1.
Introdução
É
sempre importante para evolução do processo penal discutir
e analisar não somente as medidas cautelares pessoais em espécie, mas
principalmente, a estrutura sobre a qual elas se erguem. Trata-se de um ponto
que constitui a base do que se poderia chamar de “teoria geral” das medidas
cautelares de natureza processual penal e que por ser o pilar de sustentação
das medidas em espécie, é um ponto nevrálgico para a ciência do Direito. Nossa
idéia é expor alguns breves aspectos do Direito comparado, especialmente
Espanha e Alemanha, que possam contribuir para o melhor entendimento desse
instrumento.
Como
pode-se concluir da leitura do texto, os argumentos e
fundamentos que apontamos são perfeitamente aplicáveis ao Direito brasileiro e
por isso temos certeza de que terão utilidade prática para os que laboram no
foro criminal. Aproveitamos ainda para retificarmos nossa opinião sobre
os pressupostos da prisão cautelar anteriormente externados1.
Como
identificou Goldschmidt2, grave problema existe no paralelismo
entre processo civil e processo penal, principalmente quando são buscadas
categorias e definições do processo civil e pretende-se sua aplicação
automática no processo penal. O fenômeno do processo civil é bastante
claro e distinto do fenômeno do processo penal pois
“la pena se impone mediante
un proceso, porque es una manifestación de la justicia y porque el proceso es
el camino de la misma; y la
jurisdicción penal es
la antítesis de la jurisdicción civil, porque
ambas representan las dos
ramas de la justicia establecidas ya por Aristóteles”3,
ou seja, a justiça distributiva (jurisdição civil) e corretiva (jurisdição
penal).
Por
esse motivo é necessário criar-se categorias jurídicas próprias para o processo
penal, adequadas as particularidades de seu objeto.
Essa necessidade pode ser sentida, por exemplo, na análise dos requisitos
das medidas cautelares do processo penal em que, conforme iremos explicar, não
existe identidade com os conceitos do processo civil.
A
estrutura do processo penal de uma nação não é senão o termômetro dos elementos
corporativos ou autoritários de sua Constituição4 e a
construção das medidas cautelares pessoais deve partir do respeito ao direito a
liberdade consagrado no texto constitucional. Por essa razão, a restrição ao
direito à liberdade é excepcional, não automática, condicionada sempre às
circunstâncias do caso e proporcional a finalidade que persegue.5
Neste
tema existe um árido objetivo que é o equilíbrio entre as medidas coercitivas
utilizadas pelo Estado, para eficácia da repressão dos delitos e os direitos e
garantias individuais assegurados na Constituição. Até que ponto os direitos
individuais devem ser restringidos em razão da atuação do Estado é um dos temas
mais difíceis de abordar.
As
medidas cautelares coercitivas são produto da tensão
entre dois deveres próprios do Estado Democrático de Direito – a proteção do
conjunto social e a manutenção da segurança coletiva dos membros da comunidade
frente a desordem provocada pelo injusto típico, através de uma eficaz
persecução dos delitos e de outro lado, a garantia e a proteção efetiva
das liberdades e direitos fundamentais dos indivíduos que a integram.6
Sem
dúvida, como resume Aragoneses7, o grande problema das medidas
cautelares consiste em que se não se adotam, corre-se o risco da impunidade, e
se adotadas, criam o perigo de injustiça. O dilema liberdade ou prisão deve
ser resolvido de forma eclética. Deve-se adotar um sistema intermediário:
nem a prisão nem a liberdade em todos os casos.
Pensamos
que, mesmo em caso de prisão, como se trata de um conflito entre direitos
igualmente fundamentais, existem limites legais que deverão estar
presididos pelos princípios da provisoriedade, excepcionalidade
e proporcionalidade.8
Nossa
exposição buscará analisar inicialmente o objeto, requisito e fundamento
das medidas cautelares de natureza processual penal e, após, os
princípios que devem nortear a utilização dessas medidas.
2.
Objeto, requisito e fundamento das medidas cautelares
O
processo se desenvolve através de uma concatenação de atos juridicamente
organizados, através do rito ou procedimento. É conceitualmente indiscutível
que desde o início do processo até sua conclusão, existe um período
de tempo indeterminado, cujo transcurso de tempo necessário para
realização desses atos processuais pode colocar em risco o êxito do processo de
declaração e/ou do processo de execução9 .
Levando em consideração o fator risco, a legislação processual coloca a
disposição do juiz certas medidas que implicam
restrições a liberdade individual ou disposição de bens.
Profunda
discussão existe em relação ao objeto da tutela cautelar, se visa a proteção do processo ou do objeto do processo. Tal
matéria foge ao objetivo desse trabalho, de modo que não a
enfrentaremos conscientemente.
Filiamo-nos
à corrente doutrinária10 que defende seu
caráter instrumental onde “las
medidas cautelares son, pues,
actos que tienem por objeto
garantizar el normal desarrollo del
proceso y, por tanto, la
eficaz aplicación del jus puniendi. Este concepto confiere a las medidas cautelares
la nota de instrumentalidad,
en cuanto son medios para alcanzar la doble
finalidad arriba apuntada.”11
Assim,
as medidas cautelares de natureza processual penal buscam garantir o
normal desenvolvimento do processo e eficaz aplicação do direito de punir12
ao, por exemplo, possibilitar a prisão do acusado para garantia de sua presença
na instrução ou determinar a prestação de fiança (fianza
– garantia do pagamento das custas do processo). O que se pretende é
possibilitar o pleno exercício do Direito de acusação garantindo também a
eficácia do Direito de punir externado na provável pena a ser imposta.
Delimitado
o objeto das medidas cautelares é importante frisar um grave equívoco em que
tem incorrido diversos estudiosos do processo penal ao analisar requisito e
fundamento das medidas. A doutrina processual (tanto na Espanha13
como no Brasil) é uníssona em apontar como requisitos para adoção dessas
medidas o fumus boni iuris e o periculum in mora
seguindo assim as lições de Calamandrei em sua
célebre obra Introduzione allo
studio sistematico dei provedimenti cautelari14 .
O
equívoco consiste em buscar a aplicação literal da doutrina processual civil ao
processo penal exatamente em um ponto em que não é possível tal analogia. Aqui
é fundamental buscar-se categorias jurídicas próprias para explicar o fenômeno
do processo penal. Configura uma impropriedade jurídica afirmar que para
a decretação de uma prisão cautelar é necessária à existência do fumus boni iuris.
Como
se pode afirmar que um delito é uma “fumaça de bom direito” ?
No processo penal o requisito para a decretação de uma medida coercitiva não é
a probabilidade de existência do direito de acusação alegado. O objeto do
processo nesse momento não é um direito, mas um delito. Logo, o correto é
afirmar que o requisito para decretação de uma medida cautelar em materia penal é a existência do fumus
delicti, ou seja, a probabilidade da ocorrência
de um delito e nunca de um direito.
