Sumário: 1 – Histórico da denominação e homenagem; 2 – A Constituição Federal e os diplomas legais subjacentes; 3 – Direito penal de gênero e a questão da inconstitucionalidade; 4 – Aspectos essenciais da Lei 11.340/06; 5 – Regras de competência e os juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher; 6 – Conceito de violência pela lei 11.340/06 e local da infração para definição do juízo competente; 7 – Formas de violência (art. 7º, I a V); 8 – As mudanças no âmbito penal e suas conseqüências; 9 – Mudanças no âmbito processual penal – do inquérito à sentença e execução da pena; 10 – As medidas protetivas de urgência e a atuação dos organismos judiciais; 11 – Outras medidas de urgência. 12 – Esperança no ministério público e no judiciário. Conclusão.
1 – HISTÓRICO DA DENOMINAÇÃO E HOMENAGEM
O diploma legal é uma homenagem à biofarmacêutica, Maria da Penha Maia Fernandes, símbolo da luta contra a violência familiar e doméstica. Em 1983, sofreu duas tentativas de homicídio por parte do ex-marido. Começou com um tiro enquanto dormia. Ficou paraplégica. Duas semanas depois de regressar do hospital, ainda em recuperação, sofreu um segundo atentado contra sua vida: seu ex-marido tentou eletrocutá-la enquanto se banhava. O agressor foi julgado duas vezes pelos tribunais locais (1991 e 1996), e devido aos sucessivos recursos contra as decisões do tribunal do júri, sempre permaneceu solto.
Em 1998, o Centro para a Justiça e o Direito Internacional e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, ao lado de Maria da Penha, enviaram o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), pela demora injustificada em não se dar uma decisão definitiva no processo.
Em 2001, após 18 anos do crime, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos responsabilizou o Estado brasileiro por negligência e omissão em relação à violência doméstica e recomendou várias medidas em relação ao caso concreto de Maria da Penha e em relação às políticas públicas do Estado para enfrentar a violência doméstica contra as mulheres brasileiras.
Em 2002, por força da pressão internacional de audiências de seguimento do caso na Comissão Interamericana, o processo no âmbito nacional foi encerrado e em 2003 o ex-marido de Penha foi preso.
2 – A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E OS DIPLOMAS LEGAIS SUBJACENTES
A Lei Maria da Penha tem como fundamento o disposto no art. 226, § 8º, da Constituição Federal, segundo o qual “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”
Embasa-se, outrossim, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.
A preocupação altruística do legislador, no novel diploma, cinge-se a preservar a saúde física e mental e o aperfeiçoamento moral, intelectual e social da mulher contra a agressão masculina. Até porque pelas estatísticas, dentre as hipóteses de agressão no seio da família, a violência doméstica preponderante é aquela praticada pelo homem contra a mulher.
Após a edição da Lei dos Juizados Especiais Criminais (9099/95), a violência doméstica (leia-se: lesão corporal dolosa) passou a ser processada e julgada pelos juizados. Segundo o art. 88, passou, ao lado da lesão corporal culposa, a ser crime de ação pública condicionada à representação. E, como é de geral conhecimento, os juizados não têm como objetivo o endurecimento de penas ou de medidas contra o autor do fato, ao contrário, sua finalidade precípua é sempre buscar a despenalização mediante imposição de penas não privativas de liberdade, com ênfase à pena pecuniária e à pena restritiva de direitos.
Destaque-se que os Juizados Criminais trouxeram uma oxigenação momentânea na atividade policial, mas têm representado grande fonte de impunidade aos infratores, porquanto seu caráter pedagógico, até o momento, não foi assimilado a contento. Em São Paulo, existem poucas varas especializadas nas infrações de menor potencial ofensivo, de modo que as varas criminais cumulam as competências. O que se vê é a natural e acentuada preocupação dos magistrados criminais com os processos que versam crimes mais graves, relegando os de menor potencial a um segundo plano. Uma das conseqüências provenientes deste quadro foi a frágil ou quase inexistente punição do agressor doméstico.
Isto sem falar que a mulher quase sempre se retrata perante o magistrado. No jargão popular, “retira a queixa”, chegando-se à quase absoluta impunidade do homem agressor.
Para contrastar com a impunidade e com os altos índices de violência doméstica e familiar, alguns diplomas passaram a ser editados, inicialmente de modo tímido até se chegar à atual Lei Maria da Penha.
