Hierarquia entre lei complementar e lei ordinária? Análise frente às espécies normativas primárias

Resumo: Por meio deste artigo pretende-se aferir a existência ou não de hierarquia entre as leis complementares e ordinárias. Após o desenvolvimento do princípio da supremacia da Constituição, da definição e classificação das espécies normativas primárias, bem como o enfrentamento, ainda que breve, de cada uma delas, chegamos à conclusão da inexistência de hierarquia entre essas espécies normativas, detendo cada qual, em verdade, como reconhecido pelo Pretório Excelso, inclusive, campos materiais de competência distintos.

Palavras-chave: Supremacia da Constituição. Espécies normativas. Lei Complementar. Lei ordinária. Hierarquia.

Abstract: Through this article we intend to assess the presence or absence of hierarchy between the supplementary and ordinary laws. After the development of the principle of the supremacy of the Constitution, the definition and classification of species primary normative as well as coping, albeit brief, each of them, we conclude the absence of normative hierarchy between these species, each holding in Indeed, as recognized by the Praetorium Exalted, including materials fields of expertise.

Keywords: Supremacy of the Constitution. Species regulations. Supplementary Law. Ordinary law. Hierarchy.

Sumário: 1 Introdução. 2 As espécies normativas primárias. 2.1 Emendas à Constituição. 2.1.1 Limitações formais expressas. 2.1.2 Limitações circunstanciais expressas. 2.1.3 Limitações materiais expressas. 2.1.4 Limitações temporais? 2.1.5 Limitações implícitas. 2.2 Lei delegada. 2.3 Decreto legislativo. 2.4 Resoluções. 2.5 Leis complementares 2.6 Leis ordinárias. 3 Há hierarquia entre leis complementares e leis ordinárias? 4 Considerações finais. 5 Referências.

1 Introdução

Sabe-se que o art. 59 da Constituição Federal prevê as emendas à Constituição, as leis complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas, as medidas provisórias, os decretos legislativos e as resoluções como espécies normativas primárias.

A classificação destas espécies normativas primárias denota serem essas normas hierarquicamente inferiores, tão somente, à Constituição Federal, buscando nela, o fundamento direto de validade.

Apesar da premissa, eternizou no mundo jurídico pátrio uma discussão acerca da existência ou não de hierarquia entre as leis complementares e as leis ordinárias, motivo este, motivador deste trabalho.

Para tratar da questão, classificamos cada uma das espécies normativas acima descritas (exceto as medidas provisórias[1]), traçamos suas distinções e âmbito material de competência.

Por fim, apresentamos nossas considerações aduzindo que da mesma forma que nenhuma das espécies normativas primárias além da Emenda Constitucional possa ser o meio através do qual se altera Constituição, quaisquer delas não pode adentrar no âmbito de competência das demais.

Assim, se uma lei ordinária tratar de matéria reservada à lei complementar, bem como se uma lei complementar veicular matéria que a Constituição não exigir a sua competência, estaremos diante de uma clara e manifesta inconstitucionalidade material, pois não há hierarquia entre elas, buscando ambas fundamento de validade diretamente na Constituição Federal.

2 As espécies normativas primárias

Sem adentrar nas discussões que envolvem as relações entre o direito internacional e o direito interno de cada Estado, sabe-se tratar-se a Constituição do diploma normativo supremo, máximo, núcleo fundante de todo o ordenamento jurídico.

Noutros termos, a Supremacia da Constituição transmite a premissa de que a Carta Magna está no ápice da pirâmide normativa de dado Estado, surgindo como condição de validade de todas as normas jurídicas, desencadeando o processo de sua produção normativa.

Quanto à Supremacia da Constituição José Afonso da Silva sustentara:

“Nossa Constituição é rígida. Em consequência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os governos dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa e implicitamente, pelas normas positivas daquela norma fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos. Por outro lado, todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal” (SILVA, 2009, p. 46).

