O preceito constitucional, objeto da
presente análise, encontra-se inserido no Título II, da Carta Magna, o qual é
intitulado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Reservou-se tal seção do
referido diploma legal para a tutela do particular contra a ação infundada, ou
lesiva, do Estado e dos demais membros da coletividade.
A tutela do sigilo da correspondência e
das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (art. 5°, XII, CF) representa dispositivo indispensável para a consecução
de um Estado de Direto, com respeito às prerrogativas do indivíduo. Temerária,
contudo, seria a hipótese em que esta garantia fosse imposta de forma absoluta.
Os direitos individuais devem ceder em face de interesses mais abrangentes, que
repercutem em toda a sociedade. Assim, a própria norma constitucional, in
fine, prevê exceção à exigibilidade do sigilo dos dados acima mencionados.
O texto constitucional dispõe o seguinte, in verbis:
“Art. 5°. (omissis)
(…)
XII. é
inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal;” (grifo nosso)
No início do dispositivo acima
transcrito, o legislador constituinte tratou de estabelecer a regra acerca da
inviolabilidade das informações aludidas. Em seguida, abordou-se a condição
especial, na qual tornava-se viável a quebra do
sigilo.
Discute-se, tanto na doutrina, quanto
nos tribunais, a amplitude da exceçãoao
princípio da inviolabilidade das formas de comunicação elencadas
na Lei Máxima.
Defende-se, tese de que em razão do
emprego da conjunção “e”, na expressão “de dados e das comunicações
telefônicas”, determinaria a possibilidade de devassa tanto nos registros de
dados, como nas ligações telefônicas; na medida que se
as duas formas de registro de informações formariam, no texto constitucional,
um conjunto, uma unidade. Este é o entendimento predominante e consagrado pelo
Supremo Tribunal Federal.
Como os patrocinadores da teoria
aludida utilizaram-se da interpretação gramatical para fundamenta-la, far-se-á emprego da mesma técnica, a
fim de evidenciar a inconsistência das conclusões acima expostas. O termo “e”
determina adição, assim, a expressão, na qual se insere este elemento
gramatical, exprime uma pluralidade. Acontece que, no ditame constitucional,
refere-se ao “último caso”, termo este que, por se encontrar no singular,
relaciona-se tão somente a uma hipótese, à última, e não a duas, como se
propaga hodiernamente.
Além disso, emprega-se o adjunto
adnominal “e” para adicionar o último termo a uma enumeração. Dessa forma, o
legislador constituinte tratou de elencar formas de
comunicação, as quais se revestem do caráter de inviolabilidade, e posicionou
as comunicações telefônicas por derradeiro; para depois caracterizar estas como
sendo ressalva exclusiva à regra do sigilo das informações indicadas no
preceito, ora em questão.
Com o escopo de dirimir as
controvérsias acerca da interpretação do texto constitucional em questão,
editou-se lei extravagante (L. nº 9.296/96), a qual
preceitua a possibilidade de quebra do sigilo de dados e de comunicações
telefônicas. Acontece que, a elaboração de instrumento ordinário não é meio
eficaz a elucidar dúvidas hermenêuticas com relação à Carta Magna. Ao se
proceder desta forma, acirra-se ainda mais a celeuma; pois se passa a debater a
inconstitucionalidade da lei, superveniente ao início das discussões.
Há de se fazer referência, ainda, a
lição do eminente doutrinador Geraldo Prado, o qual defende que a instantaneidade das comunicações de dados, determinaria a
possibilidade (legalidade) de sua interceptação; uma vez que, quando
consumadas, as mesmas não produzem instrumentos de prova, o que torna
necessário a quebra do sigilo para esses casos. Concorda-se com a atribuição da
característica descrita pelo citado profissional do direito, entretanto, faz-se
forçoso divergir da posição do mesmo acerca da constitucionalidade da violação
das comunicações de dados, em razão do aspecto da instantaneidade
do veículo correspondente.
Revela-se inquestionável os aspectos
positivos para os inquéritos, todavia, a interpretação do preceito
constitucional deve pautar-se nas técnicas admitidas na doutrina. Não se pode determinar a constitucionalidade do acesso a dados de
um membro da sociedade, simplesmente com supedâneo na salubridade desta medida
para a investigações criminais. Na própria Lei fundamental, bem como nos tratados
e convenções internacionais, aos quais o Brasil se
comprometeu, existe uma série de normas que preceituam as garantias
individuais. Dispositivos estes que chocam com a pretensão de se realizar
devassa nos dados de um cidadão.
Não há de se conceder, contudo, margem
à impunidade, em razão de uma análise puramente positiva da norma. Se isso se
verificasse, desvirtuar-se-ia a função precípua do ordenamento jurídico: a
obtenção de justiça.
Deve-se proceder a análise concreta de
cada caso e, tendo como base uma avaliação axiológica, o jurisprudente
julgaria a relevância da quebra do sigilo de dados para a situação correlata.
Acentua-se que faz-se necessário, em tal decisão,
considerar-se a mácula às garantias asseguradas ao indivíduo, lesão esta
ocasionada pela intromissão nos dados do mesmo.
A Constituição pátria, por representar
o sustentáculo de todo o ordenamento jurídico, deve ter assegurado o respeito
aos ditames nela inseridos. Em se constatando a inexistência de previsão
constitucional que seria relevante para os interesses legítimos da sociedade,
que se proponha emenda ao texto da Lei Máxima.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí.
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