Assim, primeiramente, no campo dos Juizados, o legislador, visando minorar os excessos praticados pelo homem contra a mulher, através da Lei 10.455/02, de 13 de maio de 2.002, inseriu ao parágrafo do art. 69, parágrafo único, a possibilidade de o juiz, cautelarmente, determinar o afastamento do homem do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.
A lesão dolosa permanecia na competência dos Juizados Criminais.
Dois anos após, através da Lei 10.886, de 17 de junho de 2.004, tratando diretamente do tema Violência Doméstica, foi acrescentado um § 9º ao art. 129, segundo o qual se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade, a pena passou a ser de seis meses a um ano. Não ficou aí. Instituiu-se uma causa de aumento de pena, com a inserção do § 10 ao art. 129, segundo o qual nos casos previstos nos §§ 1º a 3º do art. 129, se as circunstâncias são as indicadas no parágrafo nono deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).
A lesão dolosa, em sua forma fundamental, continuou na competência dos Juizados Criminais.
Percebe-se que até aquele momento, na ótica do legislador, nenhuma medida surtira efeito contra o agressor familiar ou doméstico.
Por último, sobreveio a Lei Maria da Penha apresentando modificações de cunho penal, processual penal e familiar que minimizarão ou ao menos reduzirão a impunidade e o destemor do agressor que grassa nos lares nacionais.
Como o legislador se convenceu que a fórmula adotada pela Lei 9.099/95 desatendia aos propósitos de redução dos altos índices de violência familiar e doméstica contra a mulher fez opção pelo seu total ou quase total banimento.
Infelizmente, ver-se-á que o rito procedimental adotado foi mal escolhido.
3 – DIREITO PENAL DE GÊNERO E A QUESTÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE
Diversos doutrinadores têm pugnado pela inconstitucionalidade do termo mulher no atual diploma, uma vez que afrontaria o princípio da isonomia a proteção exclusiva da mulher, constitucionalmente assegurado. Não seria admissível uma lei voltar-se somente para a tutela do gênero feminino.
Seria inconstitucional a lei em comento?
Entendemos que não.
O gênero feminino precisa de proteção, assim como as minorias que exigem cotas nas universidades, os homossexuais que buscam a igualdade com os heterossexuais.
O Direito Penal de Gênero considera as relações de dominação entre os sexos, dando azo à constatação de que as mulheres vêm sendo historicamente vitimizadas pela opressão masculina que se desenvolve das mais variadas formas e em diversos aspectos, sendo a violência física e sexual apenas algumas de suas manifestações.
Para nós, não há supervalorização do sexo feminino. Como pelo menos 30% das mulheres brasileiras são vítimas de violência doméstica, justifica-se essa “discriminação positiva”, ensejando paulatinamente, após o reconhecimento de uma igualdade formal, uma igualdade material entre os sexos com melhor equilíbrio social, intelectual, econômico, educacional etc.
4 – ASPECTOS ESSENCIAIS DA LEI 11.340/06
A lei foi publicada no dia 08 de agosto de 2.006 e por expressa disposição de seu art. 46, tem uma vacatio legis de 45 dias. Assim, a vigência do diploma se deu no dia 22 de setembro de 2.006.
Os principais mecanismos oferecidos pela Lei de tutela à mulher no campo penal e processual penal são os seguintes: a) dá nova redação ao § 9º do art. 129 do CP modificando a pena que passa a ser de 3 meses a 3 anos e cria uma agravante genérica ao CP (arts. 43 e 44); b) autoriza a prisão preventiva e modifica a Lei de Execuções Penais (arts. 20, 42 e 45); c) veda a incidência da Lei 9099/95 (art. 41); d) cria medidas protetivas de urgência para o agressor e para a ofendida (arts. 22 e 23); e) autoriza a criação em cada Estado dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher através de Lei Estadual (art. 14). Crítica. Melhor seria Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, pois se foi afastada a incidência da Lei dos Juizados (9099/95), foi por entender que os Juizados Criminais não atendem às perspectivas de redução da violência contra a mulher. Ora, a manutenção do vocábulo Juizado mostra, no mínimo, contra-senso e incoerência técnica.
5 – REGRAS DE COMPETÊNCIA E OS JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER.
5.1 – PROCESSO E JULGAMENTO
Durante a vacatio legis – 08/08/06 a 21/09/06 – as infrações contra a mulher, em regra, permaneceram na esfera dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9099/95) com todos os benefícios nela previstos – conciliação civil de danos, transação penal, representação nos crimes de lesão corporal e suspensão condicional do processo.
