Autora: PAULA, Aline Nunes de. E-mail: aline.de.paulla2@gmail.com. Acadêmica do curso de Direito na Universidade UNIRG. Gurupi/TO.
Orientador: FILHO, Jorge Barros. E-mail: jorgefilho@unirg.edu.br. Profº. Me. no curso de Direito na Universidade UNIRG, Gurupi/TO.
Resumo: A figura da mulher sempre fora destacada desde os primórdios da sociedade. Mas esse destaque era relacionado nos afazeres domésticos e na criação dos filhos. Com o avanço social a mulher começou a buscar seus direitos e a igualdade entre seus pares. Ainda que tenha alcançado significativo avanço nesse sentido, o fato é o que não mudou foi o tratamento dado a sua figura. Ainda nos dias de hoje é possível verificar a violência contra a mulher, de variadas formas e em várias situações e lugares. São tantas violências contra as mulheres (algumas resultando em morte) que a discussão sobre o feminicídio se torna necessário. Nesse sentido, o presente estudo tem como foco explorar os elementos jurídicos, processuais e sociológicos do feminicídio. Com isso, apresenta-se o posicionamento jurídico sobre esse tema e principalmente as leis e normativas que condenam essa prática. Além disso, apresentam-se as razões que levam o legislador e ao Magistrado a caracterizar o crime de feminicídio. Desse modo, importante mencionar a Lei nº 13.104/2015 que trata sobre o feminicídio, aumentando a penalidade daqueles que praticam esse ato. Na metodologia, a realização dessa pesquisa se deu por referência bibliográfica (livros, artigos científicos, legislação, etc.). Nos resultados, foi possível encontrar leis e trabalhos sociais que visam diminuir os casos de feminicídio.
Palavras-chave: Feminicídio. Mulheres. Penalização. Brasil.
Abstract: The figure of the woman had always been highlighted since the beginning of society. But this highlight was related to household chores and raising children. With social advancement, women began to seek their rights and equality among their peers. Although he has achieved significant progress in this regard, the fact is that what has not changed has been the treatment given to his figure. Even today, it is possible to verify violence against women, in various ways and in various situations and places. There are so many violence against women (some resulting in death) that the discussion about femicide becomes necessary. In this sense, the present study focuses on exploring the legal, procedural and sociological elements of feminicide. With this, the legal positioning on this topic and mainly the laws and regulations that condemn this practice are presented. In addition, it presents the reasons that lead the legislator and the magistrate to characterize the crime of femicide. Thus, it is important to mention Law No. 13,104 / 2015, which deals with femicide, increasing the penalty of those who practice this act. In the methodology, this research was carried out by bibliographic reference (books, scientific articles, legislation, etc.). In the results, it was possible to find laws and social works that aim to reduce the cases of femicide.
Keywords: Rape. Femicide. Women. Penalty. Brazil.
Sumário: Introdução. 1. Feminicídio: aspectos gerais. 2. Da legislação brasileira frente ao feminicídio. 3. Das consequências jurídicas. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Diariamente milhares de mulheres são mortas no Brasil. Em um levantamento realizado como parte do Monitor da Violência – parceria feita entre o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública – mostra um aumento de 7,3% nos casos de feminicídio em 2019 em comparação com 2018. São 1.314 mulheres mortas pelo fato de serem mulheres – uma a cada 7 horas, em média (VELASCO; CAESAR, 2020).
Essa realidade se enquadra no tipo penal do feminicídio. De acordo com Porfírio (2020) o feminicídio é caracterizado como sendo o homicídio praticado contra a mulher em decorrência do fato de ela ser mulher (misoginia e menosprezo pela condição feminina ou discriminação de gênero, fatores que também podem envolver violência sexual) ou em decorrência de violência doméstica.
Devido a essa realidade preocupante para as mulheres, o código penalista brasileiro tipificou esse crime. Isso seu deu pela entrada em vigor da Lei nº 13.104/15, mais conhecida como Lei do Feminicídio que incluiu como qualificador do crime de homicídio o feminicídio.
Desde então, a presente norma obteve diferentes interpretações e também muitas duvidas. A principal delas, ao qual será o tema central desse estudo é referente a caracterização do crime, ou seja, o que de fato configura que o crime ocorrido foi um feminicídio.
