Litispendência entre ação coletiva para tutela de interesses individuais homogêneos e ação invididual

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Sumário: 1. Introdução. 2. Litispendência Entre Ações Coletivas. 3. Listispendência entre Ação Coletiva para Tutela de Interesse Individual Homogêneo e Ação Individual. 4. A Posição da Jurisprudência Trabalhista. 5. A Posição do STJ. 6. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO   


Um dos temas mais polêmicos que gravitam em torno das ações coletivas é o que diz respeito à litispendência, cuja definição é extraída do art. 301, §§ 1º, 2º e 3º, do CPC, que é o diploma que disciplina o sistema de acesso individual ao Judiciário aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho, tendo em vista a existência de lacuna normativa e ausência de incompatibilidade com o procedimento laboral (CLT, art. 769).


     De plano, podemos afirmar que em se tratando de processo individual a litispendência (ou a coisa julgada) ocorre, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada, sendo certo que uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.


Logo, dá-se a litispendência quando se repete ação individual, que está em curso. Vale dizer, existe litispendência quando duas ações individuais propostas em separado contêm identidade de partes, de causa de pedir e de pedido.


Todavia, nos domínios do processo coletivo, o instituto da litispendência está previsto expressamente na primeira parte do art. 104 do CDC, segundo o qual:


“As ações coletivas, previstas nos incisos I e II, do parágrafo único, do artigo 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva”.


Vê-se, portanto, que o preceptivo deixa clara a inexistência de litispendência entre ação coletiva e ação individual, sendo silente acerca da possibilidade de litispendência entre ações coletivas, o que autoriza a aplicação subsidiária do CPC (Lei n. 7.347, art. 19).


2. LITISPENDÊNCIA ENTRE AÇÕES COLETIVAS


Poderá ocorrer litispendência entre duas ações coletivas que tenham as mesmas partes passivas, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.


Ainda que não haja identidade entre os legitimados ativos, isto é, entre os titulares da demanda coletiva no pólo ativo, sustentamos que haverá litispendência (e coisa julgada) entre as demandas coletivas, o que implicará a extinção daquela que foi proposta posteriormente, porque em ambas os autores atuam como “legitimados autônomos para a condução do processo” ou “substituto processuais”, razão pela qual, nesses casos, os titulares materiais dos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos serão atingidos pela coisa julgada que se formar em primeiro lugar.   


De outro giro, a leitura atenta da primeira parte do art. 104 do CDC revela que não há litispendência entre ação individual e ação coletiva (ou civil pública) destinada à defesa de interesses difusos e coletivos (incisos I e II do parágrafo único do art. 81 do CDC).


E a razão é simples: não há identidade entre os titulares ativos, nem entre os pedidos, na demanda individual e na demanda coletiva. No máximo, poder-se-ia falar em identidade de causa de pedir remota (fatos), mas as causas de pedir próxima (fundamentos jurídicos do pedido) também seriam diferentes.


3. LISTISPENDÊNCIA ENTRE AÇÃO COLETIVA PARA TUTELA DE INTERESSE INDIVIDUAL HOMOGÊNEO E AÇÃO INDIVIDUAL


Finalmente, urge indagar: entre ação coletiva para tutela de interesse individual homogêneo e ação individual pode haver litispendência?


Para satisfazer à indagação, cumpre lembrar que na ação coletiva para tutela de interesses ou direitos individuais homogêneos, o autor da demanda atua em nome próprio na defesa de interesses de outrem (legitimação extraordinária ou substituição processual), enquanto na ação individual o titular da demanda é também o titular do direito material nela deduzido (legitimação ordinária). Por aí já se vê que não há identidade de partes no pólo ativo das duas demandas.


Além disso, o pedido na ação coletiva é obrigatoriamente genérico, pois a condenação será sempre genérica (CDC, art. 95), ao passo que na ação individual é permitido o  pedido líquido. Finalmente, a coisa julgada na ação coletiva produzirá efeitos erga omnes; na ação individual, inter partes. Por interpretação lógica e sistemática, portanto, concluímos que não há litispendência entre ação coletiva para tutela de interesses individuais homogêneos e ação individual.


