Impossibilidade do particular responder por improbidade administrativa sem litisconsórcio com agente público

Resumo: Impossibilidade do ajuizamento da ação de improbidade administrativa exclusivamente contra particular – pessoa física e jurídica – sem a presença do agente público.

Palavra-chave: Ajuizamento. Ação. Improbidade. Exclusivamente. Particular.

Abstract: Impossibility of filing of the suit for improper conduct exclusively against private – corporate and individual – without the presence of the public officer.

Keywords: Filing. Action Misconduct. Exclusively. Particular.

Sumário: 1. Conceito de improbidade administrativa. 1.1. Probidade x Moralidade. 2. Previsão constitucional e infraconstitucional. 3. Natureza Jurídica da Lei nº 8.429/92. 4. Os sujeitos da Improbidade Administrativa. 5 – Sujeitos ativos do ato de improbidade. 6. Terceiros. 7. Aplicação das sanções por ato de improbidade exclusivamente praticado por terceiros – particulares.

1. Conceito de improbidade administrativa

Conquanto existam problemas na conceituação do termo improbidade administrativa, este termo melhor se define como o ato de imoralidade qualificada pela lei, praticado por agente público, ou por particular em conjunto com agente público, em face das entidades públicas e privadas, gestoras de recursos públicos, capaz de acarretar enriquecimento ilícito, causar prejuízo ao erário ou atentar contra os princípios da Administração Pública, ensejando em processo judicial promovido pelo pessoa jurídica lesada ou pelo Ministério Público.

1.1. Probidade x Moralidade

Não obstante as divergências doutrinárias, a doutrina majoritária entende a probidade como um conceito mais amplo, elástico, do que o de moralidade. Tendo em vista que a Lei n.° 8.429/92 (lei de improbidade) prevê, como ato de improbidade administrativa, não apenas a violação à moralidade, mas também aos demais princípios da Administração Pública, conforme previsto no art. 11 da referida Lei.

Diante disso, todo ato imoral é um ato de improbidade administrativa, mas nem todo ato de improbidade administrativa significará uma imoralidade administrativa. A probidade é um gênero, sendo a moralidade uma de suas espécies. A improbidade irá englobar não apenas os atos desonestos ou imorais, mas também os atos ilegais.

Sobre o assunto o eminente doutrinador Diogo de Figueiredo Moreira Neto expõe com maestria que “enquanto a moral comum é orientada por uma distinção puramente ética, entre o bem e o mal, distintamente, a moral administrativa é orientada por uma diferença prática entre a boa e má administração” (FIGUEIREDO MOREIRA NETO, 2009, p. 105).

2. Previsão constitucional e infraconstitucional

Existem quatro dispositivos na Constituição Federal de 1988 que discorrem sobre o tema: art. 14, § 9º; art. 15, V; art. 37, § 4º; art. 85, V. Deve-se mencionar ainda o art. 97, § 10, III, do ADCT. Entretanto merece realce o art. 37, §4º, que dispõe: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Já no plano legislativo, o Congresso Nacional editou a Lei n.° 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA) regulamentando as normas constitucionais supramencionadas, esta lei define alguns pontos centrais: sujeitos e os atos de improbidade, as respectivas sanções, as normas de procedimento administrativo e do processo judicial e as disposições penais.

3. Natureza Jurídica da Lei nº 8.429/92

Ademais, esclareço que o conteúdo da lei de improbidade possui natureza jurídica híbrida entre lei Nacional e Federal, explico: a Lei n.° 8.429/92 ao versar sobre as sanções de natureza civil, políticas, além de regras de direito processual, estabelece competência privativa da União para legislar sobre tais temas (art. 22, I, da CRFB/88), produzindo, assim, normas Nacionais, ou seja, aplicáveis a todos os entes federados e não somente à União.

Diferentemente, acontece quando a lei trata sobre matérias de fundo basicamente administrativo (art.13, caput; art. 14, §3º e art. 20, parágrafo único, da lei 8.429/92), eis que, por causa da autonomia dos estados federados, ocasiona a direito de exercício da competência legislativa autônoma de cada ente político, impossibilitando a União de elaborar normas de direito Administrativo aplicáveis aos demais entes, sendo estas aplicáveis somente à União.

Sendo assim, da análise substancial da Lei 8.429/92, percebe-se sua aplicabilidade a todos os entes da federação, excerto em relação aos dispositivos de natureza essencialmente administrativa, restritos aos artigos da lei mencionados no parágrafo acima, possuindo caráter federal, não nacional.

Observo que se encontra concluso ao ministro relator, desde 14/02/2013 – até o fechamento deste artigo -, no Supremo Tribunal, a ADI 4.295, ajuizada pelo Partido da Mobilização Nacional (PMN), contestando a constitucionalidade material de diversos artigos da Lei de Improbidade (art.3º, 9º, 11º, etc.), tendo em vista a falta de competência legislativa da União para elaborar normas gerais aplicáveis aos demais entes da federação (Estados e Municípios).

4. Os sujeitos da Improbidade Administrativa

Ao discorremos em relação aos sujeitos da improbidade administrativa, avaliamos as pessoas físicas ou jurídicas abrangidas ou afetadas pela ação improba, seja na condição de autoras, seja como vítimas.

Importante observar, que o sujeito ativo na ação de improbidade, será réu caso seja ajuizada uma Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa, já o sujeito passivo, vítima do ato improbo, será autor da ação, ou seja, possuirá legitimidade ativa para propositura da ação.

