Ao lado das preocupações cotidianas que o advogado enfrenta nos dias atuais, a exemplo, de se manter atualizado da legislação, doutrina e jurisprudência, fontes de interpretação que nos últimos tempos mudam em velocidade e quantidade inigualável na história do direito, seguem inevitavelmente as concernentes aos honorários advocatícios, que lhe garantam a subsistência. O capitalismo assim exige.
Embora o múnus público da profissão seja incompatível com o mercantilismo, a verba honorária é que proporciona sua mantença, competindo ao advogado, encontrar o ponto de sustentação no equilíbrio, ao tratar desta questão.
Advogar em causa própria, é desafio que em geral o profissional se depara, especialmente quando se trata de defender o direito de auferir seus honorários, assunto delicado, já que o fundamento de um recurso, por verba fixada aquém do razoável, será a insurgência quanto à injusta apreciação de seu próprio trabalho, o grau de zelo e dedicação à causa, conforme alíneas, “a” “b” e “c” do § 3º do art 20 do Código de Processo Civil, que balizam o percentual adequado.
Não menos desconfortável, quando o direito de seu cliente é integralmente reconhecido numa sentença, mas com fixação ínfima de honorários de sucumbência, e possa ocorrer que recurso sobre este capítulo, postergue a execução do direito do constituinte.
A conscientização dos que atuam no campo do direito, em especial, a respeito da importância social do advogado, e que são os honorários que fazem vezes de seu salário, é sem dúvida, o que pode favorecer a adequação de seu valor. Neste sentido, o acervo de piadas que o achincalha, muitas delas de péssimo gosto, não ajuda.
No antigo direito romano, era proibida a remuneração pelos serviços advocatícios, daí o significado etimológico do termo de origem honorarìus: do que é feito ou dado por honra; direito de participar das honras; que não é pago, que não recebe retribuição.[I]
Affonso Fraga, nos idos de 1940, em português contemporâneo resgata esta parte histórica, de quando a advocacia era desempenhada de forma graciosa:
“É certo que, em sua origem e por sua natureza, o mandato era um contracto gratuito, ou, como dizem Javolenus (1286) e Ulpiano (1287), serviço de amigos;”[II]
Haveria ainda, nos dias atuais, influência desta antiga cultura?
A resposta é sim, a julgar pelo posicionamento adotado em alguns julgamentos, felizmente em minoria, nos quais os honorários são fixados em valor irrisório, meramente pro forma, como relatam profissionais da área:
“Têm sido fixados honorários de sucumbência em valores irrisórios. Há inúmeros casos em que o advogado, depois de trabalhar num processo por anos e anos, no final da causa, lhe são fixados por alguns juízes, valores irrisórios de honorários, casos em que não atingem sequer 1% do valor da condenação ou da causa.”[III]
Recentemente, entrou para o anedotário jurídico, a história de um advogado que, estupefato com os franciscanos honorários fixados na sentença, optou por doar a soma ao foro, destinando-a a aquisição de papel higiênico.[IV]
A depender do vulto desta verba, a estas alturas o produto doado, com certeza já faltou naquele mictório.
Pensamos que o desequilíbrio tenha por causa também, uma interpretação equivocada do § 4º do artigo 20 do CPC – em relação à possibilidade de fixação dos honorários consoante apreciação eqüitativa do juiz – quando esta, conduza à estipulação meramente perfunctória de seu valor, aquém do razoável, prescindindo do balizamento do § 3º deste artigo, transcrito abaixo:
“Art. 20.
§ 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos:
a) o grau de zelo do profissional;
b) o lugar de prestação do serviço;
c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
§ 4º Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas “a”, “b” e “c” do parágrafo anterior.” (Grifamos).
Da leitura deste dispositivo, se depreende que, a flexibilidade conferida pela “apreciação eqüitativa”, não é fundamento para fixação simbólica dos honorários, porque sua parte final, não dispensa a consideração do grau de zelo profissional, do lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o serviço.
Como esclarece Sérgio Bermudes, em todas as hipóteses contempladas no § 4º, os honorários são fixados na conformidade dos critérios das alíneas a, b e c do § 3º.[V]
Daí que, ao inverso da aparente possibilidade legal de uma fixação ínfima, mesmo em causas de pequeno valor – em atenção a estes critérios da responsabilidade e trabalho profissional desempenhado – a recomendação que se extrai dos recentes arestos do Superior Tribunal de Justiça, para justa remuneração do advogado, é que a fixação se dê, mesmo acima do valor atribuído à causa:
“Nas causas de pequeno valor, os honorários podem ser fixados acima do valor atribuído a elas (STJ Pet. 604-1-GO, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 15.8..94, v.u., DJU 12.9.94 p 23.720; JTJ 260/241), especialmente quando este não corresponder à realidade (RJTJESP 48/147).”
“Se, em causa de pequeno valor, o réu foi obrigado a contratar advogados em mais de um Estado, manda a equidade que os honorários por sucumbência sejam fixados em montante superior àquele atribuído pelo autor à demanda (RSTJ 94/33).”
