Resumo: A investigação é um amplo processo de pesquisa, desenvolvido de modo organizado. No âmbito criminal, é ela comumente realizada no inquérito policial, utilizado pela polícia judiciária para expressar suas conclusões. Seu procedimento deve não só obedecer as diretrizes constitucionais, mas garantir a dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: Investigação. Inquérito policial. Direito de defesa. Contraditorio mitigado.
Resumen: La investigación ésun amplio proceso deinvestigación,desarrollado de manera organizada. En el contextopenal, se sostiene comúnmente ejecutada por la policía judicialque la usa para expresar susconclusiones.Su procedimientono sólo debecumplir conlos lineamientosconstitucionalessino para garantizarla dignidad dela persona humana.
Palabras-clave: Investigación. Averiguación policial. Derecho de la defensa. Contradictorio reducido.
Sumário:Introdução. 1. Bases da investigação. 2. O inquérito como instrumento. 3. O inquérito como direção. 4. Conclusão.Referências.
Introdução
É possível sintetizar o conceito de investigação como um racional processo de pesquisa. Para que sejam obtidos os resultados buscados, é necessário seguir um roteiro preestabelecido, seja ele mental ou escrito, adaptado às peculiaridades do que se deseja apurar. A materialização de elementos indiciários exige uma concatenada execução de atos[i], formalizada, no âmbito da polícia judiciária, em um inquérito policial.
O conceito de investigação deve ser amplo, por natureza, de modo que há milhares de apurações possíveis. Essa atividade de pesquisa será qualificada a partir da condição pessoal ou profissional do explorador e do tipo de pesquisa que se deseja realizar. Não devemos associar esse permanente processo de indagação a um ritual complexo, no qual imperem fórmulas mirabolantes, mas sim a uma lógica e organizada sequência de questionamentos.
1.As basesda investigação
Investigações resultam da soma de experiências pessoais e profissionais do próprio investigador. Isso não quer dizer, entretanto, que otempo de atuação profissional assegurará o sucesso da pesquisa. Bem por isso, uma rica investigação também requer do pesquisador uma adequada base conceitual e a capacidade de corretamente enquadrar a teoria à prática.
Na medida em quea investigação é uma exteriorização do pensamento humano, há pesquisas mais ou menos exitosas. Em regra, a correta definição do caminho a ser seguido (e a capacidade de segui-lo) – efetuando novas decisõescom base em necessidades que eventualmente surjam – produzirão uma investigação efetiva, sendo o inverso capaz de causar fracassos.Dessa maneira, em se tratando de uma investigação criminal, a linha investigativa escolhida deve ser clara e adaptável à dinâmica dos fatos delitivos, de modo a permitir ao investigador retomar o rumo ou definir novas diretrizes.
Ao lidarmos com uma atividade de pesquisa, é essencial ter método, definir o objeto, conhecer o arcabouço normativo, determinar um plano de trabalho, ter à disposição ferramentas de análise e reanálise dos resultados, tendo-se, ao fim, um breve ciclo PDCA[ii]. Investigar é uma ciência, e como bem explica Eliomar da Silva Pereira (2010, p. 61):
“Embora o ponto de partida, para que possamos falar em investigação criminal científica, seja seu enquadramento em um padrão de investigação assim qualificado, não se pode nunca descuidar de que a investigação criminal é atividade desenvolvida em função de um sistema jurídico-penal que possui finalidade própria, que é a elucidação de fatos e busca da verdade a respeito de um crime (a), e limites normativos intrínsecos e anteriores, condicionantes de qualquer método de investigação pretendido (b), os quais constituem as especificidades mais marcantes dessa categoria de investigação a serem consideradas”.
2. O inquérito como instrumento
Ainda que o inquérito policial necessite de aprimoramento, é ele o instrumento por meio do qual a polícia judiciária externa suas conclusões. Bem instruído e livre de atos desnecessários, tem ele possibilitado à sociedade conhecer fatos que, diga-se de passagem, vêm aprimorando a democracia, à medida que descortinam graves fatos criminosos. Não há dúvida de que a nova ordem jurídica reivindica sua modernização, sendo descabida a afirmação de que é o inquérito policial uma peça “meramente informativa”[iii], ou ainda de que nele o investigado assume a posição de “simples objeto de um procedimento administrativo”[iv]. Aliás, caráter “informativo” também têm vários outros procedimentos, sem que se observe, por lá, a utilização do termo de modo um tanto pejorativo.
