Autora: Juliana Ramos, advogada. E-mail: adv.jramosj@gmail.com.
Orientadora: Mariana de Freitas Rasga. E-mail: mriosmartins@terra.com.br.
Reusmo: De qual forma as fake news podem impactar a democracia sob a ótica do direito fundamental da liberdade de expressão.
Este artigo científico teve como objetivo principal analisar os impactos das fakes news e das pós-verdades à democracia. Apresentou definição de alguns dos institutos sob análise, com objetivo de esclarecer como funcionam e suas possíveis consequências para a sociedade. Demonstrou a importância dos diversos atores envolvidos neste tema, assim como o imprescindível papel da mídia no processo democrático. Demonstrou ainda, a necessidade da informação fiável e os riscos que a desinformação traz à democracia. Observou o panoptismo estatal sob a forma de censura. Dessa forma, observou-se que as fakes News impactam diretamente a democracia e, todas as informações devem ser analisadas com cautela afim de se evitar esse mal. A metodologia utilizada foi a exploratória bibliográfica, além da análise da legislação vigente.
Palavras-chave: Democracia. Fake news. Pós-verdades. Eleições. Mídia e o Panoptismo estatal.
Abstract: In what form fake news can impact democracy from the standpoint of the fundamental right of freedom of expression.
This scientific article aimed to main analyze the impact of fake news and post-truths on democracy. Presented definition some of the institutes under analysis, in order to clarify how they work and their possible consequences for society. Demonstrated the importance of the various actors involved in this theme, as well as the indispensable role of the media in the democratic process. Also demonstrated the need for reliable information and the risks that disinformation brings to democracy. Observed o panoptism in form of censorship. In this way, it was observed that fakes News have a direct impact on democracy, and all information should be analyzed with caution in order to avoid this evil. The methodology used was the bibliographic exploratory, besides the analysis of the current legislation.
Keywords: Democracy. Fake news. Post truths. Elections. Media and State panoptism.
Sumário: Introdução. 1.Fake News: impactos na democracia. 2.A sociedade da informação na era pós-verdades.3.Os impactos das fakes news nas eleições e a influência da inteligência artificial:os robôs. 4.O papel da mídia no processo democrático.4.1.Liberdade de imprensa e a censura sob a égide do panoptismo estatal. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como tema os impactos à democracia causados pelas fakes news, na era da pós-verdade, e como objetivo central, demonstrar o perigo da desinformação na chamada sociedade digital, além da importância da imprensa para o sistema democrático. O tema proposto envolve a análise dos critérios utilizados no contexto social. O artigo mostra-se importante, uma vez que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o acesso à internet chega a 70% dos brasileiros, desse modo, e as redes sociais são atualmente, mecanismos de comunicação indispensáveis.
Notadamente, foi realizada análise acerca de como as fake news influenciaram o último escrutínio, e o posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral para que os respectivos processos sejam idôneos. A problemática sob análise versou sobre os efeitos das notícias falsas no âmbito político, além dos impactos na esfera das garantias fundamentais no tocante a linha tênue entre a liberdade de expressão e a censura prévia, na forma do panoptismo estatal, que podem afetar diretamente a democracia.
Sob o enfoque do direito à informação, procurou-se apontar o importante papel da mídia no processo democrático. O presente trabalho propõe a análise crítica, no que tange ao panoptismo estatal na era digital, com observação e diferenciação a respeito da tênue linha entre combater as fake news e a censura preestabelecida.
Dessa forma, o tema proposto envolve a análise para amenizar os impactos da desinformação na formação de opinião do indivíduo, além de ter como foco esclarecer acerca das ferramentas utilizadas para manipulação do eleitor durante o processo eleitoral e a imperiosa vigilância para que a censura não viole os direitos constitucionalmente protegidos.
A metodologia aplicada é a de pesquisa bibliográfica exploratória em norma legal, doutrina, periódicos e jurisprudências com escopo de agregar conhecimento científico para basear este artigo.
Em um primeiro momento, é importante uma breve explanação acerca dos conceitos dos institutos a serem analisados neste estudo. Etimologicamente, a palavra democracia tem sua origem no grego demokratia, que é composta por demos (que significa povo) e kratos ( que significa poder)2. Rodrigo César Rebello Pinho3 ao conceituar sobre regimes políticos, aponta: “De acordo com o grau de respeito à vontade do povo nas decisões estatais, os regimes políticos podem ser classificados em democráticos e não democráticos”.
No regime democrático representativo, o poder é exercido pelo povo, por meio de seus representantes eleitos, e, na democracia direta, as decisões são tomadas diretamente pelo povo, sem representação. No Brasil, foi adotado como regime político a democracia indireta, com eleições diretas e periódicas.
Importante ressaltar, que a democracia foi restabelecida há pouco mais de 30 anos no Brasil, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, que a elevou ao patamar de princípio fundamental, conforme seu artigo 1º, parágrafo único, ao deixar em evidência que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente4.
Notadamente, para o pleno exercício da democracia, dentre outros aspectos, é necessário a observância dos preceitos elencados no artigo 5º da Constituição Federal, no rol das garantias fundamentais, como, por exemplo, o acesso à informação e a liberdade de expressão, garantias que foram alçadas pelo legislador constituinte a cláusulas pétreas, conforme artigo 60, IV do texto constitucional5.
De acordo com Aristóteles6, em sua obra A Política, no capítulo que versa sobre a democracia, a descreve como: “democracia o Estado em que homens livres governam”. No mesmo sentido, José Afonso da Silva7, coloca a democracia como “um processo de convivência social em que o poder emana do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito do povo”.
Assim, o regime democrático deve ser pautado na verdade, para que se mantenha a sua higidez. Ocorre que, as fake news, com tradução literal de ‘notícias falsas’, têm se tornado recorrentes no meio social. No cenário atual, a internet e as redes sociais, assumiram grande espaço nos debates políticos, não só entre os candidatos, mas também entre o eleitorado, e passaram a ser solo fértil para a propagação da desinformação veiculada por fake news.
