Resumo: O artigo trata dos efeitos da globalização e do neoliberalismo nas relações trabalhistas internas do Brasil. Estuda-se a globalização como a expansão do modo de produção capitalista. A investigação se dá sob os enfoques econômico e social, que são os que mais impactam as sociedades, ao alterar o mercado e as relações de trabalho, favorecendo a precarização das condições de trabalho. Muitas vezes a precarização é encoberta pela palavra flexibilização. O objetivo é compreender como a globalização vem atingindo o direito interno trabalhista e refletir sobre a manutenção de barreiras protetivas neste contexto. A explanação, mediante pesquisa bibliográfica, com enfoque marxista e crítico, faculta ainda uma análise do comportamento do Estado brasileiro frente à internacionalização da economia. O estudo conduz à constatação que as barreiras protetivas justrabalhistas no Brasil vêm sendo adaptadas às exigências do mercado e não sendo um limitador da agressividade na busca pelo lucro.
Palavras-chave: Globalização. Reestruturação da produção. Neoliberalismo. Relações trabalhistas internas.
Resumen: El artículo trata de los efectos de la globalización y del neoliberalismo en las relaciones laborales internas de Brasil. Se estudia la globalización como la expansión del modo de producción capitalista. La investigación se da debajo los enfoques económico y social, que son los que más afectan a las sociedades, al modificar el mercado y las relaciones de trabajo, favoreciendo la precarización de las condiciones de trabajo. Muchas veces la precarización está encubierta por la palabra flexibilización. El objetivo es comprender cómo la globalización viene alcanzando el derecho interno laboral y reflexionar sobre el mantenimiento de barreras protectivas en este contexto. La explicación, mediante investigación bibliográfica, con enfoque marxista y crítico, faculta aún un análisis del comportamiento del Estado brasileño frente a la internacionalización de la economia. El estudio conduce a la constatación de que las barreras proteccionistas en Brasil se han adaptado a las exigencias del mercado y no es un limitador de la agresividad en la búsqueda de benefícios.
Palabras-clave: Globalización. Reestructuración de la producción. Neoliberalismo. Relaciones laborales internas.
Sumário: Introdução; 1 A globalização: uma conceituação; 2 A reestruturação das relações de produção; 2.1 A reestruturação das relações de produção: aspectos teóricos gerais; 2.2 A reestruturação das relações de produção no Brasil; Conclusão.
Introdução
O século XX trouxe alterações estruturais profundas. A partir da década de 1980 intensificou-se um fenômeno chamado de globalização[1], que tem algumas características fundamentais, entre elas a internacionalização da economia e da política; e tem como vetor de expansão a tecnologia. (SOARES FILHO, 2007) A globalização é um fenômeno afeto ao direito internacional, no entanto também diz respeito às relações de direito privado de cada país, por sofrerem impacto direto dos efeitos daquela. E também porque a globalização vem dirigindo muitas relações entre Estados, como veremos no decorrer deste texto. Este artigo tem o objetivo de ver como a globalização afeta as relações sociais internas no Brasil e refletir sobre esta questão. Foi escolhido um tipo específico de relação para a nossa análise: a relação de trabalho, que dentro do processo de globalização tem sofrido fortes efeitos, e as alterações internas no mercado de trabalho são justificadas com base nas exigências da economia internacional. Diz Soares Filho (2007, p. 19) que
“no intuito de se tornarem mais competitivas, como exigência do mercado, as empresas procuram reduzir os custos da produção, por diversos meios, dentre os quais o rebaixamento dos salários, e extinção de vantagens obtidas pelos trabalhadores e de postos de trabalho, sem perspectiva de recuperação.”
Apesar do conceito de Estado-nação permanecer, alterações estruturais são efetivadas com base em uma cartilha que segue interesses internacionais. Não se nega os efeitos benéficos da globalização em alguns aspectos (cultura, ciência etc.), mas se questiona o aprofundamento de problemas sociais, como o desemprego. Importante destacar que a globalização veio junto à necessidade do capitalismo de se desenvolver e de se expandir e a
“mundialização da economia traz grande concentração de renda, em todos os planos, concorrendo, pois, para o empobrecimento dos países subdesenvolvidos e a falência de pequenas e médias empresas.” (SOARES FILHO, 2007, p. 19)
Pensando de forma “globalizada”, os donos do capital são os países centrais enquanto os países periféricos formam o “proletariado”. Tanto é assim, que – como veremos mais a frente no modo do Brasil se inserir no mercado internacional – os países periféricos praticamente tiveram que aderir a um projeto político estabelecido pelos países de capitalismo central. Neste patamar internacionalizado de forças, deve haver preocupação de cada país em manter internamente seu projeto de governo sem se permitir ser explorado por outros países ou ao menos atenuar a agressividade do modo de produção capitalista.
É fundamental compreender qual a motivação das mudanças na política e na economia que vêm sendo feitas a fim de que se possa construir um modo real de proteção às conquistas sociais históricas do país.
Já que a globalização “constitui um processo vinculado à evolução das relações humanas no curso da história e, por conseguinte, é irreversível” (SOARES FILHO, 2007, p. 18), a interrogação é: a ordem interna brasileira vem mantendo uma barreira de proteção social frente à globalização?
Para refletir sobre estas questões, primeiramente estudaremos o conceito de globalização e depois seus efeitos na sociedade, mais especificamente na sociedade do trabalho.
1 A globalização: uma conceituação
A globalização é um fenômeno muito anterior ao século XX. Guerra (2007, p. 230) diz ser “um fenômeno sem data de nascimento” em função da característica da humanidade de se expandir. Mas foi na segunda metade do século XX, com a revolução tecnológica e a queda do regime chamado socialismo real, que houve o “surto da globalização”. (COELHO apud SOARES FILHO, 2007, p. 34) Estes foram fatos que facilitaram a abertura dos mercados, mas há outros fenômenos. Ocampo (2009) indica 7 (sete) fenômenos que aceleraram o processo de globalização: revolução na tecnologia; crescimento e mobilidade da população mundial; enfraquecimento do poder político nacional; natureza das ameaças à segurança nacional; democratização da tecnologia, informação e finanças; queda do império soviético; e globalização dos direitos humanos. Ocampo (2009, p. 11) aduz que, já que os problemas econômicos e sociais atuais são “internacionais em sua natureza”, a resposta deve ser buscada “por meio de medidas também internacionais.” Infelizmente, ao que parece, a preocupação dos países centrais atualmente se volta para salvar o capital, sem que haja uma preocupação com o agravamento das questões sociais, que são compreendidas como consequência necessária. E diante deste quadro, a ordem jurídica interna brasileira vem chancelando o ideário de proteção do capital em detrimento dos hipossuficientes, como os trabalhadores.