Correta, pois, a observação de Hugo Nigro Mazzilli, para quem


“nem mesmo no caso de interesses individuais homogêneos teremos vera e própria litispendência entre ação civil pública (ou coletiva) e ação individual, uma vez que não coincidem seus objetos: o caso seria antes de conexão, ou, sob circunstâncias específicas, até mesmo de continência, quando o objeto da ação civil pública ou coletiva compreendesse, porque mais abrangente, o objeto da ação individual. Ademais, o ajuizamento de ação civil pública sobre o mesmo objeto não induz litispendência porque não pode impedir o direito individual subjetivo de ação, assegurado na Carta Magna”.[1]


Ademais, na fase de conhecimento da ação coletiva para tutela de interesses individuais homogêneos é vedado apreciar o pedido individual dos substituídos, tendo em vista que sentença será obrigatoriamente genérica (CDC, art. 95), o que somente poderá ocorrer na liquidação a título individual, que é preferencial (CDC, arts. 97, 98, § 2º, I, 99 e 100). É dizer, somente no processo de liquidação de sentença por artigos, aí, sim, poderá o réu alegar litispendência ou coisa julgada se existir ação individual ajuizada anteriormente pelo liquidante individual na ação coletiva.[2]


4. A POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA TRABALHISTA


Lamentavelmente, a jurisprudência trabalhista majoritária, na contramão do novo sistema de acesso coletivo à Justiça do Trabalho (por nós apelidado de jurisdição trabalhista metaindividual), advoga a tese da litispendência entre  a ação individual e a ação coletiva em que o sindicato atua como substituto processual na defesa de interesses individuais homogêneos dos integrantes da categoria que representa.


Colecionamos, a propósito, os seguintes arestos:


“LITISPENDÊNCIA. EXISTÊNCIA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Analisando o artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor, extrai-se que ele contempla duas normas distintas, ou seja, uma que afasta incondicionalmente a litispendência e outra que é condicional à coisa julgada. A primeira parte da norma é incisiva em afastar a litispendência quando há ação individual e coletiva, sendo que, na segunda parte, os efeitos da coisa julgada foram contemplados em razão da suspensão dos 30 dias, o que equivale a dizer que essa suspensão é requisito para afastar os efeitos da coisa julgada e não da litispendência. Recurso conhecido e provido. DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS. A Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Orientação Jurisprudencial nº 32, pacificou o entendimento de que são devidos os descontos relativos à contribuição previdenciária e ao Imposto de Renda. Ressalte-se, ainda, o posicionamento manifestado pela Orientação Jurisprudencial nº 228 da SDI-1, em que o recolhimento dos descontos legais resultante dos créditos do trabalhador, oriundos de condenação judicial, deve incidir sobre o valor total da condenação e ser calculado ao final. Assim, vem à baila o Enunciado nº 333 do TST, em que os precedentes da SDI foram erigidos à condição de requisitos negativos de admissibilidade do recurso. Revista não conhecida” (TST-RR 5031.2002.900.09.00, 4ª T., Rel. Min. José de Barros Levenhagen, j. 18.12.2002, DJ 21.02.2003).


“Litispendência – Ação anterior proposta pela entidade sindical – Substituição processual – E posterior pelo trabalhador individualmente – Acolhimento. Provada a anterioridade da ação ajuizada e a identidade da matéria, relativamente à ação posterior, impõe-se o acolhimento da preliminar suscitada, inteligência do parágrafo 3º do artigo 267 do CPC, a par do seu relevante interesse, já que se destina a evitar a prolação de decisões conflitantes e contraditórias. Irrelevante a circunstância de se tratar de anterior ação proposta pelo Substituto Processual (não havendo identidade de partes), seja porque o trabalhador possa ter figurado no rol de substituídos e, ainda que assim não fosse, dele seria o direito material em debate. Hipótese em que a extinção do processo é de rigor – art. 267, V, do CPC” (TRT  15ª R., 5ª T. ac.25259/97, Rel. Luís Carlos Cândido Martins Sotero, DJSP 15.09.97, p. 58).


“Para provar litispendência não basta trazer aos autos a petição inicial dos processos em que o sindicato se apresenta como substituto processual de todos os empregados do réu. É preciso provar que foi aceito nessa qualidade ou, quando menos, como substituto dos empregados relacionados e que entre estes se encontra o autor da ação em que se faz a argüição. É preciso provar, ainda, que a ação se encontra em tramitação e que o processo não foi extinto, até o momento da argüição, sem julgamento de mérito” (TRT 1ª R., 1ª T., RO 28514/94, Rel. Juiz Luiz Teixeira Bomfim, DJRJ 08.07.97, p. 102)


“Litispendência Substituição processual Violação legal. Não viola a lei decisão do egr. Regional que reputa configurada a litispendência entre a ação individual do empregado e a ajuizada pelo Sindicato da categoria do Autor, como substituto processual, porquanto presentes a identidade substancial de partes e de pedido. Inteligência do artigo 301, V, § 1º, do CPC. Recurso não conhecido” (TST, 1ª T., ac. 2372/97, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DJ 13.06.97, p. 27011).