Sob esse enfoque, além das fake news, ainda há o problema das chamadas pós-verdades. Segundo André Cabette Fábio, em reportagem veiculada no site Nexo Jornal, O dicionário Oxford enunciou, em 2016, o significado de pós-verdade: “um adjetivo relacionado ou evidenciado por circunstâncias em que fatos objetivos têm menos poder de influência na formação da opinião pública do que apelos por emoções ou crenças pessoais”8. Atualmente, os fatos não têm tanta importância frente aquilo em que as pessoas optam acreditar, ou seja, trata-se de uma época em que a verdade foi substituída pelo ponto de vista adotado pontualmente.
Dessa forma, o indivíduo, que se identifica com o conteúdo, tende a participar, na maioria das vezes, de grupos que compartilham a mesma linha de raciocínio, as chamadas bolhas, com objetivo de evitar discussão com pessoas que tenham opiniões divergentes, fato que prejudica a democracia, pois, empobrece o verdadeiro debate.
Nesse mesmo sentido, Victoria Prego9, presidente da associação da imprensa de Madri, na Espanha, aponta o risco para a democracia com a propagação de notícias falsas: “agora, na comunicação também a informação enfrenta um fenômeno crescente, que foi piedosamente nomeado com um evidente eufemismo: a pós-verdade”. Desse modo, as pós-verdades não são exatamente mentiras, como no caso das fake news, mas são a forma pela qual o indivíduo processa e internaliza as informações recebidas, tornando-as verdadeiras para si.
Não se pode olvidar que o direito à informação verdadeira é um dos pilares da democracia, uma vez que é por meio das informações recebidas que o indivíduo tende a formar sua opinião, opinião essa que elege os representantes do povo. Todos os dias é recebido um número elevado de informações, porém, nem sempre há um filtro confiável para atestar sua veracidade. Assim, muitas notícias são replicadas sem o devido cuidado, o que pode causar sérios danos à democracia.
Destarte, no cenário atual no qual o indivíduo está inserido, há um universo de comunicações e informações instantâneas a uma velocidade que permite obter e difundir informações, em tempo real de diversas partes do globo terrestre, porém, essa mesma velocidade não permite assimilar de forma clara e adequada a diversidade e a quantidade das informações recebidas dos mais variados meios de comunicação, o que torna mais difícil para o homem médio identificar o certo do errado, o verdadeiro do falso.
Cabe destacar, que além das mais diversas falácias e mentiras enfrentadas, o judiciário enfrenta a manipulação de fotos divulgadas nas redes sociais, e, com o uso indiscriminado, afetam as pessoas por meio virtual com efeitos no mundo real. Caso conhecido aconteceu em 2014,10 no Guarujá- São Paulo, quando uma mulher foi agredida fisicamente, até a morte, por populares, após ter sua foto divulgada nas redes sociais sob a acusação de prática de magia negra com crianças. Isso foi uma demonstração do poder das fake news e sua consequência devastadora.
Nesse sentido, fatos de violência como o supracitado não devem ocorrer, uma vez que, a Lei Maior, que tem como um dos seus princípios, a dignidade da pessoa humana, e tem sob sua égide o direito à vida, garantia fundamental, e como tal, classificada como cláusula pétrea, faz-se imperiosa sua observância, para que atrocidades provocadas por fake news, como a elencada acima não seja uma constante na sociedade.
Além do texto Constitucional, a Lei nº 12.965/1411, lei específica, conhecida como o Marco Civil da Internet, diz no artigo 3º, que o uso da internet no Brasil, tem no rol de seus princípios as garantias da liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento, com respeito à privacidade, à inviolabilidade da intimidade e da vida privada.
Indubitavelmente, esse turbilhão de notícias duvidosas disseminadas tanto por robôs quanto por perfis falsos na internet, e também por indivíduos incautos, desprovidos de prévio conhecimento, é realmente preocupante. A sociedade está exposta a um excesso de informações, e é necessário que haja checagem das fontes, que se tenha comprometimento com a verdade e a consciência dos males que vêm junto com a desinformação.
Em síntese, é evidente a importância da democracia e sua conexão direta com as garantias fundamentais de acesso à informação, e da liberdade de expressão. Essas garantias constitucionais, livres de censuras, são fundamentais nos debates, pois contribuem para a formação de decisões e consequentes escolhas no âmbito do processo eleitoral, e seu uso consciente é basilar para que se exerça a democracia genuína e se mantenha a higidez desse sistema.
As pós-verdades e as fakes news não devem e não podem ser vistas como meros contratempos, pois, por meio desse tipo de comunicação, de desinformação e de inverdades, há sérios riscos à democracia. É inegável o mal que uma ditadura faz à nação como um todo, é grave negar, por exemplo, que houve o golpe em 1964, e que durante ele ocorreram torturas e mortes. Ao aceitar, e incutir a crença de que a ditadura não violou direitos humanos, há evidente afronta à democracia.
Mister salientar, o fato de que a maioria das democracias não ruíram bruscamente, mas de forma lenta e gradativa. Temos o exemplo de Adolf Hitler, que foi um líder carismático, e persuadiu seu povo a aceitar seus ideais, durante a grave crise política e econômica em 1920. De acordo com a matéria publicada pelo site UOL, o nazismo, também conhecido como Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, partido de extrema direita, com ideais nacionalistas e extremistas, cometeu enorme barbárie. Hitler fez o povo crer que era a sua ‘salvação’, tendo assim, a adesão dos alemães que acreditavam estar fazendo o correto, porém, culminou com o Holocausto que contabilizou a morte de seis milhões de judeus12.
Segundo o site G1-Globo,13 no Brasil, no dia 31 de março de 2019, houve manifestações em diversas capitais brasileiras, contra e a favor da ditadura, o grupo que se intitulou pró ditadura, utilizou cartazes com agradecimento e pedidos para que intervenção militar retorne, esses indivíduos acreditam ser esse regime melhor que o atual.