Estaríamos neste momento sob os efeitos do que os autores chamam de quarta onda da globalização. Como aduz Guerra (2007, p. 234),
“Já no fim da década de 1970, início da década de 1980, o mundo assistiu à mais poderosa onda globalizante de que se tem notícia, a que hoje está se chamando de quarta globalização. Inspirada nas ideias liberais de Hayek e Friedman, e guiada pelos interesses econômicos de poderosos empresários, expressos na política neoliberal de Margareth Thatcher e Ronald Reagan, e concretizadas no mercado global, a atual globalização é auxiliada pela contínua modernização tecnológica, pela revolução da telemática da internet, e pela mídia, resultando nesse homogeneizador processo de mundialização de cultura.”
Vemos nesta explicação de Guerra (2007) que há inúmeros fatores envolvidos, o que dá à globalização uma natureza multifacetada. Conceituar um fenômeno nestas condições é tarefa difícil, mas utilizaremos o conceito de Ianni (apud Guerra, 2007, p. 237) em razão de sua completude:
“A globalização do mundo expressa um novo ciclo de expansão do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório de alcance mundial. Um processo de amplas proporções envolvendo nações e nacionalidades, regimes políticos e projetos nacionais, grupos e classes sociais, economias e sociedades, culturas e civilizações. Assinala a emergência da sociedade global, como uma totalidade abrangente, complexa e contraditória. Uma realidade ainda pouco conhecida, desafiando práticas e ideais, situações consolidadas e interpretações sedimentadas, formas de pensamento e voos da imaginação.”
A globalização é, então, a expansão do modo de produção capitalista, mesmo que haja outras vertentes, como a cultural, por exemplo. A vertente econômica e a social são as que mais nos interessam neste texto e são as que mais impactaram as sociedades porque alteraram o mercado e o trabalho.
A globalização não vem desacompanhada de ideologia. Tem seu discurso ideológico na ideia de integração[2] entre os povos, que oculta a real divisão econômica e social. Utilizamos o conceito de discurso ideológico de Chauí (2007, p. 15) que diz:
É aquele que pretende coincidir com as coisas, anular a diferença entre o pensar, o dizer e o ser e, destarte, engendrar uma lógica de identificação que unifique pensamento, linguagem e realidade para, através dessa lógica, obter a identificação de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular universalizada, isto é, a imagem da classe dominante. Universalizando o particular pelo apagamento das diferenças e contradições, a ideologia ganha coerência e força porque é um discurso lacunar que não pode ser preenchido.
A aparência de integração oculta a exclusão causada pela globalização. Como vemos, a globalização que vivenciamos hoje está diretamente relacionada ao capitalismo e a sua reestruturação, que tem como fundamento o neoliberalismo. Passaremos a entender um pouco este fenômeno no mundo e no Brasil e seus impactos nas relações de trabalho.
2 A reestruturação das relações de produção
Nosso estudo se insere na atual sociedade capitalista, que tem contradições profundas e é de difícil explicação e apreensão pelos teóricos em razão da diversidade de características. Iremos apresentar as características apontadas em alguns estudos que vêm acompanhando estas mudanças sociais. Primeiramente serão abordados aspectos gerais e na subseção seguinte a reestruturação das relações de produção no Brasil.
2.1 A reestruturação das relações de produção: aspectos teóricos gerais
Duas questões devem ser ditas de início, apesar de já serem notórias: uma é que as transformações alcançam todos os níveis da realidade social e é por isto que não podemos dissociar os modos de organização na política e no meio jurídico dos desdobramentos sociais; outra é que as alterações sociais não ocorrem de forma abrupta, logo, as características dos diferentes momentos históricos da sociedade capitalista coexistem e se interpenetram. É por esta última razão que alguns autores não entendem adequado intitular a sociedade contemporânea como “pós-industrial”, pois não houve eliminação da força deste elemento (indústria) na formação social, especialmente em países periféricos, onde o processo de industrialização ocorreu tardiamente em relação aos países centrais. O mesmo se diga para a expressão sociedade “pós-fordista”, posto que o modo fordista de organização do trabalho não foi extinto.
Bauman (1998, p. 49) afirma que “esses últimos trinta anos, aproximadamente, foram de fato anos fecundos e decisivos na história do modo como foi moldada e mantida a sociedade “ocidental” – industrial, capitalista, democrática e moderna.” E continua a relatar sobre a era dos excluídos e a falência do Estado do Bem-Estar (1998, p. 50-51):
“As melhorias econômicas já não anunciam o fim do desemprego. Atualmente, “racionalizar” significa cortar e não criar empregos, e o progresso tecnológico e administrativo é avaliado pelo “emagrecimento” da força de trabalho, fechamento de divisões e redução de funcionários. Modernizar a maneira como a empresa é dirigida consiste em tornar o trabalho “flexível” – desfazer-se da mão-de-obra e abandonar linhas e locais de produção de uma hora para outra, sempre que uma relva mais verde se divise em outra parte, sempre que possibilidades comerciais mais lucrativas, ou mão-de-obra mais submissa e menos dispendiosa, acenem ao longe. […] No entanto, como o que cura uns mata outros, as mudanças que significam racionalização e flexibilidade para o capital repercutem nas extremidades receptoras como catástrofes – como sendo inexplicáveis, como estando além da capacidade humana e como emperramento de oportunidades no sólido muro do destino. Empregos vitalícios já não existem. Na verdade, empregos como tais, da maneira como outrora os compreendíamos, já não existem. Sem estes, há pouco espaço para a vida vivida como um projeto, para planejamento de longo prazo e esperanças de longo alcance. Seja grato pelo pão que come hoje e não cogite demasiado do futuro… O símbolo da sabedoria já não é a conta de poupança. Atualmente, pelo menos para os que podem se dar ao luxo de ser sábios, passou a ser os cartões de crédito e uma carteira cheia deles.”