Ainda que na lei seja enfatizado que o feminicídio é o homicídio em razões de gênero, o que se indaga é quais as razões que determinam a ocorrência desse crime e como isso pode ser interpretado na norma e no caso concreto.
No decorrer da análise do tema por ora proposto procura-se responder as seguintes indagações: qual o procedimento que o legislador utilizou para identificar que o crime cometido foi motivado pela razão de gênero; e quais as considerações são utilizadas para caracterizar o feminicídio?
Frente a esses apontamentos iniciais, o respectivo projeto busca discorrer a respeito do crime de feminicídio e encontrar as razões reais e concretas para a sua configuração no campo jurídico e social. Nesse sentido, discutem-se as razões que se leva em consideração para caracterizar o respectivo crime.
Para a realização da pesquisa foi feita uma revisão de literatura, constituído de estudo bibliográfico e documental. A pesquisa bibliográfica foi realizada por meio de leituras das leis, da Constituição Federal, de revistas jurídicas, de livros e artigos vinculados à análise das consequências jurídicas do feminicídio e de outras doutrinas disponíveis relacionadas ao tema.
A presente pesquisa foi realizada mediante o levantamento de documentos. Assim, a coleta de dados é resultado de uma busca feita em bases de dados, tais como: Scielo; Google, dentre outros, entre os dias 01 a 10 de outubro de 2020.
Insta salientar que esse tema não será conclusivo, sendo apenas exemplificativo, devido ao tema, mesmo que já estipulado em lei, ser na prática utilizado de forma diferente ao previsto em lei, ou seja, ainda não caminha junto ao entendimento jurídico.
Um dos grandes embates existentes na história da humanidade diz respeito às questões de gênero. Desde os primórdios das civilizações, a relação entre homem e mulher foram pautadas por regras e condutas de cada parte, em sua maioria desfavorável à mulher.
Se antes as mulheres eram vistas apenas para procriar e cuidar do lar, com o advento das mudanças sociais, culturais e do feminismo, as mulheres nos dias atuais são independentes e donas da própria vida. Contudo, a relação com os homens ainda é permeada pela disputa e pela diferença de tratamento em todas as esferas da vida social.
Mesmo sendo “emancipadas”, as mulheres ainda não se livraram do estigma por ser mulher e carrega dentro de si uma luta constante por igualdade e autonomia, que nem mesmo a proteção jurídica conseguiu superar.
Dentre dos diversos problemas enfrentados na luta das mulheres, encontram-se o feminicídio. Historicamente, a palavra feminicídio é oriunda do termo femicídio de autoria da socióloga sul-africana Diana Russell que o implantou pela primeira vez em 1976 num evento ocorrido no chamado Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres, em Bruxelas, na Bélgica (BRANDALISE, 2018).
Sobre esse evento, importante citar:
O conceito de femicídio foi utilizado pela primeira vez por Diana Russel em 1976, perante o Tribunal Internacional Sobre Crimes Contra as Mulheres, realizado em Bruxelas, para caracterizar o assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres, definindo-o como uma forma de terrorismo sexual ou genocídio de mulheres. O conceito descreve o assassinato de mulheres por homens motivados pelo ódio, desprezo, prazer ou sentimento de propriedade. Russel ancora-se na perspectiva da desigualdade de poder entre homens e mulheres, que confere aos primeiros o senso de entitlement – a crença de que lhes é assegurado o direito de dominação nas relações com as mulheres tanto no âmbito da intimidade quanto na vida pública social – que, por sua vez, autoriza o uso da violência, inclusive a letal, para fazer valer sua vontade sobre elas (MENEGHEL; PORTELLA, 2017, p. 02).
Nota-se pelo citado acima, que as raízes do feminicídio vêm da relação complicada entre homens e mulheres. Isso se dá pelo fato de que a mulher sempre ocupou um lugar de coadjuvante sobre o homem e posteriormente na sociedade. E essa quase nula presença, trouxe uma enorme dominação masculina, ficando profundamente enraizado na sociedade e na cultura (SCHRAIBER; D’OLIVEIRA, 2013).