Nas ponderações, a seguir expostas, analisaremos os sujeitos ativo do ato improbo, sob o ponto de vista do direito material e não processual, em outras palavras, iremos avaliar as pessoas que praticam, no dia a dia, os atos ilícitos, desonestos e imorais, contra o poder público. Não devendo, portanto, confundir sujeito ativo do ato de improbidade com o legitimado ativo da ação de improbidade.

5 – Sujeitos ativos do ato de improbidade

Consoante expressa previsão do art.1º ao art. 3º da lei 8.429/92, aplica-se esta lei tanto aos agentes públicos, quanto a todos os terceiros, ou seja, aos particulares que colaboram como coatores ou partícipes na efetivação do ato improbo, vejamos:

 “Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.”

“Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.”

“Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.”

Destarte, os sujeitos ativos do ato de improbidade podem ser de duas espécies: agentes públicos (art. 2º) e terceiros (art. 3º), não confundido estes terceiros, com os sujeitos que sofrem o ato improbo, vítimas da ação, elencados no art. 1º e parágrafo único (empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual; entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual).

6. Terceiros

O âmbito de incidência da lei nº 8429/92 é ampliado pelo art. 3º, incluindo-se aqueles que não se enquadram no conceito de agentes públicos, previsto no art. 2º, mas que diretamente ou indiretamente tenha cooperado para a prática do ato de improbidade ou tenha se beneficiado de alguma forma por este ato.

Da detida análise do art. 3º da lei nº 8429/92, in verbis:“Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.”, chega-se a conclusão que o terceiro no ato de improbidade restringe-se a quem induzir (introduzir a ideia da prática do ato, não sendo suficiente a instigação da intenção previamente existente) o agente público a praticar o ato de improbidade; concorrer para o ato de improbidade (auxilio material ao agente público); ser beneficiário (obter vantagem direta ou indireta).

7. Aplicação das sanções por ato de improbidade exclusivamente praticado por terceiros – particulares.

Entendem abalizada doutrina e jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores não ser possível imaginar que exista ato de improbidade com a atuação apenas do particular (sem a participação de um agente público), a interpretação legislativa pressupõe a atuação principal do agente público, na medida em que o terceiro “induz” ou” concorre” para prática do ato, ou dele se beneficie, sendo neste caso, imprescindível que o particular tenha total convicção da origem ilícita do benefício.

Conclui-se que acaso não seja demonstrada a prática do ato de improbidade por agentes públicos, servidores ou não, impossibilitará a aplicação das sanções de improbidade administrativa ao terceiro.

Diante disso, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido como imprescindível a participação do agente público no polo passiva da ação civil pública de Improbidade como necessário para efetivação das sanções da lei nº 8.429/92 aos particulares, ou seja, sem a concomitante presença de agente público e particular no polo passivo da demanda, esta deverá ser extinta sem resolução de mérito por ausência de pressuposto processual.

Exemplificando o seguinte caso: certo Estado da federação concedeu repasse público para uma organização não governamental (ONG) – associação de direito privado, sem fins lucrativos – a fim de que esta desenvolvesse projetos na área da saúde, através de medidas preventivas de combate a doenças sexualmente transmissíveis. Diante de supostas irregularidades na aplicação dos recursos, o Ministério Público Estadual ajuizou ação de improbidade administrativa contra a pessoa jurídica privada e seu diretor. Percebe-se, a ausência no polo passivo desta ação do agente público, não podendo o terceiro participar sozinho como réu, extinguindo, assim, o processo sem resolução de mérito por ausência de pressuposto processual.

Com efeito, em casos como o exemplificado acima, resta ao membro do Ministério Público ou pessoa jurídica interessada ingressar com Ação Civil Pública comum, visando ao ressarcimento dos danos causados ao patrimônio público, principalmente, devido à jurisprudência do STF e STJ sobre a imprescritibilidade das ações ressarcimento por prejuízo ao erário.

Pacífica Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça corrobora com o entendimento exposto neste trabalho:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. AUSÊNCIA DE INCLUSÃO DE AGENTE PÚBLICO NO PÓLO PASSIVO. IMPOSSIBILIDADE DE APENAS O PARTICULAR RESPONDER PELO ATO ÍMPROBO. PRECEDENTES. 1. Os particulares que induzam, concorram, ou se beneficiem de improbidade administrativa estão sujeitos aos ditames da Lei nº 8.429/1992, não sendo, portanto, o conceito de sujeito ativo do ato de improbidade restrito aos agentes públicos (inteligência do art. 3º da LIA). 2. Inviável, contudo, o manejo da ação civil de improbidade exclusivamente e apenas contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda. 3. Recursos especiais improvidos. (STJ – REsp: 1171017 PA 2009/0242733-1, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 25/02/2014, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/03/2014)

 

Referências:
GARCIA, Emerson; ALVES, Rodrigo Pacheco. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris, 2006.
NEVES, Daniel Amorim Assunção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de Improbidade Administrativa: direito material e processual. São Paulo. Editora Método, 2012.
ANDRADE, Flávia Cristina Moura de; PAVIONE, Lucas dos Santos. Improbidade Administrativa. Editora jus Podivm, 2011.
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Gen, Forense, 2011.
Supremo Tribunal de Justiça – REsp: 1171017 PA 2009/0242733-1, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 25/02/2014, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/03/2014)

Informações Sobre o Autor

Haendel Moreira Ramos

Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes – UNIT; Pós-graduado em Direito Processual Civil – Unisul- Universidade do Sul de Santa Catarina. Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça de Sergipe – Assessor Jurídico.


Equipe Âmbito Jurídico

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