“Pequeno que seja o valor da causa, os tribunais não podem aviltar os honorários de advogado, que devem corresponder à justa remuneração por trabalho profissional; nada importa que o vulto da demanda não justifique a despesa, máxime se o processo foi trabalhoso, obrigando o advogado a acompanhá-lo até no STJ” (STJ 3ª Turma STJ AI 325.270-SP-AgRg, rel. Min Nancy Andrighi, j. 20.3.01, negaram provimento, v.u., DJU 28.5.01, p. 199. [VI]
Neste diapasão, tem assentado a doutrina, em alerta ao indesejável aviltamento na fixação dos honorários, que se resolve com a justa interpretação desta norma:
“Há, então, de prevalecer um critério de equidade, em função do qual o juiz agirá com prudente arbítrio, fora dos limites do § 3º do art. 20, para evitar aviltamento da verba, nas pequenas causas, e adotar mais moderação nas sucumbências da Fazenda Pública.”[VII]
Noutra quadra, o § 4º do art. 20 do CPC, tem recebido críticas contundentes da doutrina, por incluir ressalva em favor de uma parte em especial, a Fazenda Pública; pois quando é esta a parte sucumbente, possui o privilégio de não se submeter aos critérios do § 3º deste artigo, podendo assim, merecer condenação em percentual inferior a 10% da condenação:
“Por que poderia haver condenação em percentual inferior ao legal, se vencida na mesma causa, a Fazenda Pública? Estão sendo tratados desigualmente litigantes que se encontram em pé de igualdade relativamente ao pagamento dos honorários de seus advogados. (…)”
Em acórdão do 1º TACivSP decidiu-se que fixação de honorários eqüitativamente não significa modicamente, de modo que se julgou correto o percentual de 20% sobre a condenação, como sendo de responsabilidade da Fazenda Pública relativamente aos honorários de advogado.”[VIII]
O antigo paradigma cultural, do trabalho não remunerado, exercido por ideal, era possível quando não se vivia numa era de capitalismo exacerbado, mas tende a mudar também a partir do plausível reconhecimento pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, na apreciação de uma situação de fato, concludente que, honorários advocatícios, possuem natureza alimentar.
No julgamento do Recurso Extraordinário de nº. 470407[IX], em que foi relator o Ministro Marco Aurélio, ao decidir sobre a natureza dos honorários dos advogados – para situá-los na ordem de preferência de pagamento dos créditos junto às Fazendas Públicas, conforme art. 100 da Constituição Federal – concluiu-se que, estes têm natureza alimentícia, pois visam prover a subsistência dos advogados e de suas respectivas famílias.
Desta esteira, cabível a dedução que o artigo 21 do CPC, referendado pela Súmula de nº. 306, do Colendo Superior Tribunal de Justiça[X], com a devida licença, está em contra-mão ao admitir compensação dos honorários, quando houver sucumbência recíproca, pois a compensação somente é possível, quando duas pessoas forem ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra, nos termos do art. 368 do Código Civil.
O fenômeno da compensação da verba sucumbencial, chama a atenção também, porque os honorários pertencem ao advogado por direito autônomo, reconhecido pelo art. 23 da lei 8.906 de 1994[XI]. Sua finalidade, não é de ressarcir a parte vencedora, mas sim, remunerar o trabalho profissional do advogado.
Ademais, o causídico de uma das partes litigantes, não tem relação obrigacional com o advogado ex adverso a justificar a compensação. Os profissionais, não figuram como credor e devedor um do outro; e a compensação que isenta as partes do correspondente pagamento, causa prejuízo ao advogado, violando o art. 380 do Código Civil, ao expressar em sua primeira parte que “não se admite a compensação em prejuízo de direito de terceiro” o que na prática ocorre neste caso.
A fixação proporcional dos honorários ao êxito da demanda, aos respectivos advogados, sem compensação, é, com a devida vênia, a melhor solução, pois não afronta os dispositivos legais que regem a matéria dos honorários: art. 23 da lei 8.906/94, que pelo princípio da especialidade e pela lógica, derrogou o art. 21 do CPC, cuja redação provém da lei 5.869 de 1973; e do citado instituto da compensação, previsto no Código Civil, criado pela lei 10.406 de 10-1-2002.
De auspiciar então, que o Colendo STJ, revise esta súmula, que ceifa o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência, no caso de sucumbência recíproca.
Regressando ao centro da questão, a fixação de honorários sucumbenciais ou por arbitramento em valores ínfimos, constitui por via oblíqua, violação do art. 133 da Constituição Federal, ao proclamar que, o advogado, é indispensável à administração da justiça, uma vez que, a existência deste profissional, é iniludível, depende do recebimento de honorários, que é a forma de sua remuneração.
Cândido Rangel Dinamarco destaca a importância do advogado, classificando seu exercício profissional, dentre as funções essenciais à justiça:
“Só o advogado tem capacidade postulatória plena, sendo esta um requisito indispensável para a validade do processo civil ou defesa do demandado (…)..
Essa inserção do advogado no sistema da defesa dos direitos levou o constituinte a proclamá-lo indispensável à administração da Justiça, na consideração de que sem ele é impossível a realização do processo (Const. art. 133): são nulos os atos privativos a ele, quando realizados sem sua participação (EA, art. 4º). Sua atuação é incluída entre as funções essenciais à justiça (arts. 127 ss). Completando essas idéias, o Estatuto da Advocacia proclama que em seu ministério privado o advogado presta serviço público e exerce função social (art. 2º, § 1º).”[XII]
De pontuar a relevância deste reconhecimento constitucional e da lei especial, que naturalmente não teve por fim, constituir uma casta profissional, mas está indissociavelmente atado, às garantias e direitos individuais e sociais, quando estes direitos são ameaçados ou violados, já que o advogado dispõe de recursos técnicos para, no manejo dos instrumentos processuais adequados, trabalhar para solucioná-los através do judiciário
Advogado em Itaberaí, Goiás, atuante desde 1992, nas áreas: cível e trabalhista, inscrito na OAB/GO sob nº. 12.120. Pós-graduado em direito do trabalho, pelo convênio Universidade Católica de Goiás/PUC-SP
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