Muitas mulheres mesmo sofrendo abusos e limitações por parte do homem e da sociedade é explicado em parte pela repressão ou negação produzida pela experiência traumática do próprio terrorismo sexista, além da socialização de gênero, em que a ideologia de gênero (ideologia considerada aqui no seu aspecto negativo) é utilizada para naturalizar as diferenças entre os sexos e impor estes padrões e papeis como se fossem naturais ou constituintes da natureza humana (SCHRAIBER; D’OLIVEIRA, 2013).
Nesse contexto, o feminicídio surge como uma ação final de um movimento bem mais amplo e complexo. É ponto final de uma sociedade ainda machista e intolerante com as mulheres, que encontram no assassinato de suas vidas uma forma de: apagar um “problema” e fugir da responsabilidade de se debater papéis de gêneros. Assim:
A morte das mulheres representa então a etapa final de um continuum de terror que inclui estupro, tortura, mutilação, escravidão sexual (particularmente na prostituição), incesto e abuso sexual fora da família, violência física e emocional, assédio sexual, mutilação genital, cirurgias ginecológicas desnecessárias, heterossexualidade compulsória, esterilização e/ou maternidade forçada, cirurgias psíquicas, experimentação abusiva de medicamentos, negação de proteínas às mulheres em algumas culturas, cirurgias cosméticas e outras mutilações em nome do embelezamento (SCHRAIBER; D’OLIVEIRA, 2013, p. 13).
Para as autoras supracitadas sempre que essas formas de terrorismo resultarem em morte têm-se um feminicídio. Por conta disso, a descrição para essas autoras do que seja o crime em análise se torna algo mais abrangente, ultrapassando o âmbito estrito das relações entre homens e mulheres. Muitas das práticas elencadas – como a mutilação genital e os procedimentos médicos – são realizadas por mulheres e, na maior parte das vezes, resultam de disposições institucionais e não individuais ou pessoais. Desse modo, pode-se afirmar, com base nessa visão, que o feminicídio não seria exclusivamente praticado apenas por homens, mas também pelas próprias mulheres contra outras (SCHRAIBER; D’OLIVEIRA, 2013).
De qualquer forma, o entendimento majoritário é de entender que o feminicídio em grande parte é realizado por algum membro familiar, em especial um ex-companheiro ou até mesmo o atual.
No Brasil, o termo feminicídio surgiu (em âmbito jurídico) nos resultados da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) da Violência contra a Mulher em 2012. No relatório final da comissão propôs o Projeto de Lei 292/2013, do Senado Federal, onde altera o Código Penal ao inserir o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio (BRASIL, 2013).
Conceitualmente, o feminicídio é “o termo usado para denominar assassinatos de mulheres cometidos em razão do gênero” (BRANDALISE, 2018, p. 01). Dessa forma, o Feminicídio é o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher. Como relata Galvão (2018, p. 01) “suas motivações mais usuais são o ódio, o desprezo ou o sentimento de perda do controle e da propriedade sobre as mulheres”.
Várias estatísticas apontam que as mulheres vêm sendo assassinadas com cada vez mais frequência. De acordo com o Mapa da Violência 2015 (Cebela/Flacso), “com uma taxa de 4,8 assassinatos em 100 mil mulheres, o Brasil está entre os países com maior índice de homicídios femininos, se encontra na 5º (quinta) posição dentre 83 nações”.
Esse mesmo documento revela ainda que o feminicídio está diretamente ligado à violência doméstica, conforme já explanado anteriormente. Em sua definição, a violência doméstica contra a mulher é qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, de acordo o artigo 5º da lei 11.340/2006.
Dentro da conjuntura da violência doméstica, a mulher é de fato a maior vítima. Pesquisas ao longo das últimas décadas mostram que milhares de mulheres são violentadas diariamente em todos os cenários: no trabalho, na sociedade, na família, dentro de casa, na rua, nos estabelecimentos privados, dentre outros. A violência contra o gênero feminino é notória.
A mulher, apesar da evolução social, que lhe permitiu estudar, entrar para o mercado de trabalho, tem certa independência até mesmo no âmbito familiar, mas ainda assim há situações de preconceito, discriminação e, consequentemente, atos de violência.
