Internet: Segurança da empresa x privacidade do empregado

Abordaremos neste artigo os principais pontos relacionados à polêmica questão da licitude ou não do monitoramento, por parte das empresas, do uso do computador, averiguando os mails enviados/recebidos e os sites visitados por seus empregados.

Inicialmente, destacamos que os motivos apontados com maior freqüência como ensejadores do monitoramento do computador são os seguintes: a) averiguar se o empregado está sendo improdutivo: mails endereçados por um único empregado a vários destinatários ou ainda com a linha de assunto “re” ou “fw” podem indicar que o empregado está desperdiçando tempo e sobrecarregando indevidamente o sistema da empresa com conversas impróprias ou redirecionando piadas; b) examinar se há recebimento/envio de mails contendo anexos do tipo “.exe”, os quais, entre outros, podem conter vírus ou programas sem licença, além de sobrecarregar a rede da empresa ou ainda; c) constatar se o empregado não está visitando sites não seguros e que não guardam relação com sua atividade profissional ou ainda fazendo indevidamente dowload de programas licenciados ou não; d) verificar se o empregado pretende deixar a empresa (mails com linha de assunto  “Curriculum Vitae”, por exemplo) e, finalmente, a justificativa mais empregada: e) constatar se mails contendo a designação “confidential” ou ainda “proprietary” contém divulgação indevida de informação sigilosa da empresa.

Também motiva a empresa a monitorar o acesso à Internet o fato de que boa parte do tempo gasto pelos empregados conectados à Internet não guarda relação com o trabalho[1], o que levava, já em 1999, 27% dos empregadores norte-americanos a monitorarem o e-mail de seus empregados[2]

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Entre nós, o monitoramento de mails é prática cada vez mais comum: pesquisa realizada em grandes empresas pela revista Infoexame, em 2001, dá conta que 34,5% das empresas pesquisadas já monitoravam o tráfego de mensagens, enquanto 25% pretendiam fazê-lo ainda naquele ano[3].

Dentre os motivos tidos como justificadores da conduta de monitoramento do e-mail de empregados, verifica-se que o principal direito a ser juridicamente tutelado é a segurança da empresa.

A despeito disso, quando se fala em monitoramento, ainda que consentido, há juristas contrários, ressaltando que essa prática violaria direitos constitucionais indisponíveis (isto é, direitos sobre os quais empregador e empregado não podem dispor contratualmente), os quais se sobreporiam ao direito da empresa à segurança.

Os direitos constitucionais supostamente violados que teriam preponderância sobre o direito da empresa à segurança seriam os direitos à privacidade e à intimidade (Constituição Federal, art. 5º, inciso X).

Resumidamente, a intimidade denotaria o nível de espaço fechado da própria pessoa (convicções filosóficas e religiosas), enquanto que a privacidade diria respeito aos atos da vida pessoal que devem ser subtraídos da curiosidade pública[4]

Os defensores da prevalência desses direitos alegam que “violar a correspondência via Internet por motivos de segurança da empresa seria infirma-se um direito da personalidade (a intimidade e privacidade do usuário) sob o pretexto de se prevenir a violação de outro direito da personalidade (o direito ao sigilo da empresa)”[5].

Em que pese o argumento acima, no caso em questão o conflito entre direitos é apenas aparente. Veja-se:

Primeiramente, via de regra, os computadores e programas são de propriedade da empresa e o empregador, ao assumir os riscos do empreendimento, responde civilmente pelas ações de seus empregados, pela teoria da culpa in eligendo, adotada pelo Código Civil Brasileiro e pacificada na jurisprudência desde a edição da Súmula nº 341, do Supremo Tribunal Federal[6].

E exatamente por isso é que tem o direito de direção, assegurado pela CLT, podendo regular o uso dos equipamentos de sua propriedade, valendo essa regra tanto para veículos e telefone, como também com relação à utilização do acesso à Internet e de e-mail.

Se os equipamentos e softwares utilizados para acessar a Internet pertencem à empresa e há cláusula expressa no Contrato de Trabalho dispondo que o computador só pode ser utilizado para fim de trabalho e que seu uso será monitorado, o envio/recebimento de mails particulares, a navegação em páginas não autorizadas, ou ainda a simples consulta de e-mail particular pode até caracterizar desídia por parte do empregado no cumprimento de suas funções, ensejando aplicação de justa causa.