A atual interpretação das diretrizes constitucionais e processuais penais demanda uma contemporânea forma de enxergar o inquérito policial. Também compreendido como instrumento de garantias, serve ele ao esclarecimento dos fatos e à busca da verdade. Não por outro motivo, o projeto do novo Código de Processo Penal lista uma séria de garantias ao investigado, em especial, quando relacionadas ao seu indiciamento e ao seu interrogatório[v][vi].
Assim como o formalmente acusado, também tem o investigado direito a um inquérito que dure não mais que o tempo necessário à determinação de autoria e obtenção da materialidade; a umacorreta – ainda que preliminar – subsunção da conduta à norma; a ser tratado como sujeito de direitos, e não como banal objeto de investigação; a requerer o que entender devido ao pleno exercício do seu direito de defesa; a buscar a paridade entre o patrocínio da defesa e o exercício do jus puniendi. Esse respeito ao investigado não só ratifica a lisura da investigação, mas realça o seu caráter democrático e imparcial.
Conciliar tempo e efetividade não é tarefa fácil. Muito se fala de investigações demoradas e do constrangimento causado pelo indiciamento, mas não são levadas em consideração as vicissitudes da norma e a pesada estrutura do estado-investigador. Em regra, encontrar o equilíbrio entre a otimização de meios e a necessidade de realizar uma investigação sem falhas requer tempo. Além disso, é oportuno destacar o tempo gasto com as análises feitas pelo judiciário e pelo ministério público, em regra não computado no total dispendido pela polícia judiciária.
No que tange à busca por melhores práticas, exercem papel fundamental as corregedorias de polícia. Ainda que tenhamos o judiciário e o ministério público em seus respectivos papeis, são as correntes análises de forma – e eventualmente de mérito –, realizadas quando da tramitação do procedimento em sede policial, as que mais rapidamente permitem a identificação dos erros cotidianos, fazendo surgir a oportunidade do reparo interno e do aperfeiçoamento de rotinas. Não têm as corregedorias apenas (como se apregoa) a função de apurar as más-condutas dos servidores, policiais ou não. Essenciais são os controles de forma, a identificação de linhas investigativas eventualmente obscuras ou equivocadas, o estabelecimento de normativos claros e que reflitam modernas práticas processuais, e por óbvio, o especial tratamento à orientação (prevenção), e não somente à punição(repressão).
Não devemos compreender o inquérito como um caderno apuratório marcado pelo excesso de formalismos, mas fato é que a atualização dos seus atos não exclui a necessidade de formalização. O registro, seja ele em papel ou em sistemas de informática, permite a auditoria do que foi feito, e sobretudo, uma reavaliação dos resultados alcançados. Esse processo de análise e reanálise é, sobretudo, importante àcorreção de rumos e à adequação da forma à finalidade pretendida, em um procedimento no qual se deve privilegiar o in dubio prosocietate, ainda que também presente o contraditório mitigado[vii].
3. O inquérito como direção
Oprincipal meio pelo qual uma equipe de investigadores apresenta o resultado do seu trabalho à sociedade é pelo inquérito. Por esse procedimento de apuração, a polícia judiciária legitima seus requerimentos ao judiciário e encaminha ao ministério público o fechamento de uma investigação. Atacado de várias formas, é o inquérito um instrumento de apuração previsto no art. 4º e ss, do Código de Processo Penal.
Ainda que se tenha falado em contraditório mitigado, a condução do inquérito deve ser imparcial, dada a possibilidade de restrição de direitos. Não se presta o procedimento a perseguições ou a constrangimentos; pelo contrário. O objetivo é esclarecer com respeito às garantias legais, estabelecendo um equilíbrio entre investigação e defesa, permitindo, por exemplo, que o advogado sugira diligências que se mostrem relevantes ao amparo do investigado.
Nessa linha, está para ser integrado ao ordenamento o PLC 78/2015, que altera o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil para nele inserir direitos do advogado no âmbito da investigação criminal. Se for sancionado em sua inteireza, será obrigatória a presença do defensor quando da realização de depoimentos e interrogatórios, sob pena de nulidade dos atos realizados e daqueles subsequentes[viii]. Verifica-se, assim, a tendência em assegurar ao investigado direitos que o coloquem – em certa medida – com instrumentos similares àqueles do estado-investigador.