Seguindo
a mesma linha de Calamandrei, a doutrina considera
equivocadamente que o periculum in mora é outro
requisito das cautelares. A confusão aqui não é apenas terminológica, mas
sim fruto da equivocada valoração do perigo decorrente da demora no sistema
cautelar penal. Em realidade, o que existe é um perigo de fuga, risco de
frustração dos fins do processo em virtude da ausência do sujeito
passivo. Basta afastar a conceituação puramente civilista para ver que o periculum in mora no processo penal assume o caráter
de perigo ao normal desenvolvimento do processo (perigo de fuga,
destruição da prova, alarma social e reiteração delitiva). Superada essa
confusão, verifica-se que o perigo não é requisito das medidas cautelares, mas
o seu fundamento. As medidas cautelares são instrumentos a serviço do
processo com a função de garantir a presença do sujeito passivo. No
processo penal o fundamento das cautelares não se resume ao perigo de fuga.
Também serve de fundamento o perigo de destruição da prova, alarma social e reiteração
delitiva.
Resumindo,
é necessário abandonar a doutrina civilista de Calamandrei
para buscar conceitos próprios e que satisfaçam plenamente as
necessidades do processo penal . Sendo assim, as
medidas cautelares têm como requisito o fumus delicti e como fundamento o perigo de fuga ou ao
normal desenvolvimento do processo15 .
Requisito
– Fumus Delicti
O
requisito para utilização das medidas cautelares é a fumaça da existência de um
delito. Não se exige um juízo de certeza, mas de probabilidade razoável. A medida
cautelar deve ter por base “la razonada
atribución del
hecho punible a una persona determinada.”16
O
Código de Processo Penal da Alemanha – StPO,
§ 112 – exige que a pessoa seja fundadamente suspeita do fato delitivo e que
exista um motivo para a prisão. É dizer, suspeita bem fundada, alto grau
de probabilidade de que o imputado tenha cometido o delito. Além disso, é
necessário que exista, como fundamento da prisão: perigo de fuga, de ocultação
da prova, gravidade do crime ou perigo de reiteração.17
O
fumus delicti exige a
existência de sinais externos, com suporte fáctico
real, extraídos dos atos de investigação levados a cabo,
em que por meio de um raciocínio lógico, sério e desapaixonado, permitam
deduzir com maior ou menor veemência a comissão de um delito, cuja realização e
consequências apresentam como responsável um
sujeito concreto.18
Para
Carnelutti19 quando se diz que para emitir um mandado de
captura é necessário que existam indícios suficientes de culpabilidade “não se
está dizendo nada”, a proposição “indícios suficientes” não diz nada. Como
questiona o mestre italiano, devem ser suficientes,
isso é óbvio, mas para quê ? Sem indícios suficientes sequer uma
imputação pode ser formulada . Qual é o valor das provas de culpabilidade exigidos a fim de que o
imputado possa ser detido ? Será aquele mesmo que é necessário para ser processado ?
Para
responder a essa indagação deve-se distinguir entre juízo de probabilidade e
juízo de possibilidade posto que em sede de cautelar não se pode
falar em juízo de certeza.
Seguindo
a lição de Carnelutti20 existe possibilidade em lugar de
probabilidade quando as razões favoráveis ou contrárias a hipótese
são equivalentes. O juízo de possibilidade21,
prescinde da afirmação de um predomínio das razões positivas sobre as
razões negativas ou vice-versa. Para o processamento seria suficiente um juízo
de possibilidade , posto que no curso do processo deve
o Ministério Público provar de forma plena, absoluta, a culpabilidade do réu. A
sentença deve sempre refletir um juízo de certeza para que possa o réu ser
condenado. Caso contrário, a absolvição é imperativa.
Inobstante, para a aplicação de
uma Medida Cautelar Pessoal, é necessário mais do que isso, deve existir um
juízo de probabilidade, uma predominância das razões positivas. Se a
possibilidade basta para a imputação, não pode bastar para a detenção, pois o
peso do processo agrava-se notavelmente sobre as costas do imputado.
Logo,
deve existir a probabilidade de que o acusado tenha praticado o delito. Como
frisa Carnelutti, isso significa a existência de
todos os requisitos positivos e a inexistência de todos os requisitos negativos
do delito. Tal lição se aplica inteiramente ao direito brasileiro na medida em
que todas as decisões tem o dever constitucional de
motivação.
O
objeto do processo penal é a conduta punível, sendo o ponto de partida para
enfocar certeiramente a realidade jurisdicional penal em seu conjunto. É
imprescindível que exista um juízo de probabilidade da conduta narrada na
acusação em relação aos tipos penais. A ação deve encontrar similitude com
alguma daquelas descritas abstratamente no Código Penal (tipicidade aparente).
Interpretando
as palavras de Carnelutti, requisitos
positivos do delito significa prova de que a conduta é aparentemente
típica, ilícita e culpável. Além disso, não podem existir requisitos negativos
do delito, ou seja, não podem existir causas de exclusão da ilicitude (legítima
defesa, estado de necessidade, …) ou de exclusão da
culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa, erro de proibição, etc).
Assim,
o primeiro ponto a ser demonstrado é a aparente tipicidade da
conduta do autor. Esse ato deve adequar-se perfeitamente a algum dos tipos
previsto no Código Penal, mesmo que a prova não seja plena, pois o que se
exige é a probabilidade e não a certeza. Em síntese, deverá o juiz
analisar todos os elementos que integram o tipo penal, ou seja, conduta humana
voluntária e dirigida a um fim, presença de dolo ou culpa, resultado, nexo
causal e tipicidade.
Mas
não basta a tipicidade, pois adotando-se o
conceito formal de crime, como ato típico, ilícito e culpável, devem existir
sérios indícios de que a conduta é aparentemente típica, ilícita e culpável . É
imprescindível que se demonstre que a conduta é provavelmente ilícita – por
ausência de suas causas de justificação – bem como a provável existência dos
três elementos que integram a culpabilidade penal: imputabilidade,
consciência potencial da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.
Ainda que em sede de probabilidade, todos esses elementos devem
ser objeto de análise e valoração por parte do juiz no momento de
aplicar uma medida coercitiva.
Assim,
para que tudo isso possa ser feito, é necessário que o pedido venha
acompanhado de um mínimo de provas – mas suficientes – para demonstrar a
autoria e a materialidade do delito.
Concluindo,
tais exigência são obrigatórias inclusive no Direito brasileiro pois é necessário uma decisão fundamentada de que existem
indícios razoáveis de que o acusado seja o autor de um crime e para isso
deve obrigatoriamente ser feita essa análise. Infelizmente, na prática o que se
constata é a existência de ordens de prisão amparadas em decisões formulárias e sem a menor fundamentação.