Assim, a pós-verdade induz pessoas e coloca em xeque a democracia. É imperioso que se faça algo para cessar tais notícias. A democracia além de dar direito ao voto, garante direitos constitucionais, como a liberdade de expressão, o direito de ir e vir, entre outros que estão sob a égide do artigo 5º da Constituição, e ao abrir mão da democracia, o retrocesso é incontestável. Assim, é mais difícil manter a democracia do que instituí-la.
Com efeito, o tema é realmente alarmante. Conforme notícia publicada pelo site Correio14, foi veiculado um vídeo no dia 31 de março de 2019, pelo canal de comunicação do Planalto, no qual se nega o golpe militar de 1964 que instalou a ditadura no Brasil. O vídeo também foi postado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, no Twitter, com os seguintes dizeres: “Num dia como o de hoje o Brasil foi liberto. Obrigado militares de 64! Dúvida? Pergunte aos seus pais ou avós que viveram aquela época como foi.”15 (sic)
Descrição do vídeo:
“Se você tem a mesma idade que eu, pouco mais pouco menos, sabe que houve um tempo que o nosso céu de repente não tinha mais estrelas e outros, nem nossa vida, nem nossos campos e bosques mais flores e amores.Se você é jovem já deve ter ouvido isso de seus pais, mas se você quer mais detalhes,mais depoimentos, quer ter certeza de que isso é verdade, faça uma pesquisa! Consulte os jornais, revistas, filmes da época. Você vai ver, era sim um tempo de medo e ameaças. Ameaças daquilo que os comunistas faziam onde era imposto sem exceção.Prendiam e matavam seus próprios compatriotas. Havia sim,muito medo no ar, greves nas fábricas, insegurança em todos os lugares. Foi aí que conclamado por jornais, rádios e tv e principalmente pelo povo na rua, povo de verdade, pais, mães, igrejas que o Brasil lembrou que possuía um exército nacional e apelou a ele.Foi só aí que a escuridão graças à Deus foi passando, passando e fez-se a luz. A bandeira verde e amarela voltou a tremular e o medo deu lugar a confiança no futuro. O exército nos salvou! O exército nos salvou! Não há como negar. E tudo isso aconteceu num dia comum de hoje, um 31 de março. Não dá para mudar a história.
O exército não quer palmas nem homenagens, o exército apenas cumpriu o seu papel”. (informação verbal)16
Segundo dados da Comissão Nacional da Verdade, na entrega do relatório final, Parte III – Métodos e práticas nas graves violações de direitos humanos e suas vítimas, apontou detenções ilegais e arbitrárias, ocultação de cadáver e o número de 434 pessoas que foram mortas ou desapareceram durante o regime militar, desses, somente 33 corpos foram localizados17.
Ademais, no país foram instituídos vários Atos Institucionais, como por exemplo o AI-5, que colocou em prática a censura, a perseguição política com mandatos cassados, e culminou no fechamento do Congresso Nacional, na supressão de direitos e garantias constitucionais, e na extinção da democracia, pois não houve eleição direta, bem como na severa repressão direta àqueles que eram contrários ao regime. Houve também os Decretos Secretos, por meio dos quais as pessoas eram presas e torturadas sem ao menos saberem o real motivo que as levaram ao cárcere, uma vez que as normas eram sigilosas. Para os autores Mônica Tereza Mansur e Ronaldo Alves de Andrade:
“clima intelectual atual lembra mais a posição de Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas”. A consequência lógica é que: cada é para si mesmo a medida de todas as coisas, onde cada um tem a sua própria verdade.
Nessa perspectiva, não existe a verdade nem é possível ensiná-la. É o relativismo que impera. Essa negação ou relativização da verdade acentua-se, hoje, especialmente nos meios de comunicação, na mídia e na atuação da imprensa.
O pacto firmado pela forma de divulgação do pensamento e da velocidade das notícias, na era digital, onde a informação já nasce sob o signo da complexidade, uma vez que toda análise do conhecimento passa pela da linguagem, esse instrumento da inteligência humana multiforme, polissêmico e mais propenso à discórdia que à concórdia18.”
Como resultado, informações distorcidas e direcionadas, têm atacado a mais alta cúpula do Poder Judiciário. Em seu artigo 2º a Constituição do Brasil adotou a tripartição dos poderes, que são independentes e harmônicos entre si19. O Legislativo, o Executivo e o Judiciário, cada um desses poderes têm suas respectivas funções.
Desse modo, o Poder Executivo governa e administra assuntos de interesse público, o Poder Legislativo que é composto por representantes eleitos pelo povo, fiscaliza e elabora as leis, já o Poder Judiciário interpreta as leis e as aplica, julgando os casos concretos. O Supremo Tribunal Federal é a Corte Suprema do ordenamento jurídico e dentre outras, sua principal função é ser o guardião da Constituição, conforme artigo 102 da Magna Carta.
Por conseguinte, recentemente opiniões divergentes a respeito de um julgado, processo nº 0002716-18.2017.1.00.0000, inflamou a população contra o STF. O feito teve como Relator o Ministro Roberto Barroso, sobre o crime de lavagem de dinheiro e corrupção, que, quando estes são conexos ao de caixa dois, devem ser processados no âmbito da Justiça Eleitoral20. O julgamento teve grande repercussão e vários atores comentaram os prós e contras da decisão proferida pela Corte.
O Ministro da Justiça Sérgio Moro, postou em rede social que “a Justiça Eleitoral não está preparada para julgar corrupção e outros crimes comuns”. Já o procurador da República Deltan Dallagnol se manifestou em rede social: “hoje, começou a se fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há 5 anos, no início da Lava Jato”21.
Para o Desembargador Ney Bello: “Como guardião da Magna Carta, o STF não pode se curvar a interpretações e anseios alheios ao sistema normativo que, indubitavelmente, comprometem a segurança jurídica.”22 Não se deve permitir que objeções levem a população a ser contrária ao Supremo Tribunal Superior e torná-lo, no entendimento de Dallagnol: “uma espécie de ‘inimigo público da sociedade’ por aplicar corretamente os preceitos da Constituição Federal e das normas pertencentes ao ordenamento jurídico brasileiro”.