Infelizmente, o inquérito tem sido instaurado à apuração de delitos insignificantes, que não deveriam ter o condão de movimentar toda a máquina estatal. Não se vê seletividade. De uma parte, temos o ministério público fazendo, em algumas ocasiões, mau uso do seu poder de requisição, o que acaba por afastar a polícia judiciária da apuração de delitos graves. De outra, falham as corregedorias, que poderiam exercer umjuízo mais apuradono diagnóstico das noticías-crime e das próprias requisições,impedindo o início de investigações natimortas.
Importante é não banalizar a ferramenta. Devemos lembrar que ela tem um alto custo ao estado, na medida em que demanda – e de certa forma obriga – o emprego de recursos financeiros e humanos. Ainda que voltado à apuração de fatos, a instauração de um inquérito pode causar ligeiro constrangimento, mesmo não resultando em indiciamentos ou no cumprimento de ordens judiciais.Alçado então à condição de investigado, ostenta o indivíduo uma posição desconfortável, que exige de si uma postura mais atenta.
A modernização deste procedimento deve, sem hesitação, abarcaro respeito ao exercício do direito de defesa do investigado e a eliminação de atos cartoriais desnecessários. É urgente torná-lo ágil, leve, de maneira que seja transformado em expedientemenos burocrático, no sentido comum do vocábulo. As modificações normativo-processuais feitas ao longo dos últimos anos devem reverberar no âmbito do inquérito, atualizando-o, legitimando-o, levando-o ao aperfeiçoamento.
Vale apontar a colocação feita por Fauzi Hassan Choukr (2006, p.11)quando pleiteia, na medida do possível, a observância de garantias processuais já na investigação. E prossegue:
“Colocada a proposta nesses termos, a inserção de garantias constitucionais desde logo na investigação criminal, naquilo que for possível e adequado à sua natureza e finalidade, aparece como ‘passo adiante’ na construção de um processo penal garantidor, entendida esta expressão como sendo o arcabouço instrumental penal uma forma básica de proteção da liberdade individual contra o arbítrio do estado. Mais ainda, preconiza uma nova postura ética do Estado para com o indivíduo submetido à constrição da liberdade, elevando sua condição de pessoa humana independentemente do feito cometido e colocando pautas mínimas de materialização dessa nova ‘condição humana’ no processo”.
Obviamente, nessa fase pré-processual prepondera o contraditório mitigado, desprovido da amplitude que alcança na fase processual. Isso não quer dizer que o procedimento não contemplará as diretrizes constitucionais, em essencial, o respeito à dignidade humana. Além disso, o inquérito não terá seu rito de tramitação submetido ao alvedrio do delegado de polícia, sendo necessária a obediência a outros diplomas legais, como o Código de Processo Penal e às normas internas das instituições policiais[ix]. Estamos a tratar de um procedimento escrito, formal e que muito poderá contribuir à instrução do futuro processo.
Se mantivermos como diretriz de atuação a aplicação dos valores constitucionais e sua penetração no âmbito do direito penal e do direito processual penal, não há dúvidas de que determinaremos limites claros à investigação e àquilo que será levado ao inquérito. As normas existem e os vetores, implícitos ou explícitos, já estão presentes no ordenamento. A questão é de que maneira serão aplicados e de que forma legitimarão determinada investigação. Nesse sentido, Francisco Palazzo (1989, p.30):
“A bem dizer, os grandes problemas a respeito da legalidade não surgem com a formulação da norma penal, de modo a permitir uma direta aplicação de regras, princípios os direitos de liberdade constitucional, como se verifica nos casos em que o tipo penal contenha noções constitucionais ou quando se trate de aplicar a descriminante relativa ao exercício de um direito de liberdade constitucional”.
4. Conclusão
O inquérito policial não é um fim em si mesmo. Tendo a sua instrução mais “próxima” da prática do crime, consubstancia ele um documento não só informativo, mas acima de tudo, persuasivo. Quando bem documentado, serve ele de norte à realização de vários atos processuais, isso quando não abraça alguns atos que dificilmente serão repetidos, como no caso de exames periciais. Essencial é que seja modernizado, que seja legítimo enquanto meio e que encerre diligências voltadas à busca da verdade possível, doa a quem doer.
Delegado de Polícia Federal. Especialista em Segurança Pública pela UFPA. Instrutor na Academia Nacional de Polícia
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