Na
Espanha, o art. 503 da LECr22 exige a presença cumulativa de
circunstâncias que se idenficam com o perigo de
fuga e fumus delicti e,
além desses genéricos, exige ainda um terceiro, específico, que diz
respeito a gravidade do fato (pena). Como fumus delicti, considera a lei
espanhola que:
a) o
fato deve apresentar características de crime, logo, se for considerado
“falta”, deverá ser o réu colocado em liberdade;
b) que
existam motivos bastantes para acreditar que o preso é autor ou partícipe
do delito, ou como prefere a norma : “creer responsable criminalmente del delito”;
c) que
se façam presentes todos os elementos positivos do delito (fato
típico+ilicitude+culpabilidade) e inexistam elementos negativos (causas de
justificação).
Fundamento
– o perigo de fuga ou ao normal desenvolvimento do processo
Além
do fumus delicti, as
medidas cautelares exigem uma situação de perigo ao normal
desenvolvimento do processo representada na maioria dos casos pelo perigo
de fuga (frustração da pretensão punitiva) . O Direito
espanhol e também o brasileiro permitem a prisão para tutela da paz social23
(alarma social produzido pelo delito ou freqüência com que se tem cometido
delitos análogos) e tutela da prova (evitar a destruição ou manipulação da
prova). É necessário que se demonstre de forma razoável que a demora na
prestação da tutela jurisdicional coloca em risco o desenvolvimento do
processo ou a efetivação da possível sentença condenatória.
Na
doutrina civilista de Calamandrei24 o periculum
in mora é visto como o risco derivado do atraso inerente ao tempo que deve
transcorrer até que recaia uma sentença definitiva no proceso.
Tal conceito se adequa perfeitamente às medidas
cautelares reais, em que a demora na prestação jurisdicional possibilita a
dilapidação do patrimônio do acusado. Sem embargo, nas medidas coercitivas
pessoais o risco assume outro caráter. Aqui o fator determinante não é o
tempo mas a situação de perigo criada pela conduta do
sujeito passivo do processo. Fala-se nesses casos em risco de frustração da
pretensão punitiva (fuga) ou graves prejuízos ao processo em virtude da
ausência do acusado ou no risco ao normal desenvolvimento do processo
criado por sua conduta (em relação a coleta da prova).
No
processo penal, o perigo de fuga é um dos principais fundamentos
para justificar medidas como as prisões cautelares25, onde o risco
de evasão tornará impossível a execução da pena provavelmente
imposta. O art. 492, 3º da Ley de Enjuiciamiento Criminal da Espanha (LECrim) fala em risco causado pelas
circunstâncias do fato que fazem com que se presuma que o acusado não
comparecerá. O fundamento da medida cautelar no direito espanhol pode ser
resumido assim:
a)
consubstanciado no perigo de fuga do acusado, no perigo que ele representa para
a prova, na medida em que poderá ocultar, manipular ou
destruir elementos ou no perigo de reiteração delitiva26;
b)
critério quantitativo: que a pena abstratamente cominada seja superior a
3 anos (deve ser superior a antiga pena de
“prisão menor”)27; caso a pena cominada seja igual ou inferior a 3
anos, poderá ser decretada a prisão desde que os antecedentes do réu, as
circunstâncias do fato, a perturbação social causada pela conduta ou a frequência com que ocorrem delitos análogos, justifique a
medida adotada. Nesse caso, sendo alterada qualquer dessas circunstâncias
levadas em consideração quando da decretação, poderá o juiz determinar a
soltura do réu ; ainda que a pena seja superior a 3
anos, quando o réu for primário e o fato não tiver maior repercussão, bem como
se possa acreditar que ele não irá fugir, poderá o juiz conceder-lhe
liberdade provisória, nos termos do art. 504 da LECr;
O
art. 503,2º introduziu uma nova face para o periculum
que é el alarma social o la
frecuencia de hechos
análogos que autorizam a prisão ainda que não exista o risco de fuga do
acusado. O que se possibilita é uma nova modalidade de tutela que é a garantia
da ordem pública como fundamento de uma prisão, situação também contemplada no
art. 312 do nosso CPP.
É
interessante que o legislador espanhol não fez qualquer distinção entre delitos
dolosos ou culposos no que se refere a possibilidade
de prisão provisória.
Em
Portugal só é possível a prisão cautelar em caso de delito doloso cuja
pena máxima seja superior a 3 anos (art. 202 do CPP e 27.3 da Constituição
de Portugal).
Ademais,
o tratamento do réu revel28 no Direito espanhol determina que
o processo penal fique suspenso até que ele compareça, nos mesmos moldes da
nova disciplina do nosso CPP, mas com a fundamental distinção de que
durante a suspensão do processo, continua
fluindo o prazo prescricional. O art. 840 da LECrim determina que se o processo estiver na fase de
sumário (fase pré-processual), continuará até que encerre essa fase,
suspendendo-se depois seu curso e arquivando-se os autos e as peças de
convicção que possam ser conservadas. Se já estiver pendente o juízo oral29
(fase processual de instrução) este será suspenso, arquivando-se os
autos. Assim é patente o prejuízo ao processo pela fuga do acusado.
Na
Alemanha, StPO §
112(2), além da suspeita muito bem fundamentada de que o agente
tenha cometido o crime, devem concorrer:
a) perigo
de fuga: existe quando o suspeito está foragido, oculto ou quando exista
o perigo de fuga, valorando as circunstâncias do caso particular;
b) perigo
de ocultação de provas: suspeita de que o “inculpado” destruirá meios de
prova, os modificará, irá suprimir, dissimular ou falsificar, influirá de forma
ilícita em co-autores, testemunhas ou peritos, de que motivará outras
pessoas a tais condutas e por isso crie perigo ou dificuldades para a
investigação da verdade;
c) gravidade
do crime: a lei alemã enumera delitos como homicídio, genocídio, formação
de grupos terroristas, etc de modo que nesses
delitos, não é preciso que concorram algum dos
anteriores motivos para que se possa impôr uma prisão
cautelar. Mas isso tem criado algumas dúvidas sobre a
constitucionalidade desta medida. O Tribunal Constitucional entende que
somente se pode impôr uma prisão provisória
existindo fundada suspeita e ademais se dêem em menor intensidade o
motivo do perigo de fuga ou ocultação de provas. A gravidade como
critério único está sendo afastada.
d) em
lei ordinária de 7 de agosto de 1972 foi extendido a
determinados delitos a possilidade de prisão provisória
tendo em vista o perigo de reiteração.