Nesta breve descrição dos fatos da sociedade atual por Bauman (1998), mais especificamente do final do século XX em diante, vemos o quanto o trabalhador vem sendo penalizado e como as alterações repercutem também no modo de socialização.
O avanço científico e tecnológico intensificou problemas relacionados ao mundo do trabalho.
“Neste cenário, podemos observar uma contradição marcante: enquanto parte significativa da classe trabalhadora é penalizada com a falta de trabalho, outros sofrem com seu excesso. Além da precarização das condições de trabalho, da informalização do emprego, do recuo da ação sindical crescem, em variadas atividades, os problemas de saúde, tanto físicos quanto psíquicos, relacionados ao trabalho.” (NAVARRO; PADILHA, 2007, p. 14)
Ciência e tecnologia são fundamentais dentro do capitalismo e para reprodução deste; e como representantes destes – com importância para nossa investigação – indicamos dois elementos: o Direito e o processo produtivo (a operacionalização[3] deste).
O Direito se destaca para nós não só por sua função regulamentadora e disciplinadora, mas também porque o Brasil é uma sociedade preponderantemente legislada[4]. Ou seja, as relações sociais em geral (relações contratuais, relações de trabalho, relações tributárias, relações de consumo, relações familiares em geral etc.) são regulamentadas (definidas e limitadas por lei), havendo pouco espaço para o costume como fonte do certo e do errado. O processo de desregulamentação não foge a esta regra, precisando se apoiar em alteração legislativa a fim de obter o suporte da legitimidade.
Quanto ao processo produtivo, a transformação (estudada por Marx) sobre o trabalho e a apropriação deste (de valor de uso passar a valor de troca, a busca pelo trabalho excedente etc.), são traços marcantes e permanentes no modo capitalista de organização, mesmo que atualmente isto não signifique somente controle através do contrato clássico de trabalho (dentro das fábricas, perto do patrão e sob a subordinação e assalariamento deste) ou até mesmo que esteja além da (já ampliada) classe-que-vive-do-trabalho[5] (ANTUNES, 2008 e 2009), se transformando em outros tipos de relação (da subordinação para a “autonomia”[6]), no entanto seguindo a lógica do capital. Como aponta Tavares (2004, p. 33 e 34),
“até representações sindicais recomendam a organização autônoma do trabalho, sob a forma da pequena ou da microempresa, como alternativa ao desemprego. Nesta proposta subjaz a idéia de que acabou a era do trabalho, ou melhor, sugere-se a abolição do regime assalariado, sendo a saída possível tornar-se empresário, mesmo que, na maioria dos casos, estes não passem de trabalhadores por conta própria ou de pequenos patrões, com jornadas de trabalho superiores à média dos trabalhadores empregados. […] O máximo que o mercado oferece à chamada pequena empresa é trabalhar para a grande empresa. Assim, o pequeno empresário ao invés de ter no capitalista o seu patrão, poderá chamá-lo de ‘cliente’, mas essa mudança de tratamento não os faz iguais.” (negritei)
É acompanhando o que ocorreu quanto ao processo de trabalho que Harvey estuda a sociedade atual. Segundo Harvey (1996, p. 169),
“o capitalismo é, por necessidade, tecnológica e organizacionalmente dinâmico. Isso decorre em parte das leis coercitivas, que impelem os capitalistas individuais a inovações em sua busca do lucro. Mas a mudança organizacional e tecnológica também tem papel-chave na modificação da dinâmica da luta de classes, movida por ambos os lados, no domínio dos mercados de trabalho e do controle do trabalho. Além disso, se o controle do trabalho é essencial para a produção de lucros e se torna uma questão mais ampla do ponto de vista do modo de regulamentação, a inovação organizacional e tecnológica no sistema regulatório (como o aparelho do Estado, os sistemas políticos de incorporação e representação etc.) se torna crucial para a perpetuação do capitalismo. Deriva em parte dessa necessidade a ideologia de que o “progresso” é tanto inevitável como bom.”
Harvey inicia seu estudo da transformação do capitalismo atual (final do século XX em diante) apontando duas dificuldades do capitalismo: “qualidades anárquicas dos mercados de fixação de preços” e o “controle do trabalho”. Este último entendido como uma necessidade, mas que traz em si incompatibilidades e dificuldades. A primeira característica (dificuldade) fomentou a intervenção do Estado e a regulamentação. Harvey aceita que o período que se estendeu de 1945 a 1973 pode ser chamado de “fordista-keynesiano” em razão das práticas: “controle do trabalho, tecnologias, hábitos de consumo e configurações de poder político-econômico”. (1996, p. 119) Além de entender que a passagem de um modelo (ou as transformações ocorridas) é fundamental para compreensão do momento atual. É por isto que explica o fordismo, que serviu à lógica da acumulação por longo tempo, e as dificuldades que levaram a crise e alteração no modo de acumulação do capital (chamada por ele de “flexível”).