Pós vacatio legis: A lei está vigendo desde 22 de setembro. Agora, os processos serão processados e julgados pelas Varas Criminais, consoante rito dos crimes apenados com detenção (CPP, arts. 538/540). Por ter sido banida a Lei 9099/95, questiona-se: todos os institutos referidos no parágrafo anterior igualmente ficam sem aplicabilidade? A nosso ver sim, com exceção do instituto da representação no crime de lesão corporal dolosa, cujo entendimento será esboçado adiante.
5.2 – VARAS CRIMINAIS. Antes da instalação das Varas especializadas – Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – passam as Varas Criminais a ter competência cumulativa – cível e criminal – na solução dos conflitos oriundos de violência doméstica (art. 33). Em face da competência cumulativa, caberá aos juízes criminais exercer o poder geral de cautela na hipótese de concessão de medida protetiva (art. 22 e ss).
Consigne-se que a concessão de qualquer medida assinalada neste diploma, por exemplo, afastamento do homem do lar conjugal, esgota a jurisdição penal – têm natureza satisfativa –, malgrado possa haver necessidade de revisão da medida imposta, substituição ou imposição de outra(s).
A seleção da justiça comum em lugar dos Juizados Criminais, modelo de justiça consensual que tem sido, mostra-se um retrocesso. Cremos que o legislador tomou este rumo não por falta de opção, mas por ser pobre em criatividade. Dentro da ritualística processual atual duas vertentes genéricas existem – Lei 9099/95 e Código de Processo Penal. Como entendeu que a mulher vítima de violência doméstica ficou sem tutela alguma diante dos institutos da Lei 9099/95, somente vislumbrou o Código de Processo Penal, com suas deficiências e mazelas. Menos mal nos Estados que possuem Delegacias de Defesa da Mulher, como São Paulo, que têm desempenhado papel de inegável valor no atendimento às mulheres vítimas de crimes sexuais. Certamente, permanecerão à testa de tão importante atribuição e desempenharão com lisura, desvelo e respeito à pessoa humana o acompanhamento de cada caso que surgir.
5.2.1 – Crítica ao paradoxo. A vanguarda e o retrógrado. O legislador poderia ter mostrado vanguardismo e fecundidade, criando um novo procedimento ou até valendo-se de ritos especiais mais recentes em detrimento do rito preconizado pelo revelho Código de Processo Penal. A manutenção de procedimento superado contrasta com tantos avanços em favor da mulher. Perdeu-se, mais uma vez, grande oportunidade de propiciar aos operadores do direito em sua completude alterações legislativas harmonizadas com os dias atuais em que se anseia por um Poder Judiciário mais célere e dinâmico na prestação jurisdicional.
5.3 – DIREITO DE PREFERÊNCIA (art. 33, parágrafo único). Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput, à semelhança de réus presos.
É inquestionável que o magistrado criminal deverá sopesar com razoabilidade os direitos fundamentais sub judice e atuar com senso aguçado. É que os processos de réus presos, igualmente, hão de receber tratamento preferencial, porquanto a liberdade é um dos bens maiores a se resguardar – por exemplo, a medida satisfativa solucionou a querela relativa à violência familiar e doméstica e afastou a urgência.
5.4 – COMPETÊNCIA RECURSAL. Da rejeição da denúncia, caberá o recurso em sentido estrito. Da sentença de mérito caberá apelação. Os dois recursos serão endereçados ao Tribunal de Justiça estadual.
Importante novidade deriva da concessão, revisão ou substituição de uma das medidas protetivas de urgência. Qual o recurso que a parte poderá manejar? A lei previu. Aquela que se sentir prejudicada impetrará agravo de instrumento, na forma do CPC, dirigido a uma das Câmaras do Tribunal de Justiça. Torna-se aparentemente esdrúxula a hipótese, no entanto é o que se extrai do art. 22, § 4º, da Lei 11.340/06, verbis: Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos parágrafos 5º e 6º do artigo 461 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil). E, para integral compreensão da mens legis, a redação do art. 461 e seus parágrafos é a seguinte:
§ 5º – Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
§ 6º – O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.
Assim, os juízes criminais e seus cartórios precisam se adequar à novidade de conceder medidas de apoio, denominadas de protetivas, às mulheres em situação de violência doméstica ou familiar, vez que as medidas assumem um resultado prático imediato equivalente ao do cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer. Por certo, os juízes cominarão multa diária ao varão no caso de descumprimento à determinação imposta.
Importante: se o agressor quiser discutir o mérito da medida protetiva determinada pelo juiz criminal deverá fazê-lo na Vara de Família. Jamais na Justiça Criminal, quando somente o recurso de agravo terá cabimento.