Inobstante, é inconcebível
qualquer hipótese de presunção de fuga, até porque substancialmente
inconstitucional frente a Presunção de
Inocência. Toda decisão determinando a prisão do processado deve
estar calcada em um fundado temor, jamais fruto de ilações ou criações
fantasmagóricas de fuga. Deve-se apresentar um fato claro, determinado,
que justifique o receio de evasão do réu.
Infelizmente
muitos juízes se olvidam disso, e com base em frágeis elementos,
tomam essa decisão tão séria e estigmatizante que
é a prisão sem que exista uma sentença penal condenatória. O risco
deve apresentar-se como um fato claro, determinado, que justifique o medo de
evasão do acusado. É imprescindível um juízo sério, desapaixonado e acima de
tudo racional.
No
sistema espanhol, o perigo de fuga assume um marcado caráter
quantitativo. Ainda que seja inaceitável qualquer presunção de fuga, muitos
sustentam que o perigo de evasão aumenta na medida em que aumenta a
gravidade do fato imputado, pois a futura pena a ser imposta será mais grave.30
Com
vênia às opiniões contrárias, pensamos que nada justifica ou ampara
juridicamente uma presunção de fuga, sequer a
gravidade do fato. Qualquer que seja a situação, é imperativo que exista
uma resolução de qualidade, um primor, de singular e
extraordinária fundamentação31.
Existem
outras formas menos onerosas de assegurar a presença do acusado, como a
proibição de que o acusado saia da cidade sem prévia
autorização do juiz e outras restrições proporcionais e adequadas à
situação. Em caso de violação desses deveres, demonstrando a intenção de fugir,
teríamos uma prova válida e suficiente para se falar em prisão decorrente do
perigo de fuga. A presunção de inocência impõe ao juiz que presuma também a
obediência do acusado ao chamamento do Estado e só em caso de quebra dessa
presunção é que se pode falar em uma medida restritiva da liberdade.
Também
deve existir uma valoração dos aspectos subjetivos, pois com salienta
Aragoneses32, nesse tema não se pode dizer que todos são iguais
perante a lei. A igualdade consistirá em tratar de forma desigual aos
desiguais. É importante que o juiz analise as circunstâncias do acusado, de
moralidade, profissão, situação econômica, situação familiar, motivos para
permanecer ou sair do país, etc.
Concluindo,
o fundamento de qualquer medida cautelar é o perigo de fuga ou ao normal
desenvolvimento do processo e o requisito para sua decretação é a
existência do fumus delicti.
3.
Princípios aplicáveis
Os
princípios servem como orientadores das Medidas Cautelares e encontram-se em estreita interdependência e mutuamente
se complementam, sendo a soma de todos eles o que identifica uma determinada
medida como tal.33
Ademais
os princípios devem ser observados posto que, como define Bobbio34,
são normas imperativas como todas as outras, pois antes de tudo, se são normas
aquelas das quais os princípios gerais são extraídos,
através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê porque não
devam ser normas eles também.
Assim,
as cautelares devem-se orientar pelos Princípios da Jurisdicionalidade,
Instrumentalidade, Proporcionalidade, Provisionalidade
e, principalmente, pelo Princípio da Excepcionalidade.
Os dois primeiros já foram suficientemente analisados em nosso trabalho
anterior (Ajuris nº 69) e nada iremos acrescentar.
Sem embargo, os demais, por sua importância, merecem uma análise mais acurada e
por isso iremos complementar nossa anterior exposição.
Provisoriedade
(provisionalidad)35
As
cautelares são provisórias por natureza, pois servem para tutelar
temporariamente uma situação até que tenhamos uma sentença ou desapareçam
os motivos que justificaram a imposição. Ademais, se “durante la tramitación del proceso
variaran estos presupuestos, las medidas
cautelares pueden ser modificadas o dejadas sin efecto,
de oficio o a instancia de parte (provisionalidad).”36
A
qualquer tempo uma medida cautelar pode ser modificada ou deixada sem efeito,
através de ato de ofício do juiz ou mediante invocação das partes
processuais. São elas meios para a tutela de uma situação fática e
por isso reformáveis durante todo o curso do processo.
Inobstante, se a medida a
ser tomada implique em prisão de quem estava em liberdade ou agravamento
das condições de liberdade provisória já acordadas,
é necessária invocação do Ministério Público ou de alguma parte
acusadora, devendo ser realizada audiência com a presença das partes.
Nessa audiência poderá ser feita uma instrução sumária, sucedendo-se
debates, para ao final ser proferida decisão, da qual caberá recurso de
apelação para a Audiência Provincial.
Como
medida provisória, a prisão cautelar deverá ser breve e se sua decretação em
última análise serve ao processo, breve deverá ser o próprio
processo.
A
duração da detenção na Espanha é um ponto controvertido dada a
dubiedade da redação de dois artigos que não se adaptam ao texto
constitucional, pois é certo que ela deve ser limitada ao tempo
estritamente necessário ao esclarecimento do fato, nos termos do art. 17.2 da
Constituição. Mas qual é o prazo máximo para a apresentação do detido ao juiz
ou para sua liberação ?
Existe
uma antinomia aparente entre o art. 17.2 da Constituição37 e o
art. 496 da LECrim38 que tem dado lugar a muitas
opiniões. O dispositivo constitucional determina que no prazo máximo de
72 horas deverá o delito ser apresentado ao juiz. De
outro lado, o art. 496 prevê o prazo de 24h para a apresentação.
O
aparente conflito é solucionado pela doutrina predominante e seguido pela
prática forense através da aplicação do prazo constitucional de
72h, pois a norma constitucional é posterior a “Ley
de Enjuiciamiento Criminal” e a teria revogado.
Inobstante, não é essa nossa
opinião e seguindo qualificada e respeitada corrente doutrinária39
pensamos que deve ser aplicado o prazo de 24h previsto na LECrim. Está claro que não
existe um conflito insolúvel de normas, critério imprescindível para que
se fale em revogação. Não ocorre a situação que Bobbio40
descreve como sendo a existência de duas normas em que
uma obriga e a outra proibe, ou uma obriga e a
outra permite, ou uma proibe e a outra permite o
mesmo comportamento. A revogação de uma norma é o último
instrumento que se deve utilizar, despois de esgotar
todos os mecanismos de interpretação e hermenêutica jurídica.
No
caso é perfeitamente possível a coexistência das duas normas, posto
que a função do prazo constitucional foi a de estabelecer um limite
quantitativo máximo e vinculante ao poder legislativo41
de tal sorte que, sob risco de declaração de inconstitucionalidade, se busca
impedir que o poder legislativo legisle acima e não abaixo deste prazo.
Ademais, deve-se atentar para a natureza do objeto da norma em discussão, posto
que esta interpretação que defendemos não está restringindo nenhum direito, ao
oposto, está dando maior dimensão ao direito fundamental de liberdade,
assegurando que a duração da detenção seja a mais breve
possível. Por fim, o prazo de 24h que defendemos é tempo mais do
que suficiente para que a autoridade policial faça o pouco que tem que fazer e
ponha o detido à disposição do juiz.
