Resumo: Sabe-se que, na década de 90, ocorreu uma crise humanitária em Ruanda. Isso foi conseqüência de uma guerra civil extremamente violenta entre tutsis – etnia minoritária – e os hutus – maioria étnica. Tal fato levou a uma perseguição aos tutsis e aos hutus moderados, após a morte do presidente de Ruanda – Juvenal Habyarimana – em um acidente aeronáutico ocorrido em condições misteriosas em abril de 1994. Após o não êxito das tropas de paz da Organização das Nações Unidas – ONU em Ruanda, Missão de Assistência da ONU para Ruanda – UNAMIR, o Conselho de Segurança editou a Resolução 929, em 22 de junho de 1994, determinando que os Estados Partes contribuíssem para o estabelecimento de uma operação temporária com o fim de oferecer proteção e segurança aos refugiados e as vítimas do conflito. O presente trabalho tem por objetivo discorrer sobre o contexto em que se deu a intervenção humanitária em Ruanda, na década dos anos 90 do século XX, fazendo uma análise sobre este acontecimento.
Palavras-chave: Intervenção Humanitária. Conselho de Segurança. ONU. Ruanda. Genocídio.
Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. Genocídio em Ruanda; 3. Intervenção humanitária em Ruanda; 4. Considerações finais; 5. Referências.
1. Considerações iniciais
A guerra civil ocorrida em Ruanda é oriunda da colonização belga sobre hutus – maioria étnica – e tutsis – etnia minoritária, bem como na “manipulação desta clivagem” para a Bélgica e por elites ruandesas a partir da disputa política desenvolvida a partir do processo de descolonização. No ano de 1899, os alemães declararam seu protetorado à Ruanda, contudo com a derrota na Primeira Grande Guerra, os belgas ocuparam este país.[i]
A metrópole fez dos tutsis o grupo mais forte em termos político, econômico e militar. Na década dos 50 do século XX, os belgas utilizaram uma técnica denominada “dividir para governar”, favorecendo a formação de um grupo hutu extremamente forte, o qual se revoltou contra o governo tutsi em 1959. [ii]
Em 1961 Ruanda obteve autonomia a partir de um plebiscito que teve supervisão da Organização das Nações Unidas – ONU, vindo a se tornar independente em 1962.
A partir do momento em que a descolonização aconteceu, a elite política hutu substituiu os belgas, em uma competição política violenta, causando centenas de mortes de tutsis, o que levou a causar milhares de refugiados em Uganda, Burundi e Tanzânia.
“A descolonização da África despertou um nacionalismo Hutu antagônico não só aos belgas como aos Tutsi. O massacre de vinte mil Tutsi nos anos que precederam à independência provocaram um êxodo da elite minoritária, que está na origem da formação de uma diáspora anglófona em Uganda e na América do Norte (os Hutu permaneceriam francófonos).”[iii]
Em 1973, Juvenal Habyarimana, ministro da defesa do governo de Grégoire Kayibana, fez com que este governo caísse, chegando ao poder. Com isso, a sociedade passou a ser estratificada com a “formalização do sistema de quotas étnicas para empregos e oportunidades educacionais.” [iv]Ademais, o novo presidente favoreceu uma minoria de hutus habitantes do norte, o que acirrou mais ainda as diferenças entre as duas etnias.
Na década dos 80 do século XX, houve ataques contra a população ruandesa em Uganda, o que levou os exilados a se articularem no sentido de se unirem ao Movimento Revolucionário Nacional de Museveni. Em 1979, os membros deste grupo fundaram a Aliança Ruandesa para a Unidade Nacional[v], que mais tarde passou a ser denominado Frente Patriótica Ruandesa – FRP.