O controle do trabalho decomposto e organizado é anterior (mas não se compara à divisão do trabalho anterior ao capitalismo[7]) ao fordismo[8] e ao taylorismo, mas estes dois métodos foram responsáveis pela expansão sem precedentes do modo de controlar o trabalho. Estes foram uma contrapartida imposta pelos donos do capital às conquistas sociais (CASTRO, 2006). A serventia à máquina e seus efeitos Marx (2011a) já conhecia ao explicar as diferenças entre o trabalho na manufatura e o trabalho nas fábricas. No entanto, o despotismo do taylorismo/fordismo é tamanho, que faz alguns afirmarem que “nem mesmo Marx poderia antever o grau de alienação e subordinação a que poderia chegar a organização do trabalho sob a égide capitalista.” (CASTRO, 2006, p. 20)
Ambas as formas de organização citadas foram criadas por norte-americanos (Ford, empresário; Taylor, engenheiro) e foram contemporâneas; tanto é que o processo de produção que marcou profundamente o século XX propagou-se sob a intitulação de sistema taylorista-fordista. Moraes Neto (1986, p. 32), ao estudar a evolução do processo de produção no capitalismo, no ajuste à maquinaria, explica sobre o taylorismo/fordismo:
“Observe-se a diferença fundamental: em vez de se retirar a ferramenta das mãos do trabalhador e colocá-la em um mecanismo, ocorre o contrário; mantém-se a ferramenta nas mãos do trabalhador e vai-se, isto sim, dizer a ele como deve utilizar essa ferramenta; ou seja, ao mesmo tempo que se mantém o trabalho vivo como a base do processo do processo de trabalho, retira-se toda e qualquer autonomia do trabalhador que está utilizando a ferramenta. Essa é a idéia do taylorismo; é o controle de todos os passos do trabalho vivo, controle de todos os tempos e movimentos do trabalhador, claro que de forma necessariamente despótica. Em poucas palavras a transformação do homem em máquina, e não a utilização da máquina. Liberta-se o capital da habilidade dos trabalhadores, só que, em vez de se libertar introduzindo a máquina, busca-se objetivar o fator subjetivo, o trabalho vivo. A partir dessa diferenciação, passemos à discussão do fordismo. O fordismo é um desenvolvimento da proposta de Taylor; nada mais é do que a utilização de elementos objetivos do processo, de trabalho morto, para objetivar o elemento vivo, o trabalho vivo. […] O que faz o fordismo? Fixa o trabalhador em um determinado posto de trabalho, o objeto de trabalho é transportado sem a interveniência do trabalho vivo; este nunca perde tempo com o que Ford chama de “serviço do transporte”, e só faz, se possível, um único movimento.”
Vemos que há diferenças entre os tipos, mesmo que o objetivo de organizar a produção com foco no seu aumento e acumulação do capital seja o mesmo.
O taylorismo se fundamenta na racionalização da produção, “aprofundando a divisão técnica do trabalho e a separação entre concepção e execução e levando à obsolescência dos ofícios.” (CATTANI; HOLZMANN, 2006, p. 281) É a separação extrema entre o pensar e o executar que marca o sistema taylorista. Segundo Braverman (1980, p. 23),
“Taylor elevou o conceito de controle a um plano inteiramente novo quando asseverou como uma necessidade absoluta para a gerência adequada a imposição ao trabalhador da maneira rigorosa pela qual o trabalho deve ser executado. Admitia-se em geral antes de Taylor que a gerência tinha o direito de "controlar" o trabalho, mas na prática esse direito usualmente significava apenas a fixação de tarefas, com pouca interferência direta no modo de executá-las pelo trabalhador. A contribuição de Taylor foi no sentido de inverter essa prática e substituí-la pelo seu oposto. A gerência, insistia ele, só podia ser um empreendimento limitado e frustrado se deixasse ao trabalhador qualquer decisão sobre o trabalho. Seu "sistema" era tão-somente um meio para que a gerência efetuasse o controle do modo concreto de execução de toda atividade no trabalho, desde a mais simples à mais complicada. Nesse sentido, ele foi o pioneiro de uma revolução muito maior na divisão do trabalho que qualquer outra havida.”
O fordismo não traz diferença quanto ao grau de racionalização e controle. Para Faria e Kremer (2004, p. 2),
“o fordismo configura-se como um verdadeiro regime de acumulação e implementa um sistema de regulação e compromisso entre proprietários do capital, trabalhadores e o Estado, conhecido como compromisso fordista ou welfare state.”
Mesmo com a considerável produtividade alcançada com a implantação do taylorismo-fordismo, o crescimento econômico prometido, e ocorrido durante algumas décadas, começa a dar sinais de cansaço. Como explica Harvey (1996, p. 122), “as leis coercitivas da competição se mostraram demasiado fortes mesmo para o poderoso Ford, forçando-o a demitir trabalhadores e cortar salários.” A crise do capitalismo dos anos 30 precisou do Estado[9] para salvá-lo. A crise levou muitos a apoiar a intervenção do Estado, inclusive com “um pouco de autoritarismo.” (HARVEY, 1996, p. 124)
“É nesse contexto confuso que temos de compreender as tentativas altamente diversificadas em diferentes nações-Estado de chegar a arranjos políticos, institucionais e sociais que pudessem acomodar a crônica incapacidade do capitalismo de regulamentar as condições de sua própria reprodução.” (HARVEY, 1996, p. 124)
Ou seja, quando o capitalismo entra em colapso (em razão de sua própria lógica contraditória), entram em colapso também as concepções políticas e econômicas, com repercussões no campo social e sempre com uma justificativa ideológica. O papel do Estado ao longo da história vem deixar nítida esta questão, sempre variando entre abstencionismo e intervencionismo com a intensidade destes fenômenos sendo alterada conforme a característica dos governos (autoritários ou democráticos, liberais ou sociais), e respeitando também o processo histórico de cada país.
Os compromissos para o Estado salvar o capitalismo alteraram as suas obrigações e modo de regular as relações, promoveu crescimento e estabilidade durante anos, mas não impediu que os problemas econômicos e sociais permanecessem.
Há um conjunto de explicações para a crise do modelo fordista, fatores que foram se acumulando com o passar dos tempos, e que pediam alteração de modelos de organização de trabalho. Alguns resumem em “instabilidades da demanda” e “aumento da competitividade”. (MERÇON, 2007, p. 105) Nesse passo, em âmbito mundial, o modelo norte-americano não era o único[10]. Já haviam formas de organização do trabalho de grande flexibilidade (CASTRO, 2006) – toyotismo[11], por exemplo – que se apresentaram mais adequadas às novas exigências do mercado capitalista, sendo mais “enxutos” e “flexíveis”. (NAVARRO; PADILHA, 2007)
A alteração da organização não veio a atenuar a agressividade aos trabalhadores. No toyotismo, a racionalização vai além da relação trabalhador-máquina, relação “físicomaquinal” (Gramsci apud Antunes e Alves, 2004); incorpora aspectos psicológicos ao controle do taylorismo-fordismo. “O toyotismo procura desenvolver por meio dos mecanismos de comprometimento operários, que aprimoram o controle do capital na dimensão subjetiva.” (ANTUNES e ALVES, 2004, p. 345)
Vieram outras formas de organização do trabalho “mais adaptáveis” como resposta a crise dos sistemas anteriores, que é na verdade a crise do próprio capital. “Com o desencadeamento de sua crise estrutural, começava também a desmoronar o mecanismo de ‘regulação’ que vigorou, durante o pós-guerra, em vários países capitalistas avançados, especialmente da Europa.” (ANTUNES, 2009, p. 33).
