencionar apenas as fundações públicas com personalidade de direito privado, aplica-se também ás fundações autárquicas, já que idênticos os objetivos de ambas as categorias.


5.3 Criação e extinção


Sendo a fundação pública de natureza autárquica, ou seja, de direito público, a regra a ser aplicada é a mesma que incide sobre as autarquias, vale dizer, a própria lei dá nascimento à entidade, porque essa é a regra adotada para o nascimento da personalidade jurídica de pessoas jurídicas de direito público.


Ao contrário da fundação paraestatal (instituída por escritura pública), onde há a necessidade do registro no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas, a fundação autárquica dispensa tal formalidade, vez que a própria lei instituidora cria, dar publicidade e confere personalidade jurídica para o novo ente.


Assim, além da necessidade de uma primeira lei para lhe dar existência jurídica juntamente com dotação patrimonial, requer ainda a fundação autárquica uma segunda lei que estabelece regra abrangente a ser seguida pelos futuros administradores. Independendo de escritura pública, necessitará de um estatuto também aprovado por lei, dando o legislativo o rumo adequado que pretende imprimir à nova entidade jurídica de direito público.


A fundação autárquica, que nasce obrigatoriamente em decorrência de lei, pelo princípio do paralelismo das formas, só pode extinguir-se também por disposição de outra lei que determine os motivos de sua morte jurídica. Sua personalidade jurídica nasce da lei que acabará por lhe dar existência jurídica independentemente de qualquer registro no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas. Logo, nascendo a fundação autárquica através de lei, só pode desaparecer do mundo jurídico através de outra lei.


5.4 Regime jurídico


As fundações públicas de direito público não se distinguem, nesse particular, como já cometamos anteriormente, das autarquias: sujeitam-se ao regime de direito público. Em conseqüência, estarão descartadas as normas de direito privado reguladoras das fundações particulares.


Por serem pessoas jurídicas de direito público e mesmo longa manus do próprio Estado, as fundações autárquicas mantêm o traço e privilégios do poder público central. Como exemplo, podemos mencionar a presunção de veracidade e a executoriedade dos seus atos administrativos.


Vale salientar, que a fundação autárquica sendo pessoa jurídica de direito público, traz consigo o poder de império próprio do poder público. É de se destacar também o poder de polícia a dar suporte à execução de seus atos, em tudo idênticos aos atos administrativos.


Pode-se concluir que as fundações autárquicas fazem jus às mesmas prerrogativas que a ordem jurídica atribui às autarquias, tanto de direito substantivo, como de direito processual. Ademais, possui privilégios tributários, não incidindo impostos sobre a sua renda, o seu patrimônio e os seus serviços, gozam da prescrição qüinqüenal de suas dívidas passivas, além de sujeitarem-se ao duplo grau as sentenças que lhes forem desfavoráveis.


Em resumo, usufruem dos privilégios e prerrogativas e sujeitam-se às mesmas restrições que, em conjunto, compõem o regime administrativo aplicável às pessoas jurídicas públicas.


5.5 Patrimônio


Da mesma forma que as autarquias, os bens do patrimônio das fundações públicas de direito público são caracterizados como bens públicos, protegidos por todas as prerrogativas que o ordenamento jurídico contempla. Como exemplo, podemos citar a impenhorabilidade de seus bens.


5.6 Pessoal


Em relação às fundações autárquicas, o regime jurídico do pessoal, anteriormente, deveria ser o mesmo adotado para os servidores da Administração Direta e das próprias autarquias, como dispunha o art. 39 da CF, em sua antiga redação, o qual previa o chamado regime jurídico único.


Com a extinção desse regime, ocorrida com o advento da EC n.° 19/98, desapareceu essa exigência, de modo que o regime de pessoal para tais entidades há de ser o que a pessoa federativa tiver estabelecido através da respectiva legislação. Em conseqüência, poderá ser adotado tanto o regime estatutário como o trabalhista, a exemplo, aliás, do que poderá ocorrer com a própria Administração direta e suas autarquias.