Dessa forma, tem-se por objeto, conforme o artigo 59 da Constituição Federal, através do processo legislativo, a criação de espécies normativas como as emendas à Constituição, as leis complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas, as medidas provisórias, os decretos legislativos e as resoluções.

É válido lembrar, fazendo uso das palavras de José Afonso da Silva mais uma vez que:

“as medidas provisórias não constavam da enumeração do art. 59 como objeto do processo legislativo, e não tinha mesmo que contar, porque sua formação não se dá por processo legislativo. São simplesmente editadas pelo Presidente da República. A redação final da Constituição não trazia nessa enumeração. Um gênio qualquer, de mau gosto, ignorante, e abusado, introduziu-as aí, indevidamente, entre a aprovação do texto final (portanto depois do dia 22.9.88) e a promulgação-publicação da Constituição no dia 55-10-88” (SILVA, 2009, p. 524-525).

Referidas espécies normativas, independentemente da ressalva de José Afonso da Silva, são conhecidas como espécies normativas primárias (MORAES, 2010), aquelas que buscam fundamento de validade diretamente na Constituição. Ou seja, que derivam de pronto, estão logo abaixo da Constituição.

Passemos a um ligeiro exame de cada uma delas, com a ressalva das medidas provisórias.

2.1 Emendas à Constituição

As emendas à Constituição (CF, art. 59,I) são normas produzidas pelo poder constituinte derivado reformador (poder legislativo federal) que, quando aprovadas, tem o mesmo efeito e, consequentemente, a mesma importância das regras contidas na Constituição, anteriores a ela.

Cabe ao Congresso Nacional criar emendas constitucionais, fazendo uso do seu poder constituinte derivado reformador, a fim de alterar a Constituição.

É bom lembrar, o poder constituinte pode ser classificado de dois modos: poder constituinte originário e poder constituinte derivado.

Poder constituinte originário é aquele a quem incumbe a tarefa de criar a Constituição de um Estado, organizando-o e criando os poderes destinados a reger os interesses de uma comunidade.

Já o poder constituinte derivado reformador encontra-se previsto na Constituição, conhecendo limitações expressas e implícitas para o desempenho de suas funções (alterar a Constituição), podendo sofrer, inclusive, controle de constitucionalidade, caso haja a sua inobservância.

As limitações expressas (explícitas) recebem esta denominação por se tratarem de cláusulas expressamente determinadas no texto constitucional pelo legislador constituinte originário.

Já as limitações implícitas, apesar de não estarem expressamente previstas como as expressas, decorrem da sistemática do texto constitucional.

As limitações expressas estão previstas no art. 60 da Constituição Federal, subdividindo-se em formais, circunstanciais e materiais.

2.1.1 Limitações formais expressas

As limitações formais dizem respeito ao procedimento de criação de uma emenda constitucional.

Em outras palavras, relacionam-se a tramitação de um projeto de emenda à Constituição (PEC).

Por força dos incisos I, II e III do art. 60 da Constituição Federal, o projeto de emenda constitucional pode ser iniciado por um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; pelo Presidente da República; por mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

Iniciado o projeto, a proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros (CF, art. 60, § 2º, CF).

Em sendo aprovada, a emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, conjuntamente, com o respectivo número de ordem (CF, art. 60, § 3º).

2.1.2 Limitações circunstanciais expressas

A alteração das normas constitucionais por meio de emendas não pode ocorrer quando de estado de defesa, estado de sítio ou intervenção federal (CF, art. 60, §1º).

2.1.3 Limitações materiais expressas

Quando da confecção de uma emenda à Constituição deve-se observar as limitações materiais previstas no artigo 60, § 4º, incisos I, II, III, IV da Constituição Federal.

Isso leva ao entendimento de que o texto Constitucional pode até ser alterado por emendas constitucionais quando se tratar da forma federativa de estado; do voto direto, secreto, universal e periódico, da separação dos poderes; e dos direitos e garantias fundamentais, desde que referida alteração não promova uma abolição desses conteúdos. 