A busca incessante pelo lucro de um lado e as crises de outro, determinam a constante alteração dos padrões dos processos de produção, com apoio da organização científica do trabalho (dos fordismo/taylorismo aos volvoísmo/toyotismo), sempre acompanhados de doutrinas econômicas (ciência).
“De modo mais geral, o período de 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as contradições inerentes ao capitalismo. Na superfície, essas dificuldades podem ser melhor apreendidas por uma palavra: rigidez.” (HARVEY, 1996, p. 135)
O destaque para a rigidez (dos investimentos e dos mercados) do fordismo é que leva Harvey a conceituar a reestruturação após a recessão de 1973 de “acumulação flexível”. A acumulação do capital continua, contudo dentro de um fenômeno de reorganização e reajustamento político, econômico e social em “confronto direto com a rigidez do fordismo.” (HARVEY, 1996, p. 140) A acumulação flexível “se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo.” (HARVEY, 1996, p. 140) Com esta reorganização surgem novos mercados, novos setores de produção. Agregando a estas questões, o avanço tecnológico[12] que marca a sociedade contemporânea, gerou uma intensa alteração na “compreensão do espaço-tempo”, como chama Harvey (1996, p. 140).
O tecido social se transfigura como um todo e o capitalismo alcança proporções cada vez mais extensas. “O capitalismo atingiu uma mundialização sem precedentes das suas formas de produzir e de viver, provocando alterações profundas em todo o complexo societário.” (EVANGELISTA, 2007, p. 172)
Hoje, o controle do trabalho não necessita de paredes e fiscalização visual (fábricas e indústrias e assalariamento). É controlado ainda mais intensamente através do controle do mercado e da tecnologia. Esta mutação da morfologia do controle do trabalho de forma ampla, e não apenas a morfologia quanto às novas formas de trabalho ou de trabalhador, deve ser incansavelmente investigada, a fim de captarmos como está funcionando a produção capitalista na atualidade. Na reestruturação atual do capitalismo, até aqueles que não são assalariados (na concepção clássica, empregado direto e subordinado) e que detém os elementos do processo de trabalho (atividade, matéria e meios – MARX, 2011a, p. 212) podem não ser capitalistas e continuar vendendo a sua força de trabalho. Exemplo desta situação é o transportador autônomo de carga no Brasil. Ele possui os meios, mas, como explica Araújo (2008, p. 10),
“possui apenas parcialmente, porque o transportador autônomo de carga tem são o caminhão e a carga a ser transportada que com sua força de trabalho realizam o processo de trabalho (atividade de transportar coisas), e seu produto (o deslocamento de carga) só se realiza durante o próprio processo de trabalho. Entretanto, ele só pode realizar um processo de trabalho se alguém comprar sua força de trabalho. E aqui está a relação capital-trabalho. Esta pessoa que tem capital disponível para comprar sua força de trabalho, deve ter também capital para “comprar a carga” que necessita ser transportada. Essa pessoa é o capitalista, que se objetiva ou na empresa de transporte ou em quem de fato detém a mercadoria. Somente eles, através da emissão do contrato ou conhecimento de transporte, podem permitir que as cargas se desloquem.”
Ou seja, nesta atividade complexa de distribuição de mercadorias, o autônomo continua alienado (separado) economicamente; e continua assalariado, mesmo que o modo de assalariamento se desvie do assalariamento inicial do surgimento do capitalismo.
Todas estas alterações sociais vêm ocorrendo sem uma preocupação com as consequências sociais. O que importa é o crescimento, e quem não é a favor do desenvolvimento é rotulado como inimigo.
É comum as economias capitalistas rotularem alguns como inimigos para que a opressão possa se justificar. É necessária uma cobertura ideológica para o funcionamento da ordem dê certo, pois o problema social não é somente um fato, é uma interação. Wood (2003, p. 244) aduz sobre este fenômeno:
“A última palavra mágica no debate econômico (se a isso se pode dar o nome de debate) é “flexibilidade”: as economias capitalistas avançadas, é o que se afirma, devem desregulamentar o mercado de trabalho, enfraquecer a “rede de segurança” social e quem sabe levantar restrições à poluição ambiental para competir com o capitalismo do Terceiro Mundo, ao permitir que os termos e as condições de trabalho caiam aos níveis de seus competidores nos países menos desenvolvidos. Além dos cuidados com a previdência social, também o salário e as condições de trabalho decentes, e até a proteção do meio ambiente, parecem constituir obstáculos à competitividade, à lucratividade e ao crescimento.”
E o capitalismo, como diz Harvey, “é orientado para o crescimento.” (1996, p. 166) Harvey continua explicando a reprodução do capitalismo e a ideologia voraz do crescimento ao afirmar que
“uma taxa equilibrada de crescimento é essencial para a saúde de um sistema econômico capitalista, visto que só através do crescimento os lucros podem ser garantidos e a acumulação do capital, sustentada. Isso implica que o capitalismo tem de preparar o terreno para uma expansão do produto e um crescimento em valores reais (e, eventualmente, atingi-los), pouco importam as conseqüências sociais, políticas, geopolíticas ou ecológicas. Na medida em que a virtude vem da necessidade, um dos pilares básicos da ideologia capitalista é que o crescimento é tanto inevitável como bom. A crise é definida, em conseqüência, como falta de crescimento.” (negritei – HARVEY,1996, p. 166)
Neste quadro houve forte reestruturação no mercado de trabalho, com clara natureza prejudicial para os trabalhadores em geral, posto que o desemprego só aumenta e o trabalho (para os que estão ativos) está cada vez mais precarizado[13]. Estudos recentes (teóricos e teórico-empíricos), nas mais diversas áreas do conhecimento (economia, saúde, psicologia, administração, sociologia) vêm confirmar esta característica (ANTUNES, 2005; ANTUNES, 2008; ANTUNES, 2009; ANTUNES e SILVA, 2010; BERNARDO, 2009; CHAVES, 2005; KREIN et. al., 2006; PALMEIRA SOBRINHO, 2006; SALES, 2006; SILVA, 2008).