5.7 Controle


A fundação autárquica pode sofrer controle do próprio poder instituidor, do poder legislativo respectivo, com o auxílio do Tribunal de Contas e do Ministério Público (a depender de cada lei orgânica do Ministério Público em cada Estado), em especial com relação à finalidade e ao aspecto formal estatutário.


O controle institucional que é feito pela própria Administração Pública pode ser exercido sob três prismas:


I) o controle político, que decorre da relação de confiança entre os órgãos de controle e os dirigentes da entidade controlada;


II) o controle administrativo, pelo qual a Administração Direta fiscaliza se a fundação está desenvolvendo atividade consoante com os fins para os quais foi instituída; e


III) controle financeiro, exercido pelo Tribunal de Contas, tendo a entidade o encargo de oferecer sua prestação de contas para apreciação por aquele Colegiado.


No caso do controle feito pelo Ministério Público, muitos autores afirmam ser dispensável essa fiscalização, visto que o controle finalístico já é feito pela Administração Pública, havendo, por conseqüência uma duplicidade de controle para os mesmos fins. Todavia, com base no artigo 127 da CF, se estabelece a competência fiscalizadora do Ministério Público e a mesma se estende às fundações autárquicas.


O controle judicial dos atos das fundações públicas de direito público pode se dar tanto nos atos de direito privado, como nos atos administrativos. No primeiro caso, o controle judicial se dará pelas vias comuns, ao passo que neste último poderá o controle ser exercido pelas vias específicas, como o mandado de segurança e a ação popular.


5.8 Foro dos litígios


No que concerne às fundações públicas com personalidade de direito público, a competência de foro para os litígios judiciais segue as regras fixadas para as autarquias.


Tratando-se de fundação de direito público federal, seus litígios são dirimidos na Justiça Federal, inclusive aqueles que decorrem da relação estatutária entre a fundação e seus servidores. As fundações estaduais e municipais terão seus feitos processados no foro fixado no código de organização judiciário do Estado.


5.9 Atos e contratos


Como as fundações de direito público são espécie do gênero autarquia, as manifestações de vontade de seus agentes se formalizam, normalmente, por atos administrativos, regulados basicamente por regras especiais de direito público.


Poderão, contudo, ser praticados atos de natureza privada e, nesse caso, se sujeitarão às normas do direito civil ou comercial.


Seus contratos também se caracterizam como administrativos, razão pela qual incide a disciplina da Lei n° 8.666/93, inclusive quanto à obrigatoriedade de licitação prévia.


5.10 Responsabilidade civil


A questão da responsabilidade civil se aplica às duas modalidades de fundação pública. De acordo com o art. 37, §6°, da CF, são civilmente responsáveis por atos de seus agentes tanto as pessoas jurídicas de direito público como as pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Sujeitam-se, portanto, à responsabilidade objetiva.


A responsabilidade das fundações é primária, ou seja, elas é que devem, em princípio, responder pelos prejuízos que seus agentes causem a terceiros. A pessoa estatal instituidora tem responsabilidade subsidiária, vale dizer, só se torna responsável se e quando a fundação for incapaz de reparar integralmente os prejuízos.


Salientamos, por derradeiro, que terá que haver o socorro do Estado em casos de pré-insolvência. Dissemos “pré”, porque fundação autárquica jamais fica insolvente por inteiro, bem como não pode ser decretada a sua quebra. 


6. Fundação pública de direito privado


Este tipo de fundação surgiu quando o Poder Público buscou na legislação civil a figura das fundações, como alternativa para dotar determinados serviços seus de uma verdadeira autonomia administrativa e financeira, posto que as autarquias, mesmo após a Constituição Federal de 1988, não conseguia alcançar tal fim.


Como já visto, para nomes expoentes da doutrina, as fundações públicas têm sempre personalidade jurídica de Direito Privado, inerente a este tipo de pessoas jurídicas. Uma das argumentações mais fortemente solicitadas é a da analogia com as sociedades de economia mista e as empresas públicas, também criadas pelo Estado e que, sem dúvidas, têm personalidade jurídica de Direito Privado.