Dessa forma, posicionamentos diferentes, como os supracitados, ao chegar ao conhecimento do leigo, provocam as mais diversas reações nos indivíduos, e podem acarretar situações perigosas à estrutura e organização do país.
Sob esse prisma, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)23, se mostra preocupado com o impacto da desinformação na sociedade, e reconhece o risco dos impactos das fake news à democracia fora do ambiente virtual. No dia 1º de abril de 2019, criou uma campanha intitulada #FakeNewsPerigoReal, para o combate às fake news, para tanto, conta com o apoio de agências de checagem de conteúdos.
Segundo reportagem veiculada pelo Estadão24, o historiador Gregório Caro Figueroa descreve pós-verdade e completa: “O desejo e clamor social, ainda que envolvam o combate à corrupção, jamais podem ser o âmago de um debate jurídico”. No âmbito jurídico, não se pode admitir a chamada pós-verdade, mas tão somente a verdade. No direito não cabem hipóteses, mas unicamente os fatos. E tampouco devem prevalecer as chamadas fake news, as notícias inverídicas.
Conforme notícia publicada pelo site do Correio Braziliense25: O Tribunal Superior Eleitoral finaliza uma resolução para fechar o cerco a partidos e candidatos que tentem utilizar robôs durante a campanha eleitoral, o Tribunal, deixa claro quais são as práticas que são admitidas e as proibidas nas redes sociais, aponta ainda, quais são as punições para o candidato ou partido que insistir em descumprir as regras.
“De acordo com dados obtidos com exclusividade pelo Correio, durante três horas de debate na Rede Bandeirantes, foram publicadas mais de 2 milhões de mensagens no Twitter. Esse número representa um acréscimo de quase 140% em relação ao número de tweeta distribuídos durante o primeiro debate televisivo das eleições de 2014. Mas o que chamou atenção desta vez, foi o fato de que o nome de candidatos brasileiros figuraram entre os assuntos mais comentados das redes sociais em pelo menos dois países.
A ação coordenada de usuários usando hastags (tópicos de pesquisa) levantou as suspeitas de especialistas. O candidato Jair Bolsonaro foi o mais citado nas redes sociais, tanto no Brasil, como no exterior. Ele também é alvo de milhares de mensagens escritas em idiomas estrangeiros e com o mesmo padrão de publicação. Um levantamento realizado a pedido da reportagem pelo professor Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), revelou que durante três horas, Bolsonaro foi mencionado em 452 mil tweets, difundidos na rede por mais de 55 mil usuários. Deste total, cerca de 21%, ou seja 88 mil, tweets foram publicados em idiomas como inglês, espanhol e alemão.
Os dados são bem superiores a outros candidatos, como Ciro Gomes, que foi citado em 35 mil tweets, incluindo mensagens de texto com o nome dos candidatos e hashtags. Pouco mais de 7 mil usuários se envolveram nas mensagens endereçadas a Ciro. De acordo com o estudo, 5,1 mil mensagens, ou seja, 13% do total, foram publicadas em idiomas diferentes da língua portuguesa.
Ao mesmo tempo em assuntos relacionados ao candidato Jair Bolsonaro apareciam entre os mais comentados do Twitter na Rússia e na Letônia, no Brasil a presença dele era escassa nos trending topics. O parlamentar chegou a acusar o Twitter de censura e disse que assuntos relacionados a ele “estavam sendo bloqueados”.
Por conseguinte, a vigilância e a prudência devem ser constantes, para que se tenha processos eleitorais probos e isentos, garantindo que os indivíduos façam escolhas políticas, pautadas na verdade, e, assim exerçam seus direitos e prevaleça a democracia no Brasil.
Na era da comunicação digital quem detém a informação, detém o poder, e o crescente acesso dos indivíduos às redes sociais facilita a coleta de dados pessoais, que dão suporte dentre outros, ao marketing político, que direciona as informações de acordo com o perfil de quem as recebe, dessa forma, o número de adesão é significativo. Nesse sentido, as eleições no ano de 2018 no Brasil foram um fenômeno sui generis, uma vez que as campanhas políticas utilizaram as mídias sociais de maneira estratégica para obter maior adesão do eleitorado.
De acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia 2016, 49% dos brasileiros responderam que a internet é o meio de comunicação mais utilizado, desses, 50% a frequentam 7 dias por semana, com tempo de uso de mais de 300 minutos para 29% dos entrevistados. Dos que acessam a internet, a maior parte 29%, reside em grandes centros urbanos com município do porte de 100.001 a 500.000 habitantes, principalmente nas regiões Sul 28% e Sudeste 29%. Ao analisar esses dados, verifica-se que o ambiente virtual que tem influenciado o eleitor brasileiro não é de fato representativo, porém as ideias formadas por esses grupos ganham proporção nacional26.
Segundo reportagem publicada no site do jornal EL PAÍS, para o mestre em Políticas Públicas pela Hertie School of Governance (2017), em Berlim, Alemanha, Rafael Schmuziger Goldzweig27:
“[…]Estudos provam que o ambiente virtual teve uma influência grande na eleição de Donald Trump em 2016, e a forma como grupos que o apoiavam usaram as mídias sociais beneficiou o candidato. Grupos de extrema direita, que representavam 11% dos seguidores do então candidato, foram responsáveis por cerca de 60% dos retweets para ele durante o período eleitoral. A tendência se seguiu em outros países – na campanha do Brexit, nas eleições da Alemanha e da França, entre outros. No Brasil, a situação não é diferente. O sucesso do candidato Jair Bolsonaro é, em parte, explicado pelo seu alcance nas mídias sociais e o apoio de grupos que o capitalizam.
Nesse sentido, cabe a pergunta: as mídias sociais são um ambiente representativo da população brasileira? […] Próximo ao período eleitoral, no entanto, temos uma atividade intensa de criação de contas que seguem os candidatos, começando em março, nos casos de Marina Silva e Geraldo Alckmin, até agosto, nos casos de Lula, Bolsonaro e Amoedo.