Cumpre assinalar que num julgado antigo, o TST adotou a nossa tese, como se infere do seguinte aresto:


“Litispendência. Inexiste litispendência entre a ação ajuizada pelo sindicato profissional e a ajuizada pelo trabalhador, individualmente, objetivando o recebimento de diferenças salariais decorrentes de planos econômicos, porquanto não se verifica a identidade de partes, não sendo também idêntico o objeto. Recurso do reclamante provido” (TST, 2ª T., ac. 6512/97, rel. Min. Moacyr Roberto Tesch, DJ 12.09.97, p. 44042).


Felizmente, no mesmo sentido:


“Não se acolhe a litispendência em dissídio individual por motivo de ação proposta por sindicato na condição de substituto processual, facultando-se, entretanto, à reclamada, provar, na fase executória, o pagamento do crédito ao empregado” (TRT – 3ª R., 3ª T, RO nº 01938/94, Rel. Juiz Antonio Álvares da Silva, DJMG 22.08.95, p. 51).


5. A POSIÇÃO DO STJ


Convém lembrar que o Superior Tribunal de Justiça vem reiteradamente decidindo nos seguintes termos:


“A circunstância de existir ação coletiva em que se objetiva a tutela de direitos individuais homogêneos não obsta a propositura de ação individual” (STJ, REsp 240.128/PE, 5ª T., Rel. Min. Félix Ficher, DJU de 02.05.00, p. 169).


Parece-nos que tal entendimento acabou influenciando recente (e correta, ressaltamos) posição adotada pela 1ª Turma do TST (TST-AIRR 1037/2001-301-02-40.9, rel. ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, fonte: www.tst.gov.br) no dia 06/02/2007, no sentido de que as “ações coletivas não induzem a litispendência entre as ações individuais”. Trata-se de ação movida por empregada contratada como arrecadadora para a empresa Performance Recursos Humanos e Assessoria Empresarial, prestadora de serviços à DERSA (Desenvolvimento Rodoviário S/A). A empregada alegou que foi dispensada imotivadamente, sem receber as verbas rescisórias, às quais incluem o pagamento de férias, horas extras, adicional noturno e seus reflexos, multa do FGTS, além do reembolso dos descontos de contribuição federativa. Ela pediu ainda que a empresa prestadora de serviços fosse responsabilizada subsidiariamente pelos débitos trabalhistas. Em contestação, a empresa PERFORMANCE afirmou haver litispendência da ação trabalhista, proposta pela empregada, quanto ao pagamento das verbas rescisórias, já que o sindicato da categoria havia ajuizado ação anterior, abrangendo todos os empregados dispensados. Alegou que a empregada foi demitida por justa causa, pois havia sido contratada por outra empresa, e que, os pedidos eram comuns à outra ação movida pelo Ministério Público do Trabalho. A 1ª Vara do Trabalho do Guarujá (SP) declarou a responsabilidade subsidiária da empresa tomadora de serviços pelas obrigações trabalhistas e afastou a justa causa, pois não vislumbrou fundamento no argumento da empresa. As empresas recorreram da sentença no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), que manteve a sentença de que, a ação movida pelo MPT não impede que o empregado proponha ação individual visando o recebimento de créditos trabalhistas. O Regional ressaltou que “a legitimidade extraordinária conferida ao Ministério Público e às associações de classe para propositura de ação civil pública ou ações coletivas tem por objetivo facilitar o acesso à Justiça e não criar obstáculo ao trabalhador que opta pelo exercício individual do direito de ação constitucionalmente garantido”. Inconformada, a Performance insistiu na alegação de litispendência no TST, que manteve a tese do TRT/SP.


6. CONCLUSÃO


Como síntese do presente ensaio, concluímos que não existe litispendëncia entre ação coletiva para tutela de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos e ação individual.


Espera-se, assim, que as demais Turmas do Eg. TST reformulem suas posições em homenagem ao princípio constitucional do acesso – individual e coletivo – à justiça!


Eis a nosso singela, porém sincera, homenagem ao querido Professor Renato Rua de Almeida, como lembrança das apetitosas aulas de Direito do Trabalho na PUC/SP.


 


Notas:

[1] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 202.

[2] Sobre o tama da liquidação em ação civil pública (ou coletiva) recomendamos o nosso livro: LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Liquidação na ação civil pública. São Paulo: LTr, 2004.


Informações Sobre o Autor

Carlos Henrique Bezerra Leite

Desembargador Federal do Trabalho do TRT da 17ª Região/ES. Ex-Procurador Regional do Trabalho. Professor Adjunto de Direito Processual do Trabalho e Direitos Humanos ( UFES). Professor de Direitos Metaindividuais (FDV). Doutor em Direito (PUC/SP). Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho.


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