Também
é possível a prorrogação da detenção por mais 48h, mediante solicitação
motivada ao juiz. Frente ao pedido, o juiz terá 24 horas para se manifestar de
forma fundamentada sobre o pedido de prorrogação.
Existem
ainda prazos extraordinários estabelecidos em leis especiais, como no caso de
estado de sitio (art. 16 da Ley Org. 4/1981), alarma
social ou situação de excepcionalidade, o prazo pode
alcançar 10 dias. Nos delitos de terrorismo, o prazo máximo é de 5 dias.
A
lei processual alemã – StPO
§ 128 – determina que o detido deverá ser conduzido ao juiz do “Amtsgericht” em cuja jurisdição tenha ocorrido a detenção,
de imediato ou quando muito no dia seguinte a detenção.
O
Codice de Procedura
Penal italiano, art. 386.3 determina que a polícia deverá
colocar o detido à disposição do Ministério Público o mais rápido possível ou
no máximo em 24h, entregando junto o correspondente “atestado” policial.
Esse é o prazo aceito e aplicado, inobstante a
Constituição da Itália42 prever o prazo de 48h. Aqui é
pacífico que a norma constitucional veio para servir de “freio” a legislador
ordinário.
Em
Portugal, o art. 254,a do CPP determina que no prazo
máximo de 48h deverá ser efetivada a apresentação ao juiz que decidirá
após interrogar o detido e dar-lhe oportunidade de defesa (art. 28.1 da
Constituição de Portugal).
Na
Espanha, apresentado o detido ao juiz, terá este o prazo de 72 horas
para converter a detenção em prisão provisória (preenchidos os
requisitos), deixá-la sem efeito ou conceder a liberdade
provisória. Para isso, deverá convocar audiência dentro das 72 horas seguintes,
notificando o representante do Ministério Público (Fiscal), o imputado e seu
advogado, constituído ou designado, nos termos do art. 504. Nessa
audiência poderá ser realizada uma instrução sumária e debates, decidindo
o juiz pela prisão ou liberdade provisória do acusado. Dessa decisão
caberá recurso de apelação para a Audiência Provincial.
De
qualquer forma, o juiz deverá sempre ouvir o detido antes de decidir sobre a
manutenção da prisão ( ou conversão de detenção em
prisão). É fundamental nesse momento que se oportunize com amplitude o
contraditório e o direito de defesa antes de decidir pela prisão preventiva,
sob pena de onerar excessivamente o acusado que dificilmente conseguirá
reverter essa decisão.A dificuldade de rever seus atos
e reconhecer seus erros é uma característica da natureza do homem. Sem dúvida,
frente a uma mesma situação, é muito mais fácil um juiz, ouvindo a defesa antes
de decidir, acolher seus argumentos do que depois, quando o acusado já está
preso, voltar e determinar a soltura.
Em
relação a prisão preventiva (provisória) também é
fundamental uma disciplina legal de sua duração para evitar prisões cautelares
cuja duração desvirtue sua natureza e se transforme em escancarada antecipação
da pena.
A
duração da prisão provisória é pautada em regra pela necessidade43
e manutenção dos pressupostos que a originaram. Para evitar abusos, o
art. 17.4. da Constituição da Espanha dispõe que por lei irá
se determinar o prazo máximo de duração da prisão provisória. Em realidade,
grande parte do rechaço as prisões cautelares vem de sua excessiva
duração em conseqüência das dilações que se produzem no processo penal, o que
tem gerado a chamada “degeneração continental” da prisão provisória.
Em
matéria de prisão provisória a regra é a “discrecionariedade
orientada” pois o juiz não pode atuar de modo
mecânico nem automático – STC 89/1983 – .
Na
lição de Beccaria44 o cárcel é
só uma simples custódia de um cidadão até que seja declarado réu; e
esta custódia, sendo por sua natureza penosa, deve durar o menor tempo possível
e deve ser o menos dura possível. O tempo deve medir-se pela necessidade de
duração do processo e pela antiguidade que dá direito a ser julgado antes.
O
regramento do dispositivo constitucional encontra-se no art. 504 da
LECr, que disciplina o prazo
máximo de duração dessa medida cautelar, levando-se em consideração a pena
abstratamente cominada no tipo penal incriminador.
Assim,
a prisão cautelar poderá durar, no máximo:
– até
3 meses, quando a pena cominada for de 7 a 15 fins de semana;
– até
1 ano, quando a pena cominada for de 6 meses a 3 anos;
– até
2 anos, quando a pena cominada for superior a 3 anos.
É
possível prorrogar-se a prisão provisória nos dois últimos casos, para até 2
anos (quando o máximo era 1 ano) ou até 4 anos (no último caso, em que o máximo
era 2 anos), quando o processo não puder ser concluído nos prazos anteriormente
citados e exista o risco de fuga do réu em caso de soltura. Trata-se de
medida muito onerosa para o réu e que deverá ser bem refletida,
sendo reservada para casos complexos cuja instrução já esteja encerrada ou
quase, apenas para evitar a soltura do réu nos últimos dias do processo e
quando se tenha fundada suspeita de que irá fugir.Em
qualquer caso, para que exista prorrogação da prisão, é necessário audiência
com a presença do réu e do Ministério Público. Uma vez ditada sentença
condenatória privativa de liberdade, cujo recurso encontra-se pendente, a
prisão provisional poderá se prolongar até o limite máximo da metade da
pena imposta na sentença, nos termos do art. 504.
Na
Alemanha – StPO § 121 – a
regra geral é a de que a prisão provisória não possa durar mais de 6 meses,
salvo quando a especial dificuldade ou a extensão da investigação ou
outro motivo importante não permita promulgar sentença e justifique a
manutenção da prisão. Em caso de prorrogação, se poderá encomendar ao
Tribunal Superior do “Land” que faça um exame sobre a
necessidade de manutenção da prisão no máximo a cada 3 meses.
Em
Portugal o juiz tem a obrigação de revisar a cada 3 meses a medida cautelar
decretada e se ainda permanecem os motivos e pressupostos que a autorizaram –
art. 213.1. Além disso, se passados 6 meses da prisão ainda não
tiver sido iniciado o processo, com efetiva acusação, a pessoa deverá ser posta
em liberdade, salvo situação de excepcional complexidade. Também como
regra geral, o CPP português prevê que se passados 18 meses sem sentença ou 2
anos sem trânsito em julgado, deve o acusado ser posto em liberdade, salvo se a
gravidade do delito ou sua complexidade justificar a ampliação do prazo.