2.1.4 Limitações temporais?

A Constituição republicana de 1988 não previu limitação temporal ao poder de reforma.

Necessário dizer, todavia, que a nossa primeira Constituição, a imperial de 1824, estabeleceu tal limitação.

O seu art. 174 estabelecia que aquela Constituição pudesse ser objeto de emenda após 4 anos de sua entrada em vigor.

Frise-se, também, não há que se confundir limitação temporal ao poder de reforma, com a revisão Constitucional prevista pelo art. 3º do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

O dispositivo regulamenta que após 5 anos de sua promulgação, a Constituição atual poderia ser revisada, pelo voto da maioria absoluta dos membros do congresso nacional, em sessão unicameral. Essa revisão foi feita, donde resultaram as 4 primeiras emendas.

2.1.5 Limitações implícitas

As limitações implícitas, como a terminologia induz, apesar de não serem encontradas expressamente no texto constitucional, dele decorrem ainda que “entre linhas”, ou seja, implicitamente.

Conforme Alexandre de Moraes (2013) as limitações implícitas são reconhecidas por Pontes de Miranda, Pinto Ferreira, Nelson Sampaio entre outros, os quais apontam como núcleo irreformável as limitações expressas, bem como aquelas que preveem o titular do poder constituinte derivado-reformador.

2.2 Lei delegada

A lei delegada (CF, art. 59, IV) é uma espécie normativa primária, elaborada pelo Presidente da República, após receber delegação externa do Congresso Nacional (CF, art. 68, caput).

Ressalte-se, nem toda matéria poderá ser delegada, prevendo o § 1º do art. 68 da Constituição serem insuscetíveis de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais; planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.

O seu procedimento legislativo é deflagrado com a iniciativa solicitadora do Presidente da República, o qual deverá indicar o assunto específico a ser tratado.

Esta solicitação, feita ao congresso nacional será submetida à votação em ambas as casas. A deliberação para aprová-la deverá ser tomada, em cada uma delas, por maioria simples e terá a forma de resolução, que especificará o conteúdo da delegação e os termos em que poderá ser exercida (CF, art. 68, § 2º).

O Congresso Nacional poderá estabelecer restrições de conteúdo e forma que entender necessárias, como período de vigência, prazo de caducidade da delegação e normas gerias da lei a ser criada.

O prazo máximo de uma delegação é o de uma legislatura (CF, art. 44, parágrafo único) sob pena de abdicação ou renúncia da função legislativa.

Nada impede, entretanto, que o Congresso Nacional, mesmo durante o prazo concedido, discipline a matéria por meio de lei ordinária.

Lei delegada se subdivide em típica ou própria, e atípica ou imprópria.

Pela típica (ou própria) após a delegação legislativa por meio de resolução, todo o restante do processo legislativo se esgota no interior do Poder Executivo. Assim, retornando a resolução ao Presidente da República, este elaborará o texto normativo, promulgando-o e determinando sua publicação.

Quando de delegação atípica (ou imprópria), o Congresso Nacional irá estabelecer que o projeto retorne ao legislativo para apreciação em votação única.

Neste caso é vedada qualquer emenda. Logo, ou o projeto é aprovado ou é rejeitado e arquivado (art. 68, § 3º da CF).

Em sendo rejeitado, encerrar-se o procedimento. Se houver aprovação, o presidente promulgará a lei delegada e mandará publicá-la.

Se o Presidente da República, no prazo da delegação, criar a lei exorbitando o objeto (matéria) da delegação, poderá o Congresso Nacional sustá-la, nos moldes do inciso V do art. 49 da Constituição Federal.

Neste último caso, nada impede que o poder Judiciário declare a inconstitucionalidade da lei.