Em todos os casos analisados temos uma concentração de seguidores criados em datas específicas. Ou seja, por dias seguidos, entre 300 (no caso de Lula) e 1700 (no caso de Bolsonaro) contas criadas passam a seguir os candidatos, por dia (com picos nos dias 08.07.2018 e 10.08.2018, respectivamente). Não podemos afirmar que todas as contas sejam falsas, mas essa atividade é anormal em termos das tendências históricas apresentadas nos gráficos”.
Caso mundialmente conhecido foi o do primeiro-ministro da Espanha, como aponta Olivar Coneglian:28
“[…]lembra-se de um fato da história mundial recente, já comentado, onde o uso de e-mail serviu para decidir uma eleição. Em Madri, Espanha, ocorreram atentados terroristas em estações de trens, com muitas mortes e feridos. Os atentados aconteceram na quinta-feira da semana em que haveria eleição para o parlamento. O primeiro-ministro José Maria Asnar era o candidato favorito nas pesquisas eleitorais, e deveria conquistar as cadeiras que lhe garantiriam a continuidade no cargo. Os atentados ocorreram de manhã. No fim da tarde do mesmo dia, a polícia espanhola já tinha indícios de que os ataques tinham origem nos terroristas do Oriente Médio, com ligação com a AL Qaeda. Como essa informação poderia comprometer as pretensões de Asnar, que tinha apoiado George W. Bush na guerra contra o Iraque, mandou espalhar a notícia de que os ataques tinham sido do grupo separatista basco ETA. No dia seguinte, os meios de comunicação divulgaram que o ETA era o responsável pelos ataques do dia anterior. A juventude espanhola descobriu a mentira, e revoltada, desfechou uma forte campanha por e-mail e celulares, contra o primeiro-ministro Asnar, e em dois dias reverteu os índices de preferência. No domingo, Asnar perdeu a eleição. Zapatero foi eleito.”
Com efeito, no Brasil o ambiente virtual foi utilizado de maneira atípica, indivíduos até então adversos às questões políticas se interessaram em fazer parte do processo eleitoral, seja pelo sentimento de pertença a determinado grupo, seja devido a consciência do direito cívico, o que se observou foi que as pessoas sentiam-se aptas a manifestar opiniões e a participar de debates entre amigos e familiares, o que seria adequado se não fosse em um ambiente de manipulação.
Outrossim, o que se notou foi que diversas informações foram propagadas e replicadas em segundos, atingindo um elevado número de eleitores, formando opiniões e debates acalorados em diferentes redes sociais, surgindo grupos antagonistas, e o que muitos não se deram conta foi que a tecnologia permitiu que robôs disseminassem várias fake news, dessa forma, as desinformações tinham início com os robôs e rapidamente ganhavam a forma orgânica, com os indivíduos repassando mentiras e verdades distorcidas, aumentando a adesão aos ideais propagados.
Para Patrícia Peck Pinheiro:29
“[…] A Internet é mais que um simples meio de comunicação eletrônica, formada não apenas por uma rede mundial de computadores, mas, principalmente, por uma rede mundial de Indivíduos. Indivíduos com letra maiúscula, porque estão inseridos em um conceito mais amplo, que abrange uma individualização não só de pessoas físicas como também de empresas, instituições e governos. A Internet elimina definitivamente o conceito de corporação unidimensional, impessoal e massificada. Isso significa profunda mudança na forma como o Direito deve encarar as relações entre esses Indivíduos”.
No mesmo sentido Pinheiro leciona:30:
“A Sociedade Digital já não é uma sociedade de bens. É uma sociedade de serviços em que a posse da informação prevalece sobre a posse dos bens de produção. Essa característica faz com que a proteção do Direito à Informação seja um dos princípios basilares do Direito Digital, assim como a proteção de seu contradireito, ou seja, do Direito à não informação.[…] O acesso à informação constitui o maior valor de uma sociedade democrática, e a massificação da Internet como serviço de informação e informatização possibilita um aumento de competitividade global de comunidades antes marginalizadas.
Ao mesmo tempo, o direito à não informação traz um limite ao direito de informar no qual o valor protegido é a privacidade do indivíduo. […]”.
Não obstante, o Poder Judiciário protagoniza um verdadeiro embate contra as fake news e contra as desinformações. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE)31 criou, durante a campanha eleitoral de 2018, um link em sua página na internet, cuja finalidade é esclarecer aos eleitores acerca das notícias difundidas no ambiente virtual, para isso, tem a colaboração de agências de checagem de conteúdo, com a finalidade de que as pessoas obtenham informações fidedignas a respeito do processo eleitoral.
Em suma,o impacto da desinformação na democracia realmente é alarmante, o perigo é que nem todos têm ciência sobre a coleta de seus dados, o que configura violação à garantia fundamental da privacidade, e, a utilização direcionada dos dados é uma potente ferramenta de manipulação, pois, comportamentos e ideologias são formados sem a consciência da manipulação em massa dos dias atuais.
O papel da imprensa sempre foi fundamental para a manutenção do Estado democrático de direito, pois lhe cabe transmitir a informação verdadeira e isenta para seus destinatários, tanto o é, que de acordo com Rui Barbosa32: “A imprensa é o dever da verdade”.
Para Liliana Minardi Paesani 33:
“Evidentemente que a atuação da imprensa é essencial à democracia, já que são os olhos da sociedade, e os jornalistas possuem o direito e a obrigação de informar, de forma imparcial, os fatos do cotidiano. Porém, o seu direito e o dever é a informação correta e veraz, desprovida de sensacionalismo ou apelos emocionais. Hoje, o que está a ocorrer, no entanto, é que o direito à informação verdadeira vem sendo ferida de morte pelo exercício desvirtuado do poder informativo, que, ao invés de informar, deforma a realidade factual”.
A propósito, a Magna Carta de 1988 em seu artigo 220 disciplina sobre a importância da imprensa, sobre a livre manifestação do pensamento e veda toda e qualquer espécie de censura, independente de sua natureza, seja política, ideológica ou artística, colocando sob a égide constitucional os veículos de comunicação social e a informação jornalística, afim de que as pessoas tenham acesso à informação fiável34.