Na
Itália, o CPP utiliza o critério de quantidade da pena em abstrato para
determinar o tempo máximo de duração da prisão cautelar e para isso existe uma
grande variedade de prazos, conforme a gravidade do delito e a fase em que se
encontra o processo. É importante ressalvar que o legislador italiano
determinou que os prazos devem ser considerados
independentes e autônomos para cada fase do processo.
Outra
característica básica da provisoriedade é a posibilidade
de modificar a medida adotada caso ocorra a alteração
dos motivos que autorizaram a decretação.
Em
observância a esse princípio, existe em alguns países europeus um dever de
revisar a medida adotada após determinado lapso de tempo. Na Itália, art.
294.3 do Codice de Procedura
Penale, o juiz deverá revisar a decisão
que determinou a prisão em no máximo 5 dias desde que se iniciou seu
cumprimento.
Na
Alemanha, StPO § 122,
o exame sobre se a prisão deve ser mantida ou não, deverá ser revisada no
máximo a cada 3 meses. Em Portugal, art. 213,1 do CPP, também a
cada 3 meses, no máximo, deverá o juiz revisar a medida e decidir sobre a
necessidade de sua manutenção.
Esse
é um exemplo que deveria ser seguido no Brasil, para evitar a
triste realidade daqueles juízes que simplesmente “esquecem” do réu preso. Com
toda sua autoridade Beccaria sintetiza essa situação
no questionamento:
“¿
Cuál contraste más cruel que
la indolencia de un juez y las
angustias de un reo? ¿ Las comodidades y placeres de un magistrado insensible, de una
parte, y, de otra las
lágrimas y la suciedad de un encarcelado ?”
Excepcionalidade
As medidas cautelares pessoais estão localizadas no ponto mais crítico do
difícil equilíbrio entre dois interesses, aparentemente opostos, sobre os quais
gira o processo penal: o respeito ao preso – o direito à liberdade – e a
eficácia na repressão dos delitos, como meio para restabelecer a ordem e
a paz social45.
Não
existe medida causadora de maior degradação social e jurídica do que uma medida
cautelar que prive a liberdade de alguém cuja autoria e materialidade ainda não
se encontram soberbamente provadas. Por esse motivo, tais instrumentos devem
ser utilizados com muita cautela por parte dos juízes, sem que se torne uma
rotina.
Em
sentença proferida no dia 22/03/87 o Tribunal Constitucional da Espanha
consagrou o Princípio da Excepcionalidade ao declarar
que “al consistir la libertad
provisional en una privación
de libertad, debe regirse por el principio de excepcionalidad.”
Na
lição de Carnelutti46 “as exigências do processo penal são de
tal natureza que induzem a colocar o imputado em uma situação absolutamente
análoga ao de condenado. É necessário algo mais para advertir de que a prisão
do imputado, junto com sua sujeição, tem, sem embargo, um elevado custo ? O custo se paga, desgraçadamente em moeda justiça,
quando o imputado em lugar de culpável é inocente e já sofreu, como
inocente, uma medida análoga a pena; não se esqueça que se a prisão
ajuda a impedir que o imputado realize manobras desonestas para criar falsas
provas ou para destruir provas verdadeiras, mais de uma vez prejudica a
justiça porque, ao contrário, lhe imposibilita
de buscar e de proporcionar provas úteis para que o juiz conheça a verdade. A
prisão preventiva do imputado se assemelha a uma daquelas medicinas heróicas
que devem ser propinadas pelo médico com suma
prudência, porque podem curar o enfermo mas também pode ocasionar-lhe um
mal mais grave; quizás uma comparação eficaz se
possa fazer com, a anestesia e sobre tudo com a anestesia geral, a
qual é um meio indispensável para o cirurgião, mas ha
se este abusa dela ! “
As
medidas cautelares pessoais na Espanha partem do respeito ao direito a
liberdade, consagrado no art. 17.1 da CE, sendo assim a restrição à liberdade
uma medida excepcional, que não é
automática, condicionada sempre às circunstâncias do caso e proporcional à
finalidade que persegue47.
O
Código de Processo Penal de Portugal, art. 193.2, determina que a prisão
preventiva somente pode ser aplicada quando todas as
demais medidas resultem inadequadas ou insuficientes. No mesmo sentido o art.
275.3 do Codice de Procedura
Penale da Itália, que oferece uma ampla gama de
medidas cautelares e exige que a prisão seja uma exceção.
Pensamos
que as prisões cautelares se traduzem em uma verdadeira ultima ratio do sistema processual penal. É um mal, grave, que
infelizmente é necessário para casos excepcionais e que deve ser utilizado com
extrema prudência. Além disso,os argumentos que
sustentam a tese de que não estamos frente a uma verdadeira execução
antecipada da pena são frágeis e não convencem.48
Proporcionalidade
As medidas cautelares são limitadoras da liberdade
individual ou da livre disposição patrimonial, sendo consideradas medidas excepcionais dada a difícil coexistência entre elas e os
direitos e garantias fundamentais assegurados nas constituições de países
democráticos.
O
Princípio da Proporcionalidade vai nortear a conduta do juiz frente ao
caso concreto, pois deverá ponderar a gravidade da medida imposta com a
finalidade pretendida, sem perder de vista o fumus delicti e o perigo ao normal desenvolvimento do
processo. Deverá valorar se esses elementos justificam a gravidade
das consequências do ato e a estigmatização jurídica e social que irá sofrer o
acusado. Jamais uma medida cautelar poderá se converter em uma pena antecipada,
sob pena de flagrante violação à presunção de inocência.
A
doutrina alemã49 aponta que o juiz
deve levar em consideração o Princípio da Proporcionalidade unindo ele as
graves conseqüências que causa ao imputado, que nem sempre é culpado, a prisão
cautelar, que deve ser considerada sempre como última medida a ser tomada.
No
mesmo sentido, o art. 275.2 do CPP italiano determina que a prisão provisional deverá ser proporcional a natureza do fato e a sanção que
possa ser aplicada.
O
respeito “al libre desarrollo”
da personalidade é obtido mediante a proteção do indivíduo contra o grupo a que
ele pertence50 por duas formas: de fortalecimento dos
indivíduos ou pelo debilitamento do grupo. O
fortalecimento dos particulares se consegue mediante o estabelecimento de
direitos fundamentais. Segundo Guasp51 isso é uma exigência
derivada do direito natural que impede ao Estado não tomar parte no
problema de se existem ou não no conjunto de suas atividades, algumas dirigidas
à realização do valor justiça, donde se deduz a existência de um autêntico
direito subjetivo a que o poder público se organize de modo que os imperativos
de justiça sejam satisfeitos.
Pode-se
afirmar que esse Princípio exige basicamente três requisitos:52
1º
Adequação: a medida deve ser adeqüada ao fim que com
ela se pretende lograr, atentando-se para a natureza da restrição causada pela
medida escolhida.