Assim como sempre pôde querer examinar os papéis de trabalho de seus empregados, o empregador pode monitorar os computadores.

Portanto, a empresa tem o direito de monitorar o computador do empregado não porque esse direito seja juridicamente mais relevante do que os direitos à privacidade e à intimidade, mas sim porque estes últimos inexistem no uso, no trabalho, dos equipamentos da empresa.

E o que dizer do monitoramento do e-mail, em face da garantia constitucional da inviolabilidade das comunicações?

O monitoramento não consentido pode caracterizar crime previsto na Lei nº 9296/96 (reguladora do referido dispositivo constitucional), consistente em realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”

Quanto se consente previamente o monitoramento através do próprio Contrato de Trabalho, não se pode falar em violação de correspondência.

Também é fato que se o empregado estiver agindo diligentemente em seu trabalho, deve estar produzindo somente correspondências em nome da empresa, não cabendo falar-se em inviolabilidade.

Em razão do exposto, conclui-se que o monitoramento, desde que consentido, não causa nenhuma lesão a direitos constitucionais.

Corroborando nosso entendimento, a 3ª Turma do TRT da 10ª Região (Brasília) proferiu a primeira decisão no Brasil a respeito do tema, ao reconhecer, por unanimidade, a justa causa na demissão de ex-empregado do HSBC Seguros acusado de utilizar o correio eletrônico da empresa para repassar imagens pornográficas.

Concluído ser possível o monitoramento, cumpre esclarecer que as regras acerca do monitoramento e o consentimento formal do empregado dão-se mediante assinatura do Contrato de Trabalho ou de Termo Aditivo (no caso de empregados já contratados).

O Contrato de Trabalho deve estabelecer, via de regra: a) se as comunicações particulares via e-mail são terminantemente proibidas, com vedação, inclusive, da consulta de e-mail de contas particulares em equipamento da empresa, ainda que fora do horário de trabalho ou, havendo tolerância para esse tipo de comunicação, explicitando qual sua abrangência; b)se o acesso a sites não relacionados com o trabalho também está vedado, ou se há tolerância para determinados tipos de comunicação previamente estabelecidos, tais como o acesso ao home banking; c) a ciência de que a estação de trabalho e a conta de e-mail são de propriedade da empresa, e ainda a expressa concordância por parte do empregado de que o acesso e o tráfego serão continuamente monitorados.

O Contrato deve disciplinar ainda a questão do dever de sigilo quanto aos dados e documentos aos quais o empregado tem acesso, vedação de reprodução de material protegido por direitos autorais; proibição de implantação de software e de uso de disquetes; finalmente, a expressa vedação da transmissão de mensagens com conteúdo discriminatório, ou vinculadas a assuntos tabus como raça, crença religiosa, sexo e política.

Finalmente, para instituir e fazer cumprir regras acerca do monitoramento do uso da Internet e do e-mail sem criar um mal-estar, faz-se necessária a criação de um comitê multidisciplinar — contando com técnicos, administradores e advogados — o qual deverá estabelecer uma política compatível com a cultura organizacional da empresa.

Notas
[1] Nos EUA, pesquisa efetuada pelo  SurfWatch concluiu que esse tempo seria de mais de 25%, segundo matéria de Kátia Militello,Os Perigos da Internetin Infoexame, SP, 2001, disponível no site <www.infoexame.com.br>.
[2] Matéria veiculada na Folha de São Paulo de 09/04/2000, Caderno “Mundo 1”, pág. 23, tendo por articulista Lisa Guernsey..
[3] Françoise Terzian, “EUA vão perder US$ 10 bilhões. Sistemas B2B serão os mais afetados” in TCInet, 2001, disponível no site <www.tcinet.com.br”
[4] Manuel Pinto Teixeira e Victor Mendes in Casos e Temas de Direito da Comunicação, págs. 124-125
[5] Roberto Senise Lisboa, “A Inviolabilidade da Correspondência na Internet”  in Direito & Internet – Aspectos Jurídicos Relevantes, Ed. Edipro, 2001, pág. 483.
[6] Súmula 341 do STF: “É presumida a culpa do patrão pelo ato culposo do empregado ou preposto”.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Carlos Eduardo Previatello

 

Advogado graduado pela Universidade de São Paulo, integrante do escritório Gomes, Previatello Advogados e consultor jurídico da ABRAT – Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação.

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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