Todavia, a liberdade de imprensa tem sido ameaçada, conforme dados do site Repórteres sem Fronteiras (RSF)35, em pesquisa divulgada em abril de 2019, tendo por base 180 países, aponta que o número de países onde jornalistas têm mais segurança para exercer a profissão diminui, e em contrapartida, os regimes autoritários reforçam seu controle aos meios de comunicação. Dos 180 países pesquisados, a Noruega mantém pelo terceiro ano consecutivo o primeiro lugar e o Brasil, ocupa a colocação 105º. Desde a campanha eleitoral, a imprensa se tornou alvo para os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, tanto nas redes sociais quanto durante as coberturas.
Em suma, o perigo da desinformação pode ter grandes proporções, uma vez que a vitória nas eleições levam ao poder, esse, por sua vez, dita o futuro da nação, e, sob esse prisma, a desinformação se tornou uma arma poderosa e de rápida difusão. Nesse sentido, é fundamental que o jornalismo seja livre de censuras, ético, sério, isento e comprometido com a verdade, veiculando informações confiáveis e trazendo à lume as inverdades difundidas nos meios sociais.
4.1 Liberdade de imprensa e a censura sob a égide do panoptismo estatal
A democracia no Brasil encontra-se fragilizada com os constantes ataques causados pelas fakes news, onde cada um acredita no que lhe convém, como consequência das pós-verdades. Dessa forma, o acesso à informação, e a liberdade de imprensa, são fundamentais para que se mantenha o sistema democrático.
Ocorre que, ao se combater as diversas falácias propagadas, há o risco de censura, que é mortal para a democracia, do mesmo modo que a desinformação.
Nesse sentido, Michel Foucault, faz uma análise acerca dos mecanismos sociais e teóricos nos sistemas penais do ocidente, na referida obra, há o exame sobre a vigilância e a punição estatal. Para Foucault36, o efeito do panóptico é: “induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação”. Pode-se inferir, então, que o panoptismo extrapolou a esfera penal, e sob a forma de censura, se faz bem presente no século XXI, sobretudo o panoptismo digital.
Sob esse prisma, o Estado detém autoridade constituída para vigiar e punir os que infringem as leis, porém, no que tange aos direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, às vezes extrapola seus poderes de vigilância e disciplina. Fatos como o recente escândalo envolvendo Ministros do Supremo Tribunal Federal demonstram que o Estado se perde no controle do poder-dever de garantir a liberdade de expressão e de imprensa.
De acordo com reportagens veiculadas por diversos meios de comunicação, entre eles, Globo News37, no mês de abril de 2019, a revista Crusoé, do site O Antagonista, teve uma publicação retirada de circulação, por ordem do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, a reportagem noticiava a acusação por parte de Marcelo Odebrecht, condenado na operação Lava Jato, que relatou a Polícia Federal, sobre a transação das hidrelétricas do rio madeira, e entregou dois e-mails que enviou a Adriano Maia e Irineu Meireles, ambos executivos da Odebrecht, referindo-se a alguém que teria por codinome: ‘amigo do amigo do meu pai’, ainda, de acordo com a reportagem objeto da censura, o dono do codinome tratava-se do Presidente do STF, Ministro José Antônio Dias Toffoli. A reportagem foi censurada.
Nesse diapasão, qualquer espécie de censura é extremamente danosa à democracia, assim, a censura da reportagem da revista Crusoé e também do site O Antagonista, deve ser analisada e questionada com a devida cautela, uma vez que o papel de investigar não cabe somente a polícia, mas também ao jornalismo e a sociedade civil e cercear esse papel, afronta a democracia, uma vez que nega aos indivíduos o acesso à informação garantido pela Constituição Federal.
Cabe salientar, que Constituição Federal de 1988, artigo 5º, garante ao indivíduo o acesso à informação e a livre manifestação do pensamento, nessa mesma linha, o artigo 220 do texto constitucional, ao dispor sobre a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, alude que esses não sofrerão qualquer restrição, mas aponta que sejam observados os limites dispostos na Constituição,o legislador constituinte, ao elaborar o texto constitucional, deixou em evidência que, há de se respeitar limites ao exercício da liberdade de expressão, nesse sentido é vedado o anonimato.
Não obstante a garantia de acesso à informação, foi aberto de ofício, inquérito para a suspensão da reportagem, a pedido do Presidente do STF, e teve como relator o Ministro Alexandre de Moraes, sob a alegação de tratar-se de fake news, pois relatava que o esclarecimento prestado por Odebrecht, não havia sido remetido à Procuradoria Geral República.
No mesmo sentido, um inquérito anterior, também aberto de ofício, nº 4781, DF, relator: Min. Alexandre de Moraes, e instaurado pela Portaria GP 69/2019, assinada pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, em 14 de março, para apuração de ofensas a Ministros da Corte, com despacho onde a Polícia Federal cumpriu oito mandados de busca e apreensão de documentos e arquivos digitais, em São Paulo, Goiás, Brasília, na residência de algumas pessoas e com ordem de bloqueio de redes sociais dos investigados de praticar ofensas à Suprema Corte38.
Para sustentar esse entendimento, o Ministro utilizou uma nota divulgada pela PGR, que informava que não havia recebido esse material, e ainda, com fulcro no artigo 43, do Regimento Interno do STF, que diz que no caso de infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, é cabível ao Presidente instaurar inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, podendo ainda, delegar esta atribuição a outro Ministro39.
Mister apontar, que a notícia objeto da censura, além de não ser comprovadamente uma fake news, não ocorreu na sede nem nas dependências do Tribunal, e a Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, pediu seu arquivamento, uma vez que o Parquet é o titular da persecução penal, e, considerou, ainda, como forma de censura a suspensão da notícia. Nesse mesmo sentido, em nota oficial, no dia 16 de abril de 2019, a Diretoria do Conselho Federal e do Colégio de Presidentes da OAB, manifestou-se sobre o ocorrido repudiando a censura40:
“[…]Nenhuma nação pode atingir desenvolvimento civilizatório desejado quando não estão garantidas as liberdades individuais e entre elas a liberdade de imprensa e de opinião, corolário de uma nação que deseja ser democrática e independente.