O processo histórico do feminicídio repassa primeiro pelas leis de proteção à mulher. Nesse caso, onde de mencionar a legislação específica para esse tema, é preciso entender quais leis forma fundamentais para o surgimento da penalização do feminicídio.
Historicamente cabe citar primeiramente a criação da Delegacia da Mulher durante a década de 80. Com essa delegacia, verificou-se um crescente aumento das denúncias de mulheres que sofriam violência, principalmente após casos de violência se tornarem públicos (DIAS, 2012).
Diante desse cenário, foi promulgada a Lei 9.099/95 que criou os Juizados Especiais Criminais onde trouxe um novo método de resolver conflitos interpessoais, como medidas de conciliação e transação penal. Trouxe também princípios como o da oralidade, celeridade e informalidade, onde possibilitava uma maior ressocialização assim como a aplicação de medidas alternativas para solucionar os conflitos domésticos e familiares (DIAS, 2012).
Contudo, essa norma sofreu muitas críticas, pois muitos doutrinadores e mulheres afirmam que a supra lei equiparou o crime de violência doméstica “ao nível de uma simples briga de vizinhos ou acidente de trânsito, onde a penalidade aplicada era uma mera cesta básica, o que é uma medida de desprezo aos direitos humanos das mulheres” (VIEIRA; JUNIOR, 2016, p. 03).
Após essa norma, outras leis infraconstitucionais surgiram expandindo a regulamentação dessa matéria. Em 2003, a Lei nº 10.778 trouxe a previsão de acolhimento à mulher, viabilizando equipe de saúde proporcionando a mulher agredida, atenção oportuna, eficaz, segura e ética. No ano seguinte houve a criação da Lei Federal nº 10.886/2004 que foi de extrema importância, pois incluiu no Código de Processo Brasileiro o tipo penal “violência doméstica”, aumentando o tempo de punibilidade ao agressor da mulher.
Contudo, foi com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha que surgiu de fato uma norma de proteção à mulher, principalmente no que se refere à violência doméstica. A presente lei ganhou esse nome devido ao fato de que a biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes fora vítima de inúmeras violências e tentativas de homicídio por parte do seu marido, o até então professor universitário Marco Antonio Herredia.
Dentre as variadas agressões, tiveram-se as mais graves: um tiro nas costas enquanto a vítima dormia, o que a deixou paraplégica e na segunda vez, houve uma tentativa de eletrocutá-la, o que de fato aconteceu meses depois, quando Marco Antonio a empurrou da cadeira de rodas para ser eletrocutada no chuveiro. Neste período, ambos tinham 3 filhas, entre 6 e 2 anos de idade (BAETA, 2019).
Ocorrido esses fatos, a vítima – Maria da Penha – lutou por mais de 20 anos pela punição de seu agressor. Tanto tempo se justificou pela demora da justiça brasileira em solucionar o caso. Com o auxílio de ONGs, Maria da Penha conseguiu levar o seu caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA). Em 2001, a OEA condenou o Brasil a definir uma legislação específica que tratasse desse tipo de violência. Surgiu daí a Lei nº 11.340 publicada no Diário Oficial de 08 de agosto de 2006 com a alcunha de “Lei Maria da Penha” em homenagem a essa mulher, vítima de violência doméstica.
Com a lei Maria da Penha várias regras foram criadas e alteradas a fim de dar mais rigorosidade para aqueles que praticam ou praticaram a violência doméstica. A priori, a referida lei modificou o artigo 129 do Código Penal, onde permite que a aqueles que agridem mulheres no âmbito doméstico ou familiar possam ser presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada. Além disso, os agressores não podem ser punidos com penas alternativas (BRASIL, 2006).
Nesta mesma norma aumentou-se o tempo de detenção e criou medidas protetivas como a remoção do agressor do domicílio e a proibição de sua aproximação da vítima. Em seu art. 7º e seus incisos trouxe os tipos de violência: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
Cabe mencionar que a lei Maria da Penha afastou expressamente a aplicabilidade da Lei dos Juizados Especiais relativamente aos delitos cometidos com violência doméstica, conforme alude o seu art. 41. Depois de uma divergência doutrinária a respeito de qual ação penal cabível ao crime de lesões corporais leves praticados contra a mulher no ambiente doméstico, a ADI 4424 DF definiu como a ação penal pública incondicionada como a adequada para esses casos.