2.3 Decreto legislativo

O decreto legislativo (CF, art. 59, VI) é uma espécie normativa primária elaborada a fim de veicular as matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional (CF, art. 49).

A Constituição não previu o seu procedimento, cabendo ao próprio Congresso discipliná-lo, no seu regimento interno.

Os decretos legislativos serão obrigatoriamente instruídos, discutidos e votados em ambas as casas legislativas, no sistema bicameral, e se aprovados serão promulgados pelo Presidente do Senado Federal, na qualidade de Presidente do Congresso Nacional, que determinará sua publicação.

2.4 Resoluções

As resoluções são espécies normativas primárias elaboradas pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal ou pelo Congresso Nacional para veicular matéria da sua competência, com efeitos, em regra, internos.

Excepcionalmente, porém, prevê a Constituição resolução com efeitos externos, como a que dispõe sobre delegação legislativa (CF, art. 68, § 2º).

A Constituição não prevê o seu processo legislativo, cabendo ao regimento interno de cada uma das Casas bem como o do Congresso Nacional fazê-lo.

Pode-se salientar, porém, que a resolução isolada de uma das casas legislativas somente por ela será instruída, discutida e votada, cabendo ao seu presidente promulgá-la e determinar sua publicação.

Quando de resolução do Congresso Nacional, a aprovação deverá ser bicameral, cabendo ao presidente do Senado, fazendo uso da sua posição de presidente do Congresso Nacional a promulgação.

2.5 Leis complementares

As leis complementares (CF, art. 59, II) são normas elaboradas com o objetivo de complementar, ou seja, dar ensejo ao texto Constitucional, quando a Lei Maior expressamente exigir.

Esta espécie normativa se diferencia das leis ordinárias material e formalmente.

A matéria a ser regulamentada por lei complementar encontra-se taxativamente descrita na Constituição Federal (é cabível quando a Constituição exigir expressamente que determinada matéria seja criada por lei complementar), enquanto o campo material da lei ordinária é residual (o que não for objeto das outras espécies normativas).

Sobre o tema, aduzira o Supremo Tribunal Federal:

“Basta, para se ter como relevante a fundamentação jurídica desta arguição de inconstitu­cionalidade, a circunstância formal de que o § 4º do art. 128 da Carta Magna em sua parte final remete à lei complementar a disciplina da forma pela qual se dará a destituição dos procuradores‑gerais nos Estados e no Distrito Federal e Territórios, tendo‑se firmado a jurisprudência desta Corte no sentido de que, quando a Constituição exige lei complementar para disciplinar determi­nada matéria, essa disciplina só pode ser feita por essa modalidade normativa” (BRASIL, 2001, p. 01).

 “Só cabe lei complementar, no sistema de direito positivo brasileiro, quando formalmente reclamada a sua edição por norma constitucional explícita. […] (ADI 789, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 26‑5‑1994, Plenário, DJ de 19‑12‑1994.) No mesmo sentido: ADI 2.010‑MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30‑9‑1999, Plenário, DJ de 12‑4‑2002; ADI 2.028‑MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 11‑11‑1999, Plenário, DJ de 16‑6‑2000”. (BRASIL, 1994, p. 01).

Apesar de deterem o mesmo procedimento legislativo, o quórum de aprovação da lei complementar é de maioria absoluta (CF, art. 69, CF) e o de aprovação de uma lei ordinária é de maioria simples ou relativa (CF, art. 47).

Quanto ao tema, importa apreciar:

“Tratando-se de lei ordinária, a aprovação do projeto de lei condiciona-se à maioria simples, dos membros da respectiva Casa, ou seja, somente haverá aprovação pela maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros, nos termos do art. 47 da Constituição Federal. Note-se que o quorum constitucional de maioria simples corresponde a um número variável, pois dependendo de quantos parlamentares estiverem presentes, este número poderá alterar-se. O que a Constituição Federal exige é o quorum mínimo para instalação da sessão. Dessa forma, presentes, no mínimo, a maioria absoluta dos membros da respectiva Casa Legislativa, o projeto de lei poderá ser posto em votação, aplicando-se como quorum de votação a maioria dos presentes. Devemos, portanto, diferenciar o quorum para instalação da sessão, do quorum de votação de um projeto de lei ordinária” (MORAES, 2012, p. 662).