Entendemos a flexibilização, a desregulamentação e a precarização, com base na explicação marxiana da lógica do capital (MARX, 2011a), como instrumentos do capitalismo para se reproduzir e obter mais-valia; e não como consequências de uma força de mercado irracional, incontrolável e inevitável.
Lembramos Marx ao concluir que as relações entre os capitalistas (para eles mesmos) precisam de um mínimo de controle, e a regulamentação neste aspecto é crucial. Weber, (apud Gorz, 2007, p. 38), diz que “para existir, a empresa capitalista moderna precisa de uma Justiça e de uma administração cujo funcionamento seja tão previsível quanto o desempenho de uma máquina.” Gorz (2007, p.38) explicando esta dinâmica da empresa capitalista moderna, diz:
“Precisa, dito de outro modo, tornar calculáveis os fatores dos quais depende a racionalidade econômica de sua gestão. E esses fatores são não apenas internos a seu funcionamento; são também externos, isto é, determinados pelos contextos político, jurídico, administrativo, cultural.”
A expressão “determinados” em Gorz nesta citação não significa que a gestão das empresas é condicionada pelos elementos externos, mas indica que há uma interdependência complexa de atuações na dinâmica social. Como também aduz Salerno (apud Oltramari; Piccinini, 2006, p. 87) sobre a reestruturação produtiva, que
“envolve a estrutura econômica como um todo e suas entidades regulamentadoras (legislação e regulamentação de mercados, direitos trabalhistas, direitos dos consumidores, papel do Estado, mercado financeiro etc.); envolve as relações entre empresas e mudanças internas à própria empresa.”
Observando os agentes envolvidos na institucionalização da reestruturação produtiva é possível ver que quem exerce o poder político e o poder econômico está dirigindo o processo[14]. No entanto, na dinâmica social há mais atores envolvidos, que estão presentes em todos os estratos da sociedade civil. Por mais que as alterações da reestruturação sejam agressivas não presenciamos uma indignação coletiva de massa ou uma organização coletiva forte contra as reformas sociais que vêm sendo estabelecidas. Também não vemos resistência frontal em instituições autointituladas – e até historicamente reconhecidas pela sua atuação – como de resistência, como os sindicatos dos trabalhadores e o fenômeno jurídico trabalhista. O aumento da opressão e a apatia como elementos coexistentes no capitalismo atual nos conduzem a uma busca mais aprofundada sobre a sociedade contemporânea a fim de compreendermos o que se passa.
Sabemos que a regulamentação jurídica não regula todas as relações[15] e nem cada uma por completo, mas permite a concretização de uma característica do capitalismo atual: “acumulação ilimitada do capital por meios formalmente pacíficos.” (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009, p. 35)
E o Direito é compreendido como um fenômeno de pacificação social, e porque não dizer um mecanismo de formação de consenso. Veremos a seguir como as questões globais sobre reestruturação produtiva apresentadas neste item se concretizaram no Brasil, a fim de perceber, ao final, a complexidade para a manutenção de barreiras protetivas; além de desvelar como o Direito do Trabalho vem se enquadrando neste contexto.
2.2 A reestruturação das relações de produção no Brasil
Continuando com a discussão sobre a reestruturação produtiva, a modernização da economia, através do processo de globalização, e do Estado pede uma modernização nas relações sociais em geral, e, em específico, nas relações de trabalho. A contemporaneidade trouxe formas de trabalho diversas para um mesmo espaço; não só trabalhos novos, mas novas formas de trabalhar e vínculos novos e diferenciados (celetista, estatutário, horista, a tempo parcial, por tempo determinado, terceirização etc). Também trouxe novas formas de assalariamento, que devem ser compreendidas pelos instrumentos de resistência à exploração para que esta seja tolhida. A estrutura justrabalhista se põe (ao menos teoricamente) na sociedade como aparelho de defesa do trabalhador; logo deve observar a transformação do modo de exploração capitalista.
Todo este quadro está incluído no fenômeno da acumulação flexível, que se estabelece como instrumento de reorganização do capitalismo.
Portanto, as alterações jurídicas flexibilizadoras que as relações trabalhistas vêm sofrendo são fruto da paisagem socioeconômica apresentada no item anterior, que tem no “monólogo neoliberal” (expressão utilizada por Merçon, 2007) seu suporte para defesa de slogans como o da desregulamentação e o da “empregabilidade X emprego vitalício”[16].
A flexibilização é conceituada como “conjunto de medidas destinadas a afrouxar, adaptar ou eliminar direitos trabalhistas de acordo com a realidade econômica e produtiva.” (SIQUEIRA NETO, 1997, p. 36) Podemos incluir nesta compreensão tanto a flexibilização quanto a desregulamentação, pois ambas têm o mesmo efeito desastroso sobre os direitos trabalhistas[17]. Segundo Antunes (2006, p. 499),
“Desde que o capitalismo ingressou na sua mais recente fase de mundialização – o que se deu a partir do monumental processo de reestruturação e financeirização dos capitais nos anos 70 -, estamos constatando que os capitais transnacionais exigem dos governos nacionais a flexibilização da legislação do trabalho, eufemismo para designar a desconstrução dos direitos sociais, resultado de longas lutas e embates do trabalho contra o capital desde o advento da Revolução Industrial.”
O Brasil não ficou indiferente às alterações na economia e na política e suas repercussões no campo das relações de trabalho. Um dos traços marcantes do capitalismo após a crise da década de 1970, que levou países periféricos a também se adequarem, foi a mundialização do capital. Ferreira (2006, p. 152) diz que
“a partir dos anos 80, o objetivo das políticas econômicas dos países capitalistas centrais passa a ser a intensificação do combate à inflação através de políticas monetárias restritivas, do controle do déficit público e da abertura dos mercados, especialmente o comercial e o financeiro. […] Era a globalização financeira que se difundia no mundo capitalista.”
