“Consideramos, desde o início, a estrutura básica da sociedade em seu conjunto como uma forma de cooperação”. (Rawls. Justiça e Democracia. p. 157)
1) A posição do Réu
Na inversão do ônus da prova no direito do consumidor faz-se mister considerar a natureza que a relação de consumo implica pois retém qualificação como matéria de ordem pública.
É importante sopesar os interesses em conflito, os quais não são poucos: o devido processo legal, o contraditório, a proteção constitucional ao consumidor, a ampla defesa, o princípio da função social da empresa e o princípio da busca da justiça.
Se a parte autora, consumidor, não faz pedido de inversão do ônus da prova em sua exordial, e mesmo assim o juízo, de ofício concede, aplica, a dita inversão, estará desse modo acarretando uma surpresa para ambas as partes do processo. É importante ressaltar a vontade das partes, a inversão do ônus da prova está aglutinada no rol de direitos do consumidor na Lei 8.078 de 1990 que é o Código de Defesa do Consumidor. A parte processual do CDC está arrumada no título 3.
Todos os direitos do consumidor devem ser respeitados, porém, ao nosso entender, sem ativismo judicial, uma vez que deve ser observado o princípio da inércia do juízo. Por conseguinte se o juízo não for provocado, se a parte não pleitear, aquele não deve conceder direitos que não foram requeridos.
Por ser matéria de ordem em pública, boa parte dos aplicadores do direito entende que o juiz deve, sempre, uma vez presente uma das hipóteses previstas no artigo 6º inciso 8º do CDC, inverter de ofício o ônus da prova.
O mais preocupante ocorre quando o consumidor não é hipossuficiente técnico, ou seja, tem totais condições de produzir em juízo as provas do que alega em sua inicial, e, mesmo assim, o juízo inverte o ônus da prova de ofício.
Da para sentir o braço do Estado sustentando o autor, consumidor, preterindo o réu, que geralmente é uma pessoa jurídica. Esse comportamento paternalista acaba por resvalar no princípio da função social da empresa (disposto na segunda parte do art. 47 da Lei 11.101 de 2005 – Lei de Falências), ou seja, a fonte produtora, os interesses dos credores, o emprego dos trabalhadores, a função social e o estímulo à atividade econômica.
A parte autora deve requerer a inversão do ônus da prova visto que a mesmo é hipossuficiente diante do poder econômico e a impossibilidade da mesma em apresentar as provas, com fulcro no art. 6º, VIII do CDC, determinando a Reclamada que apresente em Audiência de Instrução e julgamento todas as provas que puder e quiser produzir contra a pretensão autoral.
Foi apresentada, até aqui, a visão da empresa. Agora expomos a visão do consumidor.
2) A visão da parte autora
É explícito que nos casos que se trate de relação de consumo, o ônus da prova é da parte Ré, por conseguinte, cabe a mesma, apresentar prova de que o alegado pelo Autorconsumidor não é realidade ou que existe alguma excludente de responsabilidade.
Antes de tecer quaisquer considerações acerca do art. 6º, VIII da Lei n.º 8.078/90 (CDC), cumpre ressaltar o que dispõe o art. 1˚, o qual transcrevemos in verbis:
“Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.” (grifo nosso)
É certo que o art. 6º, VIII do CDC deverá ser analisado conforme o caso, de ofício, pelo juízo, em qualquer instância, como o próprio dispositivo reza e que se torna aplicável ao caso em concreto.
Neste sentido, a explanação do Ilustre Professor SÉRGIO CAVALIERI FILHO, o qual transcrevemos in verbis:
“Pode o juiz proceder à inversão do ônus da prova quando verossímil a alegação do consumidor e/ou em face da hipossuficiência. Verossímil á aquilo que é crível ou aceitável em face de uma realidade fática” (in, Programa de Responsabilidade Civil. 3. ed. Malheiros: Rio de Janeiro, 2002, p. 439).
Com efeito, uma vez que presentes a verossimilhança nas alegações autorais e a nítida hipossuficiência técnica em relação à EmpresaRéu, o ônus da prova deve ser invertido.
3) Conclusão
Esse é o cenário que o juiz encontra: argumentos contundentes de ambos os lados. Para acertar a mão, o magistrado deve recorrer à sua experiência foreira e ao princípio da imparcialidade para que, ao final, seja, sempre, a Justiça realizada!
Professor de Direito Constitucional da Universidade Estácio de Sá. Pesquisador associado ao CONPEDI. Advogado. Pós-Graduado lato sensu em Direito e Gestão da Segurança Pública pelo PPGD/UGF. Mestre em Direito pelo PPGD/UGF-RJ. Doutorando em Ciência Política e Relações Internacionais pelo IUPERJ/UCAM.
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