“Até os anos oitenta a relativa estabilidade do país fez com que Ruanda, apesar de seu regime político ditatorial de partido único, fosse capaz de atrair cooperação externa, particularmente de países de língua francesa (inclusive Canadá). Em 1988, os Tutsi, no exílio, se aliaram à dissidência interna – composta inclusive por representantes da etnia majoritária – formando a Frente Patriótica de Ruanda que acabaria por tomar o poder após haver sido vítima de tentativa organizada de extermínio por radicais Hutu.”[vi]
A FRP atacou Ruanda em 1990, dando início ao primeiro confronto do que passaria a ser uma guerra civil nos próximos três anos que teria como fim principal forçar a liderança de Ruanda a aceitar a repatriação dos refugiados, na sua grande maioria composta por tutsis.
2. Genocídio em Ruanda
A partir do ataque da FPR a Ruanda em 1990, iniciou-se uma guerra civil da qual o saldo foi de inúmeras mortes.
Com isso, a França, a Bélgica e o Zaire enviaram tropas para Kigali, a capital, oficialmente para proteger seus nacionais. Este último país deixou claro que as tropas deveriam prestar ajuda ao exército ruandês.
A FPR foi vencida e, com isso começou a se organizar como um movimento de guerrilhas. O governo passou a ser o autor de vários massacres da população civil tutsi, provocando assim, represálias da FPR.[vii]
Após três anos de negociações, os adversários à guerra civil ruandesa assinaram o Acordo de Arusha, pondo assim um fim ao conflito que iniciara em de agosto de 1990. Desse modo, foi instalado um governo de transição, no qual a FPR teve participação, embora houvesse uma acirrada oposição de hutus extremistas.[viii]
A ONU resolveu enviar uma missão para tentar minimizar os conflitos que estavam ocorrendo na região. Tal missão recebeu o nome de UN Assistance Mission for Rwanda – UNAMIR, tendo sido enviada a Ruanda em outubro de 1993, com o fim de promover a paz, monitorando “o frágil cessar-fogo”, bem como acompanhar o processo de desmilitarização. Contudo, os presidentes de Ruanda – Habyarimana – e do Burundi – Ntaryamira – morreram em um acidente de avião ocorrido em abril de 1994, quando retornavam das negociações a respeito da tomada de providências para a efetivação do Acordo de Arussha, o que ocasionou uma “onda” de violência e mortes com “conotações políticas e étnicas”.[ix]
“As mortes dos Chefes de Estado de Ruanda e Burundi em 6 de abril de 1994,em um acidente aparentemente provocado, desencadearia uma onda de assassinatos de motivação étnica, política e indiretamente econômica, em que morreriam mais de oitocentos mil pessoas, enquanto três milhões se deslocariam internamente ou para países vizinhos. De uma população Tutsi ruandesa cerca de um milhão, sobreviveram menos de duzentos mil.”[x]
A conjuntura ruandesa tornou-se uma catástrofe, na medida em que se tornaram alvos o Primeiro Ministro, o gabinete de ministros e a UNAMIR. Nesse contexto, “elementos das forças governamentais, da guarda presidencial e da milícia jovem hutu – a Interhamwe – ficaram livres para matar tutsis e líderes hutus moderados”.
Essa disputa tornou-se algo sem limites, fazendo com que quinhentos mil tutsis e hutus moderados fossem mortos em práticas genocidas, devido problemas de ódio com conotações étnicas. Após três meses do início dessa onda de destruição e violação de direitos humanos, o número de vítimas mortas chegou a ultrapassar um milhão.
Um novo governo que se instalou em Ruanda em abril não fez cessar as práticas de genocídio.