6 – CONCEITO DE VIOLÊNCIA E DEFINIÇÃO DO JUÍZO COMPETENTE
A lei trouxe o conceito de violência doméstica e familiar em seu texto. Diz o art. 5º que “ (…) Configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família, compreendida como comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”.
Pouco importa a forma de violência perpetrada contra a mulher, na residência ou fora dela, pelo companheiro ou por qualquer familiar, que a tutela da lei incidirá.
Critérios definidores da competência: 1º) violência contra mulher e 2º) que ela faça parte do âmbito doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo do agente do fato, pouco importando o local da agressão.
Observação: Para os civilistas, grande novidade adveio, pois o dispositivo, em seu inciso III, reconhece a relação homossexual dentro do contexto familiar, ao admitir qualquer relação íntima de afeto e no parágrafo único preconizar que a relação pessoal independe de orientação sexual.
7 – FORMAS DE VIOLÊNCIA (art. 7º, I a V)
I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal, como por exemplo, lesões corporais e tortura.
II – a violência psicológica: consiste na conduta que cause dano emocional e diminuição da auto-estima. Ainda, a que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões. Em qualquer hipótese o agente deverá atuar mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. Exemplos: o cárcere privado, a ameaça e o constrangimento ilegal.
III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. Exemplos: estupro, atentado ao pudor, lenocínio e prostituição.
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Exemplo: crimes patrimoniais em geral, com a ressalva à imunidade absoluta (CP, art. 181). A repercussão maior será no Direito de Família.
V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
8 – AS MUDANÇAS NO ÂMBITO PENAL E SUAS CONSEQÜÊNCIAS
8.1 – O CRIME DE LESÃO CORPORAL. Para excluir o crime de lesão corporal praticado no ambiente familiar ou decorrente de violência contra a mulher da esfera dos Juizados Especiais Criminais foi alterada a pena de 6 meses a 1 ano para 3 meses a 3 anos. É curial que a redução da pena mínima para três meses teve por fim harmonizá-la à pena da lesão corporal dolosa do caput de 3 meses a 1 ano. No entanto, se o objetivo precípuo do legislador era o de coibir a violência doméstica e familiar, perdeu grande oportunidade de manter a pena majorada, mostrando-se injustificável sua redução. Também foi inserido um parágrafo de número onze ao art. 129, com o fito de agravar a pena do agressor à vítima portadora de deficiência física. A redação dos parágrafos é a seguinte:
Art. 129. § 9º. Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos”.
§ 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.
8.1.1 – Sujeitos do delito. Por se tratar de crime comum, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. No pólo passivo, o crime é próprio, exigindo uma qualidade especial do sujeito passivo; assim, define a lei que podem figurar como vítimas a mulher, o ascendente, descendente, irmão, cônjuge, companheiro ou convivente. Atente-se que o legislador não se limitou a tipificar unicamente a conduta do homem que agride a mulher, mas, inclusive a situação inversa, de mulheres que agridem o homem no âmbito das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. Embora esta situação seja rara, no dia-a-dia forense nos deparamos com casos semelhantes e que não poderiam ficar sem a devida e idêntica punição. Lembre-se que no dispositivo está, dentre outras, a tutela ao idoso ofendido em qualquer das figurações mencionadas; a violência contra o idoso é tão intensa e covarde como a que vem sendo desencadeada contra as mulheres. Por derradeiro, se a vítima não for nenhuma das referidas, por certo a infração será punível na forma do caput, seguindo-se os ditames da Lei 9099/95.
8.1.2 – Causa de aumento de pena. Se no âmbito das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, a vítima portar alguma deficiência, adita-se um terço à pena. É a regra do § 11 recém-inserta.
8.1.1 – REPRESENTAÇÃO NO ART. 129, § 9º. Como se viu acima (item 2), a Lei 11.340/06 vedou a aplicação da Lei 9099/95. Significa que os institutos que despenalizam as infrações de menor potencial ofensivo – composição civil de danos, transação penal e suspensão condicional do processo – não podem ser aplicados à lesão corporal em comento.
Como a mesma Lei 9099/95 estabeleceu em seu art. 88 o rebaixamento do crime de lesão corporal dolosa simples para crime de ação pública condicionada à representação, significa dizer que o crime de lesão corporal em estudo voltou a ser de ação pública incondicionada? A primeira impressão é que sim. Mas o art. 16 da Lei 11.340/06 prevê regras específicas ao estabelecer que “Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público”.