Ainda sobre a Lei Maria da Penha, em 2019 foi editada a Lei Federal nº 13.827que inclui alguns dispositivos na lei citada, com o intuito de imprimir maior rigor à proteção da mulher em situação de violência doméstica e familiar. A primeira e importantíssima alteração foi à inclusão do art. 12-C na Lei Maria da Penha, cuja redação é a seguinte:
Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:
I – pela autoridade judicial;
II – pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou
III – pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia.
Girão (2019, p. 02) explica que na ausência de delegado disponível no momento da denúncia, “nos Municípios que não forem sedes de comarcas, qualquer policial poderá afastar o agressor tanto da mulher vítima da violência quanto de seus dependentes”. Por conta disso, com essa nova norma, onde houver casos em que se detecte que houve risco à integridade física da mulher ou que se tenha desrespeitado a medida protetiva de urgência, não será permitida a liberdade provisória ao preso.
Buscando um maior rigor na evolução da violência doméstica chegando à morte de suas vítimas, em 2015 foi editada a Lei nº 13.104, conhecida como a Lei do Feminicídio. Nessa norma, modificou-se o art. 121 do Código Penal Brasileiro, no qual acrescentou no § 2º, inciso VI, dispositivos que dão maior proteção a mulher contra seus agressores, além do aumento da punição. No novo texto, tem-se:
VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
I – violência doméstica e familiar;
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Aumento de pena
I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II – contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;
III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (NR)
Art. 2o O art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte alteração:
“Art. 1o ……………………………………………………………….
I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV, V e VI).
(BRASIL, 2015)
É importante lembrar que, ao incluir no Código Penal o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, o feminicídio foi adicionado ao rol dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/1990), tal qual o estupro, genocídio e latrocínio, entre outros. A pena prevista para o homicídio qualificado é de reclusão de 12 a 30 anos.
Ao comentar sobre a importância dessa norma, cabe destacar as seguintes palavras:
A tipificação em si não é uma medida de prevenção. Ela tem por objetivo nominar uma conduta existente que não é conhecida por este nome, ou seja, tirar da conceituação genérica do homicídio um tipo específico cometido contra as mulheres com forte conteúdo de gênero. A intenção é tirar esse crime da invisibilidade (CAMPOS, 2016 apud GALVÃO, 2018, p. 05).
Importante citar a Resolução nº 128/2011 que enfatiza a criação das Coordenadorias Estaduais da Mulher no âmbito dos Tribunais e suas competências. Com a entrada dessa lei, fica evidente constatar que houve um significativo progresso no sistema penal a respeito de agressões domésticas e do feminicídio, mostrando claramente a importância do assunto e o trabalho que se deve ter na sua proteção e principalmente punição.
Ocorre que com essa norma, surgiram dúvidas em relação à caracterização do crime. Sobre esse assunto, apresenta-se o tópico abaixo.
O feminicídio, como bem explorado anteriormente nesse estudo, se caracteriza principalmente pelo crime cometido em razão de gênero. Essa questão acabou por repercutir na doutrina e jurisprudência brasileira, quanto à sua comprovação e caracterização.
Com a vigência da lei por ora analisada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fora foi provocado a se posicionar a respeito de algumas dúvidas que emergiram. Um dos apontamentos foi em relação a respeito da possibilidade de um crime de feminicídio ser considerado também homicídio qualificado por motivo torpe.
Importante salientar que, a comprovação de uma violência de gênero exige prova inequívoca. Havendo quaisquer dúvidas, invoca-se o instituto do in dubio pro reo. As causas que levaram o cometimento do crime constituem o eixo da violência de gênero. (BIANCHINI; GOMES, 2016).