As economias domésticas, principalmente em países periféricos como o Brasil, foram fortemente impactadas.
A diferença no Brasil foi quanto ao momento em que iniciou o processo de reestruturação produtiva. Segundo Antunes (2010, p. 11), o padrão produtivo do Brasil começou a mudar durante os anos de 1980, mas o Brasil,
“sob o fim da ditadura militar e no período Sarney, nos anos de 1980, ainda se encontrava relativamente distante do processo de reestruturação produtiva do capital e do projeto neoliberal, já em curso acentuado nos países capitalistas centrais.”
É entendimento geral dos estudiosos da temática que foi nas décadas de 1990 que o Brasil ingressou de forma mais intensa no processo de globalização, através de alterações estruturais e abertura comercial. (ARAÚJO, CARTONI e JUSTO, 2001; COSTA, 2005; FERREIRA, 2006; ANTUNES, 2010)
Às alterações estruturais que evidenciavam um modelo diferente de gestão do capital deu-se o nome de neoliberalismo. Falando sobre as origens e os objetivos do neoliberalismo, Anderson (1995, p. 9) afirma:
“O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política.”
Mesmo tendo se originado teoricamente a partir da década de 1940, o crescimento regulado das décadas de 1950 e 1960 impediram a implantação da nova ordem, que só veio obter espaço quando a crise da década de 1970 chegou. Era a oportunidade que queriam os teóricos do neoliberalismo, para fazer valer sua lógica de que a igualdade proclamada e promovida pelo Estado de Bem-Estar era prejudicial à economia porque “destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de todos.” (ANDERSON, 1995, p. 9) A nova ordem primava pela desigualdade para obtenção do crescimento. Houve então uma reunião, em 1989, em que o projeto neoliberal foi sistematizado no chamado "Consenso de Washington”. Fizeram-se presentes
“integrantes do Instituto de Economia Internacional e Washington, do Banco Mundial, do Banco Internacional de Desenvolvimento e do Fundo Monetário Internacional; também estavam presentes representantes dos EUA, países da América Latina, Central e Caribe. Tal reunião teve como objetivo discutir a economia do continente, que resultou em dez pontos: ajuste fiscal; redução do tamanho do Estado (redefinição do seu papel; menor intervenção na economia); privatização; abertura comercial; fim das restrições ao capital externo; abertura financeira; desregulamentação (redução das regras governamentais para o funcionamento da economia); reestruturação do sistema previdenciário; investimentos em infra-estrutura básica; fiscalização dos gastos públicos e fim das obras faraônicas.” (ARRUDA, J. J. de A. & PILETTI, N., 1997, p. 403)
A recessão do modelo regulado veio, segundo os teóricos do neoliberalismo, em razão do poder do movimento operário de pressionar o Estado, que através dos sindicatos havia conseguido vitórias salariais – ao que chamavam de gastos sociais – e com isso destruiu as bases de acumulação capitalista e gerou a recessão. (ANDERSON, 1995) A solução para esta situação era: “manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas.” (ANDERSON, 1995, p. 10) A proteção social alcançada através de lutas estava agora na mira dos governos.
A difusão alcançada pelo projeto neoliberal pelo mundo (países centrais e periféricos) e por governos de características diferentes (direita, esquerda, regimes autoritários ou democráticos), segundo Anderson (1995), demonstra a “hegemonia alcançada pelo neoliberalismo como ideologia.”[18]
No Brasil, a reestruturação veio após uma década – 1980 – de baixo crescimento econômico. A forma e o momento de “adoção” de políticas neoliberais trouxeram repercussões negativas para o mercado de trabalho no Brasil. Baltar, Moretto e Krein (2006, p. 17) afirmam que
“A liberalização das importações, após uma década em que o país praticamente apenas pôde importar petróleo, foi indiscriminada e sem exigir contrapartida dos parceiros comerciais. A entrada do capital não foi controlada, permitindo-se a valorização da moeda nacional. Essa valorização ajudou a baixar a inflação, favoreceu ganhos de capital para quem teve acesso ao dinheiro estrangeiro, mas agravou sobremaneira a competição com os produtos importados, prejudicando a produção local. O baixo preço da moeda estrangeira foi mantido por meia década através de elevado nível das taxas de juros, em prejuízo de todos que dependem de crédito em moeda nacional, a começar pelo próprio governo.”
Na verdade a “adoção” foi mais uma adesão submissa. Ou seja, dentro de um contexto de concorrência internacionalizada, o Brasil ingressa de forma “desastrada” (BALTAR, MORETTO e KREIN, 2006, p. 18) e desigual, em razão também do endividamento adquirido. Pochmann (2003, p. 11), explicando esta situação, comum aos países subdesenvolvidos, aduz:
“Nos anos 1990, contudo, os países não desenvolvidos, em sua maioria, foram submetidos a formas passivas de inserção internacional, aceitando, quase que integralmente, os pressupostos do Consenso de Washington, fundados nas aberturas comercial, financeira, produtiva e tecnológica indiscriminadas, na desregulação da economia, na flexibilização dos direitos sociais e trabalhistas, na privatização das empresas estatais e na modificação do papel do Estado.”
Segundo Araújo, Cartoni e Justo (2001, p. 85 e 86) o conjunto de transformações para adaptação ao mercado mundial
“teve como consequências sociais importantes a precarização e informalização do trabalho e o crescimento do desemprego, que ampliaram a fragmentação dos coletivos de trabalhadores e tiveram forte impacto sobre as relações de trabalho e sobre as organizações sindicais.”
Segundo Schwarz (2001):
“A análise das consequências da flexibilização dos direitos trabalhistas no Brasil demonstra-se, dessarte, cada vez mais relevante para os trabalhadores, já que se torna cada vez mais descartada a possibilidade de crescimento estrutural do emprego que possa consumir o excesso da oferta de mão-de-obra presente no mercado de trabalho, fenômeno que tende a ser sentido com maior peso nos países capitalistas periféricos, em face à precariedade de sua economia frente à organização econômica global.”