Segundo alguns entendimentos, se a Lei Maria da Penha, expressamente em seu art. 41, proíbe a aplicação da Lei 9099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, aboliu-se a representação nos crimes de lesão corporal dolosa, voltando este a ser de ação pública incondicionada. Dizem alguns autores que o art. 16 tem seu campo de incidência nos demais crimes de ação pública condicionada à representação, como a ameaça.
Respeitamos a interpretação, mas ousamos dela discordar. A interpretação sistemática conduz ao convencimento da manutenção do statu quo ante. É certo que a Lei 11.340/06 foi extremamente rigorosa nos campos penal e processual, buscando intimidar e punir severamente os agressores com previsões mais gravosas que as usuais. Todavia, ao viabilizar a renúncia perante o magistrado em audiência específica nos casos de crimes de ação pública condicionada, certamente flexibilizou aquela rigidez. Quisesse afastar, por completo, todos os institutos despenalizadores e o diploma evitaria toda e qualquer interpretação favorável ao agente.
Pelo Código de Processo Penal, a vítima que representa e volta atrás antes de expirado o prazo de seis meses, retira do Ministério Público a legitimidade para propor ação penal contra o agente. Este instituto processual é denominado de retratação.
A Lei 9099/95 propicia a renúncia ao direito de representação, se o ofendido se compõe civilmente com o autor do fato (art. 74, parágrafo único). Seguindo este modelo, a Lei Maria da Penha permite a renúncia à representação somente perante o magistrado em audiência especialmente designada para isto (art. 16). É curial que esta solenidade não se presta a outro crime senão ao de lesão corporal dolosa contra a mulher em situação de violência doméstica ou familiar.
Mais. O fim maior colimado pelo diploma é a tutela da mulher agredida, nas modalidades tratadas no art. 5º, referente ao Título II, o qual exatamente aborda a violência doméstica e familiar contra a mulher. Se o art. 16 que trata da renúncia ao direito de representar vem disposto no Título IV, pertinente às Disposições Gerais dos procedimentos a serem adotados desde a fase policial, certamente tratou o legislador da violência em suas diversas manifestações e possibilitou a retratação para a vítima.
A lógica também favorece esta interpretação, vez que a exclusão da Lei 9.099/95 vem explicitada no art. 41, no Título VII, correspondente às Disposições Finais. A topologia dos títulos permite concluir que a previsão anterior prefere a posterior, caso não a revogue explicitamente.
8.2 – AGRAVANTE GENÉRICA. O incremento feito ao artigo 61, inciso II, alínea “f”, do Código Penal teve objetivos especiais. A anterior redação admitia o aumento da pena-base quando houvesse afronta aos princípios de apoio e assistência que deve haver nas relações dentro do lar, isto é, nas relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. . O incremento decorrente da nova redação, in verbis: “Art. 61. (…); II – (…): f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica” teve por objetivo punir mais gravosamente o agente que incorrer em uma das formas de violência familiar ou doméstica contra a mulher – seja física, psicológica, sexual ou patrimonial – preconizadas nos arts. 5º a 7º, da Lei 11.340/06. Destarte, abstraindo-se o bis in idem que fatalmente advirá se o agente incursionar nas sanções do art. 129, § 9º, haverá a incidência, por exemplo, em crimes de ameaça, estupro, tortura, constrangimento ilegal, contra a honra e outros. Inexiste empecilho para que o agente incorra em mais de uma espécie de violência, por exemplo, estupro e tortura.
9 – MUDANÇAS NO ÂMBITO PROCESSUAL PENAL – DO INQUÉRITO À SENTENÇA E EXECUÇÃO DA PENA.
9.1 – PROCESSO E JULGAMENTO. Afastado o rito dos Juizados, a processo e o julgamento das lesões corporais será consoante o rito dos crimes apenados com detenção (CPP, arts. 538/540).
9.2 – PRISÃO CAUTELAR. Segundo dispõe o art. 20 da Lei, “Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial”.
Em sintonia com o disposto no Código de Processo Penal, prevê o parágrafo único do art. 20 que “O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem”.
Para harmonizar a nova possibilidade de prisão cautelar, o art. 42 da Lei 11.340/06, acrescentou um inciso ao art. 313 do Código de Processo Penal: “IV – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.”
Anote-se que a perda da liberdade exclusivamente existirá, se durante o inquérito ou o processo-crime, o agressor de algum modo inviabilizar a execução de qualquer das medidas protetivas de urgência concedidas pelo magistrado.
Questão interessante surge: é possível a prisão em flagrante delito?