2º
Sacrifício Proporcional: a limitação de um direito fundamental deve ser
produzida em medida estritamente necessária para a salvaguarda do
interesse comum e não suponha um sacrifício excessivo e desnecessário. Se
existir outra medida de eficácia análoga mas menos
prejudicial, deve ser ela a adotada.
3º
Motivação da Resolução: é imprescindível, tendo em vista a gravidade de uma
prisão cautelar, uma singular e extraordinária qualidade e primor na
fundamentação de um decreto dessa natureza. É um imperativo
constitucional, art. 120.1, consagrado pela jurisprudência do Tribunal
Constitucional da Espamha. Ademais, conforme a
sentença 65/1991 de 22 de março, não pode existir uma fundamentação formulária, é necessário que exista uma análise particular
do caso e da prova, sendo vedado ao juiz que utilize uma decisão “aberta e
abstrata”53 derivada de uma das muitas fórmulas consagradas na
prática judicial. Por fim, a motivação serve também para a avaliação objetiva
dos critérios do julgador, para avaliar a razoabilidade de sua decisão.
4.
Conclusão
Nossa
idéia básica era trazer algumas rápidas considerações sobre as medidas
cautelares no processo penal comparado, buscando de alguma forma contribuir com
a evolução de tão importante instituto no direito brasileiro e também
despertar para a gravidade dessas medidas como poderosos instrumentos de estigmatização social e jurídica dos acusados.
Com
certeza muitos dos pontos abordados nessa breve exposição servem para
entendermos melhor as prisões cautelares no nosso direito, e quem sabe,
despertar para a necessidade de salutares modificações inspiradas na
sempre útil incursão por outros sistemas jurídicos. Pensamos que carece o
direito processual penal brasileiro de medidas como o contraditório e ampla
defesa no momento da adoção da prisão cautelar, dever de revisar periodicamente
a necessidade da manutenção da prisão, delimitação da duração máxima da prisão
preventiva, apenas para citar alguns exemplos de uteis
contribuições que nos traz o direito comparado.
Outro
aspecto fundamental é a necessidade de conscientização por parte dos juízes da
importância de motivar a decisão que adota uma prisão cautelar, não só porque é
um dever constitucional, mas também pelo elevado custo desse ato, que como
frisa Carnelutti, infelizmente se paga em “moeda
justiça” pois as consequencias
na vida do detido não são provisórias. “As pessoas crêem que o processo penal
termina com a condenação e não é verdade; as pessoas crêem que a pena termina
com a saída do cárcere, e não é verdade; as pessoas crêem que o cárcere
perpétuo seja a única pena perpétua; e não é verdade. A pena, se não mesmo
sempre, nove vezes em dez não termina nunca. Quem em pecado está é perdido.
Cristo perdoa, mas os homens não.”54
Notas:
1.
Ajuris nº 69, p. 152.
2.
GOLDSCHMIDT, James. Problemas Jurídicos y Politicos del Proceso
Penal. Barcelona: Bosch, 1935, p. 8.
3. Op. cit., p. 17 .
4.
GOLDSCHMIDT, James. Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal.
Barcelona: Bosch, 1935, p. 67.
5.
ARAGONESES MARTINEZ, Sara et
alii. Derecho Procesal Penal. Madrid: Editorial Centro de Estudios Ramon Areces,
1996, p. 387.
6.
ILLESCAS RUS, Angel-Vicente. Las Medidas
Cautelares Personales en el Procedimiento Penal. In:
Revista de Derecho Procesal,
1995, nº 1, p. 103.
7.
ARAGONESES ALONSO, Pedro. Curso de Derecho Procesal Penal. Madrid: Edersa,
1986, p. 246.
8.
Neste sentido as decisões do Tribunal Constitucional (STC) 40/1987 de 3 de
abril e 41/1982 de 2 de julho.
9.
MARTINEZ, Sara Aragoneses, et alii. Derecho
Procesal Penal. Madrid: Editorial Centro de Estudios Ramon Areces S.A., 1996,
p.387.
10.
Atualmente pensamos ser esta a posição majoritária, avalizada pela melhor
doutrina, seja na espanha
(Sara Aragoneses, Prieto-Castro,
Herce Quemada, Fairen Guillen, entre outros) ou
na itália (Carnelutti, Calamandrei).
11.
MARTINEZ, Sara Aragoneses, et alii. Derecho
Procesal Penal. Madrid: Editorial Centro de Estudios Ramon Areces S.A., 1996,
p.387.
12.
Seguindo a lição de Goldschmidt (op. cit. p. 23 e seguintes) o Direito
de punir do Estado nasce com a prática de um fato considerado como delito, mas
como se trata de um Direito de coação indireta, sua efetiva aplicação depende
da existência de um processo penal que ao final imponha uma pena.
Concomitantemente também nasce com o delito o Direito subjetivo de acusação que
consiste na faculdade de colocar em marcha o processo penal contra alguém junto
ao titular do poder jurisdiccional, visando a efetiva imposição de uma pena. A sentença que condena o
réu, reconhece o Direito de acusação (da parte)
e torna efetivo o Direito de punir (do Estado) que nasceu com o delito. A
pena é uma retribuição jurídica ao autor do delito, configurando um ato de
soberania do Estado como forma de reação que busca restabelecer a paz social. A
principal discordância em relação a teoria tradicional
de Binding, é que Goldschmidt
entende que o Direito de “penar” coincide com o poder judicial de condenar o
culpável e executar a pena, pois o Estado, como titular do Direito de punir,
realiza seu Direito não como parte, mas como juiz (op. cit.
p. 25).
13.
Salvo raras exceções como Pedro Aragoneses Alonso
cujos apontamentos de classe nos foram gentilmente cedidos.
14.
Pádova, 1936.
15.
Pode-se considerar ainda o perigo à ordem social e econômica conforme
contemplado no sistema brasileiro.
16.
SENDRA, Vicente Gimeno et alii. Derecho Procesal
Penal. Madrid: Editora Colex, 1996, p.481.
17.
GOMEZ COLOMER, Juan-Luis. El Proceso
Penal Aleman. Barcelona: Bosch, 1985, p. 106.
18.
ILLESCAS RUS, Angel-Vicente. Op. cit. p. 66.
19.
CARNELUTTI, Francesco. Lecciones sobre el Proceso Penal. Vol. II.
Tradução de Santiago Santís Melendo.
Buenos Aires: Editora Bosch, 1950, p. 180.
20.
Op. cit. p. 181 e 182.
21.
Sem embargo, não concordamos com essa afirmação e levando em consideração o
elevado custo do processo, a difamacio judicialis e a estigmatização
derivada do processo penal, entendemos que deve existir um juízo sério de preadmissibilidade da acusação (contraditório) para filtrar
acusações infundadas e evitar demandas penais temerárias. Nessa fase
intermediária, deve o acusador demonstrar a probabilidade de êxito da
acusação e não a simples possibilidade.
