Impossibilidade de requisição de inquérito policial (IP), quando o Ministério Público instaurar previamente um procedimento de investigação criminal (PIC)

Resumo: Breve artigo sobre a impossibilidade de o Ministério Público remeter procedimento investigatório criminal instaurado e em curso ao Delegado de Polícia.

Palavras Chave: Investigação criminal. Procedimento investigatório criminal. Inquérito Policial.

Sumário: 1. Introdução. 2.Impossibilidade de requisição de IP com PIC em curso. 3.Conclusão. Referências

1.Introdução

Em decisão recente o STF concedeu ao Ministério Público o poder investigatório, pois, segundo os Ministros, quem pode o mais (oferecer denúncia), pode o menos (investigar). Nada contra o poder investigatório, mas colocar a investigação policial como sendo “menos ou menor” do que a denúncia parece absolutamente equivocado. O sistema acusatório existe para que cada um, na medida de suas competências, chegue ao objetivo comum, condenar um culpado ou absolver um inocente. Não há hierarquia entre promotor, juiz e delegado, não deveria haver, portanto, hierarquia entre suas funções. Mas esse é um assunto para outro artigo.

Quanto à requisição de inquérito policial, o Ministério Público pode fazê-la ao Delegado de Polícia, quando chegar ao seu conhecimento determinado fato criminoso de ação pública, essa é uma previsão expressa no Código de Processo Penal:

“Art. 5o  Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

II – mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

§ 1o  O requerimento a que se refere o no II conterá sempre que possível:

a) a narração do fato, com todas as circunstâncias;

b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer;

c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência.”

2. Impossibilidade de requisição de IP com PIC em curso

Quando, todavia, existe um prévio procedimento investigatório criminal (PIC) instaurado e em curso, ou seja, o Ministério Público já iniciou a investigação dos fatos, não se pode admitir que em seguida remeta o procedimento em andamento ao Delegado de Polícia para continuidade das investigações. Isto porque, ao assumir a investigação, deve o órgão competente prosseguir até o seu final, encaminhando ao magistrado o pedido de arquivamento ou a denúncia, conforme o caso. Esse é o entendimento de Guilherme de Souza Nucci (Manual de processo penal e execução penal. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 173), quando diz:

“Em primeiro lugar, a polícia judiciária não é órgão subalterno do Ministério Público, que possui, constitucionalmente, o seu controle externo, vale dizer, a fiscalização dos atos policiais. Em segundo lugar, a polícia judiciária não foi comunicada da investigação, que se iniciou muito tempo antes, para que pudesse efetivamente colaborar; logo, não é depósito de PICs malsucedidos. Seria desconsiderar a figura do Delegado de Polícia. Em terceiro lugar, como já se disse, assumindo o ônus investigatório, o Ministério Público deve concluí-lo e, não havendo provas, pleitear o seu arquivamento ao Judiciário. Lembremos que, arquivado o inquérito ou o PIC, somente poderá ser desarquivado com provas substancialmente novas. Então, remeter o caso para que a polícia continue a investigação frustrada é contornar o direito consolidado de quem é investigado de fazer cessar tal intromissão em sua vida, a menos que surjam novas provas. Em quarto lugar, basta fazer o raciocínio inverso, vez que não há hierarquia entre as instituições, ou seja, nenhum tipo de subordinação. Imagine-se o delegado findar o inquérito, sem solução, e encaminhá-lo ao Ministério Público sugerindo que prossiga a investigação a partir dali. Seria considerado um rebelde. Ora, utilizar o poder requisitório que lhe foi conferido constitucionalmente para tergiversar, fazendo uma investigação frustrada prosseguir, constitui evidente desvio funcional, gerando constrangimento ilegal.”

Nada obsta, por óbvio, que o Promotor de Justiça solicite o apoio da Polícia Civil, de modo a desencadear um trabalho conjunto entre as instituições, isto é muito comum, mas não se pode aceitar que o Ministério Público queira agir como um órgão superior à Polícia, remetendo um trabalho que não fora concluído e é de sua competência. Ora, se lutaram tanto para ter o “bônus” de investigar, que também assumam o “ônus” e dificuldades que circundam a tarefa investigativa, que, às vezes, é cansativa e maçante, mas que não pode ser relegada a apenas às partes boas, aos louros e à exposição midiática.

A Resolução nº 13/2006 do CNMP é bem clara ao estabelecer o momento inicial como marco para escolher entre instaurar o PIC ou requisitar a instauração de IP:

“Art. 2º Em poder de quaisquer peças de informação, o membro do Ministério Público poderá:

I – promover a ação penal cabível;

II – instaurar procedimento investigatório criminal;

III – encaminhar as peças para o Juizado Especial Criminal, caso a infração seja de menor potencial ofensivo;

IV – promover fundamentadamente o respectivo arquivamento;

V – requisitar a instauração de inquérito policial”.

3.Conclusão

Assim, não se pode deixar ao critério do Promotor decidir quando ele quer remeter ao Delegado de Polícia as peças informativas, isto porque é no momento de análise inicial que deve haver a decisão. Não dá para aceitar que em uma primeira análise era interessante a abertura do PIC, mas posteriormente perdeu-se o ânimo de continuar as diligências, talvez pela dificuldade, extensão, falta de mídia, quantidade de trabalho, etc. Por fim, uma vez instaurado o PIC deve o mesmo ser concluído exclusivamente pelo promotor, já que não há hierarquia entre ele e o Delegado, e cada um deve ser responsável por sua própria investigação.

 

Referências
Código de processo penal.
Resolução nº 13/2006 do Conselho Nacional do Ministério Público.
Guilherme de Souza Nucci (Manual de processo penal e execução penal. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 173).

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Lucas Kertesz de Oliveira

 

Delegado de Polícia, Formado na Faculdade Católica do Tocantins

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

Recent Posts

Prejuízos causados por terceiros em acidentes de trânsito

Acidentes de trânsito podem resultar em diversos tipos de prejuízos, desde danos materiais até traumas…

2 dias ago

Regularize seu veículo: bloqueios de óbitos e suas implicações jurídicas

Bloqueios de óbitos em veículos são uma medida administrativa aplicada quando o proprietário de um…

3 dias ago

Os processos envolvidos em acidentes de trânsito: uma análise jurídica completa

Acidentes de trânsito são situações que podem gerar consequências graves para os envolvidos, tanto no…

3 dias ago

Regularize seu veículo: tudo sobre o RENAJUD

O Registro Nacional de Veículos Automotores Judicial (RENAJUD) é um sistema eletrônico que conecta o…

3 dias ago

Regularize seu veículo: como realizar baixas de restrições administrativas

Manter o veículo em conformidade com as exigências legais é essencial para garantir a sua…

3 dias ago

Bloqueios veiculares

Os bloqueios veiculares são medidas administrativas ou judiciais aplicadas a veículos para restringir ou impedir…

3 dias ago