Em regra não, pois as medidas protetivas de urgência são concedidas em situações excepcionais no bojo de uma agressão à mulher nas hipóteses catalogadas pela lei em comento. Exemplificando: o marido agride violentamente a esposa que leva a notitia criminis à autoridade policial. No contexto, é solicitado e o juiz determina o afastamento do lar conjugal, eis que existem provas seguras de que as agressões se repetem há longa data. Obviamente, como a análise judicial é posterior ao fato, não se admite a custódia em flagrante. Contudo, uma vez afastado do lar conjugal, se o marido, descumprir a execução da medida protetiva de urgência, admite-se sua prisão preventiva. Agora, se além de descumprir a medida protetiva, voltar a agredir a esposa, viabiliza-se a prisão em flagrante por este novo fato. Sendo possível na hipótese decretar-se a prisão preventiva do agressor, certamente o flagrante será permitido, vez que presente requisito autorizador da prisão preventiva.
9.2.1 – Intimação da mulher em caso de prisão cautelar: diz o art. 21 que: A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público. A precaução com o bem-estar da mulher agredida é marcante. Assim, todo ato processual em face do agressor deverá contar com a concomitante notificação da mulher, mormente nas situações de perda ou aquisição da liberdade individual. A eventual liberdade do agente deve ser comunicada para que a mulher possa se resguardar ou precaver contra eventual vingança do companheiro contra ela ou familiares.
9.2.2 – Intimações e Notificações: na esteira da tutela com a segurança da mulher, prevê o art. 21, em seu parágrafo único que “A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor”. Sugere a lei que mulher e agressor continuem residindo sob o mesmo teto. Nesta proposição, o oficial de justiça deve atentar que a intimação seja entregue diretamente ao agressor. Veda-se que o oficial de justiça entregue a missiva à mulher agredida para que a repasse a ele.
9.3 – A SENTENÇA CONDENATÓRIA. O peso da rigidez legislativa contra o agressor doméstico ou familiar vem recrudescido no desfecho do processo. A par das medidas protetivas de urgência eventualmente impostas pelo magistrado criminal, a sentença de natureza condenatória obrigatoriamente imporá maiores restrições.
Foi expressamente vedado converter-se a pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos na modalidade de doação de cesta básica ou prestação pecuniária, tanto que o art. 17 estatui in verbis: É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.
Mas, se de um lado a vedação expressa de tais penas substitutivas revela o caráter repressor do texto, de outro lado infere-se a viabilidade das penas substitutivas de prestação de serviços à comunidade ou de limitação de fim de semana.
Explica-se. O art. 44, I, do Código Penal proíbe a pena substitutiva quando aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo. A interpretação literal conduziu inúmeros doutrinadores ao entendimento de que qualquer crime praticado com violência ou grave ameaça torna impossível a benesse legal.
No entanto, posições mais judiciosas mostram que no caso de infração de menor potencial ofensivo – lesão corporal leve, constrangimento ilegal, ameaça e a contravenção de vias de fato – admite-se a substituição. Justifica-se. Se no âmbito da Lei 9099/95, permite-se a imposição de institutos despenalizadores tais como a composição civil de danos e a transação penal, mesmo após a instauração de processo, a substituição deve ser aceita, por viger nos Juizados o princípio da imposição de pena não privativa de liberdade (Lei 9099/95, art. 62, in fine).
A nova redação dada ao art. 152, parágrafo único, da Lei de Execuções Penais pelo art. 45 da Lei Maria da Penha denota a meta optata. Esta é a base de sustentação. O diploma em estudo permite a pena substitutiva na esteira do entendimento ora esposado, porquanto preconiza o novo parágrafo único do art. 45: Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação. Assim sendo, o juiz pode substituir a pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos consistente em limitação de fim de semana.
A pena restritiva de direitos é a que melhor se ajusta ao réu primário e de bons antecedentes, especialmente por impedir o compartilhamento em celas superlotadas entre ele e presos comuns, autores de crimes de toda espécie. A preservação da dignidade da pessoa humana deve ser objetivo de todo magistrado criminal, que somente deve impor a restrição da liberdade em casos extremados.
Conquanto a pena substitutiva de limitação de fim de semana tenha sido opção do legislador, em especial por impor comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação, não podemos olvidar que esta pena tem se mostrado sem serventia na prática. Isto porque, na maioria das cidades brasileiras, inexiste local adequado para manter o condenado por cinco horas diárias aos sábados e domingos.