O quórum de maioria absoluta requer o primeiro número inteiro acima da metade dos membros da respectiva casa legislativa.

“Note-se que, nas votações por maioria absoluta, não devemos nos fixar no número de presentes, mas sim no número total de integrantes da Casa Legislativa. Portanto, a maioria absoluta é sempre um número fixo, independentemente dos parlamentares presentes. Por exemplo, a maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados será sempre 257 deputados, enquanto no Senado Federal será de 41 senadores, independentemente do número de presentes à sessão, pois esses números correspondem ao primeiro número inteiro subsequente à divisão dos membros da Casa Legislativa (Câmara = 513/ Senado = 81) por dois” (MORAES, 2010, p. 667).

2.6 Leis ordinárias

As leis ordinárias são a espécie normativa regra.

Seu processo legislativo é o comum (ordinário), exigindo-se, para sua aprovação, tão somente, conforme dito, o quórum de maioria simples ou relativa (art. 47, CF).

Assim, pode dispor a lei ordinária sobre todas as matérias não reservadas à lei complementar, bem como aquelas que não tenham um campo material de competência das outras espécies normativas constantes do art. 59 da Constituição Federal.

Após esta breve exposição acerca das espécies normativas primárias, ingressaremos no tema objeto deste trabalho, vale dizer, procurar aferir a existência ou não de hierarquia entre as leis complementares e as leis ordinárias.

3 Há hierarquia entre leis complementares e leis ordinárias?

Grande discussão envolve a existência ou não de hierarquia entre as leis complementares e as leis ordinárias, pendendo, renomados juristas, tanto para uma quanto para a outra vertente.

Dentre os sustentadores da existência de hierarquia (LENZA, 2013), entres outros, encontram-se Alexandre de Moraes, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Haroldo Valadão, Pontes de Miranda, Wilson Accioli, Nelson Sampaio, Geraldo Ataliba e Uadi Lammêgo Bulos. Entre os defensores da inexistência de hierarquia estão Celso Bastos, Michel Temer, Luiz Alberto David Araujo, Vidal Serrano Nunes Júnior, Leda Pereira Mota, Celso Spitzcovky e Pedro Lenza.

Alexandre de Moraes (2013) fomenta tratar-se a lei complementar de um tertium genus (terceiro elemento) no que diz respeito a hierarquia dos atos normativos, encontrando-se entre a Constituição e suas emendas e a lei ordinária, bem como que a lei complementar é aprovada pelo quórum qualificado de maioria absoluta, de modo que a normatização de matérias constitucionais taxativas não seja fruto da vontade de uma minoria.

Sobre a lei complementar e um tertium genus afirmara Miguel Reale: “[…] tertium genus de leis, que não ostentam a rigidez dos preceitos constitucionais, nem tampouco devem comportar a revogação (perda da vigência) por força de qualquer lei ordinária superveniente” (REALE, 1962, p.110).

Segundo Uadi Lammêgo Bulos (2012), em estado de latência constitucional não há hierarquia entre as espécies normativas do art. 59 da Constituição Federal. Mas que, depois de lançadas no mundo jurídico, haveria hierarquia.

Para o constitucionalista, aceitar uma lei ordinária atuando no campo de lei complementar seria o mesmo que admitir uma medida provisória regulando matéria reservada às emendas constitucionais.

Já a corrente defensora da ausência de hierarquia aduz, para tal, que todas as espécies normativas primárias retiram o seu fundamento diretamente na Constituição Federal. Portanto, não há que se falar em hierarquia, pois as leis complementares e ordinárias encontram-se previstas no dispositivo que prevê as espécies normativas primárias; bem como que as espécies normativas em comento possuem diferentes campos materiais de competência.