Em contraponto a esse entendimento, de acordo com o ministro Nefi Cordeiro (2019) pode ser possível a coexistência das qualificadoras do feminicídio e do motivo torpe. Para ele, isso não implicaria em dupla punição pela mesma circunstância (bis in idem), pois o feminicídio tem natureza objetiva, enquanto a qualificadora do motivo torpe é de caráter subjetivo. Em suas palavras, entende:
É devida a incidência da qualificadora do feminicídio nos casos em que o delito é praticado contra mulher em situação de violência doméstica e familiar, possuindo, portanto, natureza de ordem objetiva, o que dispensa a análise do animus do agente. Assim, não há se falar em ocorrência de bis in idem no reconhecimento das qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio, porquanto a primeira tem natureza subjetiva e a segunda, objetiva (HC 440.945).1
No campo prático pode ocorrer um excesso de acusação, quando se inclui, por exemplo, uma classificação de crime hediondo. Nesse sentido é importante frisar que não é todo crime de femicídio (morte de uma mulher) se torna necessariamente um crime de feminicídio. Pode haver uma confusão desses institutos, cabendo à defesa rejeitar qualquer excesso acusatório (BIANCHINI; GOMES, 2016).
A qualificadora do feminicídio, novamente entra em pauta, pois há os que entendem ela ser subjetiva e outros de caráter objetivo. No posicionamento de ela ser subjetiva, firma-se o entendimento de que quando se reconhece (no júri) o privilégio (violenta emoção, por exemplo), crime, fica afastada, automaticamente, a tese do feminicídio. Nesse sentido:
A qualificadora do feminicídio é nitidamente subjetiva. Uma hipótese: mulher usa minissaia. Por esse motivo fático o seu marido ou namorado a mata. E mata-a por uma motivação aberrante, a de presumir que a mulher deve se submeter ao seu gosto ou apreciação moral, como se dela ele tivesse posse, reificando-a, anulando-lhe opções estéticas ou morais, supondo que à mulher não é possível contrariar as vontades do homem. Em motivações equivalentes a essa há uma ofensa à condição de sexo feminino. O sujeito mata em razão da condição do sexo feminino, ou do feminino exercendo, a seu gosto, um modo de ser feminino. Em razão disso, ou seja, em decorrência unicamente disso (BIACHINI, 2016, p. 216).
Ademais, cabe destacar algumas hipóteses que fundamentam a qualificadora subjetiva:
[…] no caso do feminicídio baseado no inciso I do § 2º-A do art. 121, será indispensável que o crime envolva motivação baseada no gênero (“razões de condição de sexo feminino”). Ex.1: marido que mata a mulher porque acha que ela não tem “direito” de se separar dele; Ex.2: companheiro que mata sua companheira porque quando ele chegou em casa o jantar não estava pronto. Por outro lado, ainda que a violência aconteça no ambiente doméstico ou familiar e mesmo que tenha a mulher como vítima, não haverá feminicídio se não existir, no caso concreto, uma motivação baseada no gênero (“razões de condição de sexo feminino”). Ex: duas irmãs, que vivem na mesma casa, disputam a herança do pai falecido; determinado dia, uma delas invade o quarto da outra e a mata para ficar com a totalidade dos bens para si; esse crime foi praticado com violência doméstica, já que envolveu duas pessoas que tinha relação íntima de afeto, mas não será feminicídio porque não foi um homicídio baseado no gênero (não houve violência de gênero, menosprezo à condição de mulher), tendo a motivação do delito sido meramente patrimonial (CAVALCANTE, 2015, p. 01).
Frente aos argumentos acima expostos, nota-se que a natureza subjetiva da qualificadora do feminicídio se fundamenta nas causas ensejadoras do crime. Não importa que o crime se dê contra a mulher, e sim pela sua condição de sexo feminino.
No entanto, tem-se observado uma forte corrente que entende que a qualificadora do feminicídio é de caráter objetivo. A respeito dessa corrente, encontram-se as palavras do nobre doutrinador Guilherme de Souza Nucci (2017, p. 46) que ao discorrer sobre o feminicídio afirma que se trata de “uma qualificadora objetiva, pois se liga ao gênero da vítima: ser mulher. O agente não mata a mulher somente porque ela é mulher, mas o faz por ódio, raiva, ciúme, disputa familiar, prazer, sadismo, enfim, por motivos variados que podem ser torpes ou fúteis”.