22.
Art. 503. “Para decretar la prisión
provisional serán necesarias
las circunstancias siguientes:
1ª Que conste en la causa la existencia de un hecho que presente los caracteres de delito. 2ª Que éste
tenga señalada pena
superior a la de prisión
menor, o bien que aun cuando tenga señalada
pena de prisión menor o inferior, considere el Juez necesaria
la prisón provisional,
atendidos los antecedentes del imputado, las
circunstancias del hecho,
de la alarma social que su comisión haya producido
o la frecuencia con la que se cometen hechos análogos. Cuando el juez
haya decretado la prisión provisional en caso de
delito que tenga prevista pena inferior a la de prisión mayor,
podrá, según su criterio, dejarla
sin efecto, si las circunstancis tenidas en cuenta
hubiesen variado, acordando la
libertad del inculpado con o sin fianza.
3ª Que aparezcan en la causa motivos bastantes para creer
responsable criminalmente del
delito a la pesona contra quiene se haya de dictar el auto de prisión.”
23.
O art. 503, 2ª fala em “… antecedentes del imputado, las circunstanias del hecho, la alarma social que su comisión haya
producido o la frecuencia con la que se cometan hechos análogos…”.
24.
Introduzione allo studio sistematico dei provedimenti cautelari. Pádova, 1936, p. 18.
25. Art. 504 bis 2. “… Si por cualquier
razón la comparecencia no pudiera celebrarse, el Juez acordará la prisión o libertad provisional,
si concurriern los presupuestos y estimase riesgo de fuga …” (grifei).
26.
CATENA, Victor Moreno, et alii.
Op. cit., p. 528.
27. A
letra “d” da 11ª das disposições transitórias do CP/ 1995 determina que:
para fins de aplicação processual, a pena de prisão menor será de 6 meses a 3
anos.
28.
Chamado de “rebelde”, cujo tratamento se encontra no artículo 834 e seguintes
da Ley de Enjuiciamiento
Criminal, verbis “Será
declarado rebelde el procesado
que en el término fijado en la
requisitoria no comparezca,
o que no fuere habido
y presentado ante el Juez o Tribunal que conozca de la causa.”
29.
Art. 841 Si al ser declarado en rebeldía
el procesado se hallare pendiente el juicio oral, se suspenderá éste y se archivarán los autos.
30.
SENDRA, Vicente Gimeno, et alii. Op.
cit., p. 481.
31. Na doutrina espanhola está consagrada a expressão “exquisita motivación”, sendo o adjetivo “exquisita” visto como de “calidad, de primor, de singular y extraordinaria
fundamentación”. Neste sentido:
Angel-Vicente Illescas, op. cit.
p. 75.
32.
ARAGONESES ALONSO, Pedro. Curso de Derecho Procesal Penal. p. 247.
33.
ILLESCAS RUS, Angel-Vicente. Op. cit. p. 69.
34.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora UnB, 1991, p. 158.
35. A
expressão provisionalidad é a consagrada na doutrina
espanhola, de modo que nos parece importante citá-la tendo em vista o risco do
vocábulo por nós escolhido.
36.
MARTINEZ, Sara Aragoneses, et alii. Derecho
Procesal Penal. p. 388
37.
Art. 17.2 “La detención
preventiva no podrá durar más del tiempo estrictamente necesario para la realización de las averiguaciones tendentes al esclarecimiento de los hechos, y, en todo caso, en el plazo
máximo de setenta y dos horas, el detenido
deberá ser puesto en libertad o a disposición de la autoridad judicial.”
38.
Art. 496. “El particular, autoridad
o agente de policía judicial que detuviere
a una persona en virtud de lo dispuesto
en los precedentes
artículos, deberá ponerla en libertad o entregarla
al juez más próximo al lugar en
que hubiere hecho la detención dentro de las veinticuatro horas siguientes al acto de la misma. “
39.
Dentre outros, sustentam a mesma opinião Gimeno
Sendra, Aragoneses
Alonso e Montón Redondo.
40.
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, p. 86.
41.
GIMENO SENDRA, Vicente. Derecho Procesal
Penal, p. 496.
42.
Art. 13, II “In casi eccezionali
di necessità de urgenza, indicati tassativamente dalla legge, l’ autorità di pubblica sicurezza
può adottare provvedimenti provvisori, che devono
essere comunicati entro quarantotto ore all’ autorità giudiziaria e, se questa non li convalida nelle successive quarantotto ore, si intendono revocati e restano privi di ogni
effetto.”
43.
Segundo o Tribunal Constitucional – STC 178/1985 – a duração deve ser tão
somente a que se considere indispensável para conseguir a finalidade pela qual
foi decretada. No mesmo sentido também já tem decidido o Tribunal Europeu de
Direitos Humanos nos casos Weinhoff (junho/68), Neumeister (junho/68), Bezicheri
(out/85) entre outros.
44.
De los delitos y de las
penas, p. 60.
45.
MARTINEZ, Sara Aragoneses et alii. ob.cit., p. 389.
46.
CARNELUTTI, Francesco. Lecciones sobre el Proceso Penal. Vol. II. Trad. Santiago Santis Melendo. Buenos Aires: Editora Bosch, 1950, p. 71.
47.
idem.ob.cit.,p.
389.
48.
É importante frisar que o direito e as normas não são elaboradas
para os juristas, mas para as pessoas leigas , sem conhecimento técnico do
direito, mas com plena noção do justo e do injusto. Da mesma forma as
decisões judiciais não devem ser manifestações do “exacerbado tecnicismo
do juiz”, porque não são destinadas aos juristas, mas ao acusado, que deve compreender
e, principalmente, se convencer e se conformar com a decisão. Só assim se
estará restabelecendo a paz social e essa é a verdadera
função do direito e das decisões judiciais.
49.
GOMEZ COLOMER, Juan-Luis. Op. cit. p. 106.
50.
ARAGONESES ALONSO, Pedro. Proceso y Derecho Procesal. p. 138 e 139.
51.
GUASP, Jaime. Administración de justicia
y derechos de la
personalidade. In: Estudios de Derecho.
Madrid: Civitas, 1997.
52.
Conforme Angel-Vicente Illescas Rus, op. cit. p.
74 e 75.
53.
Algo muito usado no Brasil, onde alguns juízes utilizam resoluções abertas,
abstratas e formulárias, como a consagrada “Homologo
o flagrante eis que cumpridos os requisitos formais e mantenho a prisão para
garantia da aplicação da lei penal.”
54. CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Conan, 1995, p.77.
Doutor em Direito Processual Penal
Prof. Programa de Pós-Graduação em
Ciências Criminais da PUCRS
Pesquisador do CNPq
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