Marya Silva Di Pietro, renomada administrativista, corrobora esse posicionamento ao afirmar que:


 “a posição da fundação governamental privada perante o poder público é a mesma das sociedades de economia mista e empresas públicas; todas elas são entidades públicas com personalidade jurídica de direito privado, pois todas elas são instrumentos de ação do estado para a consecução dos seus fins”.


O saudoso HELY LOPES MEIRELLES, conforme já dito neste trabalho, definia como uma contradictio in terminis expressões como “autarquias fundacionais” ou fundações públicas.


 Também compartilha da premissa o festejado José dos Santos Carvalho Filho para quem “sempre nos pareceu mais lógico e coerente o pensamento de Hely Lopes”. Nem mesmo o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, na já citada decisão referente à Fundação Nacional de Saúde, convence o autor. Na obra, são combatidas com veemência as distinções elencadas pelo órgão superior entre as fundações governamentais de Direito Público e as fundações governamentais de Direito Privado, a saber:


1 – desempenho de serviço estatal“é frágil, pois ambas exercem atividade qualificada como serviço público;


2 – regime administrativo“o regime administrativo não é causa da distinção, mas efeito dela;


3 – finalidade – “é rigorosamente a mesma para ambas”; e


4 – origem dos recursos – “admite-se que serão fundações estatais de Direito Público aquelas cujos recursos tiverem previsão própria no orçamento da pessoa federativa e que, por isso mesmo, sejam mantidas por tais verbas, ao passo que de direito privado serão aquelas que sobreviverem basicamente com as rendas dos serviços que prestem e com outras rendas e doações de terceiros”.


O Autor Gustavo Saad Diniz, eu seu Direito das Fundações PrivadasTeoria Geral e Exercício das Atividades Econômicas, prefere não polemizar como os colegas e define, objetivamente, tais fundações como “para-administrativas”, “paragovernamentais” ou “de cooperação”:


“Caracterizam tercium genus por apresentarem peculiaridades de participação do Poder Público em entidade privada. Regem-se pelas disposições civis genéricas, mas também têm complementação de normas publicísiticas.


Os estudiosos apontam a Lei n.º 7.596/87 como marco na caracterização da fundação pública como entidade de direito privado, ao alterar, quanto as Fundações, o Decreto Lei n.º 200/67, e revogar dispositivos do Decreto-Lei n.º 900/69.


Com propriedade, o Procurador do Ministério Público de Minas Gerais, o promotor Tomaz de Aquino Resende, à frente de velar as fundações no estado em que há maior profusão desses institutos no Brasil, adverte em sua obra “Roteiro do Terceiro Setor”, que é “impossível, sem a análise do caso específico, determinar se uma fundação é pública ou privada, embora sendo ambas instituídas ou mantidas com recursos públicos”.


6.1 Características


Parece melhor aceitar que, embora possam ter maior semelhança com as autarquias, as fundações criadas nas últimas décadas, são como uma nova forma de descentralização por serviço.


E assim, enfrentamos a questão para destacar alguns pontos que melhor definem as fundações públicas de Direito Privado, conforme já o fizemos com as fundações públicas de Direito Público, no item anterior.


6.2 Finalidade


Não há distinção quanto aos objetivos a serem alcançados pelas fundações públicas, sejam elas de Direito Público ou de Direito Privado. Em ambos os casos, a finalidade de prestar serviços públicos, quer de ordem assistencial, moral ou demais que busquem a Paz Social, tendo como características básicas a figura do instituidor; o fim social da entidade; e a ausência de fins lucrativos.


6.3 Criação e extinção


As fundações públicas de Direito Privado necessitam apenas de autorização da Lei para a sua criação. A personalidade é adquirida com a inscrição da escritura pública de sua constituição no Registro Civil de Pessoas Jurídicas. São, pois, atos diversos: a Lei autoriza a criação, ao passo que o ato de registro é que dá início a sua personalidade jurídica.


“Basta uma única Lei a autorizar o nascimento, com vinculação patrimonial que o Executivo se encarregará de completar a formalização do futuro ente paraestatal regulamento-o por decreto, no qual, inclusive, designará quem deva, por delegação governamental, comparecer ao Tabelião de Notas para lavrar a escritura pública de fundação privada do Direito Civil, criada pelo Poder Público”, ensina Edson José Rafael, em Fundações e Direito – 3º Setor.