Nesse horizonte, sustentara Michel Temer: “não há hierarquia alguma entre a lei complementar e a lei ordinária. O que há são âmbitos materiais diversos atribuídos pela Constituição a cada qual destas espécies normativas” (TEMER, 2010, p. 150).

O Supremo Tribunal Federal apontara, recentemente, a ausência de hierarquia. Desenvolve a Suprema Corte, como citado acima, que enquanto a lei complementar é cabível quando a Constituição expressamente reclamar que dada matéria deve ser regulamentada por esta espécie normativa, o campo material das leis ordinárias é residual, ou seja, cabem às leis ordinárias aquelas matérias não afetas às demais espécies normativas primárias.

Postas as distinções e argumentos pró e contra a existência ou não de hierarquia entre as leis ordinárias e as leis complementares, surge uma incógnita: Poderia uma lei complementar versar sobre matéria de lei ordinária ou uma lei ordinária tratar de matéria concernente à lei complementar?

Alexandre de Moraes (2013) fundamenta que determinada matéria reservada a lei complementar pode possuir variadas subdivisões de modo que uma delas poderá confundir-se com matéria a ser disciplinada por lei ordinária, sob o seguinte fundamento:

“[…] o art. 79, parágrafo único, da Constituição Federal determina que lei complementar poderá disciplinar funções ao Vice-Presidente da República. Digamos que, editada a referida lei complementar, uma das funções, com base no art. 90, I, da Carta, seja “coordenar as reuniões do Conselho da República”. Posteriormente, poderia o Congresso Nacional, com fundamento no § 2º do referido art. 90, regulamentar a organização e o funcionamento do Conselho da República e determinar que a função de “coordenação das reuniões” ficasse a cargo do Ministro da Justiça. Teríamos então, uma mesma submatéria – coordenação das reuniões do Conselho da República – fazendo parte de regulamentações da lei complementar e da lei ordinária. […] Nestes casos, não há como admitir-se que uma lei ordinária, aprovada por maioria simples, possa revogar a disciplina da lei complementar, aprovada por maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal” (MORAES, 2013, p. 686-687).

Nesse quadrante, importante conhecer o seguinte posicionamento do Supremo Tribunal Federal:

“Contribuição social sobre o faturamento – COFINS (CF, art. 195, I). 2. Revogação pelo art. 56 da Lei 9.430/96 da isenção concedida às sociedades civis de profissão regulamentada pelo art. 6º, II, da Lei Complementar 70/91. Legitimidade. 3. Inexistência de relação hierárquica entre lei ordinária e lei complementar. Questão exclusivamente constitucional, relacionada à distribuição material entre as espécies legais. Precedentes. 4. A LC 70/91 é apenas formalmente complementar, mas materialmente ordinária, com relação aos dispositivos concernentes à contribuição social por ela instituída. ADC 1, Rel. Moreira Alves, RTJ 156/721. 5. Recurso extraordinário conhecido mas negado provimento.” 2. Ainda nesse sentido, os seguintes precedentes de ambas as Turmas desta Corte: AI n. 551.597-AgR-terceiro, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, DJe de 19.12.11; RE n. 583.870-AgR, Relator o Ministro Ayres Britto, 2ª Turma, DJe de 01.06.11; RE n. 486.094-AgR, Relator o Ministro Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe de 22.11.10; RE n. 511.916-AgR, Relator o Ministro Marco Aurélio, 1ª Turma, DJe de 09.10.09; RE n. 402.098-AgR-ED-ED, Relator o Ministro Cezar Peluso, 2ª Turma, DJe de 30.04.09; RE n. 515.890 – AgR, 1ª Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 06.02.09; RE n. 558.017-AgR, 2ª Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 24.04.09; RE n. 456.182-AgR, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJe de 05.12.08, entre outros. 3. As decisões tomadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal não possuem, por si, eficácia geral e vinculante, no entanto, formam orientação jurisprudencial dominante, pois são prolatadas pela expressão maior do princípio da colegialidade do órgão que ocupa a posição central no sistema jurisdicional. Vale dizer, as decisões proferidas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em controle difuso de constitucionalidade, têm densidade normativa suficiente para autorizar o julgamento monocrático, nos termos do art. 557 do Código de Processo Civil (cf., em reforço, o art. 101 do RISTF)” (BRASIL, 2009, p. 01).