Somente em 17 de maio de 1994 o Conselho de Segurança da ONU reconheceu que o problema da região de Ruanda constituía uma ameaça à paz e segurança internacionais e, conseqüentemente impôs embargo a armamentos. Os países ocidentais ficaram inertes à conjuntura política e social de Ruanda e, somente a França se propôs a implementar uma intervenção com caráter humanitário,após a autorização da ONU.[xi]
3. Intervenção humanitária em Ruanda
O processo de intervenção humanitária em Ruanda foi considerado um fracasso. Primeiro, porque o caso de Ruanda evidenciaria os limites políticos da perspectiva de recorrer-se à força armada com objetivos humanitários e, também por ter sido uma ameaça à paz e à segurança internacionais e que as ações empreendidas para pôr fim ao massacre deveriam estar baseadas no Capítulo VII da Carta da ONU.[xii]
“Anos depois, uma Comissão Independente, estabelecida pelo SGNU, concluiria que a resposta da ONU havia sido um ‘fracasso retumbante’, resumindo na falta de recursos e de vontade política dos Estados-membros em assumir o compromisso necessário para prevenir o genocídio.”[xiii]
Além disso, a intervenção humanitária em Ruanda deu sinais de falta de compromisso com o Direito Internacional Humanitário. Pode-se chegar a esta conclusão a partir do momento em que as tropas belgas, consideradas o maior contingente e mais forte da UNAMIR, foram retiradas e isso dificultava qualquer reação.
Logo nos primeiros dias (do massacre), o comandante militar da UNAMIR -general canadense Roméo Dallaire – requisitou a ampliação das tropas para cinco mil homens e novo mandato para impor o cessar-fogo. Kofi Annan, na época ocupava o cargo de secretário-geral da ONU, teria contatado representantes de cerca de cem diferentes governos a fim de conseguir tropas. Contudo o resultado foi sem sucesso.
No entanto, diante da crise que se alastrava em Ruanda, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) “decidiu reduzir esse contingente para 270 soldados e restringiu seu mandato à mediação e à ajuda humanitária, na medida do possível.”[xiv]
A decisão foi suficiente para que os demais Estados africanos e, principalmente, as agências humanitárias, criticassem este posicionamento. Além disso, o termo genocídio era evitado durante as discussões pelo CSNU com o objetivo de evitar implicações políticas e jurídicas aos Estados-Membros, diante da Convenção sobre a Prevenção e a Punição pelo crime do Genocídio de 1948.
No entanto, as decisões acerca da intervenção humanitária em Ruanda não foram precisas. Países que poderiam ter participado mais ativamente, ficaram de fora por não se sentirem responsabilizados pelo massacre.
Um exemplo é o posicionamento dos Estados Unidos que “julgavam não haver nenhum dever moral ou legal de intervir. “A diplomacia norte-americana observou que a intervenção somente poderia ocorrer com o consentimento das facções em conflito”.[xv]
Daí, veio a Resolução 929 representou o fundamento legal para a intervenção da França em Ruanda, exigindo, contudo que ela perseguisse finalidades estritamente humanitárias e se processasse de forma imparcial.
A Resolução 929 contou com dez votos favoráveis, um voto contra e cinco abstenções (Brasil, China, Nova Zelândia, Nigéria e Paquistão). A intervenção, comandada pelo exército francês, não poderia exceder o período de dois meses.
4. Considerações finais
O caso do massacre ocorrido em Ruanda na década de 1990 é um exemplo de como o Direito Internacional Humanitário fica inerte diante de circunstâncias que necessitam de um posicionamento mais preciso por parte dos Estados e organizações internacionais.
Por mais que tenha havido interesse em resolver a situação em Ruanda, este mesmo interesse não foi desenvolvido com ações eficazes que garantissem resultados mais precisos.
Em se tratando de intervenção humanitária, as ações devem ser realizadas com o propósito de evitar danos às populações e não abster-se do compromisso humanitário, do qual todos os países estão envolvidos: com o bem coletivo e a cooperação para a promoção da paz e o bem-estar social.
Mestranda em Direito Público – linha de pesquisa Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. Bolsista CAPES. Pesquisadora colaboradora do Centro de Direito Internacional – CEDIN e Instituto de Investigação Científica Constituição e Processo – CNPq/PUC Minas. Auxiliar Judiciária do Tribunal de Justiça do Ceará – TJCE
Acadêmica de Direito da PUC Minas. Pesquisadora colaboradora da PUC Minas
aluno da pós-graduação “lato sensu” em Direito Internacional da Universidade de Fortaleza (UNIFOR).
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