O mesmo raciocínio deve se aplicar quanto à extinção. A Lei “apenas” autorizará a extinção das fundações públicas de Direito Privado.


6.4 Regime jurídico


Reside grande conflito nesta questão. Ao tempo em que José dos Santos Carvalho Filho entende que o regime jurídico aplicável sobre as fundações públicas de Direito Privado tem caráter híbrido, isto é, em parte recebem o influxo de normas de Direito Privado e noutra parte incidem normas de Direito Público, Tomáz de Aquino Resende dispara:


 “(…) cometem alguns a heresia de dizer que tais pessoas têm uma personalidade jurídica mista – meio pública, meio privada. Tal absurdo provavelmente advém da grande confusão perpetrada por administradores e legisladores das inúmeras pessoas jurídicas que convivem com tais situações”.


6.5 Patrimônio


As fundações públicas de direito privado têm seus patrimônios constituídos de bens privados, incumbindo sua gestão aos órgãos dirigentes da entidade na forma definida no respectivo estatuto. Somente se houver na Lei autorizadora restrições e impedimentos quanto à gestão dos bens fundacionais, é que os órgãos dirigentes deverão obedecer.


Fora dessa hipótese, o poder de gestão é da própria fundação, cabendo, no caso, de desvio de finalidade, a responsabilização civil e criminal dos responsáveis.


6.6 Pessoal


Deve sujeitar-se ao regime trabalhista comum, traçado na CLT. Sendo de natureza privada tais entidades, não teria sentido que seus servidores fossem estatutários.


Na verdade, haveria incompatibilidade, haja vista que o regime estatutário, com seu sistema de cargos e carreiras, é adequado para pessoas de Direito Público, como é o caso das autarquias e das fundações autárquicas.


A despeito do regime trabalhista, aplicam-se aos empregados dessas fundações as restrições de nível constitucional, como, por exemplo, a vedação à acumulação de cargos e empregos (art. 37, XVII) e a necessidade de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos antes da contratação dos empregados (art. 37, II).


6.7 Controle


Submetem-se a um controle administrativo exercido diretamente pela entidade que a instituiu, controle este que abrange os atos de seu dirigente e sua gestão financeira. Ou seja: a regra será que pratique atos de natureza privada, controláveis pelas vias processuais comuns.


Existe a corrente, entretanto, que defende o controle administrativo, quando praticar ato no exercício de função delegada do Poder Público.


“As fundações paraestatais deverão ser fiscalizadas pelo Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas respectivo, exclusivamente com relações a verbas e subvenções públicas que ingressarem nelas”, afirma José Édson Rafael, em já citada obra.


6.8 Foro dos litígios


A posição do festejado autor José dos Santos Carvalho Filho é de que:


“Seja qual for a esfera a que esteja vinculada, a regra de foro é a comum para as pessoas privadas, ou seja, a Justiça Estadual”. (…) e, “como o pessoal dessas fundações deve reger-se pela lei trabalhista, será competente a Justiça do Trabalho para dirimir os conflitos dessa natureza”.


José Eduardo Sabo Paes acrescenta:


“o juízo é privativo na esfera estadual, condicionado à previsão do Código Judiciário ou Lei de Organização Judicária do Estado”.


6.9 Atos e contratos


Conforme se depreende dos estudos até este ponto do trabalho, seriam considerados atos válidos de direito privado os praticados pelas fundações em tela. Só serão considerados atos administrativos aqueles praticados no exercício de função delegada do Poder Público.


Em relação aos contratos, deveriam eles celebrar ajustes regulados pelo direito privado, tal como ocorre com as demais pessoas privadas.


Entretanto, o art. 1º, parágrafo único da Lei 8.666/93 determinou sua aplicação também às fundações públicas, sem fazer qualquer distinção sobre a natureza dessas entidades. Assim sendo, não só se obrigam a realizar licitação, como também têm seus contratos regidos pelas respectivas normas daquele diploma.


Há, ainda, a possibilidade de contratação direta com o poder público, sem licitação, na hipótese prevista no art. 24, inc. XIII.