4 Considerações finais

Chegado o derradeiro momento deste exame, temos condições de apontar algumas considerações.

Não há, a nosso ver, relação hierárquica entre espécies normativas primárias previstas no art. 59 da Constituição Federal. Resta claro deter, cada qual, um âmbito de atuação pré-determinado constitucionalmente.

A emenda Constitucional, enquanto projeto (PEC), detém a mesma hierarquia das demais espécies normativas primárias, alcançando status Constitucional, unicamente, e desde que observadas as limitações expressas e implícitas, quando aprovada, promulgada e publicada.

As leis delegadas permitem, exclusivamente, ao Presidente da República, solicitar ao Congresso Nacional, observados os limites formais e materiais constitucionalmente previstos, a possibilidade de legislar sobre matéria específica.

Os decretos legislativos são normas criadas pelo Congresso Nacional para darem ensejo às matérias de sua competência exclusiva.

As resoluções regulamentam, via de regra, matérias com efeitos internos do Congresso Nacional, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, podendo veicular, excepcionalmente, quando a Constituição estipular, matérias com efeitos externos.

As leis complementares são cabíveis, unicamente, quando a Constituição expressamente dispuser (requisitar) que determinada matéria seja criada por ela.

As leis ordinárias são a espécie normativa regra, sendo o seu campo material residual. Tudo o que não esteja no âmbito das competências das demais, restará à lei ordinária.

Logo, obviamente, da mesma forma que nenhuma das espécies normativas primárias além da emenda Constitucional possa ser o meio através do qual se altera Constituição, quaisquer delas não pode adentrar no âmbito de competência das demais.

Assim, se uma lei ordinária tratar de matéria reservada à lei complementar, bem como se uma lei complementar veicular matéria que a Constituição não exigir a sua competência, estaremos diante de uma clara e manifesta inconstitucionalidade material, pois não há hierarquia entre elas, buscando ambas fundamento de validade diretamente na Constituição Federal.  

 

Referências
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 518.672-AgR. 2ª Turma. Rel. Min. Joaquim Barbosa. Decisão em 19/06/2009. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 08 de fevereiro de 2013.
________. Supremo Tribunal Federal. ADI 2.436‑MC. Tribunal Pleno. Rel. Min. Moreira Alves. Decisão em 30/05/2001. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 08 de fevereiro de 2013.
________. Supremo Tribunal Federal. ADI 789. Tribunal Pleno. Rel. Min. Celso de Mello. Decisão em 19/12/1994. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 08 de fevereiro de 2013.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
_________. Direito Constitucional Esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
_________. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
REALE, Miguel. Parlamentarismo Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1962.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
Nota:
[1] Não discorremos sobre esta espécie normativa por tratar-se de ato normativo criado pelo Presidente da República quando de relevância e urgência, devendo submetê-lo de imediato à apreciação do Congresso Nacional. Concordamos com José Afonso da Silva, para quem esta espécie de norma não passa por procedimento legislativo.

Informações Sobre os Autores

Hugo Garcez Duarte

Mestre em Direito pela UNIPAC. Especialista em direito público pela Cndido Mendes. Coordenador de Iniciação Científica e professor do Curso de Direito da FADILESTE

Lohrana Canedo

Acadêmica de Direito pela DOCTUM


Equipe Âmbito Jurídico

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