Nenhum risco de dano à imagem de qualquer órgão ou agente público, através de uma imprensa livre, pode ser maior que o risco de criarmos uma imprensa sem liberdade, pois a censura prévia de conteúdos jornalísticos e dos meios de comunicação já foi há muito tempo afastada do ordenamento jurídico nacional.
Pensar diverso é violar o princípio tão importante que foi construído depois de tempos de ditadura e se materializou no Art. 220 da Constituição Federal, mesmo havendo sempre a preocupação para que toda a sociedade contenha a onda de “fake news” que tem se proliferado em larga escala.
Neste sentido, a Ordem dos Advogados do Brasil, legítima defensora das liberdades e da defesa da constituição e da lei, manifesta a preocupação com a decisão proferida pelo STF, através de um dos seus Ministros, que determinou a retirada de conteúdo jornalístico dos sites eletrônicos e a proibição de utilização de redes sociais por parte de investigados, entre outras medidas.
Em qualquer democracia, a liberdade vem atrelada à responsabilidade, não sendo crível afastar de responsabilização aqueles que por qualquer razão ou interesse possam solapar o correto uso da liberdade garantida para fins proibidos na legislação brasileira, mas somente após obedecidos os princípios da ampla defesa e do contraditório, dentro de um devido processo legal.
Na ADPF 130, o Supremo consignou que a liberdade de imprensa é verdadeira fonte da democracia e por essa razão não pode sofrer embaraços nem nenhum tipo de regulação, sendo causa indispensável para a eficácia dos direitos emanados da vida em sociedade (Ministro Carlos Ayres Britto).
A liberdade de imprensa é inegociável, até porque é fundamento da democracia representativa, razão pela qual a diretoria do Conselho Federal da OAB espera o pleno respeito à Constituição Federal e a defesa da plena liberdade de imprensa e de expressão”.
Para José Afonso da Silva41:
“Liberdade de informação jornalística. É nesta que se centra a liberdade de informação, que assume características modernas, superadoras da velha liberdade de imprensa. Nela se concentra a liberdade de informar, e é nela ou através dela que se realiza o direito coletivo à informação, isto é, a liberdade de ser informado.[…] A liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista. A liberdade destes é reflexa, no sentido de que ela só existe e se justifica na medida do direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial. A liberdade dominante é a de ser informado”.
Ocorre que no dia 18 de abril de 2019 a decisão que ensejou na censura à revista Crusoé e ao site O Antagonista, foi revogada pelo próprio Ministro que a proferiu, após ministros do STF criticarem censura de reportagem sobre o presidente da corte.
Conforme veiculado no site Agência Brasil, para o Ministro Celso de Mello declarou: “A censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República”’(sic). E completa: “Mordaça. Isso não se coaduna com os ares democráticos da Constituição de 1988. Não temos saudade do regime pretérito. E não me lembro nem no regime pretérito, que foi regime de exceção, de medidas assim, tão virulentas como foi essa” (sic)42.
Ainda, em defesa à liberdade de expressão, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, diz no seu artigo XIX, diz:43 ‘Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras’. E, conforme artigo 13 do Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, alude sobre Liberdade de pensamento e de expressão, observa-se o exposto:
“1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. […]
No tocante ao Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, seu papel deve ser reprimir a censura e não praticá-la, é indubitável que, quando ocorre qualquer tipo de censura a um órgão de imprensa, que impeça a liberdade da livre manifestação de pensamento e o acesso à informação, a Carta Magna está sendo violada. Imperioso mencionar que as fakes news devem ser combatidas com o rigor da lei, e no caso de abuso do direito da liberdade de expressão, exige-se o direito de resposta e reparação do eventual dano moral suportado, o que passar disso, fere os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade.
Muito embora, essas garantias permitam a livre manifestação de pensamento, a discussão pauta-se na tênue linha do panoptismo estatal, sob o aspecto de censura, e a liberdade de imprensa, tendo em vista sua inegável importância para a democracia, baseada no jornalismo independente e comprometido com a verdade.
Assim, é inegável que além dos órgãos governamentais, o cidadão, também, tem deveres fundamentais nesse processo, pois seus interesses estão engendrados nas tomadas de decisões, e, é preciso que haja conscientização do real perigo enfrentado por todos na era da informática.
Em suma, os atores dos mais diversos setores, precisam combater qualquer forma de censura, como também as inverdades, que para muitos, pode vir a ser o mal do século, do contrário, não se terá o exercício genuíno da democracia, pela qual tanto lutou-se para alcançar, uma vez que a garantia fundamental à liberdade de expressão estaria maculada, tanto pelo risco da censura,quanto pelo engodo da desinformação, onde apenas se replica desinformações que podem arruinar economias, governos e nações.
CONCLUSÃO
Ao analisar o fenômeno da desinformação e suas consequências à democracia, o que se espera para atenuar os possíveis impactos causados pelas conhecidas fake news é a busca pela veracidade das notícias e das informações, o que não se tem a pretensão de dizer que atualmente é algo simples, no entanto, é factível. A sociedade ainda caminha lentamente para uma conscientização adequada desta nova era tecnológica, onde as notícias são acessadas e enviadas com apenas um click.
Sob esse prisma, a solução mais sensata é tentar adaptar-se a essa nova realidade, visto que não há como frear os avanços tecnológicos, pelo contrário, a cada instante surgirão novas ferramentas de comunicação e a solução mais sensata é tentar adaptar-se a essa nova realidade. Ademais, a evolução tecnológica deve ser utilizada para o bem da sociedade, e, no processo eleitoral, deve ser utilizada com cautela, pois por meio desse, há a escolha dos representantes, para que o povo exerça por meio deles o poder que lhe é atribuído constitucionalmente.