A pena substitutiva que tem traduzido bons frutos de ressocialização e inserção social do condenado é a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas. Em São Paulo foi criada a Central de Penas e Medidas Alternativas (CPMA), órgão afeto ao Departamento de Reintegração Social Penitenciário, que tem por objetivo auxiliar os Juízos Criminais e de Execução Criminal a dar efetivo cumprimento à pena em tela, encaminhando e fiscalizando os infratores junto às entidades conveniadas por ela.
Temos visto resultados significativos, em especial pela valorização do ser humano, em consonância com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. À Central compete proporcionar: atendimento interdisciplinar, mediante abordagens individuais e grupais, fomentando discussões que propiciem a percepção de participação num contexto social; promover a interação com o coletivo exercendo a cidadania com autonomia e solidariedade; estimular a construção do próprio projeto de vida; apoio da comunidade para a aplicação da pena, através de esclarecimento e acompanhamento das instituições, enfatizando seu caráter educativo.
Tudo nos leva a crer que a adoção da pena substitutiva de prestação de serviços à comunidade é o melhor caminho a ser seguido, malgrado o dispositivo legal.
10 – AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA E A ATUAÇÃO DOS ORGANISMOS JUDICIAIS.
O legislador criou providências emergenciais que dotam o juiz criminal ou do juizado de violência doméstica de competência amplíssima. Estas, denominadas de medidas protetivas de urgência têm o fim precípuo de preservar a integridade física e psicológica da mulher e, no mais das vezes, da prole, contra toda e qualquer espécie de violência estudada acima e perpetrada pelo agressor (art. 5º).
Chama-se a atenção do magistrado criminal na análise dos pedidos de tais tutelas, em face das conseqüências nefastas que podem atingir o lar conjugal. Assim, somente após uma análise comedida e amadurecida do contexto é que se deve conceder uma, duas ou várias.
10.1 – A POLÍCIA JUDICIÁRIA E O MINISTÉRIO PÚBLICO.
Ao tomar conhecimento de situação de violência doméstica ou familiar, a autoridade policial e/ou o Ministério Público podem adotar as providências legais cabíveis à mulher agredida ou em vias de o ser. Impende ressaltar que ambas as autoridades têm legitimidade para tanto, inclusive no caso de descumprimento pelo agressor de alguma das medidas impostas (art. 10 e parágrafo único).
As providências da polícia judiciária são da maior importância, porquanto é a autoridade policial quem tem o primeiro contato com a mulher agredida e a quem informará os direitos decorrentes desta Lei aliado aos serviços públicos disponíveis. Suas atribuições estão minuciosamente descritas nos arts. 11 e 12 da Lei Maria da Penha, com preponderância para a proteção irrestrita da mulher agredida, inclusive sua condução para abrigo seguro, em caso de risco de vida e, fundamentalmente, auxiliá-la na elaboração de pedido para concessão de alguma tutela de urgência.
A atuação ministerial vem disciplinada nos arts. 25 e 26. De regra, o representante do Ministério Público intervirá como parte. Se não o for, necessariamente intervirá como custos legis nas causas cíveis e criminais. Destaca, outrossim, o diploma legal que é sua atribuição, tão logo cientificado da agressão, requisitar força policial e serviços públicos de saúde, educação, assistência social e segurança. Exercerá função fiscalizatória nos estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar. Por fim, igualmente deverá cadastrar os dados para fins de mapeamento estatístico dos casos de violência contra a mulher.
10.2 – O MAGISTRADO CRIMINAL OU DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (arts. 18, 19). Já vimos que antes de criadas as Varas específicas atinentes à Violência Doméstica e Familiar, os juízes criminais serão competentes para o processo e julgamento das causas correlatas à matéria. Nos primeiros casos surgidos na Comarca de Sorocaba, a mulher tem pleiteado, via de regra, a medida de proteção de afastamento do agressor do lar conjugal, tão logo comparece ao Distrito Policial para solicitar a elaboração do Boletim de Ocorrência. Com o auxílio da autoridade formulará seu reclamo.
Ao receber o expediente, cabe ao juiz no prazo de quarenta e oito horas o conhecimento do pedido e a decisão sobre as medidas protetivas de urgência.
Em regra, as medidas serão deferidas pelo juiz após requerimento formulado pelo órgão ministerial ou pela ofendida. Contudo, no caso concreto, pode o juiz decidir de ofício independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, caso em que este será prontamente comunicado.
Poderá ser concedida uma ou mais medidas, bem como serem substituídas, revogadas e restauradas.
Como é conhecido por todos que militam na lides do Direito de Família, a complexidade de casos é freqüente. Por este motivo, embora somente após a criação e instalação das Varas específicas se cogitará de equipe multidisciplinar para avaliação dos casos complexos (art. 31), o juiz criminal deverá envidar esforços para obter manifestação de profissional especializado na área, para respaldar sua decisão.