No mesmo caminho, o STJ tem se orientado da seguinte forma:
[…] considerando as circunstâncias subjetivas e objetivas, temos a possibilidade de coexistência entre as qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio. Isso porque a natureza do motivo torpe é subjetiva, porquanto de caráter pessoal, enquanto o feminicídio possui natureza objetiva, pois incide nos crimes praticados contra a mulher por razão do seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, assim o animus do agente não é objeto de análise.2
Por fim, apresenta-se o seguinte entendimento:
[…] A Constituição confere proteção especial à família, robustecendo a relevância penal de infrações como a ora examinada. Dada a importância do bem jurídico tutelado, foi editada lei especial e inserido, no Código Penal, a qualificadora prevista no inciso VI do § 2º do art. 121 – feminicídio. Para que incida a qualificadora do feminicídio no crime do art. 121 do CP, não basta o fato de uma mulher figurar no pólo passivo do delito. É necessário que o crime seja cometido em razões da condição de sexo feminino, envolvendo violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher. A qualificadora, portanto, tem natureza objetiva. Incide quando presentes os pressupostos estabelecidos pela norma de regência. (grifei)3
Com base no exposto aqui, entende-se que a qualificadora do feminicídio é de caráter objetivo. Muitos agressores argumentam durante o processo de acusação de feminicídio, que não existe um único elemento probatório tendente que justifique que o homicídio seja praticado pela motivação relacionada à condição de mulher ou que tenha ocorrido dentro do contexto de violência doméstica.
Ocorre, no entanto, como mostrado anteriormente, essa argumentação não se sustenta, haja vista que como bem lembra Nucci (2019, p. 758) “o feminicídio figura como uma continuidade da tutela especial abarcada pela Lei Maria da Penha, tratando-se de uma qualificadora objetiva, pois se liga ao gênero da vítima: ser mulher”. Tal afirmativa é corroborada por esse estudo, que entende que o feminicídio é um crime cada vez mais praticado e que com isso, a sua penalidade deve ser aplicada severamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mulher ao longo da história sempre possuiu um papel aquém do homem. Inicialmente sua obrigação era basicamente de cuidar do lar e dos filhos. Ainda nesses períodos iniciais da sociedade, a sua figura já era desprovida de dignidade, sofrendo inclusive violência física. No decorrer da evolução social, essa realidade pouco mudou, a ponto de a mulher ainda ser considerada um ser inferior ao homem.
Fundamentando a afirmativa acima, o que se tem hoje é um crescente cenário de violência física e moral contra a mulher. Mesmo que tenha adquirido direitos e que já tenham mais espaço social e autonomia própria, a mulher ainda é a maior vítima de violência doméstica.
Em razão disso, verifica-se que as mulheres ainda continuam morrendo diariamente no Brasil, em decorrência do seu gênero. São tantas violências contra as mulheres (algumas resultando em morte) que a discussão sobre o feminicídio se torna necessário
Ao discutir sobre essa temática, foi importante mencionar a lei que trata esse tema: Lei nº 13.104/2015. Sem adentrar na importância dessa norma, ao qual já é consenso a sua relevância, a mesma não trouxe de forma conclusiva alguns pontos em relação à caracterização do crime para a sua penalidade. Ou seja, fica ainda a dúvida em relação ao que se deve levar em consideração para a formalização do crime em espécie, além da questão de gênero. Soma-se a isso, o principal questionamento que ficou é em relação a sua qualificadora: ela é objetiva ou subjetiva.
Para esse estudo, o entendimento mais acertado é o mesmo propagado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que a qualificadora apresenta natureza objetiva, conforme expresso no art. 5º da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BIANCHINI, Alice. O que é “violência baseada no gênero”? 2016. Disponível em: <https://professoraalice.jusbrasil.com.br/artigos/312151601/o-que-e-violenciabaseada-no-genero>. Acesso em: 12 out. 2020.
BIANCHINI, Alice; GOMES, Luiz Flávio. Feminicídio: entenda as questões controvertidas da Lei 13. 104/2015. 2016. Disponível em: <https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/173139525/feminicidio-entenda-as-questoes-controvertidas-da-lei-13104-2015>. Acesso em: 14 out. 2020.
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