Por conseguinte, uma possível alternativa, que talvez consiga amenizar os impactos da desinformação, seria a criação de sites apartidários com checadores de informações de conteúdo, que tenham credibilidade e isenção, e que esclareça ao indivíduo o que é ou não verdadeiro, dessa forma, com o devido respaldo, com a possibilidade da consulta das fontes, ter maior consciência e controle sob os conteúdos que se pretende divulgar. Por outro lado, a consequência da omissão ao não buscar a veracidade das informações, seria sofrer as penalidades legais.
Em síntese, o que se espera neste período de transição tecnológica, é a educação, a informação advinda de uma mídia fiável, um governo preocupado com o bem estar da sociedade, e um direito que se adeque às modificações sociais. O que não deve ocorrer é a inércia dos atores envolvidos. Os três poderes, a mídia e os indivíduos, precisam ter a ciência dos males causados pela desinformação e pela censura, e não resta dúvida de que a maneira mais competente para amenizar seus impactos é combater a mentira com a verdade, a desinformação com a informação.
Por fim, são necessárias atitudes eficientes e eficazes, caso contrário, as fake news e as pós-verdades tendem a crescer exponencialmente, pois é certo que as pessoas que as utilizam são conhecedoras do poder e do impacto que a desinformação pode acarretar nas opiniões e no comportamento, formando uma população de incautos e colocando em risco a democracia brasileira.
REFERÊNCIAS
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1 Graduanda do curso de Direito da Universidade Estácio de Sá, 10º período. Endereço eletrônico:
julianaramos26@gmail.com
2 SIGNIFICADO de democracia, Disponível em:<https://www.significados.com.br/democracia/>. Acesso em 05 abr de 2019.
3 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da Constituição e direitos fundamentais, 6. ed, São Paulo: Saraiva, 2009, p.6
4
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal, 1988.
5 Ibid
6 ARISTÓTELES, A Política, São Paulo: A obra prima de cada autor,1985, p.78.
7 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, 9.ed, São Paulo: Malheiros, 1994, p.115.
8 FÁBIO, André Cabette. O que é ‘pós-verdade’, a palavra do ano segundo a Universidade de Oxford,Nexo Jornal, 16 de novembro de 2016, caderno expresso. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/11/16/O-que-%C3%A9-%E2%80%98p%C3%B3s-verdade%E2%80%99-a-palavra-do-ano-segundo-a-Universidade-de-Oxford> Acesso em 05 abr de 2019.
9 PREGO, Victoria, Bolhas Informativas, Revista Uno, n°27, 2017, p.20,Disponível em:<https://www.revista-uno.com.br/wp-content/uploads/2017/03/UNO_27_BR_baja.pdf.> Acesso em: 30 mar 2019.
10 G1- Globo- 05/05/2014.Mulher espancada após boatos em rede social morre em Guarujá, SP, Disponível em:<http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2014/05/mulher-espancada-apos-boatos-em-rede-social-morre-em-guaruja-sp.html>Acesso em 02 de abr 2019.
11 BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014.Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. site do Planalto,Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm> Acesso em 30 março 2019.
12 História Geral.Nazismo,OUL,Disponível em:< https://brasilescola.uol.com.br/historiag/nazismo.htm> Acesso em 05 abr 2019.
13 G1 Minas e TV Globo,BH tem atos pró e contra a ditadura militar no dia em que golpe completa 55 anos, Disponível em:<https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2019/03/31/grupo-faz-manifestacao-a-favor-da-ditadura-militar-em-belo-horizonte.ghtml> Acesso em 05 abr 2019.
14 G1, Vídeo que nega o golpe de 1964 é distribuído em canal de comunicação do Planalto, G1 — Brasília 31/03/2019 Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/03/31/video-que-nega-o-golpe-de-1964-e-distribuido-em-canal-de-comunicacao-do-planalto.ghtml Acesso em 05 abr 2019.
15 Ibid
16 Notícia fornecida pelo site G1 Vídeo que nega o golpe de 1964 é distribuído em canal de comunicação do Planalto, G1 — Brasília 31/03/2019 Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/03/31/video-que-nega-o-golpe-de-1964-e-distribuido-em-canal-de-comunicacao-do-planalto.ghtml Acesso em 05 abr 2019.
17 Comissão Nacional da Verdade (CNV),Relatório da Comissão Nacional da Verdade,Disponível em:< http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/>. Acesso em 04 abr. 2019.
18 PAESANI, Liliana Minardi.(Coord.). O direito na sociedade da informação III- A evolução digital.ed. atual, São Paulo:Atlas S.A, 2013, p.92.
19 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal, 1988.
20 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Processual Penal.Inquérito.Investigação penal. Inquérito n.º 4435, Supremo Tribunal Federal.Brasília,DF, 10 de abril de 2019. Lex: Jurisprudência do STF. Disponível em: < https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5149810> Acesso em 11 abr de 2019.
21 COSTA, Anna Graziella Santana Neiva.STF e o combate à pós-verdade, Estadão, caderno, política,16 mar de 2019,Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/stf-e-o-combate-a-pos-verdade/>.Acesso em 30 mar 2019.
22 Ibid
23 PONTES,Felipe.Conselho Nacional de Justiça combate fake news sobre Judiciário.Em 01 de abr 2019.Disponível em:<http://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2019-04/conselho-nacional-de-justica-combate-fake-news-sobre-judiciario>Acesso em 16 abr de 2019.
24 MACEDO, Fausto.STF e o combate à pós-verdade, Estadão,16 de março de 2019, Disponível em:<https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/stf-e-o-combate-a-pos-verdade/>.Acesso em 02 abr. 2019.
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29 PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito digital, 3.ed,São Paulo: Saraiva, 2009, p.1.
30 Ibid., p.50/51.
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38 STF,Notícias,Ministro Alexandre de Moraes designa equipe de delegados em inquérito para apurar ameaças e fake news, março 2019,Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=406357> Acesso em 17 de abril 2019.
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43HUMANOS,Declaração Universal dos Direitos. Disponível em:< https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf> Acesso em 17 abr 2019.
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