10.3 – MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA CONTRA O AGRESSOR (art. 22).
São as seguintes, in verbis:
I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III – proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Importante: Caso o magistrado se convença pelos dados constantes do expediente ou por qualquer outra razão (ex: cientificado por oficial de justiça) de que a medida concedida demanda maiores cuidados, em face, por exemplo, de embriaguez constante e violência do agressor, autoriza o § 3º a possibilidade de requisitar, a qualquer momento, auxílio de força policial.
10.4 – MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA À OFENDIDA (art. 23).
Em harmonia com o sistema, visando proporcionar segurança e amparo à mulher agredida, pode o juiz, in verbis:
I – encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II – determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV – determinar a separação de corpos.
10.5 – MEDIDAS DE URGÊNCIA DE CARÁTER PATRIMONIAL (art. 24).
Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras (a possibilidade de cumulação destas medidas com qualquer outra anteriormente referida, está contida na expressão “entre outras”):
I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II – proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III – suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV – prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
A lei impõe um dever ao magistrado. Na verdade, traduz-se em um poder-dever. Ao conceder uma ou mais das três medidas iniciais, deverá oficiar ao cartório competente visando dar efetividade à ordem judicial.
11 – OUTRAS MEDIDAS DE URGÊNCIA
A lei 11.340/06 proporciona à mulher em situação de violência doméstica e familiar, além daquelas de cunho familiar, e objetivando a preservação de sua integridade física e psicológica, duas hipóteses de segurança no trabalho. Ambas vêm previstas no art. 9º, § 2º do diploma e se referem ao acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta; se empregada pelo regime da CLT, a manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.
12 – ESPERANÇA NO MINISTÉRIO PÚBLICO E NO JUDICIÁRIO. CONCLUSÃO.
Ao manter toda a problemática familiar no seio policial, ou seja, dentro do inquérito policial, prejuízos tão conhecidos se repetirão como o alongamento de colheita de provas que viabilizam a prescrição; em muitas delegacias o descaso com a vítima e com a magnitude do problema social em pauta; a influência de políticos para proteção de apaniguados com intimidação a delegados de polícia etc. Assim, o que era para ser tratado com redobrado zelo ante os bens jurídicos, sociais e morais em xeque, pode voltar à vala comum, tal qual desde a vigência do Código de Processo Penal até a entrada em vigor da Lei 9099/95.
Não se olvide, no entanto, que grande culpa pela visão desfocada do tema deve ser assumida pelo próprio Poder Judiciário. É que vigeu, por longa data, com grande prevalência, jurisprudência que admitia a absolvição do agressor por medida de política criminal, quando a mulher o perdoava em audiência. Jamais se sabia como e por que a mulher assim agiu….
12.1 – SUGESTÃO DE MEIOS PARA A EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Vimos o paradoxismo de um diploma vanguardista e, ao mesmo tempo, retrógrado. A cura para o anacronismo parece ser insolúvel, mormente na esfera policial, já que convivemos de há muito com o procedimento em tela. Contudo, o tempo situará onde figuram os maiores entraves na consecução do fim trilhado pelo diploma.
De todo modo, a atuação mais presente do Ministério Público durante os inquéritos se tornará fator preponderante para mitigar que o antiquado procedimento conduza à indústria das prescrições e extinções de punibilidade, minimize o desrespeito à pessoa humana que infesta os Distritos Policiais e acenda a esperança de dias melhores para as vítimas de violência doméstica. De outra parte, as decisões judiciais devem ser atuais, condizentes com a realidade de violência exacerbada em todos os quadrantes, especialmente dentro dos lares.
Em suma, pode parecer utópico, mas pensamos que se o Ministério Público e a Magistratura se imbuírem com afinco nos misteres primados pelo novo diploma, será factível galgar degraus outrora impensáveis na redução dos altos índices de violência no Brasil.
juiz criminal, mestre em Processo Penal pela PUC/SP. Professor de Leis Especiais, Penal Especial e Processo Penal. Autor de artigos jurídicos e dos livros Prisão Temporária e OAB – 2ª Fase – Área Penal, ambos pela Editora Saraiva. Coordenador da Coleção OAB – 2ª Fase, pela mesma Editora. Foi coordenador pedagógico do Curso Triumphus – preparatório para Carreiras Jurídicas e Exame de Ordem, por 14 anos. Professor de Leis Especiais na Rede LFG
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