6.10 Responsabilidade civil


A questão foi enfrentada no Capítulo anterior, quando foi declinado que a responsabilidade civil aplica-se aos dois tipos de fundação. Assim, são civilmente responsáveis por atos de seus agentes tanto as pessoas jurídicas de direito público como as pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos.


7. Conclusão


As discussões sobre a natureza jurídica das Fundações Públicas revelam uma incompetência estatal no trato com a confecção de leis concernentes ao tema. Ora, se as autarquias foram criadas com o objetivo de tornar o Poder Público mais flexível e ágil para a consecução dos seus fins, para que, então, a iniciativa de se criar Fundações, instituto originariamente do Direito Civil?


Acerta José Édson Rafael:


“Muitas vezes, por erro de legislador, há verdadeira mescla entre as fundações governamentais, sendo difícil, por culpa exclusiva da Administração Pública, distinguir perfeitamente dentre as fundações governamentais quais delas possuem, clara e transparentemente, natureza pública ou privada”.


Depreende-se que as normas criadas pelo legislativo com tal escopo não foram perfeitamente integradas ao próprio ordenamento jurídico pátrio, o que impediu estes novos institutos de se liberarem das amarras a que ainda se encontram submetidos.


Um dos bons exemplos são as universidades públicas, autarquias criadas por Lei, mas que não conseguem desenvolver seus objetivos, necessitando para isso, recorrer às chamadas fundações de apoio. Mas este é um outro segmento que não abordaremos neste trabalho.


Os questionamentos, porém, não se encerram neste ponto. Antes mesmo que haja um consenso sobre a denominação recente de Fundações Pública e a sua natureza jurídica, há ainda um desdobramento desse conceito: tratou o Estado de criar um novo segmento, inovando e trazendo confusão ao meio jurídico, aos Tribunais e ao seio da Administração Pública? Afinal, como definir a natureza jurídica das fundações públicas?


Muitos doutrinadores fazem questão de ressaltar que a discussão em tela pouco acrescenta ao tecnicismo jurídico. Ironiza José Édson Rafael:


“Durma-se – caso possível – com o enigmático antagonismo”.


Entendemos que o Estado está perdido. Como está pressionado pela opinião pública, busca alternativas para melhor atendê-la.


O objetivo do legislador nada mais é do que outra tentativa de tornar, objetivamente, o Estado mais ágil, dinâmico, na resposta que precisa dar ao cidadão. E, na prática, o que se observa é que apenas a iniciativa privada está apta a promover tais sonhadas respostas, sempre acompanhada de qualidade.


 A própria revolução nos meios de comunicação e a evolução da informática, que dão um retorno quase que imediato aos seus usuários, decididamente não foram acompanhadas pela Administração Pública. Esta não consegue praticar com eficácia atos, por mais simples que sejam, a fim de permitir uma solução mais rápida. Sim, este o cerne da questão: rapidez e bom atendimento aos usuários do serviço público.


Acreditamos que, aos poucos, está havendo uma privatização do serviço público. O Estado estará presente apenas no controle, na aferição dos resultados e da gestão dos recursos públicos por meio dos Tribunais de Contas e dos próprios órgãos instituidores das fundações.


A questão, para nós, deve ser enfrentada com maturidade e com a percepção de que estamos vivendo em tempos modernos, no quais não há tempo para elocubrações que não levem a lugar algum.


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MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 5. ed. Revista e Atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. ed. Revista e Atualizada nos termos da Reforma Constitucional até a emenda constitucional nº 20/98. São Paulo: Malheiros, 1999.
Notas:

[1] Personalidade das fundações. Direito: doutrina, legislação e jurisprudência. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, set/out. 1941.

[2] Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo. Pág. 373.

[3] Diógenes Gasparini. Direito Administrativo. Pág. 257.

[4] Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo. Págs.  372 e 373.

Informações Sobre os Autores

Gil Braga de Castro Silva

Advogado e pós-graduado em direito administrativo pela UFBa.

Daniela Oliveira da Silva

Advogada e pós-graduada em direito administrativo pela UFBa.


Equipe Âmbito Jurídico

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