No Brasil, o efeito nefasto do projeto neoliberal sobre o mundo do trabalho iniciou-se no Governo Collor e aprofundou-se no Governo FHC. Diz Antunes (2006, p. 499):
“Collor iniciou o desmonte do setor produtivo estatal criado por Vargas, e coube a FHC ampliar esse processo, privatizando as melhores empresas estatais existentes no país, além de continuar a desconstrução da legislação trabalhista. Se ele não pôde desvertebrar a CLT num só golpe, foi desestruturando-a pela margem, passo a passo, deixando ao seu sucessor o golpe final.”
Como sabemos o golpe final mencionado (adaptação de todo o texto – reforma trabalhista), não se concretizou no Governo Lula; que dividiu a reforma em duas partes (sindical e trabalhista) e fez a “reforma” sindical (se é que se pode chamar de reforma apenas o reconhecimento das centrais sindicais e a distribuição do valor da contribuição sindical, não se alterando em nada questões estruturais como o tributo obrigatório devido aos sindicatos e o sindicato único, que são resquícios de regimes ditatoriais na história do Direito do Trabalho no mundo e que no Brasil vieram do governo autoritário de Vargas). O Governo Lula não fez a reforma trabalhista e nem o Governo Dilma o fez. Ocorre que Dilma não pode concluir seu segundo mandato em razão do impeachment (em 2016) e o seu vice assumiu. Ficou a cargo do presidente Temer sancionar, sem nenhum veto, o mencionado “golpe final” em 13 de julho de 2017, após aprovação da reforma trabalhista pelo Congresso Nacional. Reforma trabalhista é o apelido do Projeto de Lei da Câmara nº 38, de 2017; hoje Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, transformada em norma jurídica em 14/07/2017 e que entrará em vigor 120 dias após a publicação no Diário Oficial da União.
Analisar a reforma trabalhista não é objeto deste artigo, mas é importante registrar o repúdio e veementes manifestações da Magistratura do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho contra a reforma trabalhista nos termos em que foi aprovada, que traz real retrocesso social. Uma manifestação eloquente, pois vem de órgãos que formam a estrutura justrabalhista e acompanham cotidianamente as práticas dos empregadores contra empregados.
A reforma trabalhista é a concretização de um dos objetivos do projeto neoliberal, já explicado neste artigo.
Mas o Brasil (leia-se nossos representantes no Congresso Nacional e o Presidente da República) poderia ter feito outra opção política, no sentido de tutelar os menos favorecidos e atenuar os impactos da globalização, respeitando nossa história democrática. Vale considerar que, além do contexto de crise econômica da década de 1980, o Brasil, ao mesmo tempo em que recepcionava política neoliberal (no retorno reconciliatório dos países centrais com a doutrina liberal), passava por um processo de redemocratização e de reajuste do papel do Estado (implantação do Estado Democrático, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 em que os direitos sociais ganharam patamar de direitos fundamentais[19]). Talvez este fenômeno dê indicações sobre a indefinição – ou falta de consenso – sobre o papel do Estado, inclusive o Judiciário, frente às relações de trabalho. Abstencionismo ou intervenção? Manutenção de barreiras justrabalhistas ou flexibilização?
Quando comparamos a teoria marxiana (e as marxistas) e as ações do Estado, seja o Brasil ou outros países em sua governança, sentimos que a teoria é reforçada, no sentido de ser uma explicação plausível sobre a organização do capital na obtenção do lucro e do crescimento. Nesta dinâmica há sempre que lutar para ao menos atenuar a agressividade do capital.
O debate ainda está em aberto, apesar da reforma trabalhista, e o estudo contínuo das ações e práticas dos atores envolvidos pode nos esclarecer quanto às tendências e comportamentos do Estado, dos órgãos de tutela dos trabalhadores e do próprio povo.
Conclusão
Ao longo do nosso artigo vimos que o fenômeno da globalização, mais do que questões culturais, tem seu fundamento na expansão da produção. E foi dentro do modo de produção capitalista que a globalização alcançou um status considerado “sem limites”. Não há como concluir aonde o fenômeno nos levará, já que estamos em meio a estas transformações. No entanto, já podemos perceber que os problemas sociais vêm sendo agravados.
Após breves explanações sobre o processo de reestruturação da produção, indagamos: o que está por trás das alterações na economia e no Estado? Ainda a lógica do capital. E esta não vem sozinha. É acompanhada por uma “justificativa moral” ou um “discurso competente”, de forte conteúdo ideológico, responsável pela reconstrução do imaginário que permeia as relações de trabalho.
Nos caminhos da reestruturação produtiva (globalização do modo de produção capitalista) acompanhamos as transformações que foram ocorrendo e sua motivação. Vimos a alteração da relação clássica de trabalho e a alteração do controle do trabalho, com a condução dos trabalhadores a uma realidade cada vez mais precarizada. Destacamos neste caminho a participação apática do Estado brasileiro através da aceitação das exigências que sobrevieram em razão da globalização e identificamos a bandeira ideológica da reestruturação: o neoliberalismo.
Vimos que, no Brasil, desde o Governo FHC os direitos sociais vêm sofrendo efeitos danosos da globalização da economia, mas nos governos subsequentes e de alinhamento à esquerda não houve uma proteção por parte do Estado brasileiro aos trabalhadores e aos direitos sociais quanto a concretizar reforma da Consolidação das Leis do Trabalho sem retroceder socialmente (não nos referimos a outros aspectos dos programas de governo); e, por fim, houve aprovação da nefasta reforma trabalhista. Estes fatos nos fazem perceber, mesmo que não de forma conclusiva, mas só a título de reflexão final, que independente da tendência dos governos (mais neoliberal ou mais social), o capitalismo impede a concretização efetiva de direitos sociais porque agudiza a exclusão e a exploração.
As barreiras protetivas justrabalhistas no Brasil vêm sendo adaptadas às exigências do mercado e não sendo um limitador da agressividade na busca pelo lucro.
Professora da UERN, mestra em Ciências Sociais pela UFRN (2012), doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais da UMSA. Pesquisadora do grupo de pesquisa Grupo de Estudos da Criança e do Adolescente – GECA (UERN) e do grupo Cidadania, Participação Popular e Políticas Públicas (UERN)
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